Na Ponta dos Pés escrita por Maybe Shine, Bibiana CD


Capítulo 5
A gente se acostuma com pancadas na cabeça


Notas iniciais do capítulo

Não conseguimos pensar em outro título para o capítulo. Quer dizer, a outra opção era "Baby, o porquinho atrapalhado", mas achamos melhor esse... pelo menos eu achei. E a demora, infelizmente, continua... mas nós estamos postanto! Bem, esperamos que gostem. Mas se não gostarem, tudo bem, né? A vida não é pudim.



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As garotas dançavam no ritmo da música e eu não conseguia acompanhar, por mais que aguçasse os ouvidos e olhasse para elas. Eu tentava. Juro que tentava fazer todos os passos no tempo certinho, mas não conseguia.

Aquilo tudo foi torturante ao ponto de me deixar incrivelmente feliz as palavras da professora anunciando o fim da aula na barra, e nos mandando repassar as coreografias.

Só que eu não devia ter ficado feliz. É claro que não, porque, não sei se vocês já perceberam, fico feliz apenas nos momentos inapropriados.

Enquanto dançava toda a minha concentração deveria estar focada em Camila, minha parceira de dança.

Não havia jeito de me concentrar. E foi ai que aconteceu, por que ela veio correndo em minha direção. E, no mesmo momento, eu vi pela porta aberta alguém correndo também, corredor afora. E tinha cabelo vermelho.

Só vi porque aquele cabelo cor de salsicha chama mesmo a atenção. Sabe? Salsichas, aquelas que vêm numa latinha que nem o milho e a ervilha. Sabem, não é? São super boas e tão divertidas. Bem nanicas mesmo.

Mas eu estava falando da garota. E, bem, naquele momento eu soube quem era ela. Por que aquele cabelo era inconfundível.

E já fazia algum tempo que eu queria falar com ela. Mas Sam parecia sempre sumir quando eu estava por perto. E agora ali estava ela, correndo desvairada pelo corredor como se tivesse acontecido uma fuga em massa da área 51 e todos aqueles monstros estivessem atrás dela.

Mas eu não devia estar pensando nisso. Quero dizer, em salsinhas, na Sam e monstros em fuga da área 51. Pois a Camila ainda estava correndo na minha direção. Ela vinha com tudo, correndo graciosa ao caminho do nada. E ela iria direto pro chão e eu sabia. Devia ter elevado os braços, me preparado para pegá-la com firmeza. Mas já era tarde e eu já sabia, sabia que aquele era meu fim. E o dela.

Então ela veio. Atirou-se nos meus braços e caiu, um instante depois, no chão. Foi uma simples questão de segundos e as lágrimas explodiram dos seus olhos - o que não a atrapalhou muito na hora de me encarar com uma raiva assassina.

A professora gritava algo comigo, enquanto ajudava Camila. Só que eu não ouvia.

Fiquei passando o meu peso de uma perna pra outra, olhando para porta e pensando se ainda teria chances de correr atrás de Sam.  Queria alcançá-la, queria sair da sala.

As garotas gritavam.

- Edmund, o que você fez?

- Edmundo, você esta louco?

- Edmundo, andou cheirando giz?

Eu queria desesperadamente sair dali.

Poderia até ter cruzado porta a fora, e, confesso, cheguei a cogitar a possibilidade. Só que achei uma ideia muito indigna, pois não sou covarde, não sou de sair correndo quando tem um problema perto ou uma ruiva passando.

Mas logo descobri uma coisa: eu deveria ter saído correndo quando tive a chance.

- Você é um imbecil! – gritou Ana. E ai senti que se aproximava, rápido demais, o meu fim precoce.

As garotas, lideradas por Ana e sua expressão de Xena, a Princesa Guerreira, se aproximaram rapidamente e começaram a jogar sapatilhas em mim. No meio daquilo tudo algumas risadas e uns nomes feios, e, tudo bem, eu poderia suportar isso sem grades problemas.

Até que uma coisa dura acertou minha cabeça e tudo escureceu.

- Baby...

- Hã?

- Baby...

Abri os olhos devagar. Tudo a minha volta estava embaçado e girava. Girava, girava, girava.

- Hã? – perguntei.

Uma voz veio fraquinha de muito longe, como num sonho.

- Você é o baby, o porquinho atrapalhado na cidade?

- Eu sou... eu sou o baby?

- Sim, o porquinho.

- O rosa?

- Sim...

O ultimo sim veio acompanhado de risadas. Pisquei os olhos devagar e as coisas voltaram a seus devidos lugares, desembaciando vagarosamente, até que apenas um rosto risonho entrou em foco.

Um rosto laranja.

Pisquei os olhos com força.

- Sam? Que... que diabo?! – percebi que estava deitado e que Sam não parava de rir. Ela estava sentada ao meu lado, em um banquinho e tudo ao redor era claro e esquisito.

Eu não sabia onde estava, e Sam não parava de rir.

- O que estou fazendo aqui, Sam? E voc... au, minha cabeça!

Levei a mão até a cabeça e senti uma coisa dura um pouco acima da orelha. Doía pra caramba, latejando sem parar.  Sam me encarou séria por um instante antes de abrir um sorrisinho diabólico.

- Uma sapatilha assassina.

- Como assim?

- Uma das garotas atirou uma sapatilha de ponta em você. E, meu Deus, ela deve ser forte! Porque você caiu duro lá na sala, com a linguinha pra fora e tudo mais.

- Eu desmaiei?

- Por causa de uma sapatilha – quando Sam disse a palavra sapatilha suas sobrancelhas curvaram-se como se fosse rir.

- Era uma sapatilha... dura.

- Ainda assim era uma sapatilha.

- Poxa vida, era uma sapatilha de ponta!

- Mas ainda assim era uma sapatilha.

- Claro, claro.

Tentei levantar e doeu. Sam ria baixinho enquanto me endireitava na maca. E foi ai que percebi assustado e um tanto envergonhado que eu estava em uma maca, no ambulatório como os garotos de sete anos que de repente chegam ao lado da professora sorrindo doidamente com o nariz ensopado de sangue dizendo: acho que machuquei, sora.

- Faz quando tempo que estou aqui?

- Uns minutinhos – disse Sam, encolhendo os ombros.

- E você?

- Acabei de chegar – ela disse desviando o olhar para a janela. Sorriu – eu não perderia a chance de vê-lo nesse estado, Baby.

- Essa história ai de Baby...

- Falando sério, você fica um amor quando esta meio morto.

- Obrigado.

Cruzei os braços diante o peito. Sam estava debochando da minha situação seriíssima e isso me humilhava. Estar em uma maca me humilhava. Olhei apressado para baixo. Obrigado Deus, pensei, pelo menos não me vestiram com aquelas roupas ridículas que deixam o bumbum de fora.

O silêncio encheu a sala por alguns segundo que demoraram a passar.

Sam murmurava uma melodia, assim, bem baixinho. Ela ainda estava sentada no banquinho, com uma seringa passando de uma mão para a outra.

- Eu quero sair daqui – sussurrei.

- Então saia.

- Não consigo... dói.

Sam revirou os olhos. Para minha felicidade largou a seringa na mesinha.

- Aonde você vai?

- Ora, chamar a gorda da enfermeira.

- Bobagem, não precisa.

Ela me lançou um olhar cético, já com a mão na maçaneta.

- Você não diria isso se visse o tamanho da bola que esta saindo do meio dos seus cabelos. Parece uma segunda cabeça.

Não consegui dizer nada, fiquei espantado e ela saiu.

Um tempo depois o Newton entrou na salinha. A enfermeira já havia passado e dado um tapinha na minha cabeça dizendo que eu era um menininho muito fraco, por isso fiz aquele escândalo por nada. Mas, mesmo parecendo um tanto insensível, ela se mostrou gentil ao dizer que era melhor eu ficar por ali até o fim das aulas, quando minha mãe passaria para me levar para casa.

Eu não queria de jeito nenhum que pensassem que eu estava realmente mal por causa de uma pancada à toa. Mas não precisei me preocupar demais, pois quando se tem um amigo como o Newton a gente se acalma logo.

- Apesar da alta incidência de traumatismo craniano, felizmente, tanto nas incidências americanas quanto nas nacionais, a grande maioria, 50 a 75%, são considerados leves, não apresentando o paciente qualquer sinal ou sintoma de lesão neurológica, de fratura de osso craniano ou do próprio cérebro.

- Caramba, surgiu apenas um galo!

- Não se engane Ed, não se engane! – ele levantou um dedo e apontou para mim - E, lembre-se, caso houver perda de líquidos ou sangue pelo ouvido ou pelo nariz, avise alguém imediatamente!

Como disse, com alguém como o Newton por perto a gente fica muito, mas muito sossegado.

Vou contar pra vocês, o Newton é um cara muito legal.  Ele não é simplesmente nerd, nada disso, seria modéstia usar esse termo. Ele é, desde muito antes de nerdismo ser moda, um anti-herói perfeito. Têm um jeito esquisito de andar com os ombros curvando-se para frente, e o cabelo rebelde e uns óculos de armação grande, como os da sua avó. As suas camisas são sempre dez centímetros mais cumpridos que os suéteres e, de algum jeito absurdo, ele consegue ser humilde o tempo inteiro. Tipo quando passa em todos os testes com notas altíssimas e vem me ajudar a tentar chegar à média.

Ele é um cara muito legal.

E tenho muito orgulho, por ele, já que ele não tem nenhum mesmo. E todo esse orgulho uso para dizer que, já que a Lisa não serve, ele é meu irmão. Se não de sangue, de qualquer outra coisa que faça com que duas pessoas se entendam tão bem o tempo inteiro.

Espero que, no nosso caso, seja o tempo de uma vida. Ou talvez de uma vida e meia, porque não?

Depois de todo o incentivo que deu, sentou-se no banquinho onde estava Sam um tempo atrás, me avaliou com o olhar e soltou um grunhido estranho.

- O que foi isso?

- Grrr.

- Newton! O que é isso?

- Estou pensando.

- E por acaso é preciso roncar para pensar?

- Olha quem esta falando. Não sou em quem chega a babar quando esta pensando excessivamente em algo inútil.

Fiquei ofendido com aquilo.

Não é porque uma babinha de nada escapa pelo canto da nossa boca quando a gente sonha acordado que se pode debochar assim. E, fiz questão de lembrar para Newton, eu só babara uma vez na vida.

- Tudo bem, Ed. Eu estava brincando.

Ele sorriu sem jeito, encolhendo os ombros ossudos.

- Tudo bem.

- Diga-me uma coisa...

- Sim?

Newton apertou as mãos, muito sem jeito.

- Quem era ela?

- Ela quem?

- A garota.

- Que garota?

- Ed, você esta sofrendo de amnésia causada por aquela pancada? – ele esbugalhou os olhos atrás dos óculos. Parecia estar falando sério.

- Não, é claro que não. Mas, hm, qual garota? A Sam?

- Sam é aquela ruiva?

- Pois é...

Newton apertou os óculos contra o rosto. Todo o corpo mexia. É que ele é um pouco hiperativo, fica quicando na cadeira o tempo inteiro. É bastante engraçado isso nele. Mas ele não acha.

Estreitou os olhos na minha direção antes de falar.

- Ela ficou aqui o tempo todo.

- Como assim?

- Quando a enfermeira carregou você para cá, ela... Sam... ela apareceu no corredor e seguiu vocês até esta sala. Eu me ofereci para ficar lhe fazendo companhia, mas ela recusou prontamente, dizendo que não havia problema algum em ficar aqui e ver se você estava bem.

Fiquei me perguntando se devia achar assombroso o fato de Sam ter feito o que fez ou da enfermeira ter me carregado até ali. Permiti-me pensar por dois segundos na enfermeira me carregando em cima do ombro como se eu não passasse de um saco de batatas, e isso quase me fez rir, mas o olhar de Newton exigia uma explicação, e logo passei a pensar em Sam.

- Newton, preciso contar uma coisa.

Ele encostou os cotovelos na beirada da cama e me olhou explodindo de atenção.

- É só falar, meu caro.

Eu sempre planejo minhas sextas com muito afinco.

Por que sexta-feira é um dia especial. De verdade. Não é como o domingo quando passa Domingão do Faustão e a gente tem que ir visitar a avó. E nem como no sábado que serve apenas para dormir e ver filme à noite. Sexta é um dia mágico. Simplesmente por que é sexta.

- Isso não foi uma boa ideia.

- Relaxe, Newton.

- A probabilidade de isso dar certo é de dois, ou talvez três para cem. Compreende?

- Acho que sim.

- Então vai desistir?

- Claro que não.

- Grrr.

Newton estacionava seu patinete na calçada com muito cuidado. Ele usava sua blusa com o símbolo do Flash. Eu até já tinha pedido para que ele não a usasse. Na hora pensei em dizer o quanto era bobo usar aquela camiseta, mas, pensando bem, era melhor do que a do super-homem. Não que a blusa do super-homem fosse tão ruim assim, porque é bem bonitinha e tudo mais, o problema estava todo naquela capa vermelha...

Abanei para ele sinalizando que iria, atravessei o gramado e parei olhando para cima.

- É agora – murmurei me achando muito legal.

Peguei uma das pedras que estavam perdidas no jardim e mirei na janela da esquerda, no segundo andar. Dei impulso com o braço e a pedrinha voou pelo céu. Voou, voou bem alto. Subiu, subiu, voou, voou. E caiu dois metros à minha frente.

Fiz uma careta e peguei outra pedra.

Essa acertou o alvo. Esperei, mas nem um sinal de Sam.

- Acho que ela esta dormindo – sussurrou Newton de longe.

É, pensei, não deu certo.

E eu já estava desistindo, dando as costas e saindo quando, plaft!, algo caiu na minha cabeça me fazendo gemer, olhar para cima e sentir uma dor aguda no meio da cabeça.

Não necessariamente nessa ordem.

- Sam! – choraminguei segurando a cabeça.

Ela estava na janela, com metade do corpo para fora e uma mão estendida como se tivesse acabado de jogar algo. Uma pedra. Droga, esse não era o plano. Não era para eu ser atingido por uma pedra idiota.

- Nunca mais toque nada para dentro da minha casa, seu estúpido.

Seu cabelo parecia uma nuvem de fogo em volta de seu rosto irritado. E, não pela primeira vez, senti muito medo daquela garota.

- Desculpe.

Ela me olhava, muito aborrecida.

- Por que está aqui, Edmundo?

- Por que... bem, desça que conto. E é Edmund, quantas vezes terei que dizer?

Sam resmungou baixinho. Por um instante pensei que ela não desceria, mas ela acenou e pediu para que eu esperasse um minutinho.

Virei-me para Newton e fiz sinal de ok.

E foi ai que, pela segunda vez, senti uma dor aguda. Uma dor que se distribuindo por todo meu corpo, mais que teve inicio bem no meio da cabeça. De repente o chão não estava tão longe assim, e a grama e a terra e as minhocas que não consegui ver, mas que tive consciência da presença, me invadiu o rosto. Cai de boca na grama molhada do jardim de Sam, com ela em cima de mim.

-Sam! – gritei enquanto me levantava e sacudia a terra da roupa.

Louca, pensei, essa menina é louca!

Ela revirou os olhos e depois me fitou.

-Afinal, o que você quer?

Estava muito aborrecido, mas precisava falar. Queria bater nela com qualquer coisa, mas era mais aconselhável falar. Então contei meu plano.


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Notas finais do capítulo

Ficou bom, heim?