EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 6
Final da Semana.




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''Eu não estava realmente apaixonado, mas eu senti algo como uma curiosidade terna.'' 

Scott Fitzgerald  

O Grande Gatsby

 

Mais revigorante que o sono tirado, só o agradável jantar que Britta teve com seu novo chefe, Ethan O'Dwyer, na noite anterior. Pela manhã despertou animada para preparar um delicioso almoço do jeito que fazia durante seus anos de estágio antes do trabalho tornar-se desanimador e maçante. 

De bom humor, enquanto fatiava legumes coloridos na bancada, não se sentiu tão incomodada de atender a chamada matinal de Jocelyn. Com o viva-voz ligado, Britta adiantava os pré-preparos do prato.

— O jantar foi profissional mas admito que foi mesmo agradável. 

E então o que ele queria falar com você? — Britta não precisava ver Jocelyn para saber que a ruiva tinha os olhos arregalados tamanha a sua ansiedade.

— Infelizmente é assunto confidencial — estava se divertindo com a situação.

Ah… —  lamentou. — Mesmo de bom humor consegue ser chata…Então me diz pelo menos como ele é, com a riqueza de detalhes com a qual falou sobre Fox!

— Bem…a priori ele é um homem que chama a atenção — lembrou-se da primeira vez que o viu em seu escritório. — Ele é elegante e domina o ambiente com sua presença, é direto, prático mas leve e tranquilo. — Se viu parando de deslizar a faca no pimentão amarelo, relembrando o sorriso discreto debaixo do bigode cheio e grisalho. — Tem um olhar intenso, mas às vezes ele não parece presente, como se estivesse com a cabeça em outro lugar por alguns instantes…

Você está se descrevendo.

— Não mesmo. 

Realmente, não é tão leve e tranquila…

— Jocelyn… — não conteve o riso.

Se virou para checar a cebola e o alho refogando no fogão atrás de si, pegou os legumes fatiados e os jogou na panela. Mexeu um pouco, temperou com sal e algumas especiarias. 

Eu queria muito te ver mas eu sei que não quer que eu vá aí… — ouviu a voz um pouco mais distante.

Virou-se novamente, pegou o celular da bancada, desligou o viva voz e apoiou o celular entre o ouvido e o ombro direito enquanto voltava a atenção para a segunda panela no fogão. 

— A gente pode marcar alguma coisa amanhã… — desligou a panela que cozinhou os cubos de frango. — Amanhã eu tô livre…

O que cê tá fazendo? 

— Almoço.

— O cheiro está delicioso. 

A voz masculina a fez se virar tão assustada que acabou soltando o celular, que caiu no chão. Ao ver Coringa do outro lado da bancada da cozinha americana, Britta teve que colocar a mão na boca para conter o grito que morreu engasgado em sua garganta. Ele sorriu claramente satisfeito com a reação.

— O que está fazendo aqui? — a morena sussurrou.

— Xiiiu… — ele arregalou os olhos e colocou o dedo indicador coberto pela luva de couro roxa sobre a boca.

Sua expressão exagerada seria cômica se não fosse o contexto da situação. Ele apontou para seu celular no chão sinalizando que deveria pegá-lo. Enquanto se agachava lentamente para pegar o celular, Britta manteve os olhos atentos ao seu rosto coberto de tinta e sarcasmo.

O que ele quer aqui?...

A polícia está lá fora, calma…

Se eu gritar, eles vão ouvir?...Será que ele acha que já tenho as informações que ele quer? 

...não acredito que ela me deixou aqui falando sozinha por causa de macho… — Britta ouviu Jocelyn reclamar enquanto ainda tinha o olhar atento ao criminoso encostado casualmente a bancada de sua cozinha.

— Eu tenho que desligar. 

Ah!! Lembrou de mim, foi? 

— Falo contigo depois…

Por que não me contou que ele dormiu aí? 

— Que? 

Ethan! Eu ouvi a voz dele e você imediatamente me ignorou, sua safada… 

A malícia na voz de Jocelyn deixou claro que ela não fazia ideia do que estava se passando ali e para Britta aquilo era o suficiente. O viu se virar e andar tranquilamente até o sofá de dois lugares no outro lado do apartamento. Britta observou suas costas largas.

— Te ligo depois. 

Guardou o celular no bolso esquerdo de sua calça moletom esperando que o aparelho fosse de ajuda caso precisasse, embora de fato não acreditava que teria alguma escolha caso Coringa a colocasse em uma posição de real perigo. Desligou rapidamente o fogão e voltou para a bancada, apoiando a mão direita instintivamente próximo a faca.

O observou atenta tentando processar a cena que via. Seu sofá não era grande, mas pareceu significativamente menor por conta dele. Talvez fosse seu sobretudo roxo esparramado pelos lados ou a forma relaxada que ele estava sentado. Tudo naquele homem chamava a atenção. Da pintura sombria no rosto ao comportamento de indiferença. Ele olhava com a expressão ilegível a televisão desligada à sua frente. Era difícil dizer se ele estava se olhando através do reflexo da tela ou se tinha algo em mente. 

O que ele quer aqui?

— Vamos, não tenho o dia todo — grunhiu impaciente. 

Deslizou a mão para longe da faca e se moveu em direção a sala. Tentou limpar sua mente das dúvidas e temores. Sabia que seu nervosismo só lhe faria uma vítima mais fácil de seja lá qual fosse o mal que o criminoso tivesse planejado. 

— Eu não tenho nenhuma informação — sua voz saiu baixa quando chegou próximo ao sofá.

— Eu sei — ele não parecia irritado ainda com o olhar na televisão desligada. — Sente-se. 

Evitando contrariá-lo, sentou-se no único lugar disponível, ao lado com ele. Sentiu ele apoiar o braço esquerdo no encosto do sofá bem atrás de si. Ao ver seu rosto inexpressivo, o desconforto e incômodo da moça só aumentou ao notar que realmente não fazia ideia de qual era sua intenção ali. 

— Como foi o jantar? — sem olhar, ele perguntou com um tom de voz desinteressado. 

Se surpreendeu com a pergunta. Não por ele saber do jantar, é claro, mas pela pergunta em si. Pensou um pouco antes de responder, tentando compreender o que ele realmente queria saber. Não achou que ele queria saber sobre sua química com Ethan O'Dwyer. 

— Recebi uma promoção… 

— Oh…— ele a olhou com um sorriso largo, o olhar inexpressivo tornava sua expressão quase sarcástica. 

Ve-lo tão perto dava uma perspectiva quase intrusiva de seu rosto. Por algum motivo não eram as cicatrizes de seus lábios que mais chamavam a atenção de Britta e sim os olhos. Havia um abismo em seus olhos negros que trazia uma sensação de dejavu, como se ela já tivesse os visto, como se já tivesse conversado olho no olho com ele outras vezes. Seu olhar vazio e perigoso era mais familiar do que desconcertante. 

No entanto, na primeira vez que se viram ela não considera que ele de fato a viu, afinal, ele estava naquele caminhão que corria para cada vez mais distante. Mesmo no dia em que ele a manteve presa, quando ele realmente estava olhando para ela, a iluminação daquele cubículo não a permitiu ver seus olhos com tamanha nitidez além do mais estava assustada demais para manter contato visual. 

Contato visual.

Britta percebeu que não era a única a reparar em seus olhos. Ambos se olhavam naquele momento. Ele já não sorria. Sua expressão era quase…serena. Curioso, ele semicerrou os olhos, como se tivesse percebido que ela estava consciente da situação. Os olhos de Britta vacilaram e pela primeira vez reparou em seu pescoço. 

Era a única parte descoberta de roupa ou tinta em seu corpo. Sua pele era branca porém levemente bronzeada. Não havia ruga ou sinal de envelhecimento, se perguntou como seria sua pele ao toque. Desconcertada com o pensamento, desviou o olhar para o próprio colo. 

Viu a borda do sobretudo roxo parcialmente pousada sobre sua coxa direita. Além do contraste entre o roxo do sobretudo e o cinza de seu moletom, Britta notou o quanto que ele estava perto, uma onda de calor subiu em seu corpo e arrepios correram em seus braços. Estava muito claro para si que não era medo ou desconforto que ela sentia.

Ainda com o olhar em seu colo, Britta sentiu que ele removeu o braço atrás de si e pela sua visão periférica percebeu ele pegando algo dentro de um bolso interno de seu sobretudo. Seus olhos passaram pelas coxas dele e subiram pelo meio até o colete verde musgo. Imaginou como seria seu abdômen, envergonhada olhou novamente para o próprio colo. 

— Parecem se conhecer a muito tempo… — sua voz grave soou baixa enquanto ele a mostrava em um smartphone a foto da noite passada. 

Britta se surpreendeu com o sorriso que tinha na foto. Ela e Ethan pareciam bem confortáveis um com o outro. Coringa recolheu o celular bruscamente o que a fez olha-lo curiosa. 

— A primeira vez que o vi foi naquela manhã — respondeu enquanto ele a analisava cuidadosamente. — Ele me fez uma visita na manhã de ontem, foi agradecer em nome das Empresas Wayne pelo meu profissionalismo e comprometimento com a  empresa. 

— Hm… — Seus olhos agitaram-se pelo rosto da moça como se buscasse algum sinal de que ela estava mentindo e então fixou o olhar sombrio no dela. — Tem certeza que já não o conhecia? 

— Já disse que não — reclamou, olhando de lado evitando o contato visual. 

— Olha pra mim — mandou sério sem aumentar o tom de voz.

Relutante obedeceu se perguntando porque ele estava insistindo tanto naquele assunto. Que diferença fazia se ela conhecia Ethan ou não?

— Vocês não se conhecem, mas ele te chama pra jantar e te promove no mesmo dia que te conhece — a ironia em sua voz era palpável.

— Coisas estranhas acontecem em Gotham — murmurou risonha passeando os olhos pelo rosto pintado.

Não conteve o comentário. Quem acreditaria que ela e o Coringa conversaram casualmente sobre sua noite passada? Seus olhos semicerrados a olhavam curiosos novamente, combinado a um sorriso discreto - o máximo que a tinta vermelha e as cicatrizes permitiam que fosse - e o tom baixo com o qual fez a pergunta a seguir fez Britta pensar que ele sabia exatamente do que ela estava falando.

— É? 

O olhar do Palhaço desceu lenta e descaradamente para os lábios volumosos da morena que sentiu o ventre ser tomado violentamente por uma onda pulsante. Sua respiração falhou e sob o olhar insistente dele teve de lamber os lábios agora secos. Estava desconcertada novamente, mas também sentia uma sensação diferente que ela se negava a reconhecer.  Desviou o olhar respirando fundo o mais discretamente que pode, não queria que ele soubesse o jeito que a estava afetando. 

— O que está fazendo aqui? — perguntou desejando muito que ele simplesmente fosse embora, não necessariamente pelo motivo certo. 

Ele não respondeu e pareceu não se mover ainda a olhando. Britta não se atreveu a olhá-lo novamente, seja lá qual fosse o motivo de sua encarada, algum nível de autopreservação a fez ter receio de que retribuir o contato fosse o gatilho para sua mente doentia dar um tom desastroso a conversa. 

Se sobressaltou quando ele levantou bruscamente ao seu lado. Coringa lhe jogou algo no sofá, um pendrive preto simples. Confusa, o olhou para vê-lo se afastar em direção a porta. Ela o viu parar e se virar para ela apontando significativamente para o pendrive. Pegou o dispositivo em mãos e o olhou novamente, sua expressão era ilegível novamente como um papel em branco. 

— Você vai invadir o computador de Lucius Fox e colocar todos os arquivos dos anos 60 aos 80 nesse pendrive. 

— Eu não tenho acesso a sala do diretor…

— Ele te deu uma carona — a interrompeu indiferente. — Use sua inteligência para se aproximar mais.

— Posso tentar…—  vê-lo falando daquele jeito tão sério, tão lógico lhe causou uma sensação esquisita.

Ele me chamou de inteligente? 

— Deveria assistir ao noticiário — apontou para a televisão e saiu pela porta da frente do apartamento a deixando sozinha.

— O que acabou de acontecer aqui? — murmurou consigo mesmo depois de alguns segundos de silêncio. 

Espalmou as mãos no rosto e respirou fundo algumas vezes, afastando a sensação de sufocamento que sentiu de repente. Negou com a cabeça tentando colocar as ideias no lugar e livrar a lembrança daqueles olhos nos seus e todos os pensamentos e sensações inapropriados que insistiam em aparecer na cabeça e em seu corpo. 

Curiosa e ainda sentindo uma sensação de confusão, Britta se levantou pegando o controle da televisão e ligou a TV, enquanto passeava pelos canais se perguntou se o flagrante de Ethan O’Dwyer ontem a noite havia se tornado notícia também na televisão. Longe de Britta querer sair em algum noticiário.  

Para seu alívio não havia nenhuma imagem com seu rosto na TV, mas sim âncoras de telejornais dividindo tela com a mesma imagem sinalizando que se tratava de um acontecimento ao vivo. Enquanto aumentava o volume para ouvir o que a âncora da Gotham Gazette estava falando, Britta observou a imagem exibida. Os tijolos avermelhados do prédio eram bem característicos e lhe fizeram acreditar que se tratava de algum edifício residencial ou mesmo de algum negócio pequeno. 

— ...A ONG funcionava grande parte por financiamento direto da diretora que pretendia fazer um evento para arrecadar fundos, o que foi muito criticado e apontado pelos candidatos rivais como forma de financiamento ilegal para sua campanha como candidata à prefeitura de Gotham nas eleições do ano que vem. Inclusive o prefeito Andrew Pierce que havia proferido comentários críticos…

Logo a foto foi substituída por de uma jovem mulher de pele bronzeada e longos cachos ondulados volumosos, sorridente, atraente e de feição amigável. Aquela era Kirah Machin, ativista política, a preferida para se tornar prefeita de Gotham, a promessa de uma nova Gotham. Britta já havia ouvido falar em sua ONG e de seus feitos em prol de facilitar acesso à saúde à comunidade mais carente de Gotham.  

Sentou–se aflita torcendo para que não tivesse acontecido nada com a mulher. O cameraman por vezes mostrava a fumaça preta que saía de uma das janelas do último andar do prédio.

— ...Temos imagens de mais cedo gravadas por um transeunte em que mostra como foi disposto o corpo da ativista política Kirah Machin, antes de ser resgatada pelos bombeiros. Apesar da censura, são imagens muito fortes, recomendamos que tirem as crianças da sala. 

Além do choque em saber da morte da Kirah, as imagens, mesmo censuradas, eram realmente muito fortes. Seu estômago embrulhou de tal forma que Britta correu para o banheiro a fim de vomitar. Mas foi um alarme falso. Olhando-se no espelho acima da pia, o estranho desejo de que o Coringa não tivesse feito aquilo surgiu de repente.

>

Em seu escritório, Bruce observava a foto em zoom na tela do computador tirada por um dos paparazzi. Foi impossível não pensar em como os holofotes daquela cidade pareciam lhe perseguir, mesmo como Ethan O’Dwyer. Mas entendia os questionamentos em relação à direção das Empresas Wayne.

Apesar de não gostar muito de fingir ser outra pessoa, não podia negar que sua noite com Britta foi muito agradável e que se não fosse por sua farsa, não poderia ter esse encontro. Além do mais, era conveniente usar sua posição nas Empresas Wayne para investigá-la.

— Como foi o jantar ontem à noite? 

— Continuo achando a implicância de Gordon desmedida — não desviou o olhar do laptop sabendo que Alfred estava na entrada do escritório. 

— Tem certeza que seu julgamento é livre de qualquer distração? 

— Como por exemplo? — o olhou confuso.

— Pelo que entendi, Britta é uma jovem brilhante, um prodígio das Empresas Wayne. Pela foto, muito bonita. 

— Alfred — Respirou fundo. — Estou apenas unindo o útil ao agradável. 

— Acredito que o Batman consiga respostas mais rápidas — rebateu teimoso.

— Primeiro você acha que o Batman não é o suficiente, agora julga que Batman é a melhor abordagem.

— Cabe à você…

— Vamos focar no que interessa — Bruce o interrompeu, impedindo que a conversa tomasse um rumo desnecessariamente irritante. — Até o momento não encontrei nada sobre o tal engenheiro Jenkins.

— E Gordon? 

— O mesmo. 

— Conversou com Lucius a respeito?

— Por que eu falaria do assunto com Lucius?

— Bem, ele é um homem perspicaz, conhece muitas pessoas, talvez ele possa te dar um insight, algo que claramente não consigo mais fazer pelo senhor. 

Bruce faltou rir ao ver a falsa expressão de lamento de Alfred. Não podia acreditar no atrevimento do idoso. Permitiu um riso e deu de ombros notando um tablet nas mãos de Alfred.

— Te ajudo em algo mais, Alfred? — perguntou recontando-se em sua cadeira de couro. 

— Oh, sim! — o mais velho aproximou-se empunhando o aparelho em sua direção. — Aconteceu mais cedo, a ativista política Kirah Machin foi atacada, ainda não há suspeitos. 

Machin? — aquele nome era familiar para Bruce.

Era um vídeo filmado de forma amadora. Na parede, entre as duas janelas centrais, a cena mais forte se dispunha. O corpo de uma mulher nua pintada inteiramente de vermelho estava preso à parede. Cada um dos braços e pernas afastados e pregados à parede. Inconsciente, sua cabeça pendia para baixo em direção a seu peito impossibilitando ver seu rosto. Os longos e volumosos cachos, característicos da ativista, caiam cobrindo um pouco de seus seios nus.

— Tenho que ir a Batcaverna…—  Bruce já se levantava.

— Bruce — ele se virou para o mais velho. — Cuidado com a tal Britta…

— Alfred, agora não.

— Você não fechou um restaurante inteiro só pra vocês dois atoa, eu te conheço. 

— Sabe de uma coisa — Bruce foi em sua direção a passos rápidos e ávidos com um olhar que Alfred não via a anos. — Eu vou me fazer um favor, porque isso aqui claramente não está funcionando pra mim — falou entredentes. — Vou para um apartamento, não quero que me procure — respirou fundo encarando Alfred que não se surpreendeu. — Okay?

— Como desejar — respondeu simplesmente e viu Bruce retirar-se bruscamente. 

>>

A casa da família Gordon em Evanstown continuava a mesma, com exceção de alguns sinais da passagem do tempo, um reparo ou outro para fazer nas paredes da fachada, sem contar a falta de manutenção em outros setores da casa como a elétrica. O bigodudo ainda tinha fios castanhos na cabeleira branca. A passagem do tempo também era nítida em suas rugas e um problema ou outro de saúde que Gordon não achava ter tempo para cuidar.

Ocupado demais com a alta demanda de trabalho, se dividia em seu papel como Comissário mas sempre fazendo o possível para estar no DPCG. Havia muito trabalho a fazer e ele buscava dar o seu melhor, sobretudo agora com a possibilidade de capturar o Coringa novamente e dessa vez, ele se certificaria de que seria de uma vez por todas.

Terminava de tomar seu café, sentado à mesa sozinho, em silêncio, cansado, com o olhar e a mente longe pensando em nada e tudo ao mesmo tempo tentando não pensar em como Bárbara e seu filho davam vida ao lugar. A luz do dia lá fora refletia fraco no chão da sala de estar, indicando a James que havia mais um dia a se enfrentar.

Lá fora, no outro lado da rua quieta e vazia, em um Chevrolet cinza estacionado em direção a casa do Comissário, uma jovem muito bonita, de olhar intenso, longos cabelos ruivos e lábios vermelho sangue, observava a porta da casa com certa ansiedade, atenta ao momento que o famoso policial sairia de sua casa. Se perguntava se o salário de Comissário não lhe permitia morar em um lugar melhor.

Viu Gordon sair disparado de casa, seu andar era acelerado em direção ao SUV preto, mas não tão rápido quanto a ruiva que logo atravessou a rua, seu blazer e saia secretária na cor fúcsia logo chamou a atenção do policial que parou de andar para encarar a moça que se aproximava. Vicki Vale não se intimidou com o olhar entediado e sério de Gordon, sorria já empunhando um gravador em sua direção.

— Bom dia Comissário Gordon! Algum comentário sobre o ataque sofrido por Kirah Machin? Seria o Coringa o autor do crime? 

— Dia, Vale — fez uma careta irritado com a voz alta da repórter. — Eu ainda estou digerindo o café. — Gesticulou acima da barriga. — Que tal responder suas perguntas na delegacia…

— Até parece que vai me dar a oportunidade… — murmurou  revirando os olhos com a gravação parada mas logo retomou a gravação e o ânimo na voz. — A polícia se sente preparada para capturar o Palhaço? 

— Sem comentários. — Foi abrindo a porta do carro pensando em como Vale conseguia a proeza de ser a repórter mais bonita e ainda assim desagradavel em toda Gotham.

— Vamos ver… — a ruiva sussurrou com um olhar malicioso sem se mover, assistindo o policial se sentar ao volante. — Por que a polícia não revelou a identidade da vítima do sequestro, também de autoria do Coringa? 

O policial saiu rapidamente do automóvel com um olhar intrigado em direção a repórter que o olhava com um sorriso vitorioso no rosto. 

— Eu não tenho tempo para joguinhos, então vou te perguntar: como teve acesso a essa informação? — descansou as mãos no quadril a olhando.

— Não estou gravando, Comissário. — Mostrou o gravador desligado. — Por que o departamento de polícia de Gotham está escondendo o acontecimento do público? — Seu olhar esverdeado agora era sério. — Para evitar pânico? Acha que o assassinato de Kirah Machin já não propagou o pânico em proporções mais drámáticas? 

— O que está insinuando? E quem é sua fonte?

— Quem é a vítima, Comissário? — Vale voltou a insistir. — Alguém da alta sociedade?

Vendo que a conversa poderia sair de seu controle e ele não ganharia nenhuma informação dali, Gordon lhe deu as costas entrando no carro e reclamou alto antes de dar a partida. 

— Senhorita Vale, não venha à minha casa outra vez, saiba seu limite. 

>>>

Sob flashes das dezenas câmeras e perguntas de muitos repórteres, Gordon atravessou o limite imposto pela polícia com o olhar para baixo ignorando tanto os gritos clamando por respostas como a dor aguda e pulsante em sua têmpora direita. Enquanto subia as escadas o mais rápido que podia, percebeu que precisava fazer tempo para voltar às suas corridas matinais. O ar estava mais abafado por conta da fumaça, tornando sua respiração progressivamente desconfortável. 

— Comissário! — viu o jovem ruivo de pele pálida alcançá-lo com facilidade.

— Bullock — cumprimentou. — Não deveria estar fazendo a ronda no apartamento de Britta Ledger?

— Minha ronda será à noite, Comissário — o policial explicou.

— Alguma vítima, além de Kirah? 

— Não. O prédio está praticamente abandonado, salvo os dois últimos andares onde funcionava a ONG. Parece que por ser um sábado, o local não estava em funcionamento. 

— Hm…O médico legista já tem um relatório completo da vítima? 

— Ainda não, mas já deve ter enviado fotos para seu contato. — Por vezes o jovem policial continuava a conversa ficando atrás do Comissário para dar espaço a policiais e membros da perícia que subiam e desciam pela estreita escadaria. Todos usavam máscara respirável com um filtro em cada lado por conta da fumaça. — O Detetive Blake pediu que entre em contato assim que possível. 

— Não disse do que se tratava? 

— Não. 

Imaginou que se tratava da investigação sobre Jenkins ou qualquer coisa relacionado ao sequestro de Britta Ledger que permanecia uma investigação secreta da DPCG. 

No antepenúltimo andar já era possível sentir o cheiro forte de fumaça que foi se intensificando cada vez mais à medida que avançava em direção ao último andar, para o escritório da vítima. Estava mais difícil para Gordon ignorar a dor em sua cabeça. Também negou a máscara respirável, achava que seria exagero aceitar já que não planejava ficar por muito tempo. Colocou a mão esquerda sobre o nariz e boca.

Preciso de férias. 

Chegaram finalmente no sexto e último andar, o ar carregado com uma fina névoa acinzentada. Reparou que haviam poucos oficiais presentes.

— Encontraram alguma coisa significativa por aqui?

— Comissário Gordon! — enquanto a policial loira de pele branca e levemente rosada atravessava a sala em direção ao Comissário, os olhos ágeis e treinados de Gordon registraram a primeira impressão do ambiente. 

Nada que já não esperava ver de uma cena pós incêndio. As paredes de tijolos tinham manchas pretas do fogo que há horas atrás dominara o ambiente, as divisórias de pvc que separavam os poucos cômodos eram tocos de plásticos  no chão, bem como estantes e prateleiras de madeira queimados agressivamente, por conta dos muitos livros, caixas de papelão e folhas diversas, materiais que provavelmente alastraram o fogo. Era possível ver partículas de materiais incendiados dançando lentamente como neve em direção ao chão. 

— Oficial Smith — cumprimentou a jovem. 

— A perícia acabou de concluir que a fonte do incêndio foi o sistema de gás interno. Não conseguiram discernir ainda se iniciou daqui ou do quinto andar. 

— Sabemos a hora em que isso aconteceu?

— Creio que os detalhes acerca da situação serão revelados logo, logo — a policial assegurou.

— Obrigada Smith — agradeceu se voltando ao outro lado da sala.

Gordon quase pulou de susto ao ver a figura sombria do homem alto. Os outros cinco policiais ali também se alertarem pegando suas armas assustados com a aparição repentina. Em um canto mais escuro, Batman observava o ambiente ignorando os olhares dos policiais. 

Gordon sentiu uma sensação diferente. Talvez porque era a primeira vez que Batman aparecia em público. Havia o diferencial do respeito e gratidão que os policiais tinham pela lenda, já que o Batman deixou claro de uma vez por todas qual era sua prioridade: Gotham. Por último, mas não menos importante, seu traje tinha algumas modificações, mas o que mais chamava a atenção era a máscara. 

Com os chifres curtos e pontudos de conhecimento de todos, a máscara preta cobria todo o rosto, nem mesmo os olhos ficaram expostos tendo em seu lugar dois visores avermelhados com uma espécie de luz própria. Apesar de apagados, o vermelho se destacava dando um ar mais sombrio ao traje. Sua boca também estava coberta com discretas aberturas em forma de filamento na horizontal por onde saía sua voz agora com um tom metalizado, o que permitia a Bruce não precisar forçar uma voz rouca.

— Visual novo. — Gordon se aproximou.

Apesar da aparência* mais sombria, estar ali com Batman de novo dava a Gordon uma sensação de alívio, de que tinha apoio e uma vantagem de que Coringa seria parado mais cedo ou mais tarde. Os policiais, no entanto, não se sentiam totalmente confortáveis com a nova aparência, alguns se perguntavam se era mesmo o Batman ou algum impostor. Teriam que confiar na confiança do Comissário. 

Os mais jovens como Bullock e Smith tentavam conter seu ânimo, ouviram falar do Batman quando adolescentes. Estar em sua presença era como uma confirmação de que o que estavam fazendo era o certo, que faziam parte de  algo importante. 

— Vejo que não perdeu o charme com as mulheres — Gordon comentou após perceber o olhar deslumbrado da policial Susan Smith para o vigilante.

— Kirah Machin… — o metalizado na voz surpreendeu Gordon. — Esse nome não é estranho. 

— Loonie Machin, seu tio, foi um ativista extremista conhecido como Anarquia. Tocou terror em Gotham na década de 70 e 80 — Gordon explicou. 

— Ativista? 

— Coincidência ou não, o que importa é que a ficha de Kirah é limpa. Tenho fotos do corpo... — Gordon deslizou as fotos em seu celular devagar, surpreso com o que via. 

— É ele. — A declaração do mais alto confirmava o que o Comissário tinha em mente. 

O rosto de Kirah, livre de tinta vermelha, estava paralisado em um sorriso assombroso, os cantos dos lábios forçadamente repuxados para as laterais curvando-se de forma não natural para cima. A pele do rosto, principalmente ao redor dos lábios contraídos, estava completamente pálida, quase cianótica. Na mensagem o legista declarou a causa da morte por intoxicação de cianeto de hidrogênio e mais alguma droga que levaria algumas horas a mais para identificar.

— Isso é diferente… — Gordon murmurou.

— Teatralidade, explosão, sadismo. Não muito diferente. — Batman constatou dando as costas.

— Não consigo ligar esse ataque ao sequestro de Ledger. — Gordon comentou massageando a têmpora direita numa tentativa falha de afastar a dor de cabeça.

— Pode não haver ligação.

— Acha que ele está tentando nos dizer algo? Será que fez isso pra espalhar pânico? Será que se tivéssemos divulgado o sequestro de Ledger para a mídia, ele pararia aí? — lembrou-se do questionamento da jornalista.

O cavaleiro virou-se para encarar Gordon. Claramente o Comissário não estava em um bom dia, seu raciocínio era desorganizado e um pouco ilógico do ponto de vista do Homem Morcego. Pela sua aparência, Gordon estava cansado.

— Ele gosta de atenção, pode estar certo — se limitou a responder.

Não era o que Gordon queria ouvir. Ele queria ouvir que tinha tomado a decisão certa em manter as informações em segredo. Não gostava de pensar que o ataque a Kirah, tinha a ver com algo que deixou de fazer. Batman por sua vez se afastou para observar o ambiente, em busca de alguma peça para aquele quebra-cabeça desengonçado. Ignorou os olhares mal disfarçados dos policiais ao redor mas não ignorou o recém chegado.

Parado a porta, John Blake não conseguiu desviar o olhar do Cavaleiro, era a primeira vez que o via em seu novo traje. Bruce ficou grato por ver que o detetive havia se recuperado muito bem, mas decidido a não fazer contato, se virou em direção aonde ficava o escritório de Kirah Machin. 

John por sua vez se dirigiu a Gordon que parecia tentar recuperar o ar puro próximo a uma das janelas ao fundo, por vezes tossindo.

— Esperei sua ligação — reclamou.

— O que está fazendo aqui, Detetive Blake? — aquele prédio era o último lugar que o Comissário queria ver o detetive.

Quando John Blake parou no hospital por conta dos ferimentos que sofreu durante a perseguição ao Coringa, Gordon se deparou com o horrendo pensamento de que poderia perdê-lo. O detetive era o melhor que havia no DPGC,  Blake era sua esperança de se aposentar tranquilo de que Gotham teria alguém honesto, determinado com a justiça e talentoso à frente da polícia de Gotham. 

No entanto Gordon ainda considerava Blake inexperiente, por vezes suicida, por conta de suas decisões impensadas, impulsivas, num ato que ele considerava desesperado demais para um homem da lei em uma cidade como aquela. Por isso, Gordon permitiu que Blake se envolvesse nas investigações ligadas a Coringa apenas fora de campo. Considerava que aquele era o momento do detetive lapidar suas habilidades e amadurecer. Não achava John Blake preparado para lidar com criminosos do calibre de Coringa tão de perto. 

O detetive, por sua vez, estava decidido a ignorar as limitações impostas e esquecer os olhares de desgosto e descontentamento vindo de ambos os homens que tinha como referência, determinado a dar seu melhor em seu trabalho, certo de que um dia provaria que ele podia ir muito além do que Batman ou Gordon achavam que ele era capaz. 

— Tem uma pessoa na delegacia, que precisa ver agora. Ela pode mudar o rumo do caso de Britta Ledger.

>>>>

A dor de cabeça estava mais suportável, mas James Gordon sentia um certo desconforto nos pulmões e ainda tossia um pouco por conta do rastro de fumaça persistente que inalou no prédio.

Deveria ter aceito a maldita máscara…

Chegando à pequena sala do detetive Blake, Gordon viu, de costas, uma mulher corpulenta, de cabelos ondulados grisalhos em um coque desgrenhado, sentada em uma das cadeiras em frente a pequena mesa do detetive. As carnes de seu quadril e coxas ultrapassando as laterais da cadeira de aço. 

Respirou fundo sentando-se pesadamente na cadeira ao lado da senhora, notando o rosto avermelhado da mulher claramente abalada. Torceu para que a mulher tivesse um depoimento digno do seu tempo, visto que já estava atrasado para conversar com o médico legista sobre o corpo de Kirah Machin.  

— Comissário, essa é a Sra. Helena Lewis — Blake apresentou, encostando o quadril a sua mesa ficando de pé. 

— O detetive Blake disse que tem informações importantes sobre a mulher na foto. — Gordon olhou de relance para a mulher. 

Helena Lewis tinha os olhos, a ponta do nariz, as bochechas recheadas e os lábios finos avermelhados por conta da sessão de choro pela qual passou à algumas horas. Sua figura era penosa apesar de seu olhar ter um peso de ódio maior que de tristeza. 

— Assim que vi a foto naquele site de fofocas, eu tive que vir à polícia — a voz trêmula e embargada cheia de desprezo chamou a atenção de Gordon que trocou um rápido olhar com o detetive. — Ela é uma criminosa perigosa de mente doentia. Não devia estar andando em sociedade assim…

— Está falando dessa mulher? — Gordon mostrou uma foto de Britta. — Certeza disso?

— Isso mesmo — havia uma mistura de nojo e raiva na expressão da mulher. — Esta é Lena Miller. — Gordon olhou confuso para Blake. 

— Sra. Lewis, por favor, conte ao Comissário o que me contou mais cedo — Blake adiantou.

Gordon se ajeitou na cadeira, agora mais atento ficando de frente para a mulher que respirou fundo se preparando para retomar lembranças dolorosas de um tempo que marcou sua vida para sempre.

— Lena Miller morava e estudava no Narrows…O senhor lembra do massacre que aconteceu em um colégio do Narrows em 1997? — perante a afirmativa do Comissário ela continuou. — Minha filha…— se interrompeu tentando conter o choro iminente, um choro de luto que Gordon já havia visto em muitos pais e mães ao longo dos anos. —…minha filha Cecil Lewis, foi uma das 8 crianças assassinadas no colégio.

— Kevin Miller, estudante do ensino médio no colégio, foi o autor do crime. — Blake explicou. 

— É o que a polícia diz, que ele agiu sozinho — a mulher fungou secando uma lágrima que escapava de seu olho ardido. 

— Depois do massacre Kevin foi para casa, torturou e também matou seu pai, Tom Miller — John acrescentou ciente de que a mulher ignoraria essa parte do caso.

— Não entendo como isso tem a ver com Britta…

— Lena Miller… — Helena interrompeu o Comissário com o rosto carregado de ódio e desprezo. — ...foi adotada pela família Miller. Nem dá pra dizer que esse é o sobrenome dela… — riu amargamente por um instante. — Uma menina desinteressante e sem graça, não faz muito sentido…Todas as vítimas daquele garoto doente, inclusive a minha filha, eram da turma de Lena e muito convenientemente ninguém soube onde ela estava no momento do crime. Tanto Vera Miller como ela sumiram naquele dia. 

— Eu sinto muito pela sua perda, Srta. Lewis, mas Vera e Lena Miller terem sumido não as torna cúmplices do crime, talvez até tenham sido vítimas — Blake, que já havia se inteirado do caso, explicou.

— Nada disso! — gritou irritada. — Todas as vítimas eram da turma da Lena e todo mundo sabe que ela não se dava bem com os colegas de sala dela! Principalmente minha filha, meu anjinho! — Suas mãos trêmulas mostravam uma foto de uma menina loira de olhos azuis e sorriso radiante vestida com vestido rosa e sapatilha de cetim rosa de bailarina. — Ela tinha inveja porque minha Cici era tudo o que ela não era! Cici era amada por todos, tinha muitos amigos, os professores diziam que ela seria uma estrela… 

— A senhora tem alguma prova de que a moça da foto é Lena Miller, a irmã adotiva de Kevin Miller? — Gordon perguntou trazendo o foco da mulher para o que realmente importava a ele.

— Eu deixei a foto pra vocês… — Apontou para a mesa e Blake mostrou a fotografia para Gordon. — Foi uma foto da turma durante um evento…Eles tem 14 pra 15 anos na foto. 

Britta foi fácil de achar, era a única menina de pele mais escura e estava na extrema esquerda na primeira das três fileiras de crianças. Apesar dos traços mais suaves de uma adolescente, Britta não era muito diferente. Blake imaginou ela se afastando sozinha imediatamente após a retirada da fotografia. 

— Podem ficar com a foto, na verdade foi sorte eu ter encontrado isso, depois do que aconteceu, fiz questão de cortar ela de todas as fotos de turma que eu tinha em casa…

— Senhora Lewis, muito obrigada pela sua ajuda — Gordon se levantou oferecendo a mão à mulher esperando que ela e sua presença desagradável se retirassem. 

Assim que ficaram sozinhos Blake e Gordon trocaram um olhar significativo. Havia uma sensação esquisita no ar. Como eles deixaram aquilo passar? Se Britta não era seu verdadeiro nome, esse é o tipo de informação básica que eles conseguiriam depois de algumas horas. Seria essa informação a chave para desmantelar todo o joguinho de charada apresentado pelo Coringa? 

— Conseguiu confirmar essas informações? — gesticulou para Blake com a foto ainda em mãos.

— Não existe nenhum registro de Lena Miller que bata com os dados de idade e localização no banco de dados da cidade Gotham. Ela simplesmente não existe. Mas… — Blake se apressou para o outro lado da mesa em direção a seu computador. — …eu entrei em contato com o colégio e eles me enviaram os registros de Kevin Miller e também Lena Miller. 

— Hm… — Gordon se aproximou, sentando-se na cadeira cedida pelo detetive. — Claro que é mais fácil burlar o sistema de um colégio público periférico que o sistema da cidade com documentos falsos — Gordon raciocinou. — É citado o envolvimento da jovem no massacre?

— Não. Nada sobre Lena Miller. Tem bastante informação sobre Kevin Miller por outro lado…— Abriu a foto de um jovem pálido de cabelos pretos e lisos na altura do maxilar junto ao registro digital. Seus olhos castanhos escuro cheios de maldade deixavam claro que ele era um jovem perturbado. —  Kevin  já tinha entrada na polícia por pequenos delitos como roubo a comércio locais, importunação pública e posse de droga, seu último crime no entanto foi justamente o homicídio qualificado… — Abriu a ficha da polícia. — …em 97, aos 17 anos, foi preso por assassinar os oito e o pai. Ele trancou os oito alunos em uma sala na ala abandonada do colégio e disparou flechas contra a cabeça de cada um deles. 

— Flechas? — Gordon o encarou surpreso. 

— Isso… — Blake tomou o mouse abrindo uma nova página dentro da ficha policial do jovem. — Diz que não se sabe se a escolha das vítimas foi algo aleatório ou não, mas foram todos da mesma sala, da turma de Lena. 

— Como ele conseguiu atrair oito alunos de 15 a 16 anos em uma sala abandonada e trancá-los? Ele não parece muito carismático — Gordon deu um zoom na foto do garoto.

— Talvez ele tivesse persuadido eles a irem…com a promessa de algo que eles desejassem, você sabe como adolescentes são, não pensam duas vezes quando se trata de algo que lhes interessam…

— Talvez eles só perceberam o perigo quando foi tarde demais. — Gordon concordou. 

— Mesmo que tivessem gritado, ninguém teria ouvido, tudo aconteceu durante o intervalo e em uma parte muito distante. Depois, Kevin saiu mais cedo do colégio, na época a diretoria informou que alguns alunos estavam acostumados a sair sem a permissão…

— Onde estava Lena Miller durante esse tempo? — Gordon o interrompeu reabrindo o registro escolar da menina. 

— Isso é algo interessante! — entusiasmado. — A direção e os professores daquele dia reportam que não viram Lena Miller no dia anterior ou naquele dia e ela não era de faltar às aulas. Era uma aluna aplicada, inteligente e com boas notas. Além disso, em seus depoimentos, os alunos e alguns professores afirmaram não saber que eles eram irmãos, por conta da diferença étnica racial e porque nunca os viram juntos.

— Hmm…

— Chegando em casa, Kevin encontrou apenas o pai. No depoimento inteiro Kevin só abriu a boca para admitir cada uma das vítimas do colégio. O que se passou com Tom Miller ficou a cargo da perícia explicar. 

‘’Foi encontrado alto teor de álcool em seu sangue, o que deve ter facilitado Kevin amarrar um homem tão grande no sofá da sala e tortura-lo depois. Grande parte do corpo, principalmente do tronco, tinha queimadura de segundo grau, havia 16 perfurações por faca no tórax. A faca estava ao lado do corpo, junto com um alicate com a qual Kevin retirou as unhas das mãos, também, provavelmente com a mesma faca cortou as mãos na altura do pulso, também não encontraram os globos oculares ou o pênis — Gordon e Blake trocaram um olhar cheio de repulsa. — Não se sabe em que ordem as remoções aconteceram. 

— Olhos, mãos, pênis. Uma tortura com traços de psicopatia bem específicos — Gordon lembrou-se de alguns casos parecidos em que participou. —  Foi reportado envolvimento da vítima com algum tipo de crime sexual, talvez abuso contra o próprio filho? 

— Não. Se ler o depoimento de Kevin Miller, ele fica em silêncio o tempo todo. Bem… — respirou fundo. — Por causa dos gritos de Tom a polícia foi chamada pelos vizinhos.

— Suponho que Lena Miller estava sumida ainda, onde estava Vera Miller? — Gordon questionou. 

— Os registros dizem que Vera só apareceu quando chegou do trabalho alheia ao que estava acontecendo em sua casa. Quando a polícia chegou ele ainda estava na casa e se entregou apenas quando a mãe chegou. Mas sem sinal de Lena Miller.

— Acredito que não perguntaram sobre Lena Miller, ela era um fantasma. 

— Exato — concordou com Gordon. — Na casa não haviam muitas fotos da família, a polícia não encontrou nenhuma foto da menina. A própria Vera não falou de Lena pra polícia enquanto Kevin ainda estava na casa e não demonstrou preocupação com ela. Era quase como se ela não quisesse que a polícia soubesse da menina…

— E ela sumiu…?

— Os registros policiais contam que a última vez que foi vista, Vera estava ainda na rua vendo o filho ser preso, a essa altura a notícia sobre o massacre no colégio já era de conhecimento de todos e havia uma grande comoção contra o então assassino. Foi uma cena e tanta — Gordon observava Blake atento, absorvendo as informações tentando encaixar Lena Miller nelas. 

— O que dizer da Sra. Miller? Ela estava no momento em que ele foi preso e simplesmente sumiu sob as vistas dos policiais? 

— Aquele dia foi uma bagunça total. — Blake respirou fundo se sentando no local antes ocupado por Helena Lewis. — Já havia a viatura para responder à ligação de um vizinho por conta dos gritos de Tom. O depoimento da polícia mostra que Kevin ameaçou se matar caso a polícia entrasse e isso fez os policiais recueram e aguardarem por mais reforços. Alguns minutos depois Vera chegou e foi o suficiente para Kevin se entregar, a essa altura viaturas vindas do colégio para prender Kevin como suspeito pelo massacre encheu ainda mais a rua. 

— Momento perfeito para ela sumir. Mas por que ela fugiria? 

— Aí entra uma informação importante… — Blake se levantou animado, como se estivesse esperando por esse momento. — O depoimento de dois vizinhos mostra que em algum momento depois da prisão de Kevin, Vera e Lena Miller estiveram na cena, provavelmente todos estavam distraídos demais com a remoção do corpo de Tom Miller quando se deram conta que Vera e a menina não estavam ali.

Em silêncio, Gordon encarou a tela do computador, alternando entre as fichas de Kevin e Lena Miller. Por que Vera Miller fugiria e se for verdade, porque levaria Lena consigo? Por que Lena Miller não tinha registros legais? Quem era aquela menina? Por que Kevin Miller torturou o pai e o matou, qual a relação entre os dois crimes cometidos naquele dia? Por que Lena se tornou Britta mas continuou em Gotham? E seria esse um caso relevante para o enigma apresentado pelo Coringa? Teria Lena Miller a ver com Jenkins?

— Quem estava à frente das investigações do caso na época? 

— Capitão Harvey Bullock. 

— O pai do oficial Bullock..Hm.. — Gordon recordou de Bullock, havia tido o prazer de trabalhar com Harvey antes dele não ter sobrevivido a ferimentos de uma troca de tiros alguns anos depois do caso do massacre. — Mais alguém estava no caso? 

— Infelizmente muitos dos policiais no caso morreram durante a invasão de Bane.

Gordon já imaginava que isso tinha acontecido. Um dos grandes motivos para a DPCG ter tantos oficiais jovens era por causa dos muitos policiais que perderam suas vidas no maior golpe que a cidade recebeu em centenas de anos. 

— Tudo o que temos são os registros. 

— E você já fez um excelente trabalho. — Gordon elogiou se levantando.

— Eu sei que surgiram muitas perguntas, eu estou planejando ir ao Asilo Arkham…

— Arkham? — Gordon o olhou confuso.

— Kevin não ficou muito tempo na prisão, não por conta da idade mas pelo diagnóstico de sociopatia e outros transtornos, foi transferido para o Asilo.

— Blake…

— Comissário — Blake o interrompeu já imaginando o que ele ia dizer. — Eu posso descobrir muito mais sobre Britta, como pode ver, mas precisa deixar eu fazer meu trabalho. Eu sei que fui imprudente no passado, mas por favor, precisa me deixar fazer o que faço de melhor! 

Gordon respirou fundo com a mente cheia de informações, dúvidas e a dor de cabeça que retornou mais intensamente. Além de ter provado várias vezes sua eficiência, o hiatus do detetive Blake com certeza era um motivador para resultados mais rápidos, como havia acabado de acontecer. Mas Gordon ainda tinha suas preocupações. 

— Nós não sabemos realmente quem é essa Britta, e agora com todas essas informações, pode ser que ela represente um perigo que não fazíamos ideia. Mas acredito que possa encontrar mais respostas sobre seu passado…Acho que não faria nenhum mal ir na antiga escola e tentar achar as testemunhas dos depoimentos, mas por enquanto é só. — Foi indo em direção a porta.

— Sem problemas — Blake disfarçou seu ânimo.

— Sei que é um homem adulto Blake. — O Comissário retornou de repente. — E sei que sabe o que está fazendo, mas preciso que seja cuidadoso. Eu não vou estar aqui pra sempre, e esses jovens… — Apontou em direção ao lado de fora da sala. — …precisam de uma referência, você é o melhor que temos do novo Departamento de Polícia da Cidade Gotham.

— Fico muito grat…

— Primeiro sinal de perigo, recue — O interrompeu sério. — Entendido? Não tente dar um de herói.

— Entendido Comissário. 

Com a mão massageando a têmpora direita, Gordon saiu da sala já digitando uma mensagem para Bruce contando a novidade sobre Britta enquanto ia em direção a sala do médico legista. 

— Que sábado é esse meu Deus…


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Notas finais do capítulo

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