Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 55
vida 5 capítulo 4




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Ele tinha longos cabelos da cor de campos de trigo prontos para a colheita e olhos sedutores de um verde só encontrado no oceano em dias de tempestade. Um homem feito com as feições suaves de um menino e um sorriso malicioso no rosto. Um homem corajoso que viera de muito longe e a enfeitiçara.

O homem que a levara até o Céu em noites primaveris iluminadas por tochas.

O homem que a levara ao Inferno, quando ela acordou na primeira noite de inverno e ele não estava mais a seu lado.

Ele a usara e jogara fora quando deixou de precisar dela. Eles tinham jurado amor eterno. Ele jurou que nunca a deixaria. Ele a conheceu quase menina e a abandonou velha, aos 26 anos. Bem, naquela época ela podia ser considerada velha. Não agora, quase 3300 anos depois.

O amor não tinha sido eterno, o ódio sim.

Ela matara e esquartejara um irmão que amava por ele, pelo homem que amava. Fizera isso por amor. O que ela não seria capaz de fazer por ódio? Matara os próprios filhos com suas próprias mãos para que ele sofresse uma fração da dor que ela sentira com a separação. Achou que isso seria suficiente para consumir o ódio de sua alma. Mas não fora o suficiente.

Ela dedicaria sua vida a matar os filhos que ele tivera com outras mulheres. Ela podia não saber ao certo se eram filhos dele ou não. Mas também não importava. Eram homens e, portanto, eram capazes de fazer o mesmo com outras mulheres iludidas. Ela mataria todos que a fizessem lembrar do seu sorriso mentiroso. Suas juras falsas. Seus traiçoeiros olhos verdes.

Ela vagou pelo mundo, cada vez mais longe de sua terra natal. Deixou para trás as águas escuras do Mar Negro, que banhava sua cidade natal, e a visão distante dos picos eternamente nevados do Cáucaso, que guardara da única viagem que fizera com o pai e o irmão. O irmão que a amava e a quem ela matara.

O seu nome era conhecido no mundo inteiro pelas mentiras espalhadas pelo ateniense Eurípedes. Como gostaria de tê-lo matado pessoalmente. Matara dois de seus netos, mas não lhe deu o mesmo prazer.

Muito antes do nascimento de Eurípedes, abandonara o nome que ganhara ao nascer. Cansara daquele nome. Desde então usara muitos outros, afinal vivera entre muitos povos e por um tempo maior que gostava de lembrar.

De todos os nomes que já usara, preferia o que agora ostentava. O nome que ela própria se dera quando viera para o Novo Mundo em 1715. Nathalie Helms.

O tempo acabara por anestesiar sua dor. A princesa que nascera nas margens do lago tão grande que era chamado de mar se acostumara ao verde planalto do Oregon. Chegara na região há dez anos como a jovem viúva de um magnata da madeira e comprara uma grande propriedade ao norte de La Grande. Onde - dizia-se - coisas estranhas aconteciam.

Sua beleza e sua fortuna atraíram muitos oportunistas nos primeiros anos. Muitos deles desapareceram sem deixar pistas. Houve investigações, mas nada foi provado. Para o povo da região, ela era uma feiticeira. Uma necromante. A fama de feiticeira se espalhou e, com o tempo e novos casos de desaparecimentos, o número de novos pretendentes se reduziu consideravelmente. 

Agora, somente forasteiros desavisados se aproximavam de Nathalie quando ela saia à noite. Normalmente, ela dava um passa-fora no atrevido, o que acabava salvando a vida do sujeito. Adam Winchester não teria tanta sorte.

Quando ele se postou junto à mesa em que ela estava sentada, ela estava entretida brincando com a pedra de gelo no copo do scotch single malt que a casa servia exclusivamente para ela. Uma bebida muito diferente do whiskey de cevada vagabundo ali servido para os bebuns da região. Foi por mero enfado que ela dirigiu o olhar para o impertinente dono daquelas roupas surradas e sem nenhum refinamento. Ao vê-lo, sentiu seu coração se incendiar. Era como se voltasse a encontrar Iάσων depois de tanto tempo.

Os cabelos da cor de campos de trigo estavam cortados curtos e olhos sedutores eram azuis e não verdes. Mas as feições suaves de menino grande e o sorriso malicioso no rosto eram os mesmos. A determinação de guerreiro, também. Ao menos, pareceram os mesmos. Depois de 3300 anos e de milhares de rapazes assassinados, como ter certeza absoluta?

Ela convidou Adam Winchester para se sentar em sua mesa e sorriu para ele. Ele sentou e retribuiu o sorriso, baixando a guarda. Ela pousou sua mão sobre a dele. Ele segurou a mão dela, feliz. Concentrados um no outro, eles não perceberam que todos no bar, exceto Sam, que acabara de engolir sua quarta dose, haviam interrompido o que quer que estivessem fazendo e observavam atentos ao que acontecia naquela mesa. 

Nathalie Helms ainda precisava descobrir se o que incendiava seu coração era amor ou ódio. Sentiu desejo nos olhos do homem. Havia desejo também da parte dela. Primeiro, fariam amor. Depois, ela decidiria o que fazer. Talvez o mesmo que fizera com tantos que vieram antes. Cortaria seu corpo em pedaços, ferveria num caldeirão e o devoraria condimentado com ervas finas. E, assim, permaneceria eternamente jovem.


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Notas finais do capítulo

Iάσων = Jasão, o comandante da Argo