Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 154
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 23




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SANTA MONICA

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– O Jasão? Ele pediu que você cuidasse de mim?

– Isso.

– Essa realmente me surpreendeu. Não esperava nada daquele sujeito. Acho que fui injusto com ele.

– Ele está sumido há semanas. Faz idéia de onde ele se meteu?

– Jasão convocou seus antigos comandados dos tempos da Argo para resgatar seu irmão Adam do Inferno.

– Seus comandados? Os argonautas? Eles estão vivos? Mas faz o quê? Três mil anos? Quatro?

– Três mil e trezentos anos. Mas vários deles são semideuses. São imortais.

– Você é um deles? Um dos argonautas originais?

– Não. Eu não tenho nem 300 anos e sou um nyx. Sou alemão e eles são ou eram gregos.

– E de onde os conhece?

– Daqui mesmo. Dos Estados Unidos. Alguns dos argonautas sobreviventes vivem aqui há centenas de anos. O Samuel conheceu o Calaïs. Foi ele quem me salvou quando fui empalado em plena Rodeo Drive. Sou amigo do irmão dele, o Zetes. Foi o Zetes quem me transmitiu o pedido do Jasão.

– Calaïs e Zetes, os argonautas filhos do vento Bóreas. O Zetes não seria, por acaso, o homem desta foto no porta-retratos? O ator Chad Murray?

Necker não responde. Apenas pega o porta-retrato e olha demoradamente para a foto, com um meio sorriso no rosto.

– Eu não estava legal nem poderia estar. Afinal, o Adam teve o corpo destroçado pelos Cães do Inferno. Ele ainda está preso lá. Sofrendo. Mas, isso não significa que eu precisasse de uma babá. Sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesmo.

– Você tinha acabado de perder seu irmão. O Jasão tinha medo que fizesse alguma besteira. Eles todos conviveram com dois argonautas que eram irmãos e eram muito ligados entre si. Κάστωρ e Πολυδεύκης.

– Castor e Pólux, os Gêmeos.

– Quando Castor foi morto por Idas, Pólux abriu mão da imortalidade para seguir com o irmão para o Hades. Zeus acabou transformando os dois em uma constelação. A constelação zodiacal de Gêmeos. Mas não só por isso. Jasão tem as memórias de um homem chamado Dean Winchester, que veio de outra realidade e, nesta realidade, era irmão de um Sam muito parecido com você. Ele acredita que sabe como você pensa. E temia que você tentasse algo do tipo.

– Eu não ia me suicidar. Isso nunca nem me passou pela cabeça.

– Πολυδεύκης também não se suicidou. Mas ele não está mais entre os vivos.

– E essa de irem ao Inferno resgatar Adam?

– Jasão convocou cinco semideuses que foram argonautas para ajudá-lo na tarefa. Não conseguiram contatar Calaïs e deixaram Hércules de fora.

– Hércules? O verdadeiro? Mas ele não morreu envenenado?

– Quando ele foi levado para o Olimpo estava praticamente morto e demorou muito tempo até que estivesse totalmente recuperado. Os humanos que conviveram com ele na época de seus feitos lendários morreram antes que ele retornasse. A História guardou o registro de que ele morrera. Ele deixou por isso mesmo e anda por ai desde então. Mas eu concordo com o Zetes. O Hércules consegue ser realmente insuportável. Ele se acha a cereja do bolo. O Zetes odeia ele. Nunca perdoou o Hércules por ele um dia ter tentado matá-lo. Mas, o Hércules também sabe se mostrar adorável quando quer e, não há como negar, que ele é muito bonito. Muito. Mas é claro que não posso dizer isso na frente do Zetes.

Necker dá um longo suspiro e fica um tempo pensativo, com um brilho no olhar. Sam e Bobby trocam olhares. Talvez o motivo de Zetes não gostar do Hércules não fosse só o problema que tiveram 3000 anos antes.

O clima foi quebrado pelo telefone tocando. Necker conversa com sua agente pela primeira vez desde sua quase morte. Informa que ainda precisa de uma semana para voltar à ativa e que ela pode marcar a sessão de fotos.

Nem se passaram duas horas dessa conversa e o interfone já estava tocando. Sam, que fora até a cozinha atender o interfone, volta com as novidades.

– Amigos seus, Necker. Uma pequena multidão. Estão subindo.

Logo o apartamento de Necker está cheio de gente animada. E Bobby pode constatar que era gente mesmo. Gente de verdade. Pessoal da agência de modelos, principalmente. Desde supermodelos até a recepcionista da agência. Todos preocupados pelo longo período sem notícias e os boatos de que estaria doente. Ninguém ali estava sob controle mental. Tinham vindo simplesmente porque gostavam dele.

– Se você tivesse matado o Necker, teríamos agora com um sério problema com todo esse pessoal.

– Você estava certo, Sam. Ele pode ter sido um dia um monstro. Mas o monstro já deixou de existir. Eu vou voltar para Sioux Falls. Você vem comigo?

– Ainda não. Preciso saber com detalhes essa história do resgate do Adam. E você podia ficar um pouco mais. Posso precisar de você.

– Não pára de chegar gente. Parece que convidaram a cidade inteira. Uau! Olha só o tamanho do sujeito que acabou de chegar. Que camarada enorme.

O recém chegado abre um grande sorriso e abraça forte Necker, que precisa conter-se para não gritar de dor.

– Lars! Ninguém sabia de você. Você deu um susto enorme na gente. Vim assim que soube que estava de volta.

– Preciso sumir com mais freqüência para confirmar que sou realmente querido.

– Claro que você é muito querido. Devia me dar a chance de provar o quanto.

– Vem cá. Deixe-me apresentá-lo a dois novos amigos. Sam. Bobby. Este é Hρακλῆς. Mais conhecido como Hércules.

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INFERNO

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Não eram somente demônios e criaturas infernais.

Tinham que enfrentar também o meio ambiente, ele próprio um inimigo traiçoeiro. O Inferno não é estático. Sua natureza é fluida. Ele se transforma continuamente. Um desafio vencido é imediatamente seguido por outro ainda pior, como num videogame com milhares de fases.

O Inferno não é somente fogo, como muitos cristãos acreditam. O Inferno reúne todos os extremos. Fogo e gelo. Calor ressecante e umidade insuportável. Silêncio e som. Escuridão por todo lado, exceto onde há fogo e lava. No Inferno há sombra e há escuridão. Não há luz. Muito menos luz solar.

Em alguns lugares por onde passaram, o ar era parado e denso, com um insuportável cheiro de enxofre. Em outros, o ar era rarefeito e soprava um forte vento cortante que podia ser horrivelmente quente como a saída de um secador de cabelos ou terrivelmente gelado, como nas mais altas montanhas.

Havia desfiladeiros silenciosos, onde o mínimo som podia ser ouvido a muitos quilômetros de distância, bem como cânions cheios de sons apavorantes vindos de criaturas que o melhor era não tentar descobrir o que eram.

Eufemo indicava a direção e eles caminhavam. Idmon podia invocar fogo e a espada de Gabriel podia tornar-se flamejante. Isso indicava suas posições à distância e atraía predadores, mas não tinham escolha. Precisavam ver onde estavam pisando. O Inferno era cheio de armadilhas.

Eles atravessaram um deserto de areia que parecia interminável, onde seus pés afundavam e avançar poucos metros exigia um esforço sobre-humano. Depois um deserto rochoso, onde o simples contato com as saliências da pedra e suas bordas cortantes significava cortes profundos e esfolamentos que deixavam a pele em carne viva. Depois, campos de algo que parecia capim, mas que cortava como navalha. Bosques de vegetação espinhosa cuja seiva venenosa causava dores horríveis e desordem mental. Florestas cheias de criaturas, principalmente insetos, em medonhas versões infernais das piores criaturas que existiam no mundo real.

A eles, parecia que caminhavam sem parar a quase um ano. No mundo real, ainda não havia se passado uma semana. E ainda estavam longe de seu objetivo. Longe das cidades demoníacas onde viviam os arquiduques do Inferno.

Eles eram sete e cada vez mais agiam em equipe, protegendo uns aos outros. A invulnerabilidade recém-adquirida protegia Autólico de quase tudo e ele servia de escudo para proteger os demais companheiros. Zetes podia controlar a densidade do corpo, mantendo-se imaterial mesmo num plano espiritual. Mas ele também podia criar uma barreira de ar forte o bastante para manter afastadas criaturas aladas e os insetos infernais. Eufemo não afundava na areia macia, assim como não afundava na água, o que permitiu que ajudasse o pesado Palemon a não ser engolido pela areia na travessia do deserto. Com as pernas protegidas pelo exoesqueleto, Palemon avançou como um tanque de guerra pelo terreno hostil carregando Eufemo e Idmon. As espadas de Gabriel e Jasão abriram caminho entre o capim cortante e plantas espinhosas. As visões de Idmon os alertavam a tempo de se prepararem para os ataques das criaturas. Muitas delas tiveram sua existência definitivamente encerrada pelas espadas de Gabriel e Jasão.

Até então eles não tinham encontrado resistência. Tinham passado despercebidos pelos que detinham Poder no Inferno. Mas isso não duraria muito.

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– Zetes!

– O que tem o Zetes, Idmon?

– É o Zetes que não vai sair vivo do Inferno. A próxima vez que ele se tornar totalmente imaterial será o seu fim.

Os argonautas imediatamente cercam um atordoado Zetes como se pudessem salvá-lo de seu destino. Zetes até queria dizer uma bobagem, uma frase de humor negro, qualquer coisa que ajudasse a desanuviar o ambiente que se formara. Mas seu rosto denunciava o quanto estava assustado. Pensou em Calaïs e lamentou não ter a chance de consertar as coisas com o irmão. Morrer no Inferno. A morte definitiva. A extinção total. Lembrou então que era um ator e que, não importa o que lhe acontecesse, o show tinha que continuar.

– Se for para sair de cena, que seja em grande estilo. Farei que seja algo memorável.


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Notas finais do capítulo

08.06.2012