EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 11
Visitas.




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Neste mundo, há apenas duas tragédias: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, e a outra a de os satisfazermos.

Oscar Wilde

O Leque de Lady Windermere

 

No térreo do Hospital Geral, na entrada da emergência, Gordon encontrou Vicki Vale em uma das cabines de pronto atendimento. A jornalista parecia dormir na maca, seus cabelos ruivos assanhados e espalhados pelo travesseiro permitiam clara visão do curativo feito em seu pescoço. Gordon revirou os olhos ao ver que ela ainda vestia o uniforme policial. 

— Esse uniforme não é seu — Apontou sarcástico. — Se passar por policial é um crime gravíssimo nesta cidade.

Ao ver o Comissário, o rosto cansado da moça agora era irritado. Claramente constrangida ela se ajeitou, se sentando na maca. Evitou contato visual com o policial. 

— Não tô afim de ouvir, Gordon — resmungou. — Eu sei que passei dos limites, aprendi minha lição, pode me deixar em paz agora. 

— Vale… — Gordon se aproximou casualmente. — Tenho certeza que é isso o que você pensa agora, que agora aprendeu sua lição — a moça o olhou curiosa. — Provavelmente lamenta o que aconteceu hoje, mas eu conheço o seu tipo — A ruiva o olhou ofendida. — Você vai se recuperar, talvez até tirar umas férias. Mas você vai encontrar outra oportunidade para retornar… — Gordon encostou o quadril na maca, quase sentando na ponta da maca enquanto mantinha contato visual. —  ‘’Oportunidades’’ praticamente se amontoam para pessoas como você…

— Pessoas como eu!? — apesar de calmo, as coisas que ele dizia estava tirando a moça do sério.

— Você é uma jovem determinada, ambiciosa. 

— Qual seu ponto? — perguntou irritada.

— Você vê o perigo e não se intimida com ele. 

— Eu aprendi minha liçã…

— Não, não aprendeu. Eu te disse pra se colocar em seu lugar e provavelmente você achou que foi algum papo machista e olha o que aconteceu…

Apesar de claramente cansado, o Comissário sustentava a tensão com a jovem vividamente nervosa. De punhos fechados ao lado do corpo, Vale se sentiu humilhada e desconfortável, ela reconhecia que sua atitude culminou em um dos maiores fracassos da sua carreira. Além do mais, por mais que culpasse a polícia pela fuga do Coringa, no fundo, ela sabia que tinha culpa nisso. Ao lhes falar aquelas coisas era como se Gordon estivesse dizendo ‘’eu te avisei’’ e pela primeira vez ela não tinha resposta.

— Na próxima oportunidade você vai fazer o mesmo — Gordon continuou. — Vai correr atrás do furo perfeito, a história fantástica. Vai tomar medidas para evitar os erros que cometeu dessa vez. Mas sabe de uma coisa Vale, quando você não é treinado para lidar com um psicopata vestido de Palhaço, é de se esperar que você cometa erros grotescos vez após vez. 

— Por que está me dizendo isso? — respirou fundo desejando que ele a deixasse em paz.

— Pra que você pare. 

— Tá de brincadeira…

— Se gosta da adrenalina, faz uma trilha, pula de paraquedas, compra um skate, não sei…mas jornalista investigativa…?

— Eu sei quem eu sou, James Gordon — aquele foi o fim da picada pra jornalista. — Não é culpa minha que seu departamento está desorganizado. E não venha me dizer que tudo isso é culpa da Hill, você é o Comissário! — Apontou com o dedo.

— Não me diga como fazer meu trabalho — Gordon desencostou voltando para a entrada da cabine. 

— Então não me diga como fazer o meu — enquanto falava, Vale aumentava o tom de voz mais e mais, fazendo Gordon massagear a têmpora direita que doía. — O meu trabalho é mostrar para o povo da minha cidade como as coisas estão saindo do controle da polícia de Gotham. Não vamos ser pegos de surpresa outra vez! Chega de revoluções de doentes como o Bane. Gotham tem direito de saber o que está acontecendo. 

— O que está acontecendo é que você cometeu vários crimes culposos, de voluntariedade, no Departamento de Polícia da Cidade de Gotham, depois de eu falar explicitamente que você recuasse. Nem vou citar a invasão de local privado oficial da lei. Podemos começar com furto de uniforme oficial de agente da lei, falsidade de identidade com agravante por se passar por policial, podemos incluir facilitação da fuga de um pres…

— Eu fui feita refém! — gritou.

— Oh, sim…com uma espécie de arma branca, que você usou para invadir a sala de interrogatório, então podemos incluir invasão de local privado. — Foi falando enquanto tirava um bloco de notas onde passou a escrever. — Ok…ajuda na fuga de criminoso de alta periculosidade… — murmurou enquanto escrevia. 

— Só pode estar de brincadeira! — A ruiva jogou as mãos para o ar e cruzou os braços no peito. 

— Não precisa se desesperar, Vale, deve ter alguém na promotoria que você não tenha enchido o saco. Certo? — Gordon sorriu sarcástico por um momento. 

— Eu duvido muito que você vá querer que eu tenha contato com a promotoria — Seu olhar era desafiador. — Acha que eu esqueci do seu segredinho, Comissário?

— Segredinho? 

— Britta Ledger e o sequestro misterioso! Britta Ledger e a explosão do asilo Arkham! — a ruiva passou a gritar com intuito de chamar atenção dos outros ao redor. — Ela vai ser a it girl de Gotham desse jeito, ela está em todas! Britta Ledger, Britta Ledger, Britta Ledger! Aliás…Britta Ledger ou Lena Miller? Qual nome vai pegar mais? — fingiu pensar com a mão no queixo.

— Vale, eu sei que você é bem jovem mas agora está parecendo amadora — o policial não se abalou com o escândalo. — Britta Ledger é assunto de investigação com sigilo de justiça e você sabe que, nesse caso, os veículos de informação não podem citar nomes em suas matérias. E… — Ele se aproximou novamente falando com uma voz bem baixa. — …Se sair alguma coisa sobre Britta Ledger, no Bueiro de Gotham, só vai me confirmar quem realmente está por trás daquele site nojento...  

— Isso é uma ameaça, Comissário? — de orgulho ferido, a ruiva respirava ofegante tamanha sua irritação.

— Que tal: Britta Ledger salva vida de policial e jornalista! — então a olhou sério. — Porque você sabe muito bem onde aquela bala poderia ter parado se a Srta. Ledger não tivesse se envolvido. — Gordon não esperou a resposta e uma Vale sem argumentos foi deixada sozinha.

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A sensação que John sentia é que ele era sobrevivente de um tornado. Sentado pesadamente na sala de espera do centro cirúrgico, sentia a exaustão esvair lentamente de seu corpo pesado. Preocupado com o que acontecia na sala de cirurgia ali próximo, seu olhar era perdido no chão enquanto repassava cada segundo desastroso de horas atrás na delegacia. 

— Estou falando com você — ouviu a voz firme do Comissário que lhe pressionou levemente o ombro.

Ainda anestesiado pelas memórias, levantou o olhar pesado para Gordon que estava de pé a sua frente. Em segundos se situou no tempo e espaço e reparou em como a presença alarmada do Comissário contrastava com ambiente vazio e silencioso ao redor. Blake notou que o próprio Comissário aparentava estar acabado, claramente ainda não tinha ido para casa.

— Desculpe, não ouvi o que disse. — Se ajeitou na cadeira.

— Por que não está ajudando nas buscas? — Gordon olhava John como se visse um alienígena. — O que está fazendo aqui?

Imediatamente Blake se lembrou do barulho alto do disparo em sua direção e os cabelos negros e curtos de Britta de repente em seu campo de visão. John nem mesmo viu para onde o criminoso correu enquanto os gritos dos presos e o clamor desesperado da jornalista caída acompanhavam sua queda ao chão. 

Lembrou–se da poça de sangue na base da garganta de Ledger impossibilitando ver a origem do sangramento da moça já inconsciente em seus braços. Bullock e outro policial já corria atrás do fugitivo enquanto ele gritava por ajuda e estancava o sangramento com sua camisa.

— Blake, responde. 

— Eu estava estancando o ferimento dela — respondeu ainda em transe com a memória olhando as mãos com resquícios de sangue seco. — Ela estava perdendo muito sangue. 

— Então você preferiu…

— Tentar salvá-la? — interrompeu o Comissário agora bem consciente. — Sim?!

Perante a clara decepção no olhar do jovem, Gordon abriu a boca para se explicar mas foi interrompido por um Blake incomodado. 

— Foi o Batman quem levou Coringa pro departamento de polícia sabendo que não havia pessoal suficiente lá — apesar de irritado, o cansaço impedia Blake de elevar a voz. — O senhor, por algum motivo que só Deus sabe, achou que foi uma boa ideia mantê-lo lá por mais de uma hora. Então, quando Britta se colocou à minha frente para receber uma bala que era minha, sim, eu preferi tentar salvá-la. — Se levantou lhe dando as costas por alguns segundos. — Não era o senhor que me queria longe dele? Eu sou mais útil aqui, esperando saber da situação dela. 

Gordon tinha um olhar preocupado do qual John se desviou. O mais velho ponderou algumas das coisas que ouviu e então se rendeu à cadeira. 

— Vocês estão tão irritados… — Blake falava mais para si mesmo, reflexivamente. — Estamos tão focados nessa missão de acabar com o Coringa…Nos moldando ao ritmo dele, esquecendo do trabalho que realmente importa que é proteger os cidadãos dessa cidade. 

— Não é bem assim…

— Os fatos dizem o contrário, Comissário — o olhou sério. — Ela poderia ter morrido. — Apontou em direção a sala de cirurgia. — Vicki Vale poderia ter morrido. 

— Eu disse pra Vicki…

— Não era pra ele estar naquela delegacia — interrompeu fazendo Gordon se calar. — Nós já o conhecemos, sabemos de seus truques. Devemos estar à frente. Levá-lo para outra instalação, na Batcaverna, quem sabe! — respirou fundo se acalmando. — Britta está em cirurgia a mais de duas horas. Hoje foi um dia pesado pra ela. Eu vim visitá-la, agradecer. — E voltou a se sentar. — Acredito que o senhor é a última pessoa que ela quer ver…

— John — Gordon chamou e perante o silêncio do detetive ele continuou. — Eu sei que acredita nessa moça e talvez você tenha razão mas pelo seu próprio bem, não confie totalmente em ninguém. 

— Não sou iniciante, Gordon — o olhou com a testa franzida. — Além do mais, da mesma forma que não podemos confiar completamente nela, não podemos condená-la sem provas. 

— Tem razão — Gordon respondeu respirando pesadamente. 

Estava claro para James que o Comissário tinha boas intenções, no entanto estavam sendo dias difíceis para todos. Talvez o descontrole da cidade aumentando gradativamente, ainda que com o Batman presente, fosse o causador de tamanha frustração e certo desespero.

— Eu estou irritado — Gordon falou de repente. — Bárbara foi embora e levou Jimmy — desabafou negando com a cabeça. — Eu estou mais velho, estou dormindo menos...Quando Bruce se foi, eu pensei que não daria conta…Nessa cidade são poucos os que lutam contra a corrupção e o crime, e sozinho a gente não chega muito longe. Ele voltou mas eu não consigo desacelerar, é como se…Como se eu não pudesse parar nem por um minuto que tudo pode desmoronar, mas não importa o quanto eu tente, nunca será suficiente. 

— E não será — Gordon o olhou curioso. — Sempre tem barata saindo do esgoto. Talvez no futuro, mais pessoas como o Batman surgirão e vão conter melhor esse…surto. Mas por enquanto, somos tudo o que Gotham tem e nós não somos super heróis, Gordon. 

Gordon sorriu debaixo do bigode e seguiram em silêncio compartilhando de um certo alívio. Talvez, em anos, aquele foi o momento que Blake e Gordon mais se entenderam como policiais. Naquele momento Gordon não era um superior, mas um colega que compartilhava do seu fracasso e culpa como um policial que estava falhando com Gotham. Blake, de certa forma, se sentia aliviado e perdoado pois, no fundo, ele realmente se sentia incomodado por não ter impedido a fuga do Coringa. 

— E Susan Smith? — o detetive lembrou da colega. 

— Ela está bem. Bruce a encontrou caída no meio de uma estrada abandonada não muito distante do Arkham. Paralisada mas os exames estão limpos, seja lá o que lhe deram, é uma droga muito sofisticada.

— O que ela contou? Chegou a ver Kevin Miller?

— Os homens dele a capturaram quando estava se esgueirando pelo perímetro. Kevin a sedou mas a levou consigo em sua fuga em um furgão velho que alguns policiais já estão tentando rastrear. Ele fez perguntas sobre o que a polícia sabia dele e queria saber porque ela estava ali. 

— Então Britta falou a verdade sobre ter sido paralisada. 

— Eu li o depoimento. — Gordon assentiu. — Bate com o que Susan contou.

— Smith é uma boa policial, fico aliviado que ela esteja bem. 

— É algo para se pensar — o bigodudo estava pensativo. — Por que um homem tão doente, letal e sádico a deixou viva?

Blake assentiu concordando sem o olhar. 

— Não sou nenhum super herói, detetive — o Comissário falou de repente e se levantou. — Sou apenas um policial, mas isso sou eu. — Apontou pra si mesmo de forma enfática. — Você…Você tem o coração de um herói. — E deu as costas. 

Gordon foi embora a passos lentos e cansados, enquanto isso, Blake encostou a cabeça na parede atrás de si e se permitiu relaxar com os olhos fechados refletindo nas palavras de Gordon. Não conseguiu cochilar, tamanha a ansiedade. 

Em algum momento depois de mais uma longa e solitária espera decidiu ir até a enfermaria a fim de se atualizar quanto a situação de Britta.

— O cirurgião teve que sair às pressas para uma emergência. A Srta. Ledger saiu da cirurgia a uma hora, está descansando — a enfermeira explicou.

— Tinha tanto sangue, não entendi onde o tiro pegou.

— A bala entrou diretamente no músculo mono hióide, um músculo acima da clavícula. 

— Não atingiu nenhum vaso importante?

— Não, ela teve sorte. A bala provavelmente passou perto da veia cervical transversa, mas não a atingiu. 

— Wow…

— Primeiro houve a dúvida se removeriam a bala ou não, quando decidiram tirar, a dificuldade foi o local delicado para remoção. Por isso a demora.

— Mas ela vai ficar bem, certo? Está fora de risco…

— Nossa principal preocupação é conter a infecção, que provavelmente veio da camisa que estava contendo o sangramento — Blake se lembrou quando tirou a camisa e enfiou no sangramento. 

— Era tudo o que eu tinha…

— E fez bem — a moça o assegurou com um sorriso contido e um olhar gentil — Vamos controlar o quadro infeccioso, mantê-la em observação e ela poderá voltar para casa provavelmente dentro de alguns dias. Você salvou a vida dela.

O detetive sorriu de lado e se afastou pensando na ironia daquela frase. Ele sabia que foi Britta quem salvou sua vida. Mas por que? O fato é que depois de tanta investigação e dos momentos que passaram juntos durante seu depoimento, John sentiu uma certa identificação com a moça, no entanto o que ela fez não fazia sentido algum. Como sempre, Britta parecia ter a habilidade de se manter uma incógnita a cada descoberta sobre si. Blake voltaria na manhã seguinte, precisava entender o ato da moça. 

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— O quadro de infecção ainda é instável, ela tem febre de 43º, fraqueza, náuseas, muitos calafrios e… — a enfermeira se interrompeu envergonhada.

— E? 

— Bem…Ela tem tido alguns episódios de delírio, está no que chamamos de semissono.

— Alucinações são comuns em febre alta, não?

— Sim, mas é diferente…Quero dizer, as coisas que ela fala, às vezes as coisas que grita… são desconcertantes. 

— O que ela fala? — o constrangimento da enfermeira experiente aguçou ainda mais sua curiosidade e lhe levantou suspeitas.

— Eu não acho que…

— Sou um detetive policial. Sei guardar segredos — Blake deixou claro sua autoridade mantendo a gentileza.

— Bem…As vezes ela chama por um tal de Kevin, sempre muito aflita, às vezes perguntam coisas como ‘’por que está fazendo isso?’’, às vezes ela chora, geralmente quando fala sobre esse Kevin…

— E…? — Blake viu que a enfermeira estava tendo dificuldade em elaborar a parte mais delicada. — Eu imagino que seja muito vergonhoso o que vai falar, mas é pra segurança da senhorita Ledger que não deixe nada de fora.

— Ela chama pelo…Coringa — foi instantâneo o detetive abrir mais os olhos, a enfermeira assentiu positivo. 

— Ela chora ou…? — tentou fazer sentido do que estava ouvindo.

— Não, ela…Ela chama por ele…ela sorri…

— Ela sorri? 

— Sim e pede que ele venha… — agora a disposição da enfermeira em falar sobre o assunto era digna de uma fofoqueira. — Como se estivesse em perigo, sabe? Enfim, parece que é uma alucinação agradável quando se trata do meliante… — comentou maldosa.

— Entendo. Vou vê-la agora. — Olhou em direção ao corredor com os quartos.

— Ela não está totalmente consciente, como disse…

— Não vou demorar. — Insistiu apressado.

Avançando no corredor dos apartamentos hospitalares, Blake viu um policial sentado ao lado da porta do leito de Britta. Era uma precaução, Kevin Miller continuava foragido.

Assim que entrou se surpreendeu com a temperatura super baixa do quarto, o que era de se esperar por conta da febre alta da moça. Um pequeno corredor que levava até o cômodo principal era formado pela parede do banheiro à esquerda. A direita, uma TV estava ligada em algum canal com volume baixo e do outro lado no final do quarto, antes mesmo de ter visão da maca, era possível ver a parede  com grandes janelas com persianas parcialmente abertas iluminando o ambiente e um sofá para visitas. 

Finalmente Blake viu Britta, deitada na maca. Parado aos pés da maca, John a viu, sem nenhum lençol lhe cobrindo, usando apenas o roupão cirúrgico. Britta recebia três medicamentos diferentes via intravenosa em um acesso em seu braço esquerdo. Na base de seu pescoço, também no lado esquerdo, havia a ferida cirúrgica onde recebeu o tiro. 

Reparou que, apesar do frio naquela sala, a pele morena da moça estava úmida de suor, seus olhos fechados se apertavam com força e relaxavam, como se estivesse tendo um sonho agitado ou um pesadelo, seu corpo se contorcia levemente ou tremia algumas vezes. Sua boca pálida e ressecada abria e fechava, às vezes parecia balbuciar sussurros desconexos. 

Blake respirou pesadamente incapaz de não sentir seu peito apertar ao vê-la naquele estado. De repente a moça abriu os olhos lentamente mas não o olhou, ela olhava o teto acima de si e sua boca continuava a proferir palavras sem som. Cuidadosamente, Blake avançou entre a parede do banheiro e a maca, se aproximando da moça.

— Britta… — John chamou baixinho. 

Uma lágrima caiu dos olhos da moça até que ela o olhou. Seu olhar era vazio, vidrado e, apesar dos medicamentos, parecia sentir dor. John reparou que haviam algumas lágrimas secas em suas bochechas em meio as gotículas de suor.

— Eu sinto muito — ele falou novamente, meio incerto do que falar.

— Por que fez isso? — mais lágrimas escaparam e os lábios dela tremeram iniciando o choro baixinho. — Kevin…

— Não sou o Kevin… — seu olhar era terno e de pena. — Sou o detetive John Blake. 

— Onde ela está, Kevin…que você fez isso? — a essa altura, Britta chorava e soluçava baixo tal qual uma criança com medo. 

John não a reconhecia. Era como se fosse outra pessoa ali, bem diferente da Britta de olhar intenso e voraz que ele conheceu na delegacia. O detetive percebeu que em tamanha vulnerabilidade, poderia obter respostas honestas às muitas de suas perguntas, mas a situação de Britta era tão incerta e delicada, que ele reconheceu que poderia engatilhar um turbilhão de emoções ainda mais fortes, então preferiu evitar.

— Eu sinto muito, Lena — lamentou tocando sua mão e se surpreendeu com a temperatura elevada de seu corpo. 

— Eu quero ir embora…quero ir pra casa… — a moça chorava baixinho, com os olhos molhados e perdidos no teto acima de si.

— Descanse, volte a dormir… — falou se afastando com passos para trás, a assistindo cuidadoso, como quem coloca uma criança pra dormir.

Enquanto deixava o quarto, Blake refletiu na situação penosa em que Britta se encontrava. Lembrou novamente do momento em que ela tomou o tiro por si, e se deu conta de que poderia ser ele ali naquela maca. Estava cada vez mais fácil para o detetive ver Britta como uma vítima. Pensou em toda a trajetória de vida que descobriu de Lena Miller e vez após vez, até aquele momento, percebeu que sua vida era um tipo de efeito dominó desastroso que se iniciou, muito provavelmente, antes dos Miller. 

O detetive dentro de si o fazia pensar que seu próximo passo era descobrir o paradeiro de Vera Miller e entender porque fugiu e a deixou naquele orfanato. Já o órfão dentro de si lhe dizia que assim também teria maiores chances de encontrar qualquer membro existente da família biológica de Lena. Sua gratidão o fazia querer presentear a moça com aquilo.

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Três dias depois. 

Britta estava plenamente consciente, todos os sinais vitais estavam estáveis, com exceção da pressão arterial que se mantinha atipicamente alta, não havia mais sinais de infecção ou dor no local da cirurgia. 

Para Britta seu maior desconforto eram as insistentes perguntas que os médicos fizeram sobre qualquer acontecimento estressante que viveu nos dias passados. Rejeitou as insistentes tentativas de lhe fazerem falar com um psicólogo, visto que os médicos alegaram que ela apresentava sintomas claros de TEPT*, que Britta escolheu ignorar. 

Para a advogada não havia nada de incomum nos recentes períodos de impaciência, agitação, insônia, dores de cabeça, desânimo e pensamentos negativos. Sentimentos e sensações que ela sabia como ignorar. No final das contas, havia levado um tiro. Considerava que pular na frente do disparo foi a atitude mais impulsiva e burra que ela tomou em sua vida. Não sentia vontade de morrer.

Naquele dia em específico, provavelmente por conta dos medicamentos para dor, se sentia fisicamente relaxada, com exceção do desconforto que sentia ao movimentar seu ombro esquerdo. Havia acabado de almoçar e se preparava para um cochilo quando ouviu a porta ser aberta. Imaginou que fosse a copeira, que por engano, entraria lá novamente para pegar a bandeja do almoço, mas ficou confusa ao ver um homem desconhecido vestindo um uniforme formal de policial parar ao pé da cama.  

O desconhecido logo se tornou familiar quando ele levantou a cabeça e o cap deu lugar ao sorriso largo e ao olhar maldoso. Britta não conseguiu controlar sua surpresa ao reconhecer Coringa com o rosto completamente livre de qualquer tinta. Não conseguiu distinguir se a pele levemente escurecida ao redor dos olhos eram olheiras ou resquícios da maquiagem. O avermelhado da cicatriz em contraste com sua pele pálida, tornava seus lábios muito mais grotescos que quando com a tinta vermelha. 

— O que tá fazendo aqui? — Se moveu com dificuldade se sentando na cama incapaz de controlar a careta por conta das fisgadas de dor acima da clavícula esquerda. — Droga… — Sussurrou olhando instintivamente em direção a ferida cirúrgica. 

— Estava preocupado com você… — sua voz era baixa e sorrateira.

Ela o viu se aproximar pelo seu lado esquerdo e parar no meio do caminho. A cabeça levemente baixa, o olhar intenso e o sorriso de lado lhe dando uma aparência maliciosa. Por algum motivo, Britta não se sentiu ameaçada pela aproximação. Talvez fosse por conta da sua aparência diferente, não conseguia fazer a ligação entre aquele homem que te olhava curioso e o Coringa.

— Por que está vestido assim? — perguntou curiosa e então balançou a cabeça tentando afastar a curiosidade para pensar logicamente. — O que está fazendo aqui? — o olhou mais incisiva. — Veio terminar de me matar? — acusou agora com os olhos nas cicatrizes nas laterais dos lábios pálidos.

— Aquele tiro não era seu — seu rosto agora sério, sem maquiagem, parecia ser outra pessoa, como se despisse realmente da persona criminosa que todos conheciam. — Você sabe disso — repreendeu. 

— Tem policiais por toda parte nesse hospital…

— Tava passando por perto, resolvi dizer um oi… — Deu de ombros se sentando na altura de seu quadril e tirando o cap e o pousando ao seu lado na maca.

— Chega de palhaçada — a moça reclamou desconcertada com a aproximação do outro, observou seus cachos loiros escuros, livres de qualquer tinta verde, presos em um pequeno rabo de cavalo. — O que você quer? Por que…

— Britta. 

O viu inclinar lentamente o tronco em sua direção e pousar a mão esquerda bem ao lado de sua coxa direita fazendo seu coração descompassar por um instante, sobretudo quando ele voltou a falar olhando em seus olhos com uma voz quase serena. 

— Se quiser eu vou embora, é só dizer…Mas um passarinho me contou que queria me ver… — ele estava se sentindo muito à vontade com a aproximação, já Britta estava desconcertada evitando olhá-lo.

— Não sei do que cê tá falando, vai embora e não aparece nunca mais — ele sorriu com o olhar malicioso novamente, se divertindo com a irritação e desconcerto da moça. — Eu não entendo porque você sempre aparece no meu caminho, além do mais qualquer trato que você tinha com o Kevin, já acabou, certo? 

— Eu estou confuso…— seu rosto era puro cinismo — Você quer conversar sobre seu irmão ou quer que eu vá embora? 

— Eu quero que vá embora — insistiu cruzando os braços, mas relaxando-os ao lado do corpo por conta da dor no lado esquerdo do pescoço.

— Tem certeza? — sua voz rouca e a forma como ele desceu o olhar para seus lábios a deixou sem reação.

Para sua maior surpresa, Coringa se aproximou ainda mais em sua direção com um olhar quase possessivo, perdido em seu pescoço. Sem saber o que falar ou como reagir, Britta o assistiu chegar mais perto, apoiar a mão direita na cabeceira da cama acima de si diminuindo seu espaço para se mover. Então ele deslizou a mão esquerda da sua costela direita para apertar a cintura. Nervosa com o toque levantou o olhar para o rosto dele, mas ele ainda se deliciava com a visão de sua pele no pescoço, observando demoradamente cada canto do seu rosto, por vezes ele parecia salivar como um cão perante a um suculento pedaço de carne.

— O que pensa que está fazendo… — sua voz saiu em um sussurro e o viu lamber os lábios rapidamente.

— Me manda embora… — sua voz mais rouca lhe atingiu como um entorpecente, o olhar caído em seus lábios, seus rostos mais perto.

O corpo da moça foi tomado por uma sensação de quase torpor, ela conseguia ouvir sua própria respiração, seu coração parecia ter parado, o tempo pareceu parar, no entanto a sensação estava longe de ser desagradável. Espontaneamente e antecipando o inevitável, ela fechou os olhos quando ele aproximou o rosto para beijar suavemente primeiro o seu queixo e depois seu pescoço. Ela arfou com o toque íntimo.

— O que você tá fazendo? — sussurrou ainda de olhos fechados desejando sentir mais daquilo.

— Sentindo a textura da sua pele…— o murmúrio grave em seu ouvido a fez derreter relaxando todo o seu corpo de uma só vez

— Eu…

— Você fala demais, boneca. 

E então ele pressionou os lábios contra os dela a fazendo segurar a respiração, tensa e surpresa. Aquela altura outras partes do seu corpo, além do coração, pulsavam incessantemente. A descarga repentina de prazer e o toque macio dos lábios e jeito delicado que ele segurou seu queixo deixou seu corpo entregue. Ele movia os lábios calmamente. Deslizou gentilmente a ponta da língua sobre seu lábio inferior, sentindo cada parte dos lábios cheios de Britta, enquanto envolveu suas costas com o braço esquerdo, a levantando da cama direto para si. 

Com seu braço direito, a moça abraçou-lhe o ombro largo desejando senti-lo ainda mais. Apesar de lento, o beijo já era mais profundo, mais intenso e os gemidos discretos de satisfação eram compartilhados enquanto um explorava cada canto da boca do outro. Ela descansou os dedos em sua nuca, pressionando a pele com alguns cachinhos ali. 

Mais um pouco e ela interrompeu o beijo mas não se afastou dele e nem abriu os olhos. Enquanto retomava o fôlego, Britta não conseguiu deixar de sorrir principalmente quando ele encostou a testa na dela a fazendo abrir os olhos e encontrar os olhos semicerrados dele. 

— Hum… — ele tinha um sorriso de lado, claramente satisfeito. 

Envergonhada, Britta deslizou as mãos da nuca para o ombro sentindo o tecido suave do terno e como que pegando a deixa, ele a afastou de si a deitando com cuidado na cama novamente. O ato pareceu dissipar de vez o clima íntimo entre os dois, a fazendo encarar as mãos sobre sua barriga. Britta não viu, mas Coringa estava sorrindo de um canto a outro, quase orgulhoso ao vê-la tão envergonhada.

— Acredito que, assim como eu, gostaria de repetir isso de novo…— com olhar baixo, de relance, ela o viu levantar da maca.

Britta respirou fundo de olhos fechados desejando que um buraco se abrisse para escapar. Não se lembrava de se sentir tão envergonhada e nervosa. Ele riu em silêncio tirando algo de dentro do paletó.

— Aqui — Ao abrir os olhos lentamente ela se surpreendeu com a carta curinga em frente a seu rosto. 

— Sério? — sua voz saiu tímida e ela riu baixinho achando graça.

— Até mais, docinho — ela o ouviu se afastar e teve tempo de ver suas costas largas antes de sumir de vista. 

Quando ficou claro que estava sozinha, uma carga de energia como que explodiu por todo seu corpo e Britta sentiu uma euforia que aquelas paredes não seriam capazes de conter. Queria correr, queria pular, mas se limitou a sentar no meio da cama, cruzar as pernas e se curvar escondendo o rosto entre as pernas para abafar o gritinho que não conseguia mais conter em sua garganta. Ao se dar conta de seu comportamento adolescente, acomodou as costas na cabeceira e olhou ao redor, completamente incrédula se aquilo era real.

— Céus… — sussurrou incapaz de conter o sorriso bobo no rosto.

Uma risada baixa escapou da garganta quando lembrou dos lábios ágeis dele, o jeito quente que a olhou, o jeito que sua mão grande segurou sua cintura com força, seu gosto, o peito dele contra o dela, o jeito como o movimento de seus corpos sincronizaram e o som da respiração pesada dele ao final do beijo, podia sentir seu coração acelerar novamente só com a lembrança. Pegou a carta no colo e a encarou curiosa com um sorrisinho de lado.

Girou a carta entre os dedos para ver algo escrito em uma caligrafia um tanto agressiva do outro lado. A letra era ligeiramente grande e a pressão feita para escrever deixou a tinta um pouco manchada tornando difícil reconhecer algumas letras. Com alguma dificuldade conseguiu discernir o que estava escrito se surpreendendo com as palavras familiares: ’’Os homens fazem muito mais para evitar o que temem do que para obter o que desejam.’’.

— Código da Vinci… — murmurou sorrindo e continuou lendo onde ali havia o nome de uma rua e um número. 

Nas horas seguintes, a mente de Britta estava infestada pela visita inesperada do Coringa. Sua mente repassava todos os momentos, da hora que ele surgiu inesperadamente descaracterizado até o momento em que lhe tocou, repetindo todos os momentos vez após vez, fantasiando sobre o convite que o endereço aparentava ser. 

‘’Acredito que, assim como eu, gostaria de repetir isso de novo…’’

Mesmo sozinha, era como se ele ainda estivesse ali. A mulher passou a se olhar diferente, preocupada do que ele achou do seu cabelo, retomou consciência de seu próprio corpo, pela primeira vez depois de anos se importou se estava atraente ou não. 

Apesar de ter ido embora, a visita do Coringa e seus efeitos perduraram pelos próximos dias, e a cada dia que passava seu desejo em senti-lo tão perto de novo se misturava também com a culpa e a vergonha de seus pensamentos e desejos mais íntimos pelo criminoso.

O telefone na mesinha ao lado tocou lhe despertando de suas fantasias e, ao se identificar, a pessoa do outro lado da linha a deixou sem palavras.

— Britta, está aí?

— Sim… — limpou a garganta. — Perdão Ethan.  

Riu sem graça fechando os olhos se lembrando dos lábios macios do criminoso contra os seus. Balançou a cabeça em uma tentativa de afastar o pensamento enquanto ouvia seu chefe falar do outro lado da linha.

— Desculpa por não te visitar pessoalmente, estive muito atarefado — como sempre, a gentileza e educação de Ethan eram muito agradáveis. 

— De jeito nenhum! 

— Como está? É claro que soube de tudo…

— Claro… — e lá estava Coringa em sua cabeça novamente, dessa vez a memória era do Palhaço fazendo a repórter refém na delegacia.

— Foi muito corajoso o que fez por aquele detetive. 

— Foi burrice — falou sem graça. — Mas deu tudo certo, eu estou bem…

— Burrice não é a palavra que Gotham está usando. Você sabe, está em todos os jornais…

— Sim, sim, eu vi algumas vezes na televisão — observando a TV desligada. — Ainda bem que não divulgaram minha identidade, não sei o que eu faria… — as palavras morreram em sua boca. — Eu sinto muito não estar presente na empresa, como está o projeto? — respirou fundo pensando em Lucius Fox.

— Britta, não se preocupe com isso agora. Se concentre em melhorar. 

— Eu sei que tudo isso faz parecer que sou um imã de encrenca e esses acontecimentos estão longe de ser algo apropriado para uma advogada corporativa. Eu sinto muito. Irei entender se quiserem descontinuar minha participação no projeto.

Por algum motivo o silêncio de Ethan a pegou de surpresa e Britta se viu angustiada com a ideia de perder aquela oportunidade. Percebeu que, em todo esse tempo, não tinha pensado nas Empresas Wayne, sobretudo depois de toda generosidade de Fox e O’Dwyer. Aquela de fato era a oportunidade da sua vida, mas a cada dia que passava, por algum motivo que ainda não entendia, tudo aquilo se tornava mais dispensável para Britta e aquela foi a primeira vez que tomou consciência do fato.

— Como eu disse, não se preocupe com isso agora. Se precisar de um lugar seguro para ficar… — lembrou-se da carta curinga que escondeu debaixo do lençol da cama. — Sabe que pode contar comigo, tenho propriedades para todos os gostos ao redor da cidade. 

— Eu nem sei o que dizer, Ethan…É muita generosidade sua — Britta sentiu-se surpresa com a proposta. — Mas não posso aceitar. 

Estava longe de Britta colocar Ethan em perigo seja com Kevin ou mesmo o próprio Coringa. Também não queria usá-lo daquela forma, tinha desconfianças de que o interesse do rapaz ia além dos interesses profissionais e por mais que gostasse da pessoa de Ethan agradável, Britta preferia manter distância, pelo bem dele. 

Ao desligar a ligação, decepção era o sentimento maior de Bruce. Encarando o chão da batcaverna não conseguia esquecer do momento que a viu nos braços do criminoso. Se importava com Britta, tinha interesse naquela mulher, ela o intrigava de uma forma estimulante e não conseguia mais negar isso pra si mesmo. Mas todas as interrogações que circulavam ao redor dela o deixava mais angustiado e desconfiado de sua verdadeira natureza. 

Por isso preferiu ligar em vez de visitá-la pessoalmente, sabia que as coisas ficariam estranhas se a visse cara a cara, poderia acabar lhe confrontando. Não sabia se era pura desconfiança ou se havia um quê de ciúmes ali. Ao se deparar com o pensamento, o rapaz revirou os olhos, focando no setup de monitores em sua mesa de pesquisa onde havia informações sobre Kirah Machin e seus rivais políticos, dentre eles o atual prefeito Andrew Pierce.

>>>>

No dia seguinte, pela tarde, Britta ouviu a porta se fechar, anunciando a entrada de alguém e já foi se levantando para sentar na cama com as pernas para fora. Mas não foi a médica fisioterapeuta quem viu e sim o Comissário Gordon. 

— Claro, tava demorando… — resmungou.

— Impressão minha ou não gosta da polícia? — Gordon se posicionou à sua frente com as mãos no quadril. — O clássico dos advogados, ein?

— Eu já depus com o detetive John Blake — ignorou o comentário.

— Eu sei, só gostaria de fazer algumas perguntas…Primeiramente, eu não entendi a motivação, mas fico grato pelo que fez pelo detetive Blake — apesar de incomodada com o tom, Britta enxergou alguma sinceridade no olhar do policial.

— E eu agradeço por evitar que meu nome seja divulgado na mídia. 

— Não preciso dizer que essa discrição é para o bem das investigações, mas sinceramente, não sei até quando vou conseguir fazer isso — maneou com a cabeça. — São muitos acontecimentos importantes em pouco tempo, precisa começar a falar. 

— Falar o que especificamente? — cerrou os olhos, genuinamente confusa. 

Desde que contou todos os fatos relacionados ao seu sequestro, Britta não tinha mais nada a esconder, com exceção da visita recente, mas esse incidente não tinha nenhuma intenção de contar, sobretudo porque não via motivo para isso. 

— O que foi fazer no Arkham, Lena? 

— Eu fui ver o meu irmão, Gordon — o encarou entediada.

— Por que? — Gordon a olhava de forma incisiva e acusatória. — Desde que você foi colocada naquele orfanato, você começou a viver outra vida, porque visitá-lo agora, justamente quando as explosões acontecem? 

— Está insinuando alguma coisa? 

— Na verdade, sim, qual a sua participação nisso tudo?

— Gordon… — ela riu. — Acho que está paranoico ou sem tempo — sorriu desafiadora. — Você estava certo sobre o sequestro, parabéns! Não pelos motivos que imaginou…Precisa entender que nem tudo tem uma relação direta.

— No que estou certo sobre você e seu irmão? Sobre o Arkham? 

— Eu não sei o que você quer que eu diga…Digamos que meu encontro com Batman foi um tanto quanto…inspirador! — riu negando com a cabeça. — Eu não sabia que o Kevin estava no Arkham então quando descobri pensei ‘’por que não?’’...Foi a pior decisão da minha vida… — engoliu em seco lembrando-se do cadáver desfigurado. — Kevin estava me esperando para o planozinho podre dele de se vingar de mim…

— Por que te esperar, porque não ir até você? Por que não te sequestrar?

— Porque… — quando percebeu para onde a conversa estava indo, Britta se calou e sorriu para o Comissário. — Sei pra onde está indo com isso…

— O Coringa — o Comissário manteve o sorriso de quem tinha dado o xeque-mate. — Por que te salvar? Por que não te entregar ao seu irmão? Provavelmente esse era o plano, não?

— Eu não sei! — Britta deu de ombros sentindo um frio na barriga ao lembrar-se do encontro que teve com o criminoso naquele mesmo lugar.

— Ele sabia do plano do Miller, de fato, fazia parte do plano. 

— Então concordamos que eu não tenho nada a ver com isso. Nisso tudo eu ainda sou a vítima. 

— Não use seus argumentos de advogada barata comigo, garota… — Gordon cuspiu as palavras claramente irritado. — Seu dia tá chegando, Miller…

— Ledger — corrigiu entediada. — E pensa bem: a essa altura se eu tivesse com culpa no cartório já tinha arranjado um bom advogado. 

— Talvez seja hora de arranjar um… — e com o olhar atravessado deixou o quarto.

Sozinha, Britta se levantou e caminhou até uma das grandes janelas no outro lado do quarto, com uma euforia inexplicável crescendo em seu peito, reparou nas muitas janelas do prédio em frente alguns metros de distância e por algum motivo inexplicável Britta sentiu que o mundo podia desabar ao seu redor, que ela não iria se abalar. 

Era como se, finalmente, tivesse parado de viver no automático, não sentia medo, culpa ou receio mas uma vontade intensa de enfrentar seja lá o que lhe aguardava lá fora. Não estava preocupada com Kevin Miller, Empresas Wayne ou James Gordon. Com um sorriso que ia de orelha a orelha ela mesma ainda não conseguia distinguir o sentimento, claramente engatilhado por seu embate com o Comissário, mas não estava tão preocupada em entender, apenas aproveitar. 

>>>>>

Era tarde na madrugada, alguns andares do hospital como a emergência e o centro cirúrgico estavam tão ativos como qualquer horário durante o dia. Do lado de fora, no entanto, o escuro e a quietude dominavam a região. Era uma madrugada especialmente fria, ventava muito compondo um clima pré-chuvoso. 

Nada disso impedia a silhueta magra de escalar o prédio pelo lado de fora. O corpo treinado se movimentava rápida e habilidosamente com ajuda de alguns equipamentos de escalada designados para aquele tipo de superfície. O frio não era problema, graças ao traje especial. O vento incomodava apenas por conta da forma como a bolsa que trazia batia vez após vez contra seu quadril.

Ao chegar no andar pretendido com destreza e ajuda de equipamentos tecnológicos que trazia na sacola, conseguiu destravar a janela e com muita rapidez entrou no apartamento hospitalar que tinha as luzes completamente deslizadas. Ainda pisando no sofá para visitas fechou a janela por onde entrou. 

Elegante e silenciosamente desceu ao chão com os olhos fixos em Britta que dormia pacificamente. A visita misteriosa se aproximou a mais três passos e por boa parte do tempo ficou ali a olhando enquanto dormia completamente inconsciente de sua companhia secreta. 


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