EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 5
Jantar de Negócios.




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Acho que, quando você é jovem, acredita que conhecerá muitas pessoas com quem se conectará, mas, mais tarde, perceberá que isso acontece apenas algumas vezes.

Richard Linklater

Antes do Amanhecer

 

Em seu segundo dia de trabalho desde o sequestro, Britta sentia-se mais focada para retornar a sua rotina. Sentada a mesa em seu escritório, encarou o próprio reflexo escuro e turvo no monitor desligado por alguns instantes sentindo o chá esquentar as palmas das mãos quando ouviu um toque na porta. Quando pensou em dar permissão, um homem já entrava na sala com tranquilidade. 

Por fora não foi possível ver o medo repentino que Britta sentiu ao ver o desconhecido entrar em seu escritório. Manteve-se calma colocando toda sua tensão na força com a qual apertava a caneca entre as mãos. 

A vestimenta social e formal foi o único motivo que a impediu de pensar que se tratava de algum dos homens do Coringa. No entanto, todo o resto na aparência daquele homem a fazia questionar se ele pertencia ao mundo corporativo. Pra começar o homem tinha um bigode e barba bem cheios com fios grisalhos e ressecados se destacando. A pele bronzeada e levemente corada em conjunto ao cabelo, o fazia parecer um fazendeiro dono de terras e gado que colocou um terno chique e entrou no prédio. Talvez tenha errado de sala.  

— Bom dia, Srta. Ledger — quando falou, a voz suave e elegante a surpreendeu. 

— Bom dia…

Observou o homem caminhar em direção a cadeira do outro lado da mesa, mas este não se sentou. Agora um pouco mais tranquila, Britta percebeu que apesar de exalar confiança e autoridade, diferente de Patrick Pine - advogado executivo a quem respondia - o homem trazia uma sensação de brisa leve no ambiente tal qual alguém que tinha todas as respostas sobre todos os problemas do mundo embora, claramente, não fosse tão velho. 

— Em nome das empresas Wayne eu gostaria de lhe agradecer pelo trabalho que tem feito junto a equipe jurídica da empresa. 

Com uma fila de pontos de interrogação circulando ao redor de sua cabeça, Britta sentiu um aroma de perfume amadeirado delicioso preenchendo o ambiente enquanto o observava, disfarçando ao máximo sua desconfiança no estranho, elegante e educado, sorriu minimamente.

— Obrigada…

Então se deu conta que talvez fosse verdade os comentários sobre a empresa ter um novo diretor, talvez este fosse o representante do conselho que secretamente geria a multinacional. 

— Apesar da natureza discreta das investigações acerca do seu caso, o DPGC fez questão de entrar em contato sobre o que aconteceu — reparou em seu olhar sério.

Britta se pegou notando no terno que ele vestia e nas boas maneiras que exalavam uma finesse de alguém rico e importante. Notou também como o desconhecido era um homem atraente. Sua presença foi se tornando menos desconcertante, principalmente por conta da sua postura profissional e tom de voz calmo. 

— É elogiável sua coragem e determinação em retornar a suas atividades profissionais, mesmo tendo direito a alguns dias de dispensa — ele continuou. 

— Obrigada — passou os olhos pela mesa desconcertada com tanto elogio, esperava que ele parasse por ali. — Eu prefiro que minha vida volte ao normal o mais rápido possível. Além do mais, tenho muito o que fazer como pode ver… — gesticulou para as pastas ao redor com um sorriso de canto.

Seu constrangimento aumentou quando se pegou fazendo piadinha com o estranho. Para surpresa e alívio de Britta, ele tinha os cantos dos lábios repuxados em um sorriso, seu olhar antes ilegível tomado por um brilho de curiosidade. A moça se permitiu sorrir um pouco mais. Percebeu o quanto aquele homem era misterioso e instigante. Estava gostando de sua presença.

— Eu gostaria que aceitasse o convite de um jantar — Bruce ponderou enquanto analisava o rosto da moça — Eu insisto. 

— Senhor, eu fico agradecida mas não acho apropriado..

— É um jantar de negócios — imediatamente se sentiu estúpida mas se conformou pelo tom calmo e profissional que ele manteve. — Imagino que a ideia de sair de casa ainda pode ser angustiante devido aos eventos recentes mas, se desejar, será conveniente Lucius Fox passar em sua residência e te dar uma carona.  

— Um jantar de negócios com Lucius Fox? — era algum tipo de armadilha?

Um jantar de negócios com Lucius Fox era uma oportunidade dupla. Participaria de uma conversa que poderia conter informações do interesse do Palhaço além do mais Britta poderia causar uma impressão boa o suficiente para sair da sombra que Patrick Pine a mantinha. Mas não conseguia deixar de pensar que aquele convite não fazia sentido algum e sua desconfiança voltou com toda força. 

— Com todo respeito, quem é o senhor? — naquele ponto era melhor ir direto ao assunto.

Ele sorriu curto e baixou a cabeça acenando positivamente como um pai que acha graça da pergunta ingênua do filho pequeno. Se sentiu incomodada mas se manteve calma e atenta. 

— Alguém que pode te ajudar a sair dessa sala — olhou ao redor por alguns instantes — É estranho Pine nunca ter falado sobre você. Foi necessário uma tragédia para as Empresas Wayne te notar, e por isso nos sentimos envergonhados — Tocou o peito por cima do terno cinzento. — Um jantar de negócios pode ser uma oportunidade única. Infelizmente não posso te dar tempo para pensar. 

— Eu aceito. 

Para ela o momento não pareceu real. Seu ego nunca fora tão massageado como naquele instante. Como negar um convite daqueles depois de lhe terem feito cócegas ao ouvido? Elogiar seu profissionalismo e qualidade de serviço era mais prazeroso para Britta do que qualquer coisa. Era a validação do que ela já sabia ser capaz. 

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Evitando as lamúrias e exageros de Jocelyn, Britta vinha rejeitando suas ligações, se limitando a tranquilizá-la apenas por mensagem. Além do mais, não queria conversar com ninguém sobre o que aconteceu. Mas naquela noite era conveniente aceitar sua chamada de vídeo.

Poxa…mas que bom que você tá bem! — a ruiva de olhos grandes a olhava com uma expressão de pena que a fazia querer desligar a chamada.

— Então…eu estava na esperança de que você pudesse me ajudar com algo. — andava entre o guarda-roupa e a cama com roupas no cabide em mãos.

— Eu tô aqui pra conversar se quis…

— Não, Jocelyn… —  respirou fundo revirando os olhos com pressa de ir direto ao ponto. —  Eu fui convidada pra um jantar…

Britta, garota! Uiii — sua voz ficou mais aguda enquanto a ruiva a olhava com uma malícia exagerada. Britta teve que se controlar pra não rir. — Só emoções essa semana ein!!

— Jantar de trabalho.

Ah! — Jocelyn fez bico. 

— Mas é importante. Eu não quero fazer feio…

Ai Jesus, já entendi…Querida, eu não sei se vai ser possível te ajudar com o que você tem, talvez eu devesse ir aí e…

— Não! Olha, eu tenho que ir…

Não, não! — a ruiva rebateu quase histérica. — Meu Deus Britta! — seu tom repreensivo a pegou de surpresa — Você… Por que você é tão reativa assim? 

— Jocelyn, eu não pretendo ter uma discussão de relação com você agora. O jantar é em duas horas…

Okay, só me mostre o que você tem — desanimada. — Vou tentar achar algo que preste entre esses ternos pretos, brancos e azul marinhos super cafonas que você tem…

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Não reconheceu nenhum dos policiais na viatura que fazia vigilância naquela noite. Na portaria do prédio se perguntou o quanto daquilo era medida de proteção e o quanto era desespero em capturar o Coringa.

— Como se ele fosse aparecer assim de graça… — murmurou contendo o riso.

Segurando a bolsa de mãos à frente do vestido não pode deixar de notar o vermelho do tecido. Britta, que achava a cor extremamente inapropriada, concordou que qualquer outra peça em seu guarda-roupa não servia para um jantar com Lucius Fox. 

O relógio marcava oito e meia quando um SUV cor chumbo que custava cinco vezes seu apartamento parou bem em frente ao prédio. Quando a janela do carona rolou para baixo se surpreendeu com quem viu, embora o estivesse esperando.

Lucius Fox tinha um sorriso contido porém amigável no lado da direção. Um tanto nervosa, Britta se viu saindo das dependências do prédio para se sentar no carona. 

— Boa noite Senhorita Ledger — sua voz potente era agradável e macia. 

— Boa noite, obrigada por aceitar minha presença neste jantar — tentou conter o riso nervoso enquanto alternava seu olhar entre o caminho percorrido e Lucius Fox ao seu lado.

— Sem dúvidas é mais que bem vinda — Simpático, sorriu para a moça.

Britta notou que seu olhar tinha um brilho acolhedor do tipo que a muito tempo não via em alguém. Se perguntava se era real ou se estava exagerando com o olhar de uma admiradora.

— Está tudo bem? 

— Sim — respondeu imediatamente sorrindo largo. — Na verdade, devo dizer que nunca pensei que fosse conhecê-lo pessoalmente… — o olhou por um segundo, ele estava focado na estrada. — É uma referência para mim. 

— Me sinto honrado de ser relevante para uma jovem tão promissora. 

Pelo resto do caminho houve um silêncio que seria confortável se Britta não tivesse se arrependido de ter aberto a boca. Em sua cabeça, ela o tinha incomodado com o que considerou tagarelice e falta de profissionalismo.

Por que você não ficou calada?

Seria muito mais estranho ficar calada, não?

Você poderia ter agradecido pela carona e só! 

— É da cidade? — a pergunta a pegou de surpresa.

— Sim, gothamita.

— Desde o ocorrido, tive curiosidade em sua pessoa e ao ver sua ficha fiquei impressionado — sentiu um frio na barriga tamanha sua felicidade naquele momento —, notas excelentes na universidade e desde então tem feito um trabalho muito consistente. Sua família deve estar muito orgulhosa. 

Sentiu o rosto relaxar e quase murchar, mas se conteve para não transparecer a decepção com o assunto. Pensar em família lhe trazia memórias e sentimentos desagradáveis, realmente esperava não ter que falar sobre o assunto naquela noite mas não poderia deixar Lucius Fox no vácuo.

— Muito obrigada, senhor Fox. Gosto de pensar em tudo que ainda vou conquistar no futuro, é o que me motiva a fazer o meu melhor — sorriu educadamente enquanto ele parecia satisfeito com a resposta. 

O carro foi parando lhe fazendo acordar de seus próprios pensamentos agitados sobre toda a situação. Pararam em frente a um restaurante que Britta sabia estar fora do seu alcance pagar sequer uma água ali.  

— Você pode dizer que Ethan O'Dwyer lhe espera — sempre simpático o senhor sorriu. — Nos vemos depois, Srta. Ledger. 

— Ok. — escondeu a confusão perante o nome e saiu do carro.

Foram poucas as ocasiões em que Britta esteve em ambientes luxuosos como aquele restaurante - das poucas vezes fez ‘’bicos’’ como garçonete em eventos - por isso se sentiu aliviada ao notar que o lugar estava vazio, não havia um cliente, garçom, ninguém a não ser ela e a maître que lhe guiava pelas mesas arrumadas e vazias. Notou também o silêncio e quietude quase absoluta do lugar, uma música tranquilizadora tocando de fundo. Cada pedaço do chão limpíssimo, móveis de madeira brilhante, lustres com luz amena, compunha o nível elevado de finesse. 

Em um canto bem discreto, em uma mesa redonda para quatro, Britta viu o grisalho misterioso sentado, ao centro da mesa. Atrás de si havia uma parede marsala onde terminava o restaurante, sendo assim ele estava em uma posição estratégica onde podia ver todo o local. Reparou que ele tinha uma taça de vinho tinto, algumas torradas numa cestinha e um olhar indecifrável para a moça.

— Aqui — a maître gesticulou e se retirou imediatamente. 

— Boa noite, Srta. Ledger. 

Para Britta, o homem parecia particularmente mais à vontade naquela noite. A moça notou que ele reparou em sua roupa de forma bem discreta enquanto se levantava da cadeira para lhe cumprimentar com um aperto de mão. Ele mesmo estava bem arrumado apesar de não usar uma gravata e ter os dois primeiros botões de sua camisa abertos. Talvez tenha sido esse detalhe que o fazia parecer mais amigável e a vontade.

— Boa noite, Senhor O'Dwyer — de uma coisa estava certa, foi uma boa ideia pedir ajuda a Jocelyn para se vestir.

Ele fez questão de afastar a cadeira para que ela se sentasse bem à sua frente. Agradeceu se acomodando enquanto ele voltava ao seu lugar.

— Pode me chamar de Ethan, por favor. 

— Pode me chamar de Britta, então. 

— Como foi o trajeto até aqui? 

— Sinceramente uma espécie de sonho. Admiro muito o Senhor Fox. 

— Gostariam de pedir agora? — um garçom, surgiu quase que do nada. 

Metade das palavras escritas no papel retangular não significavam nada para Britta, mas ela tinha certeza de que era italiano. Enquanto isso se perguntou a demora de Lucius e o motivo de Ethan já estar pedindo sem sua presença. No entanto, naquele momento sua maior preocupação era sobre como sequer pronunciar qualquer palavra daquela. Disfarçando seu constrangimento, observou Ethan por cima do cardápio e o encontrou te olhando com um olhar curioso. 

Se aquele era um teste, Britta estava prestes a falhar. Retornou o olhar ao cardápio decidida a fazer o que sabia de melhor: se tornar quem precisava ser para sobreviver à situação. 

— Hm! — exclamou confiante porém discreta enquanto se dirigia ao garçom. — Insalata caprese, por favor — pediu pronunciando as palavras que já tinha escutado em algum vídeo de culinária na youtube. 

Trofie al Pesto, água e mais uma taça para a senhorita — Ethan pediu em um italiano perfeito.

— Não vamos esperar Senhor Fox? — perguntou preenchendo o silêncio que se seguiu. 

— Ah! Infelizmente o Lucius não poderá se juntar a nós esta noite mas não há problema, é a sua presença que é essencial para o andamento desta reunião. 

— Reunião…? — a pergunta escapou de seus lábios com um tom mais honesto do que havia filtrado. 

Embora o rapaz não estivesse lhe fazendo se sentir pressionada e sim realmente a vontade, Britta sempre fez questão de apresentar-se muito bem em qualquer circunstância, sobretudo perante gente rica ou importante. Considerava que havia cometido uma gafe. 

— Entendo porque pode achar essa situação duvidosa…— ele exibiu um sorriso cansado. — Mas o motivo de sua presença é concernente a uma oportunidade de crescimento nas Empresas Wayne — sua pausa indicou que ele esperava que ela dissesse algo, mas aquela altura Britta sabia que o melhor era ouvi-lo. — De fato não achava que iríamos tão cedo ao ponto, gostaria primeiro de ter conhecido um pouco sobre você. 

— Sinceramente também gostaria de conhecer um pouco mais do senhor. 

— Por favor… — ele lamentou falsamente com a mão no peito. — Já basta os fios brancos me envelhecendo, não precisa tamanha formalidade — seu tom leve a pegou de surpresa.

Sorriu discretamente olhando para as próprias mãos pousadas em seu colo e quando o olhou novamente ele tinha aquele olhar curioso com um quê de divertimento.

— Está me analisando, Ethan? — arriscou dando uma certa ênfase no nome, sorrindo de lado. 

— Na verdade, estou impressionado com seu magnetismo — ele pausou para apreciar a reação da moça que ficou sem graça e surpresa. — E com todo respeito, vou parar minhas observações dessa natureza por aqui, não quero te deixar desconfortável.  

Diante o que ouviu, Britta só podia achar graça na maneira que ele falou. Tão intenso e tão sincero mas sem ser inconveniente ou intrusivo. Quem era aquele homem? Se permitiu aproveitar o momento. Desde o momento que pisou os pés em sua sala, cada vez que ele falava se mostrava a Britta uma mistura instigante e misteriosa de contradições. 

Em silêncio os dois se olharam, havia um brilho de aprovação no olhar de Bruce, como se ele tivesse escutado a resposta pronunciada no olhar da moça. Britta queria sim que ele continuasse com suas observações, daquela natureza. 

Enquanto o garçom dispunha a mesa não cortaram o contato visual. Por vezes Britta bebericava a água e ele espelhava o mesmo movimento logo depois, como uma forma de conversa silenciosa. Para Britta, Ethan O'Dwyer parecia ser uma espécie de exceção em meio aos homens não sabendo que sua identidade era o epítome da inconfundível natureza masculina: uma mentira. Mas Bruce estava intrigado demais com a mulher a sua frente para sequer se sentir culpado. 

Britta se sentia incrivelmente confortável. Qual foi a última vez que um homem a fez se sentir assim, ainda que claramente flertando consigo? A jovem queria que houvesse uma forma dele continuar com seus possíveis galanteios, elogios e flertes, mas logo se deu conta que havia algo muito grande e importante para sua carreira em mesa. Sabia que não podia misturar as coisas. Não decepcionaria Lucius Fox de tal forma. 

— Oportunidade de crescimento, você disse? — voltou a falar num tom baixo observando a linda salada à sua frente. 

— Sim — ele pigarreou discretamente. — A empresa está passando por algumas mudanças com intuito de acelerar o processo de recuperação. Como sabe estamos enfrentando algumas dificuldades. Isso inclui o fechamento, temporário, de algumas divisões e a abertura de outros. 

— Isso significa cortes na empresa? — em resposta Ethan deu um sorriso maroto e se inclinou levemente em sua direção.

— Vou te contar um segredo — Britta achou graça de como ele baixou o tom de voz apesar de não ter ninguém por perto. — Vários setores das Empresas Wayne estão desativados ou funcionando em nível base. 

— Deveria estar me contando isso? — se perguntou se aquele era o tipo de informação que poderia agradar o Coringa. 

— Na verdade, sim, porque você precisará saber disso pro seu novo trabalho. 

— Novo trabalho?

— Lucius Fox me colocou à frente da divisão de pesquisas para uma fusão das divisões de Indústria e Aço mas, será algo bem discreto. Não queremos chamar a atenção da mídia ou mesmo das outras divisões.

Bruce seguiu explicando a falsa natureza de seu trabalho e de como isso seria primordial para as Empresas Wayne retornarem a ser uma potência nacional e internacional. Enquanto ele falava, os sentimentos de Britta eram mistos entre a ansiedade de fazer parte daquilo com memórias da noite do seu sequestro.

‘’…tudo que você ver, veremos, tudo que ouvir, ouviremos. Mensagens, telefonemas, e-mails, saberemos de tudo…’’

Por que aqueles acontecimentos cruciais tinham de seguir naquela sequência quase que irônica? O que poderia, o que deveria ela fazer? Negar a oportunidade para proteger a empresa seria um ataque direto ao Coringa. Além do mais, aquele era o tipo de projeto em que teria mais autonomia, mais experiência e provavelmente também mais dinheiro.

— Tudo isso é muito animador, Ethan…Mas qual seria meu papel nisso? — bebericou um pouco de vinho.

— Lucius e eu fazemos questão de que a equipe envolvida seja a menor possível e quando ele me contou sobre o que aconteceu com você e sobre seu profissionalismo em não abandonar suas atividades, mesmo todo o seu histórico excelente foi algo que me surpreendeu muito, te vimos como uma representação do potencial que essa nova divisão tem. O futuro — a forma calma com a qual O’Dwyer falava sobre um assunto tão animador era interessante aos olhos de Britta.  

Ethan explicou que de início seu trabalho seria bem parecido com o que já fazia, ou seja, contratos, protocolos, trâmites judiciais, mas que futuramente provavelmente ocuparia o lugar de Patrick Pine, como representante do jurídico nas Empresas Wayne. 

No entanto, se Ethan achava que aquilo a animava, estava muito enganado. Ser advogada corporativa nunca foi desejo da moça. Seu próximo passo era sair de Gotham com experiência suficiente para ser advogada de defesa e eventualmente perseguir a carreira de juíza. As Empresas Wayne era uma escada para seu desejado topo. No final das contas, pesando todos os prós e contras, não fazia sentido rejeitar a proposta. 

— Pode escolher sua nova sala amanhã mesmo. 

— Seria mais apropriado que eu ficasse na mesma sala…— ponderou. — Atrair menos atenção.

— Gosto de como pensa, Britta. — ele tinha um olhar sagaz sobre ela.

— Mas com uma ressalva. Não trabalho mais com Patrick Pine. Metade do trabalho dele sou eu quem faz e isso não é justo — não tentou disfarçar seu desgosto. 

— Sem problemas — sorriu brevemente. — Eu deveria ter pedido sua salada — ele apontou para o próprio prato quase cheio e depois a salada quase inexistente de Britta.

— É o que parece — a morena sorriu de lado se servindo de mais vinho.

— Na verdade, foi ideia do Fox que o jantar fosse aqui — ele deu de ombros também se servindo de mais vinho. 

— A salada estava deliciosa, não consigo pensar que a comida é tão ruim que está completamente vazio assim — olhou ao redor, as mesas ainda vazias, apenas a música clássica de fundo quase inaudível.

— Achei que você fosse se sentir mais confortável sem movimento. 

— O qu… — Britta se interrompeu o olhando confusa. — Como assim? 

Um sorriso maroto surgiu no canto dos lábios do barbudo que se resumiu a saborear seu vinho enquanto ficou claro para Britta que Ethan havia reservado o restaurante inteiro apenas para aquele jantar. Naquele momento apenas uma pergunta permaneceu em sua mente: quem era aquele homem? Ela já tinha entendido que ele era alguém da confiança de Lucius Fox, e pela autoridade com a qual falava sobre as Empresas Wayne, ele claramente conhecia bem a empresa e tinha confiança no que estava fazendo. 

— Quem é você? — admirada, deixou escapar sem disfarçar seu olhar curioso. 

Ele sorriu um pouco mais e respirou fundo, olhou brevemente para cima como quem recupera uma memória e voltou seu olhar para a moça. Um olhar um tanto significativo. 

— Sou alguém que sabe o que é sobreviver a um evento traumático — as palavras pegaram Britta de surpresa — Tudo o que queremos é ficar um pouco sozinhos, entender o momento em que estamos, organizar nossas ideias. Nos sentir seguros de novo — Britta teve que desviar o olhar, estava se sentindo vulnerável com a leitura exata que ele fez de si. — Sobretudo para você, certos barulhos podem se tornar gatilhos, muitas pessoas ao redor podem te deixar desconfortável, ansiosa.  

— Admito que você não parece o tipo de pessoa que sofreu um trauma — tentou disfarçar o constrangimento com humor.

— Cortesia de Gotham. 

— Sempre viveu em Gotham? — ele não parecia ser de Gotham, se não soubesse que era americano diria que veio de algum país como a Escócia.

— Sim, nasci e cresci em Gotham, mas sempre tive o privilégio de conhecer outros países, mas nunca consegui ficar muito tempo fora daqui — explicou pensativo. — E você?

— Bem… tudo o que conheço é Gotham. Nunca nem mesmo fui a Nova Iorque — ele a olhou surpreso. — Não por falta de vontade! Dediquei toda minha vida aos estudos e economizei o dinheiro para o futuro. No dia que eu sair de Gotham, acredito que não volto mais…

— Hm…Também já pensei assim… — pareceu falar mais para si que para ela mas a olhou novamente. — Mas talvez da mesma forma que foi pra mim, será para você. 

— Eu prefiro pensar o contrário... 

— A vontade… — seu olhar era divertido, mas não irônico ou sarcástico. 

Conversa vai conversa vem, ele se sentiu confortável para contar sua experiência mais recente fora de Gotham, no Oriente Médio, deixando de fora sua verdadeira identidade e sua ex-companheira Selina Kyle. Já estava claro para Britta que ele nasceu em berço de ouro, no entanto ele não lhe parecia vaidoso, e não tinha o ar de arrogância que muitos ricaços costumavam ter. Sua contribuição para a conversa foi falar sobre o plano para sua carreira. O tópico família surgiu e para o alívio de Britta, Ethan não desenvolveu muito o assunto. 

Por fim, foram andando para a entrada do restaurante a passos lentos. Britta não sabia, mas Bruce também não queria que aquela conversa acabasse tão cedo. Aquela altura já estavam mais à vontade um com o outro e a conversa fluiu tanto que ainda conversavam enquanto chegavam à porta.

— ...Ela era excepcional, a melhor promotora que Gotham já teve… — as palavras morreram com um toque de lamento em seus lábios. 

— Ela…

— Foi embora — a interrompeu com um sorriso e um brilho intenso no olhar.— Pra outro lugar — completou tardiamente.

Ele percebeu naquele momento que de certa forma Britta lembrava muito Rachel. Ela era uma advogada, com intensidade no olhar, séria porém agradável, não falava muito mas quando falava dizia as coisas certas no momento certo. 

— Tá vendo! Ela sabe das coisas — Britta respondeu risonha sem fazer ideia da verdade por trás do que ouviu. 

Já estavam na porta do restaurante, ao se olharam ficou explícito que ambos estavam tendo um bom momento e que gostariam que o jantar não tivesse terminado. Para Britta, Ethan se mostrou um homem excepcionalmente interessante e respeitoso. Ele parecia prestes a se aproximar mais quando surgiram flashes vindo da rua à direita. 

— O que é isso? — confusa, Britta protegeu seus olhos com o braço.

— Venha — as mãos firmes dele a puxaram protetoramente de volta para dentro do restaurante.  — Parece ser a mídia…— falou incerto. — Vamos sair pelos fundos. 

Enquanto ele a guiou a passos rápidos para a cozinha, que tinha uma equipe reduzida de cozinheiros, Britta tentou fazer sentido da situação, tentou entender porque alguém teria interesse em fotografá-los. Logo saíram em um corredor e então uma porta que deu para um beco estreito e escuro no fundo do restaurante. 

— Volto logo. 

Sozinha e ansiosa para que ele voltasse logo, Britta ficou olhando para a direção em que ele correu. Percebeu a impressionante rapidez na tomada de decisão de Ethan perante uma circunstância repentina e adversa como aquela. Mais uma vez ela se sentiu positivamente surpresa mas interrogações surgiram em sua mente.

Teria seu sequestro se tornado notícia? Teriam divulgado sua identidade? Tratou de fazer uma pesquisa na internet sobre o assunto mas nada apareceu. Então pensou em Ethan que até onde sabia, não era famoso. Se deu conta que poderia se tratar das Empresas Wayne e ao pesquisar seu nome, uma matéria surgiu com o nome Ethan O’Dwyer e da empresa. 

Uma buzinada a fez bloquear a tela do celular, era Ethan, desta vez atrás do volante de um carro na cor prata. Correu apressada, logo se sentando no banco do carona. O ronco macio do motor potente deixou claro que se tratava de algum carro esportivo de luxo. 

— Você é famoso ou algo assim? — perguntou voltando a atenção para o celular. 

— Não que eu saiba — ele falou sem emoção na voz, o próprio estava pensativo sobre o motivo dos flashes.

— Tem um site… — Britta deslizou o dedo na tela para o topo a fim de ver o nome do site num tom verde fluorescente com design onde as bordas das letras lembrava um líquido tóxico. — ‘’Bueiro de Gotham, porque sempre pode piorar.’’, uma amiga já falou desse site antes… — se surpreendeu ao notar que se referiu a Jocelyn como amiga.

— Hm… 

— Parece ser de fofoca, tem um matéria de hoje… — rolou a tela até encontrar a menção do nome. — Hmm, aqui…’’Ao que parece o conselho ou direção - não está muito claro o que está a frente do que restou do Império Wayne - está apostando em um novo nome para tentar recuperar as ações das Empresas Wayne, Ethan O’Dwyer, o barbudo misterioso…’’. Daí tem um link para uma matéria que questiona a capacidade de Lucius Fox se manter como diretor…

— Barbudo, hm… — ele comentou concentrado na estrada à sua frente.

— É o que te preocupa? Sua aparência? — trocaram um olhar divertido. 

— Espero que não se preocupe com isso — ele falou calmo. — Fomos muito rápidos, não acho que tiraram uma boa foto.

Britta não respondeu, estava surpresa com a calma, eficiência e assertividade com a qual Ethan lidou com a situação. Britta estava positivamente impressionada com aquele que ela achou que seria apenas mais um homem do mundo corporativo que ia te subestimar, ignorar ou até mesmo tentar se aproveitar. Fazia tempo que não se sentia tão ansiosa para trabalhar com alguém.


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