Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 80
vida 5 capítulo 29




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MANHÃ SEGUINTE AO ATAQUE AO HOSPITAL, PROPRIEDADE HELMS

Quando as forças policiais de três condados cercaram e invadiram a propriedade Helms encontraram os portões abertos e ninguém para recebê-los. Nem seguranças, nem empregados, nem mesmos animais.

Chamava a atenção o contraste entre as árvores do interior da propriedade e as da vizinhança. Na propriedade, as árvores estavam cercadas por tapetes de folhas mortas. As próprias árvores pareciam estar ressecando rapidamente e morrendo. Grama e plantas menores já estavam mortas.

O interior da Mansão estava vazio. Nenhum móvel, nenhum quadro, nenhum objeto visível. Não fosse pela ausência de pó, pareceria que o imóvel estava desocupado há anos. O mesmo em outras construções menores da propriedade. Garagem sem veículos. Celeiro, sem feno e sem lenha. Nada ficara para trás.

A polícia técnica não encontrou quaisquer vestígios de sangue na Mansão, nem mesmo no quarto onde Adam foi baleado. Da proprietária, nem impressões digitais, nem fios de cabelos, nem nada que permitisse um exame de DNA.

Nathalie Helms era suspeita de inúmeros desaparecimentos que aconteceram na região durante os últimos dez anos. O andar subterrâneo, que podia ser facilmente confundido com uma masmorra medieval, foi minuciosamente esquadrinhado e nada. Tudo ali indicava a manutenção de um cárcere privado, mas o lugar, imundo e fétido, aparecia nos testes como quase asséptico. Nada que fornecesse uma prova científica para uma acusação de assassinato.

As buscas por um cemitério clandestino levaram a polícia a escavar, nas semanas seguintes, diversos pontos do terreno da propriedade, sem nenhum sucesso. Nem mesmo um gato parecia ter sido enterrado ali. Dos ghouls mortos no ataque ao hospital, nem sinal.

Na verdade, as provas estavam ali, a vista de todos. O revelador químico acusava sangue por todos os cantos. Na cela em que Dean e Kyle foram jogados, os fragmentos de ossos humanos e os retalhos da roupa do rapaz sujos de sangue continuavam exatamente onde foram deixados. No entanto, um poderoso feitiço impedia que a mente registrasse o que os olhos captavam. As fotos mostravam o chão manchado de sangue coagulado, mas a imagem que chegava ao cérebro parecia o resultado de um photoshop mágico, onde o sangue não aparecia.

Quanto aos ghouls mortos, era verdade que não estavam mais ali.


Catherine Hayden fora encontrada desacordada no banco do motorista do próprio carro. Tivera uma crise histérica ao ser despertada e ficara um dia inteiro em observação, mas não apresentava ferimentos aparentes e não tinha sofrido violência sexual. Apenas o hematoma resultante do murro que a deixara desacordada estava bem visível em sua pele clara. A arma com a qual saíra de casa não foi encontrada.

A Sra. Hayden se recusava terminantemente a falar sobre a sua traumática batalha com a feiticeira. Sentia-se humilhada e derrotada, mas fora o golpe mais duro desferido contra a bruxa nos últimos trezentos anos. O ataque psíquico podia tê-la enlouquecido ou matado de ataque cardíaco induzido por medo. Ter sobrevivido já seria uma vitória. Retomar sua vida normal em menos de uma semana mostrava o quanto ela era forte. Por mais que não acreditasse, saíra vitoriosa. A feiticeira batera em retirada.


Não haviam fotos para serem divulgadas e os retratos falados feitos a partir da descrição de pessoas diferentes levavam a imagens de mulheres completamente diferentes, como se cada pessoa a visse de uma forma. Mais uma vez a bruxa levara a melhor sobre a lei.

De bom, o fato da cidade ter ficado livre da feiticeira e dos ghouls. Os desaparecimentos, as mortes, o clima de medo continuavam registrados nas edições antigas de jornais e revistas locais e nos arquivos das transmissões diárias dos telejornais da região, mas poucas pessoas lembravam espontaneamente destes fatos. Parecia algo remoto, que tinha acontecido há muito tempo atrás. O feitiço de esquecimento fora eficiente em afastar as evidências de algo sobrenatural em ação na região.

Ficara o trauma de um mal explicado ataque terrorista ao hospital distrital de La Grande.

E muitos mortos a serem chorados.



MANHÃ SEGUINTE AO ATAQUE AO HOSPITAL, HOSPITAL DISTRITAL DE LA GRANDE

O homem de longos cabelos cor de trigo cruzou o destruído portão do hospital distrital mais ou menos na hora que viaturas da polícia entravam na propriedade Helms. Olhou ao redor. Agentes federais estavam por toda a parte. Claro, devia ter imaginado. O papo de ataque terrorista e coisa e tal. Teria que mostrar documentos para entrar.

Mostrou a falsa credencial de federal. Derek Knight. A foto na carteira era de Adam, mas a semelhança entre eles enganava. Ele podia alegar que a foto era antiga e que a diferença estava no corte de cabelo, bem mais curto na ocasião da foto. Ele aparentava o quê? Uns quarenta, quarenta e dois anos. O Adam desta realidade tinha talvez vinte e nove anos, a mesma idade que Dean teria se tudo estivesse no seu devido lugar.

Tentou subir direto, mas foi barrado pelo segurança, que o dirigiu para a recepcionista. Conquistou a recepcionista com seu melhor sorriso e com o verde translúcido de seus olhos. Uma reação que estava mais que acostumado e da qual sentira falta. Nisso, ele e o homem que se tornara se pareciam. Eram sedutores por natureza. Bons amantes e péssimos maridos. Bem, o homem fora um péssimo marido. Ele apenas pressentia que seria.

Funcionários de limpeza tentavam apagar as marcas do ataque da véspera, mas elas estavam por toda a parte. A parte mais visível eram os vidros quebrados das janelas, que ainda demorariam a ser substituídos.

Parentes dos pacientes internados no segundo piso buscavam desesperados por informações ou choravam a morte das vítimas da ação terrorista.

As respostas que os parentes buscavam eram dificultadas pelo fato dos atendentes por não serem os mesmos que viveram a longa noite de terror. O hospital operava em turnos e os médicos no esquema de plantão. A troca de turno fora a mais conturbada da história do hospital. Ninguém podia afirmar se a medicação correta fora ou não administrada aos pacientes. Os computadores não mais refletiam quem estava aonde. Muito menos o que acontecera com quem estava desaparecido. E os desaparecidos eram muitos. Eles nunca seriam encontrados.

Ao menos as atenções haviam sido desviadas dos Winchester. O delegado Hayden omitiu a participação de Sam Winchester na terrível batalha que havia sido travada. Seria muito difícil o delegado explicar o motivo dos irmãos terem sido integrados à força policial da cidade numa operação não oficial contra monstros que desapareceram no ar. Afinal, eram civis e estavam correndo sério risco de vida. O melhor para todos seria apresentá-los como vítimas inocentes da ação terrorista. Owen e Ashley concordaram em corroborar com a versão.

A entrevista do segurança sobrevivente exaltando a ação heróica do investigador Robinson facilitou tudo. A mídia já tinha o herói que buscava.

O homem de cabelos cor de trigo ainda estava se acostumando a conviver com dois conjuntos de memórias separadas por milênios. As memórias do jovem caçador de demônios do Kansas vindo de outra realidade e as memórias do guerreiro experiente, que convivera com deuses, desafiara mares e enfrentara monstros, tantos séculos antes.

O príncipe tessálio aceitara grandes desafios e colecionara grandes vitórias. Mas não houve honra nestas vitórias. As vitórias de Iάσων nasceram maculadas pelos estratagemas da feiticeira da Cólquida. Ela era sempre fora louca e descontrolada, mas ele fechou os olhos para isso enquanto foi conveniente. Ele nunca teve a real intenção de fazê-la rainha da terra de seus ancestrais. Como se o fato dela ser uma feiticeira bárbara apagasse a dívida de honra que tinha com ela. Como se Μηδεια fosse o tipo de mulher que aceitasse ser desprezada.

Ela se vingara tirando tudo que lhe era caro. Sua morte, anos depois, fora inglória, uma piada de mau gosto digna do Trickster. O livro infantil idealizava um Jasão que nunca existiu. Iάσων nunca foi um verdadeiro herói. Quanto a isso, ele tinha muito a aprender das memórias compartilhadas com Dean Winchester. Não é todo mundo que ganha uma segunda chance, principalmente quando ela vem 3.300 anos após a própria morte.

O garoto Milligan se fora para sempre. O homem de cabelos cor de trigo não tinha mais a fragilidade e emotividade características dele. Nem sua inocência.

Ali, na recepção do hospital, ao se dar conta que seu coração batia descompassado e que em sua mente se misturavam ansiedade e medo do que estava prestes a escutar, Dean teve certeza que continuava a ser basicamente ele mesmo. Embora agora ostentasse o visual do príncipe tessálio em seu momento final, era Dean quem estava no comando.

– Sim?

– Derek Knight, FBI. Ontem à noite, deram entrada dois homens com ferimentos sérios à bala. Como eles estão?


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Notas finais do capítulo

12.03.2011
O Jasão do mito, desonrado e abatido, sentou no cais à sombra da abandonada nave Argo e uma peça de madeira da proa da nave caiu sobre ele, matando-o.