Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 152
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 21




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TÁRTARO 1#

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– Escutem. Podemos trazê-lo conosco.

– Não. Não vamos fazer nada que ponha em risco nossa missão.

– Ele um dia foi meu inimigo, mas acabou se tornando um grande amigo. O único homem que conheci capaz de rivalizar comigo. Um grande FDP que traiu minha confiança e se aproveitou da minha filha, mas a quem sou grato, já que, graças a isso, eu tive um neto valoroso, o maior de todos os gregos, Odisseus. Eu sei que ele aprontou muito, mas não tanto quanto eu. Seu castigo foi desproporcional. Não é justo que ele seja deixado aqui.

– Autólico, entenda. Sísifo foi condenado por ordem direta de Zeus. Hades não ia permitir que saísse. Não sabemos se vamos precisar refazer todo o caminho na volta. Não convém comprar briga com o senhor do submundo.

– Eu .. Posso ao menos falar com ele? Alguns minutos.

– Claro. Pode ir. A gente espera.

– Idmon! Você tem uma dívida comigo, lembra?

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SANTA MONICA

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Bobby nem esperou a porta ser totalmente aberta. Passou direto por Sam, sem nem ao menos olhá-lo. Entrou sem pedir licença, os olhos semicerrados perscrutando o ambiente, atento a qualquer movimentação. O que menos importava era se estava em um apartamento de alto luxo com vista para o mar no melhor bairro de Santa Monica. Era a morada de um monstro e, portanto, terreno inimigo. Tanto quanto um galpão abandonado transformado em ninho de vampiros ou uma velha mansão assombrada por fantasmas.

Constatando que a criatura não estava à vista, segurou Sam pelo pulso e fez um pequeno corte em seu braço com uma faca de caça e fazendo o sangue escorrer sobre a lâmina da adaga de bronze. Foi tão repentino, que a única reação de Sam foi arregalar os olhos e dar um pequeno gemido. Mais de susto do que de dor.

– Ai.

– Fresco. Foi só uma gotinha de sangue.

– O quê ... ?

– Fique aí mesmo onde está. Eu resolvo isso em um minuto.

Sob o olhar surpreso de Sam, Bobby segue para o quarto do nyx com um desembaraço que fazia parecer que ele já conhecia o lugar. E, de certa forma, conhecia. Bobby estudara as plantas do apartamento, que obtivera horas antes nos arquivos da prefeitura. Bobby viera preparado. Para garantir que não seria dominado por um comando de voz, usava fones de ouvido ligados a um walkman que reproduzia os latidos de um cachorro.

Bobby entreabre a porta do quarto do fim do corredor sem fazer barulho. Estava vazio. Tenta o outro quarto. O ambiente estava na penumbra, graças às grossas cortinas com blackout. A figura de um homem grande, aparentemente adormecido, o corpo coberto por um lençol. O quase silêncio onde mal se ouvia o motor do ar-condicionado ligado.

Bobby se aproxima da cama empunhando a adaga de bronze suja do sangue de Sam. Fosse verdadeira a lenda, nem precisaria atingir uma grande artéria ou um órgão vital. Mas não iria arriscar. Um corte profundo na garganta no mínimo o incapacitaria. Bobby se posiciona de forma a ficar num ângulo que lhe desse acesso ao pescoço do monstro e aproxima a adaga mais e mais.

– Sou eu quem você procura.

A frase fora pronunciada por alguém atrás dele, da porta do quarto. Bobby se surpreende ao ver que o homem que imaginara ser Sam, era, na verdade, o nyx. Para deixar isso inequívoco, o nyx volta à sua verdadeira forma, mas, por estar ainda fraco, a energia gasta na transformação faz sua vista escurecer e ele cambaleia e cai.

– Bobby?

Agora era o homem deitado falando. Sam. O verdadeiro. Bobby percebe horrorizado que quase o matara.

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Necker sente o puxão brusco em seus cabelos e a ponta da adaga em sua jugular. Ele quer dizer alguma coisa, mas a voz não sai. Ele sabe que não pode desmaiar. Não naquele momento. Tem que se levantar e lutar por sua vida.

Mas é inútil. Ele é envolvido pela escuridão.

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TÁRTARO 2#

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A bruxa caminha sobre o leito do riacho de águas cristalinas. Não havia canto de pássaros no Tártaro, mas absolutamente nada no lugar lembrava um local de castigo. A vegetação nas margens do rio era eternamente verde e exuberante. Para onde quer que olhasse, viam-se flores. Os frutos eternamente maduros das árvores ribeirinhas tinham uma aparência e um cheiro maravilhosos. Um pomar no submundo, plantado pela própria Perséfone, com o dom herdado da mãe, a deusa das colheitas.

Nathalie era a primeira mortal em mais de dez milênios a se deliciar com os sabores únicos dos frutos nascidos naquele pedacinho de Paraíso escondido no submundo. O único habitante daquele lugar jamais sequer tocara em qualquer um daqueles frutos. Há muitos séculos que ele nem mesmo tenta apanhar algum. Sabia que seria inútil.

Mas, Nathalie não estava ali a passeio. Ela veio a negócios. Tântalo privou da intimidade dos deuses do Olimpo. Escutou seus segredos. Muitos ele contou aos mortais. Mas não todos. Quanto vale um segredo dos deuses? Um gole de água fresca? Uma mordida na polpa suculenta de uma manga, a exótica fruta asiática que os antigos gregos nunca conheceram?

Tântalo sofre de fome e de sede há seis milênios. E não só de fome e sede. Ele também sofre de terrível solidão em sua prisão de frutos dourados. Ele diariamente força a garganta horrivelmente ressecada a falar porque, mais do que a sede, ele não agüenta mais aquele silêncio enlouquecedor. Aquela ausência absoluta de outros seres humanos, suas vozes e seus risos. Ele tem ainda outros tipos de fome. Ainda anseia por um corpo de mulher. O que ele não faria para aplacar por um minuto que fosse todas as suas fomes?

Ao ver Nathalie se aproximando nua, exalando sensualidade em cada gesto, exibindo um prazer digno de comercial de refrigerante ao morder a suculenta maçã, Tântalo tem a certeza que finalmente enlouqueceu. Mais ainda quando ela se ajoelha na sua frente, puxa-o para baixo, fazendo-o também se ajoelhar, e lhe dá de beber em suas mãos.

Nathalie passou ali o equivalente a três dias inteiros e se comportou como a mais perfeita gueixa e a mais infernal das súcubos. Tântalo provou de todas as frutas, bebeu da água cristalina até se fartar, se sentiu o mais desejado e o mais amado dos homens. Nem nos Campos Elíseos os protegidos dos deuses tinham tantos prazeres a disposição.

O que Tântalo ainda não sabe é que esse dia de saciedade tornará seus futuros dias de fome e de sede ainda mais insuportáveis.

Nathalie segue em frente. Com o inestimável segredo que garantirá sua vitória final.

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TÁRTARO #3

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– Adam Winchester. Consegue rastreá-lo, Eufemo?

– Perfeitamente. É como se um mapa se formasse na minha mente. Vejo claramente que o caminho para o Inferno passa pelo Tártaro, mas também vejo uma barreira que precisamos vencer. Sei que existe, mas não sei a forma como se manifesta. Talvez, o Idmon saiba.

- O Hades, ou, se preferirem, o Sheol, era o destino original de todas as almas humanas. Mas a visão compartilhada por uma quantidade suficientemente grande de indivíduos sobre o que esperam encontrar no pós-vida pode criar outros espaços metafísicos. Quanto mais indivíduos, mais clara a idéia e mais forte a fé naquela idéia, mais fácil e mais rápido são criados. Começou com o Tártaro e sua antítese, os Campos Elíseos. Evoluiu para suas formas exacerbadas, Inferno e Paraíso. Surgiram outros paraísos, de conceitos diferentes, como o Valhala e o Nirvana. E outros Infernos. A fé das criaturas molda o espaço metafísico. Elfos, dragões, velociraptores, baleias jubartes e beija-flores criaram seus próprios paraísos. Trolls, gárgulas e corvos criaram seus próprios infernos.

– Voltando ao nosso problema ..

– O Tártaro é uma extensão do Hades. Já o Inferno é um espaço metafísico vizinho ao Tártaro, não um prolongamento deste. É como se fosse um prédio geminado. Vamos precisar quebrar a parede entre eles. Ou melhor, vamos abrir uma porta.

– E como fazemos isso?

– Nós trouxemos a porta.

– Como assim?

– Gabriel. Gabriel é a porta.


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Notas finais do capítulo

20.05.2012