EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 10
Uma Noite na Delegacia.




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‘’Coincidência era um conceito em que ele não confiava inteiramente. Como alguém que passou a vida explorando a interconectividade oculta de emblemas e ideologias díspares, Langdon via o mundo como uma teia de histórias e acontecimentos profundamente interligados. ‘As conexões podem ser invisíveis, ele frequentemente pregava em suas aulas de simbologia em Harvard, mas elas estão sempre lá, enterradas logo abaixo da superfície’.’’

Dan Brown

O Código Da Vinci

 

— Algum problema? — John observou Gordon curioso. 

Havia acabado de atualizar o Comissário sobre o álibi consistente com a inocência de Lena Miller no massacre do Narrows em 97, o que era um dos aspectos mais importantes da investigação e apesar disso, Gordon parecia pouco afetado com o que ouviu, quase como se não fosse tão relevante o que o detetive Blake contou. 

— A oficial Smith não atende o telefone — o Comissário explicou, olhando o celular pela décima vez. — Ela estava à paisana, seguindo Ledger — seu tom desanimado preocupou Blake.

— Onde ela está?

— Fazem mais de duas horas desde sua última atualização...Aparentemente Lena foi visitar Kevin Miller. 

— Bem, podemos ir lá, aproveitar para questionar os doi…

Antes que pudesse concluir seu raciocínio, Gordon atendeu uma ligação, que não durou nem meio minuto, mas foi o suficiente para alertar Gordon repentinamente. 

— Droga! Houve uma explosão em todo o complexo do Arkham. — Gordon saiu disparado da sala do detetive, que o seguiu. — Preciso de pelo menos três viaturas comigo. — Do balcão encarou o térreo praticamente vazio.

— A gente…

— Não! — Já ia descendo em direção a um dos policiais ali. — Você fica aqui. — Gritou sem olhar. — Rodriguez e Bullock comigo agora! 

No início da escada, John assistiu perplexo o Comissário atravessar a delegacia com os dois jovens. Não queria acreditar que Gordon preferia levar os outros oficiais em vez dele, que estava envolvido na secreta investigação do caso Miller/Ledger. 

Ainda naquela tarde, as manifestações continuavam a todo vapor, agora com ocorrências de roubo e vandalismo cada vez mais crescentes. A delegacia tinha mais presos das recentes infrações do que os policiais, visto que a maioria da força estava concentrada nas ruas, sob a ordem da Capitã Hill. 

— Preciso da equipe antibombas e dos bombeiros… — O Comissário foi falando aos policiais enquanto fazia uma ligação urgente mas se interrompeu para olhar o detetive Blake. — Preciso de você aqui, confie em mim. — E foi sem esperar resposta.

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A queda dos dois prédios adjacentes ao edifício principal levantou uma poeira densa ao redor, a garoa tornava possível uma tímida visualização. O edifício principal continuava íntegro em grande parte, com exceção dos últimos andares que se tornaram pedras ao chão compondo o cenário catastrófico. 

Ao colocar os pés fora do prédio, Britta sentiu a claridade iluminar seu rosto e o vento frio abraçar o corpo. Ciente de que estava finalmente livre, foi tomada pela emoção de ter sobrevivido ao pesadelo. Suas pernas fragilizadas estremeceram a fazendo cair de joelhos ao chão. Inclinou o tronco para trás, de olhos fechados e com um sorriso cansado no rosto sentiu a chuva fina e gelada se misturar as lágrimas e molhar todo seu corpo lhe trazendo uma sensação de refrigério. 

A poucos instantes estava certa de que morreria então ao abrir os olhos e ver os pingos caindo do céu acinzentado, teve a sensação de alívio e gratidão que nenhuma paisagem de verão conseguiria lhe causar algum dia. 

À extrema direita Batman escoltava um Coringa pensativo e com o olhar longe, que ia obedientemente à sua frente, por conta de um dispositivo de choque em volta do pescoço. Mancava com as mãos algemadas em direção ao Batmóvel. 

Britta se levantou com alguma dificuldade, suas pernas pesavam mas conseguiu seguir a figura negra do Batman que se destacava por entre a densa poeira. Ela viu o Palhaço sentado no chão com as costas apoiadas na lateral traseira do Batmóvel. Coringa tinha a cabeça apoiada para trás com os olhos fechados de um jeito que parecia relaxado, ela observou curiosa o dispositivo em seu pescoço. 

Pulou de susto ao sentir um aperto em seu braço direito que doeu mais do que deveria, talvez porque o efeito da droga havia passado quase que por completo. Viu a máscara preta bem acima de si, o olhar obscuro a encarando de um jeito que parecia que a cortaria ao meio.

— Você precisa ir embora, agora — a voz grave e metalizada falou. 

— Se você soltar o meu braço… — falou num misto de susto e irritação. 

Ele a soltou imediatamente, passou bem a sua frente e pegou Coringa do chão que não expressou nenhuma reação quando foi posto de pé e então enxotado bruscamente para dentro da traseira do Batmóvel. Britta viu o Batman contornar a traseira do automóvel e ir até a frente abrindo a porta, mas parou para encará-la de volta.

— Tem viaturas a caminho, siga por onde chegou. 

— E se tiver gente lá dentro? — observou que grande parte do prédio principal continuava íntegra e se perguntou se aquilo significava que Kevin ainda estava lá dentro.

— Não tem ninguém — entrou no carro. 

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— Blake, as coisas estão saindo do controle em Chinatown — Hill falava apressadamente. — Soube que Gordon levou metade dos policiais disponíveis para ocorrência no Arkham, então eu vou ter que apoiar a contenção das manifestações pessoalmente, conto com sua ajuda por aqui. — Foi embora de sua sala sem esperar resposta. 

John revirou os olhos, sabia muito bem que Hill estava animada com a ideia de tomar medidas drásticas contra os manifestantes. Além do médico legista e o oficial da sala de arquivos, o detetive e mais três policiais mantinham a delegacia funcionando. A maior parte da força estava na rua. 

Era onde queria estar. Na rua, investigando, em contato com as pessoas, seguindo rastros, descobrindo pistas, juntando peças. Entediado atrás do computador, o jovem inclinou a cadeira para trás com as mãos na cabeça, usando o próprio corpo para equilibrar-se apenas nas pernas traseiras do assento. Desde pequeno sempre gostou da versatilidade e flexibilidade do seu corpo. No orfanato, um de seus apelidos era ‘’o acrobata’’. 

De súbito retornou a cadeira em sua posição normal e se levantou saindo da sala, estava morrendo de tédio ali dentro. Desceu para o térreo onde a delegacia se mantinha quieta e quase vazia, salvo uma discussão acalorada entre dois homens presos em uma das três celas.  Se serviu de um copo de água e cruzou os braços parando em frente a cela para ver os homens silenciar perante sua presença. 

— Fiquem à vontade, eu só estou entediado. 

— A gente não é artista de circo para lhe entreter não, detetive — um dos presos reclamou segurando as barras. 

— Ao meu ver, vocês parecem mesmo dois palhaços — e sorriu quando percebeu a expressão de todos ali ficarem bem sérias, alguns surpresos. 

Foi quando percebeu que não era para ele que estavam olhando, mas para quem quer que tenha entrado pela porta de entrada. Curioso, ele se virou para ver o Batman arrastando Coringa escada acima. 

— Hm…O Palhaço deu sinal… — murmurou.

Como se tivesse o escutado, a máscara preta virou para encará-lo. Eles trocaram um olhar igualmente sério até que Batman retornou a atenção ao seu prisioneiro. John refletiu em como Bruce parecia mais sombrio ultimamente. Ele sabia, que em parte, ele tinha culpa naquilo. Estava claro para Blake que Bruce não queria ter voltado. Ele só não conseguia sentir culpa alguma, no entanto, se sentia desvalorizado na delegacia ultimamente, algo que não pretendia admitir para Bruce.

— Por que o Batman simplesmente não mata esse cara — um dos presos resmungou e outros concordaram iniciando outra conversa acalorada. 

— Já parou pra pensar que o Coringa é imbatível? — outro falou fazendo John revirar os olhos.

— Não tem nada a ver, idiota… — outro respondeu. — O que falam por aí é que o Batman não mata ninguém…

— Só se for na porrada… — os presos riram entre si.

John se afastou achando graça de como a lenda do Batman era respeitado mesmo entre alguns criminosos. Subiu as escadas para ir até a sala de interrogatório, onde sabia que Coringa seria interrogado. E lá estavam eles. Através do vidro na cabine da sala de interrogatório, John assistiu a interação entre o Palhaço e o Homem Morcego se desenrolar. 

Coringa estava sentado com as mãos acorrentadas à mesa enquanto Batman estava de pé do outro lado da mesa. Pensativo e com o rosto inchado pela clara altercação física, Coringa parecia olhar as próprias mãos, estava sério com o olhar longe. Estaria o Palhaço desanimado?  Dessa vez, ser pego não parecia estar em seus planos. Batman finalmente falou.

— O que aconteceu com Jeremiah Arkham? 

Coringa permaneceu calado, parecia que não responderia, quando finalmente falou pareceu incomodado como se tivesse tido um raciocínio interrompido.

— Está tão desatualizado assim, Batsy? — apesar do apelido provocativo, ele continuava contido, com a cabeça baixa.

— Responde. 

— Jeremiah se tornou irrelevante a muito tempo no Arkham — explicou indiferente e continuou falando arrastado. — O homem à frente do Arkham é Kevin Miller…O diretor antes dele foi o Doutor Hugo Strange. Hungaro, russo, eslovaco, não sei alguma coisa assim… — deu de ombros. — Sujeito sem carisma, não ia durar muito tempo por aqui.

— O que quer dizer com isso?

— Isso você pergunta ao Kevin — deu de ombros ainda olhando seu próprio colo. — Por incrível que pareça eu não sei de tudo, Batsy. 

— Então você quer que eu acredite que Kevin Miller está por trás das explosões. 

— É o fato.

— Não foi Miller quem estava lá, foi você — com isso, o Coringa o olhou.

— Quando foi que já viu o responsável por uma explosão estar no local? Esqueceu de quando eu explodi o Hospital Geral? — com um meio sorriso malicioso levantou o olhar para o oponente. — Batsy! — o criminoso estava mais animado agora. — E eu pensando que a gente se conhecia tão bem…

— Por que estava lá? 

A expressão de Coringa voltou a ser de indiferença e ele escorregou na cadeira ficando em uma posição mais desleixada para encarar o teto. 

— Cansei desse assunto. 

Para surpresa de John, Batman não moveu um músculo. Ele se manteve calado olhando o Palhaço que parecia descansar de olhos fechados. De repente o Cavaleiro moveu a cabeça para a esquerda encarando em direção a cabine quando fez a pergunta.

— Por que estava com Britta Ledger? 

John franziu o cenho, então Britta estava com o Coringa no momento da explosão?

Por que?

— Eu disse que cansei desse assunto — exasperou se ajeitando na cadeira e encarando seu oponente mortalmente.

— Então é por isso que estava no Arkham? Por causa dela? — Batman insistiu passando a rodear a mesa lentamente se aproximando do Palhaço que deu de ombros. — Você tem monitorado ela, provavelmente não só pelas câmeras do apartamento. Sabia onde ela estaria. Responsável ou não pela explosão, depois de Kirah Machin, você faria dela sua próxima vítima.

— Então vocês decidiram atribuir a morte da militantezinha a mim, é isso? Que trabalho preguiçoso… — riu sarcasticamente. 

Batman interrompeu seu andar, claramente surpreso pela afirmação do Coringa. Blake, também surpreso, se aproximou do vidro, curioso com o que Coringa estava falando. O detetive viu o herói jogar uma foto do cadáver da ativista em cima da mesa. 

Confuso e curioso, o criminoso se inclinou para frente formando uma corcunda e logo sorriu. Não demorou para o sorriso se tornar uma risada alta e então a sua famosa gargalhada visceral e doentia. Coringa se sacudia na cadeira tamanha a intensidade da gargalhada, se a momentos estava pensativo e indiferente, agora estava realmente se divertindo. 

— Intoxicação de cianeto de hidrogênio e mais uma droga que estão chamando de…Toxina do Sorriso — a voz grave e metalizada se mesclou às altas risadas.

— É um bom nome… — falou por entre risos agora mais controlado. — Isso sim é criativo, não é autêntico mas estou lisonjeado com a homenagem! — era palpável o ânimo em sua voz. 

— Está dizendo que não tem culpa nisso também?

— Sabe…Eu não me importo se quiserem atribuir isso a mim, foi bem feito, muito interessante…Toxina do Sorriso? Eu consigo pensar em um nome mais impact..

— Você pode me enrolar o quanto quiser, mas nós dois sabemos que você não terá saída nessa.

— Ainda tentando ser o policial mal, Batsy? — Revirou os olhos entediado. — Não combinava antes e não combina agora, sobretudo com seu traje novo. Inclusive, como o povo de Gotham reagiu a sua nova máscara? Não é muito amigável…

Blake pulou de susto ao ver Batman avançar para o colarinho do Coringa. Ele agarrou a cabeça do Palhaço e a bateu com força contra a mesa, segurou a cabeça dele bem próximo a foto do cadáver e grunhiu por entre os dentes a próxima pergunta.

— Por que você matou Kirah Machin?

— Eu não minto — Coringa falou com alguma dificuldade devido a força com a qual Batman lhe apertava a cabeça. — Você sabe disso. Uma coisa é confundir endereços, mas… — Batman grunhiu com o comentário maldoso e se afastou irritado. — A questão é, eu estou falando a verdade… — Coringa levantou o tronco com uma careta respirando ofegante. — Eu não matei Kirah Machin e digo mais, eu posso provar. 

— Você não vai poder provar nada na cadeia. — a voz estava carregada de ódio, Blake sabia como o caso do Duas Caras e de Rachel era doloroso para Bruce. 

— Hm — o Palhaço deu de ombros.

— Quer falar de provas? — agora estava de volta do outro lado da mesa. — Você e Kevin estiveram no asilo por um mesmo período…Já descobri que aqueles caminhões faziam parte de algum acordo entre vocês. — Coringa continuava claramente entediado. — Qual sua relação com Kevin e Lena Miller? O sequestro dela foi alguma retaliação?

— De novo com essa garota…

— Por que você a sequestrou? — Batman estava claramente mais impaciente. — Por que estava carregando ela no Arkham? Quem é Jenkins?

— Oh… — o rosto do criminoso se iluminou de repente. — Isso é interessante… você ainda não descobriu? — ele encarava o Batman com um sorriso malicioso e o olhar sombrio. — Está mesmo distraído… — provocou ainda sorrindo largo. — Eu vou te ajudar com uma pista então…

— Começa a falar. 

— Eu não sou feminista, me considero um homem das antigas. — Blake riu impressionado em como Coringa falava as palavras com a maior naturalidade. — ...Mas é verdade que os homens tendem a subestimar o poder que uma mulher pode ter. Pobrezinhas… — sua voz atingiu uma nota terrivelmente aguda. — São sempre exploradas! Não é atoa que elas se vingam, nos seduzem, nos usam, nos distraem… — falou a última palavra significativamente para o seu oponente. 

Claramente nada daquilo significou algo para Batman que se manteve calado no mesmo lugar. Blake também não entendeu qual o ponto do criminoso, se por mulheres ele estava se referindo a Britta e Kirah, não entendia o que havia de novo naquilo. Coringa revirou os olhos claramente decepcionado que sua pista não surtiu nenhum efeito. 

— No passado… — voltou a falar. — Muitas tiveram que fingir ser outra pessoa para atingir seus objetivos…fingiram até mesmo ser do outro sexo…

— Jenkins…. — Batman murmurou se afastando em direção a porta.

— Tá quente…

Blake saiu apressado da cabine a tempo de encontrar o Vigilante no corredor mas Bruce manteve seu caminhar rápido e apenas levantou a mão direita sem olhar para o detetive atrás de si. 

— Agora não. 

Irritado com a atitude, John parou no corredor assistindo a capa do Batman esvoaçar baixo e alargar-se elegantemente no corredor. Respirou fundo e seguiu o mesmo caminho a fim de voltar ao primeiro andar da delegacia.

Já tinha o celular em mãos para ligar para Gordon e saber da situação no asilo bem como da oficial Smith quando viu que Bullock já estava de volta sentado em sua mesa registrando o que parecia ser o depoimento de uma jovem morena que tinha a cabeça baixa. Não era possível e seu rosto, afinal os fios ondulados desciam bagunçados até seu pescoço. 

Enquanto se aproximava reparou em sua roupa úmida e suja. Notou que a moça tremia levemente com as mãos entre as pernas, as quais ela balançava incessantemente. Era óbvio que aquela mulher havia passado por algum tipo de desastre e por não estar algemada, era uma vítima. 

— …Ele não falou nada… — com a voz trêmula a mulher se interrompeu quando Blake chegou à mesa. 

Quando a moça o olhou, Blake se surpreendeu ao reconhecer Britta Ledger. Não reconhecendo o detetive, ela desviou o olhar novamente para suas próprias pernas para continuar seu depoimento, mas John se dirigiu a Bullock. 

— Oficial Bullock, eu continuo daqui, obrigado. 

— Okay — o ruivo prontamente se levantou dando o lugar para John que ainda olhava para Britta. 

— Por favor, traga um café para a senhorita Ledger — pediu.

Ao ouvir seu sobrenome Britta encarou o detetive curiosa, afinal, não lembrava dele. Com o olhar pesado e cansado viu o detetive se sentar. Observou que por algum motivo o jovem parecia de certa forma deslumbrado com sua presença. 

— Senhorita Ledger, pode me contar o que aconteceu? — viu as poucas informações registradas por Bullock, indicando que chegaram a pouco.

— Como sabe meu nome? — se surpreendeu com a pergunta e viu a moça o encarar séria.

— Oh — sorriu de lado. — Eu sou o Detetive John Blake e estou investigando com o Comissário o caso do seu sequestro, não lembra de mim?

— Não…desculpa… — respirou fundo claramente cansada. — Então está investigando meu passado. Provavelmente sabe do Kevin, certo? 

— Isso. 

John estava surpreso com a sinceridade da moça e pensou se seria possível tirar vantagem disso. No entanto, era claro que, seja lá o que aconteceu no Asilo Arkham, a abalou muito, o que tornava o depoimento mais delicado e difícil. 

— Estava no Arkham — John tornou a falar.

— Eu fui visitar Kevin… — a moça engoliu em seco claramente abalada com as memórias que tinha do ocorrido recente. — O meu irmão… — a voz ficou trêmula e algumas lágrimas escaparam rapidamente. 

Apesar de jovem, John havia participado de muitos casos e para ele era óbvio que Britta estava em choque e foi difícil não pensar que talvez fosse melhor pegar leve mas até que ponto ele poderia confiar nela? 

— Aqui. 

Bullock colocou um copo de café em frente a Britta e outro em frente ao detetive. Ofereceu também uma manta de tecido para aquecer vítimas, ao Britta que prontamente aceitou colocando por cima de seus ombros. 

— Obrigada... 

— Muito obrigada, Bullock — Blake agradeceu dispensando o oficial e então reparou na careta de Britta ao tomar a bebida. — Não gosta de café? 

— Não muito… — a moça se surpreendeu com a postura relaxada que o detetive mantinha. 

— Bem…Vem mantendo contato com seu irmão há muito tempo?

— Não — John se sentiu aliviado de vê-la responder mais tranquilamente apesar de ainda desanimada. — Não o vejo desde 97 quando fui entregue ao orfanato e ele foi preso.

— O que motivou a visita? 

— Deve saber que recebi uma visita do Batman — o olhou acusativamente e baixou o olhar para o café que agora usava para aquecer as palmas das mãos. — Quando soube que ele estava no Arkham, me vi ligando pra marcar uma visita. Acho que relembrar das coisas que havia deixado no passado abalou meu julgamento do que era sensato ou não fazer — John esperou que ela continuasse mas Britta se manteve calada.

— Então foi vê-lo — estimulou. — Por que?

— Boa pergunta… — um meio sorriso logo morreu em seus lábios. — Acho que eu imaginei que ele poderia me dar respostas.

— Respostas? Sobre…? 

— Sobre Vera, sobre meus pais biológicos, sobre porque ele fez aquilo…

John viu o lábio da moça tremer enquanto ela usava todas suas forças para não cair no choro. Levando em conta o passado obscuro dela, John compreendia o estado emocional da moça. Tratou de registrar as novas informações do depoimento, dando algum tempo para ela se recuperar.

— Nunca entendi porque fui abandonada naquele orfanato… — a ouviu falar de repente. — Por que ela não me levou com ela? Por que ela fugiu? — a observou cuidadosamente. 

Aquelas eram algumas das dúvidas que ele também tinha. Aparentemente nem mesmo Lena Miller sabia quem ela era e de onde veio. Por que ela foi escondida? Por que Vera fugiu? Teria Kevin lhe respondido? Estava claro que seu encontro com Kevin foi bem emocional.

— O que Kevin te contou? — John a viu o olhar confusa com os olhos molhados. 

— Sobre?

— Você foi com dúvidas, o que ele te disse? — John a viu bufar.

— Pisar naquele asilo foi minha sentença de morte. — Secou os olhos, assoou o nariz em um pedaço de papel que tinha no colo e voltar a falar. — Eu nem mesmo tive tempo…Ele me aguardava ansiosamente. Me levou para o subsolo do asilo...Kevin não era um paciente…

Pouco a pouco Britta foi acelerando o ritmo de suas palavras, atropelando um fato em cima do outro até que não segurou mais o choro e entre soluços continuou falando como se sua vida dependesse de contar tudo o que lhe aconteceu. 

— …Ele me botou em uma sala, não tinha sinal, eu tentei…Ele me drogou, estava tudo escuro e tinha o cadáver de uma mulher… — Blake estava cada vez mais surpreso, tentando fazer sentido do que ouvia enquanto seu coração apertava mais e a mais ao ver a aflição da moça — Ele explodiu tudo… — sua voz falhou e ela já não conseguia mais falar, apenas chorar. 

— Calma… —  John tentou lhe acalmar e a viu negar com a cabeça fungando.

— Ele fugiu — quando o olhou, Britta tinha os olhos vermelhos e mais molhados que antes. — Eu estava presa, paralisada, não conseguia falar. Kevin me deixou pra morrer — respirou fundo algumas vezes até finalmente conter o choro com o olhar perdido no café como se acabasse de se dar conta de que seu irmão queria mesmo lhe matar.

Blake manteve o olhar preocupado. Pelo que Britta lhe contou ela sofreu uma verdadeira sessão de terror psicológico. Fez mais alguns registros com o que conseguiu entender. 

— Kevin está muito doente — ela murmurou ainda com o olhar perdido. — Ele se tornou muito perigoso…

— Disse que estava presa, paralisada…Como você conseguiu se livrar? 

Imediatamente Britta lhe olhou com um olhar surpreso e preocupado. Ficou claro para Blake, que por algum motivo, Britta se sentiu surpresa pela pergunta e pelo silêncio não se sentia muito confortável de falar a respeito. Foi impossível não desconfiar da mudança de seu comportamento. 

— Você está bem?

— Não…Eu estou cansada…Eu preciso descansar…

— Eu vou chamar uma ambulân…

— Não! Por favor, não. Eu só preciso descansar e lhe entrego o depoimento total…Não quero ter que voltar aqui de novo e não quero ver polícia na minha casa.

No fundo, Britta tinha esperança de que Kevin fosse interceptado e queria estar presente quando isso acontecesse. Sua maior esperança era a presença do Batman, tão envolvido no caso. Ele prendeu Coringa, acreditava que não seria diferente com o irmão.

— Ok — o fato dela querer permanecer na delegacia era, aos olhos de Blake, algo positivo. — Pode tomar um banho e trocar para roupas limpas. Posso trazer um sanduíche, deve estar com fome. 

>>>

— Jenkins é uma mulher — Bruce praticamente invadiu a sala de Lucius Fox.

— Sim — Lucius estava calmo.

— O que? — Bruce o olhou confuso. — Você sabia? — observou as várias pastas e folhas espalhadas pela mesa do diretor.

— Os pontos se conectaram a alguns instantes, mas eu queria confirmar antes de te falar — respirou fundo e passou a explicar. — Não encontrei nada consistente com qualquer engenheiro Jenkins nas décadas de 70 a 90, mas em dois documentos eu notei um nome similar e que tem a mesma pronúncia, de uma engenheira. — O homem se levantou e se aproximou lhe entregando um documento com datado em março de 1975 com várias palavras circuladas em cores diferentes. 

— Jenn Keys — leu o nome circulado de verde que se repetia pelo documento. — Jenkins, Jenn Keys — repetiu notando a semelhança na pronúncia  e Fox assentiu positivo. 

— Em 1975, Thomas iniciou um programa de estágio para jovens dotados das áreas de ciências e negócios. Marie Jennifer Keys ou Jenn Keys, como preferia ser chamada, era uma engenheira britânica que redigiu incríveis estudos na área nuclear, aparentemente seu sonho era ir para a NASA. Por conta da genialidade da jovem, sua ambição e carisma, Thomas resolveu apadrinhar a moça e fechar uma parceria, financiando o projeto que ela dizia ser sua porta de entrada para a NASA, mas o  verdadeiro objetivo de Thomas era manter Jenn nas Empresas Wayne.

— Okay… — incerto Bruce acompanhava o raciocínio, de vez em quando lendo no documento os nomes e frases destacados em busca de alguma informação adiantada que explicasse a tensão de Lucius.

— Thomas e Jenn desenvolveram uma relação bem achegada, ela era seu orgulho na época, claro, você ainda não tinha nascido — fez questão de pontuar. — Thomas não mediu esforços para envolver Jenn em aparições e eventos sociais. Os tablóides começaram a impulsionar um boato de envolvimento não profissional entre o empresário e sua prodígio universitária, sobretudo por conta da diferença de idades entre eles.

— Então é isso? Fake News de envolvimento romântico entre meu pai e uma mulher mais jovem?

— Quatro anos depois, em 79 as Empresas Wayne começaram a ser investigadas por envolvimento com terroristas afegãos… — Fox viu um Bruce chocado, não esperava ouvir aquilo, tampouco sabia do ocorrido. — ...acontece que Jenn Keys fazia parte de um grupo de radicais e estava à frente da criação de um protótipo de bomba nuclear e a moça usava seu acesso às Empresas Wayne para desviar recursos para o Afeganistão. Outros participantes do grupo estavam infiltrados em vários níveis operacionais das indústrias Wayne.

— Como eu não soube disso? — Wayne estava indignado. — Você sabia disso? — indagou irritado.

— Não — Fox negou pesarosamente. — Eu sabia sobre o caso, por cima. Thomas veio a mim na época, estava muito perturbado, mas ele não podia falar sobre as especificidades da situação, mesmo pra mim. Acho que ele queria me proteger. Foi uma época horrível para o seu pai, Bruce. 

‘’Os Estados Unidos estavam envolvidos na guerra Afegã-Soviética que durava décadas e por conta do nível do crime cometido, as Empresas Wayne foram investigadas pelo FBI de forma muito discreta. Não dá pra imaginar como ficaria a imagem política dos Estados Unidos se tudo vazasse. Por sorte, tudo foi esclarecido, mas o FBI e as Empresas Wayne fizeram de tudo para manter a história por baixo do pano. ‘’

— Eu não acredito…

— Não preciso dizer que seu pai nunca desconfiou de que isso estava acontecendo. Jenn Keys ficou foragida por anos, sendo pega apenas em 93. Infelizmente seu pai não viveu para ver a justiça ser feita…

— Onde ela está?

— Por ‘’pega’’ eu quis dizer que foi executada junto a outros radicais por agentes espiões em Rustaq. Provavelmente uma ação secreta do governo.

Bruce ainda estava chocado. Depois de anos à frente das Empresas Wayne, ele havia descoberto muitas tramóias nas quais a empresa se envolveu. Era somente natural que pessoas mal intencionadas usassem de suas posições privilegiadas na empresa para cometer crimes fora do radar do seu pai. Desde anos atrás, fez de tudo para filtrar toda sujeira que deixaram, mas aquele era o tipo de coisa que ele não entendia como seu pai deixou passar. Se sentia irritado, envergonhado e decepcionado. Aquela era uma grande ponta solta nas mãos do Coringa.

— Seu pai foi um bom homem Bruce, ele foi obrigado pelo país a manter tudo às escondidas…

— O Coringa…

— Ele não revelou isso pro público. Todo esse joguinho foi feito para o Batman.

— Para o Batman não. Para mim, o filho de Thomas Wayne — levantou o olhar para Fox.

— Oh — o mais velho ponderou. — …Espera! Você está dizendo que ele sabe que é o Batman?

— Por qual outro motivo esse joguinho todo? Como você disse, ele não revelou isso ao público, mas pro Batman. Por que o Batman deveria se importar com a sujeira de uma multinacional? 

— Bem, não é como se ele tivesse entregado a informação ao Batman, ele primeiro despejou a informação para a polícia. 

— Ele sabia que eu me envolveria, Lucius…

— Bem…de toda forma, esse é um escândalo a nível internacional. Eu não quero te deixar com medo, mas talvez seja o momento das Empresas Wayne ligar para o FBI. 

— Se ele quisesse, já teria jogado essa informação no ar. Não — Bruce estava pensativo. — Ele só quer que eu saiba que ele sabe. Que o pai do Batman esteve envolvido com grupos terroristas e cometeu crimes de guerra.

Lucius o olhou confuso. Para Fox, ainda que aquilo fizesse sentido, considerava Bruce relaxado demais perante uma situação que, ao seu ver, necessitava de preocupações e medidas especiais. Não havia sido a identidade do Batman motivo de grande comoção anos atrás? Lembrou-se quando fez de tudo que podia para impedir que Coleman Reese não divulgasse as informações do setor secreto que ele geria para o Batman na empresa.

— Bruce…

— Lucius, confie em mim. Coringa é minha responsabilidade. Eu só preciso encontrar onde ele opera e quem mais pode ter essa informação — Pensou no pendrive. — Não queremos tornar a situação pior do que realmente é.

— E agora…?

— Apenas mais um código pra quebrar — deu de ombros, mas Lucius sabia que Bruce só estava tentando lhe passar tranquilidade. — Vou continuar com a investigação do assassinato de Kirah Machin e o caso de Lena Miller. 

— Lena Miller? Quer dizer, a Britta? O que tem pra descobrir? Pensei que ela tinha um álibi confirmado.

— Para o massacre de 1997 sim, não para o que aconteceu hoje. 

— Está falando das explosões no asilo? Não está claro que foi o irmão psicopata?  

— Justamente no dia que ela estava lá? Com o Coringa?

— Com o Coringa? 

— Como eu te disse, códigos para quebrar e quebra-cabeças para montar. — Lucius o viu ponderar por um pouco e o olhar nos olhos. — Talvez seja hora de você dar um passo para trás. 

— Não entendo seu ponto.

— É perigoso demais, Lucius — levantou o documento em mãos. — Se essa informação for espalhada, sua imagem pode ser prejudicada. Além do mais, ele pode te usar para me atingir…

— Se você estiver certo, o risco que eu corria antes, eu continuo correndo agora: nenhum. 

— Lucius…

— Bruce. Você faz o seu trabalho. Me deixe fazer o meu. Mais do que nunca os dados das Empresas Wayne precisam ser protegidos e tudo relacionado ao Batman terá que ser operado fora das dependências das Empresas, é isso que precisa proteger agora. Está na hora de fazer aquela reforma na Batcaverna.

— Eu não sei…

— O dia chegou, Bruce. É agora. 

— Eu…

— Eu sei. — Se aproximou do mais jovem com um olhar bondoso. —  Você não voltou pra ficar. Talvez nem admita isso pra si mesmo, mas é a verdade. — Apoiou a mão em seu ombro.

— Não fale sobre isso com Alfred. — Se virou com o olhar ao chão.

— Esse não é o momento para manter segredos do Alfred, Bruce — viu Bruce se afastar.  — Fale com ele.

— Estou muito ocupado. — E entrou no elevador pensando em voltar ao Arkham antes que os policiais presentes estragassem alguma evidência que lhe servisse de pista.

>>>>

Gordon saiu da viatura para se deparar com alguns furgões da mídia estacionados à frente da delegacia.

— Comissário! É verdade que Jeremiah Arkham morreu durante as explosões esta manhã? 

— Já temos responsáveis pelas explosões, Comissário Gordon? 

— É verdade que Britta Ledger estava lá…

Petrificado com o que ouviu, Gordon se virou para ver Vicki Vale bem pertinho de si com um sorrisinho no canto da boca e olhar desafiador. Imediatamente arrastou a ruiva pelo braço para dentro da delegacia bem distante dos outros jornalistas. 

— De onde tirou essa notícia? — Gordon manteve o aperto no braço da jovem.

Ali perto, mais precisamente no balcão do andar acima, Blake assistia o encontro acalorado entre a jornalista e o Comissário. De repente se deu conta que precisava terminar de tomar o depoimento de Britta. Se apressou até o vestiário feminino e chamou pela moça, mas não obteve resposta. Chamou uma segunda, uma terceira e uma quarta vez. Ao não obter resposta entrou para checar os boxes de chuveiros e vasos sanitários. 

— Não acredito… 

Por que ela fugiria? Não fazia sentido…

Foi quando se deu conta de que Coringa também estava no prédio e se Gordon realmente tivesse razão em suspeitar da parceria entre os dois, sobretudo depois de estarem ao mesmo tempo na cena de um crime, ele sabia que aquele poderia ser o fim de sua carreira como detetive e dificilmente teria uma nova chance com o Batman. O jovem se apressou para o andar de cima novamente procurando a moça de sala em sala. Pela cabine da sala do interrogatório confirmou que Coringa continuava lá calado e pensativo na sala de interrogatório, preso à mesa. 

— Eu estou sempre à frente, Comissário — Vicki sorriu irritantemente convencida, afastando o microfone dos lábios. — E não se preocupe, esse não é o tipo de informação que compartilho com meus colegas incompetentes. Pode soltar meu braço, por favor? — reclamou. — Eu gosto da exclusividade — voltou a sorrir largo. — Falando em exclusividade…

— Eu logo estarei liberando uma declaração para todos. — Gordon se afastou decidido a não lidar com a atitude de Vale.

— Exclusividade, Gordon — a moça insistiu o fazendo se voltar novamente para ela. — Eu prometo não falar o que sei sobre Britta Ledger, se me der dois minutos com o Coringa. 

— Você está ficando louc…

— Um minuto. Apenas áudio, sem câmeras. 

— Vou te ajudar com algo muito importante — respirou fundo se aproximando com mais um passo. — Preste bastante atenção pelo seu bem, você precisa ouvir isso de alguém Vale: claramente tem um futuro brilhante no jornalismo investigativo, mas precisa saber seu limite ou vai acabar se machucando. 

— Isso é uma ameaça? — perguntou desafiadoramente. 

Gordon bufou lhe dando as costas. Vicki sentiu seu ânimo descer pelo ralo. Se havia algo que a jovem detestava era um homem lhe dizer o que podia ou não fazer, sobretudo um Comissário que, ao seu ver, poderia muito bem estar envolvido nos rumores de imprudência da atual capitania do DPCG. 

Acima de qualquer coisa Vale queria avançar em sua carreira, o que era difícil em uma cidade como Gotham onde tantos absurdos criminais aconteciam. Não, ela não queria ser mais uma. Vale não queria que seus cabelos vermelhos fossem sua marca, mas queria ser respeitada em seu meio pelo excelente trabalho que sabia que era capaz de fazer e não era o Comissário Gordon que a impediria, não quando Coringa estava ali tão a seu alcance.

Quando subiu, Gordon reconheceu Blake com metade do corpo para dentro da sala de arquivos apesar da sala estar completamente escura. 

— Blake? — viu o detetive se virar assustado.

— Comissário! — fechou a porta atrás de si. 

— Detetive… — Gordon cerrou os olhos ciente do nervosismo mal disfarçado do policial. 

— E então…A oficial Smith?

— Infelizmente não tivemos sorte em encontrá-la. Ela ou Kevin Miller.  

Blake ficou claramente abalado com o que ouviu sobre a colega, lembrou-se da animada e prestativa policial. Gordon percebeu que o policial não se afastou da porta. Quando se deu conta do que poderia estar acontecendo, o Comissário sorriu apoiando as mãos no quadril surpreendendo Blake. 

— Eu já entendi, Blake…Delegacia vazia, nada pra fazer… — Gordon mantinha um sorriso maroto nos lábios. — Já fui da sua idade. — Se aproximou fazendo John ficar tenso. — Só se certifique que sua companhia vá embora antes de eu retornar…

Gordon foi interrompido pelo toque do celular e o atendeu imediatamente ficando completamente sério enquanto Blake compreendeu o que o Comissário estava implicando. Por um segundo desejou mesmo ter trazido uma garota, estava precisando e fazia dias que usava seu tempo livre para trabalhar com a nova investigação sobre os Millers.

— Okay, tem certeza que é ela? Okay. — Desligou a ligação. — Batman encontrou a policial Smith. 

— Viva? 

— Sim, mas eu ainda preciso de você aqui…

— Sem problemas, Comissário — respondeu prontamente.

— Já sabe, Blake. — O Comissário apontou para a porta da sala de arquivos e partiu.

Quando ficou certo de que estava sozinho, Blake abriu a porta e entrou na sala a iluminando. Entrou e trancou a porta. Foi andando por entre os corredores de prateleiras cheias de documentos impressos.

— Britta?

— Aqui — ouviu a voz meio distante e logo a encontrou no fundo da sala recuada e agachada num canto vestindo uma camisa branca e uma calça moletom cedidas pela delegacia, com o cabelo levemente úmido do banho. — Ele já foi embora? 

— Por que você está se escondendo do Comissário? — questionou a vendo se levantar. 

— Porque ele é insuportável e também porque ele quer me incriminar. 

— São acusações fortes. 

— Eu sou advogada, detetive — rebateu teimosa.

— Bem, se servir de consolo, Gordon é um excelente policial. Homem mais honesto e justo que ele não encontrará nesta cidade. Então, se for inocente, não tem com o que se preocupar. 

— Eu prefiro evitar a fadiga — viu a moça dar de ombros. 

— E eu prefiro concluir logo o seu depoimento. — Olhou em seu relógio, já eram sete da noite. — A não ser que prefira que o Comissário... 

— Pode ser aqui dentro? Eu vi um computador aqui. — Foi andando para o outro lado.

— Posso entrar no sistema e concluir. 

John se sentou à mesa e Britta se acomodou em uma cadeira à sua frente respirando fundo, agora mais calma. 

— Então, como conseguiu sair do asilo?

— Okay…Eu vou ser completamente honesta, detetive, mas preciso que acredite em mim quando digo que não cometi ou estou envolvida em nenhum crime. 

— Você sabe que pode contratar um advogado se achar necessário — Blake a olhou sério.

— Eu sou a melhor advogada para me defender, caso necessário — falou firmemente, Blake conhecia aquele ar de independência e autossuficiência de um órfão. — Além do mais, não cometi nenhum crime, como eu disse.

— Okay, vamos lá.

— Eu estava presa quando ouvi a porta da sala ser bombardeada ao meu lado…

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No térreo da delegacia, entre todas as mesas de policiais, apenas o policial Bullock estava presente fazendo trabalho burocrático em seu computador. Já havia conseguido despachar alguns presos para alguma prisão, outros pagaram fiança. Duas das três celas ainda tinham uma certa quantidade de presos. 

Passando por um corredor, antes de chegar ao estacionamento interno da delegacia havia dois vestiários. Do vestiário feminino, muito ansiosa, saiu uma policial em direção ao salão principal onde Bullock permanecia ocupado e focado demais para reparar nela subindo as escadas rumo ao andar de cima.

Em um caminhar elegante e ritmado a moça percorreu um corredor e virou a direita em outro corredor, parando na porta da sala de interrogatório. Tateou os bolsos traseiros, sentiu em um dos bolsos um gravador e retirou do outro bolso duas chaves michas. Se certificando sempre de que estava sozinha logo se viu dentro da sala de interrogatório. 

Assim que entrou, Coringa levantou o olhar sorrindo largamente ao ver a bela ruiva. No momento que fixou os olhos no rosto desfigurado e pintado, o ânimo de Vicki Vale deu lugar ao medo se dando conta do perigo em que estava se colocando. Mas quando tateou a maçaneta atrás de si, percebeu que aquela era uma oportunidade que ela nunca mais teria na vida, então pegou o gravador atrás de seu bolso dando um passo em direção ao criminoso que lhe assistia com uma maliciosa satisfação no olhar.

>>>>>>

— ...Então ele foi subindo as escadas…

Estava sendo difícil para Blake acreditar no que estava ouvindo, mas tinha algumas considerações. Se Britta tivesse alguma parceria com o Coringa, porque contaria aquilo para ele? Mesmo que a história de ser vítima de seu irmão fosse mentira, envolver Coringa como seu salvador só levantaria mais suspeitas. 

— ...E era o Batman.  

— Espera. Está dizendo que o Batman viu o Coringa lhe carregando?

— Sim. O Coringa me soltou, acabei caindo …

Blake ponderou que a história de que Coringa lhe salvou talvez fosse apenas um álibi visto que Batman os flagrou.

— ...Batman estava irado, acabando com o Coringa... 

— Isso explica a cara inchada...

— Você viu o Coringa? — Britta se surpreendeu.

— Bem… — Blake se interrompeu ciente de que não deveria passar certas informações para ela.

— Espera, ele está aqui? — Britta se levantou alarmada.

— Preciso que se acalme. — Blake também se levantou. 

— Essa delegacia está quase vazia e o Batman não está aqui. — Britta falava mais consigo mesma enquanto seu desespero aumentava a cada frase. — Por que o Coringa está aqui? E se isso fizer parte de algum plano com o Kevin… — A moça tinha o olhar perdido enquanto raciocinava consigo mesmo.

— Ele está algemado… — Blake tentou assegurar ainda a observando desconfiado.

— Eu não acho que seja o suficiente…

O grito de uma mulher vindo lá de baixo fez eles trocarem um olhar ansioso. Tinha Britta razão? Blake teria de descobrir.

— Você fica aqui. — Pegou sua arma e foi saindo da sala.

Agora sozinha, Britta não sabia o que fazer. Sentiu um mal estar amolecer seu corpo, enquanto o medo aumentava mais e mais. Olhou ao redor da sala e não viu nenhuma janela. Se sentiu como uma presa em uma armadilha e lembrou de Kevin e da aberração criada para parecer consigo. Faria tudo aquilo parte do plano de seu irmão e do Coringa?  Sua paranoia fazia mais sentido do que a ideia de que Coringa lhe salvou por vontade própria. De repente houve o disparo de uma arma e mais um grito. 

Britta precisava sair daquela sala e foi o que fez. Cuidadosamente, foi andando pelo corredor em direção ao balcão onde seria possível entender os sons do que se passava no andar de baixo. 

— Bullock, segura sua onda! — ouviu a voz do detetive Blake.

Do balcão, Britta enxergou a cena de mais uma tragédia. À extrema direita, em frente à entrada da delegacia, o detetive Blake e o policial Bullock empunhavam suas armas na direção oposta onde estava Coringa segurando uma policial pelo pescoço pressionando algum objeto em seu pescoço. Britta reparou que a policial não tinha uma arma consigo e ela chorava muito. 

— Se o ruivinho não passar a arma pra mim e sair fora, é tchau tchau pra bela moça — Coringa falou entre dentes e de novo a ruiva chorou alto completamente desesperada. — Você sabe que pessoas descontroladas não podem ter armas.

— O que pensa que vai acontecer se matá-la? — Blake se manteve firme. 

— Bem, nós dois sabemos que essa aqui… — ele balançou a mulher que gritou assustada por entre o choro. — ...É a Vicki Vale, uma jornalista muito amada pelo povo de Gotham! Imagine a repercussão quando souberem, quer dizer, olha a comoção por conta de Machin…

— Okay, okay. Policial Bullock por favor, sua arma. 

Britta viu o ruivo relutar, ele estava furioso e tremia. Imaginou que foi ele quem disparou o tiro mais cedo. 

— Agora, Bullock — Blake insistiu com o olhar firme no Palhaço que, com os olhos atentos nos policiais, murmurava palavras incoerentes no ouvido de Vale que só conseguia chorar baixinho. 

A contragosto Bullock jogou sua arma no chão e a chutou em direção ao Palhaço que logo pisou na arma. Bullock foi recuando de costas em direção a saída mantendo contato com o criminoso. Blake ficou ali sozinho mantendo a postura com firmeza. Não aparentava, mas o detetive sentia o peso do mundo em seus ombros.

Britta viu Coringa e Vale se agachar ao mesmo tempo, ele a fazia de escudo até que finalmente tomou a pistola em mãos e a direcionou para a cabeça de Vale que soltou um grito de horror e muito medo.

— Por favor, por favor… — a moça tremia.

Britta sentiu um desespero grande ao ver aquela moça inocente ter sua vida ameaçada. Lembrou-se da notícia de seu irmão sendo preso, lembrou dos crimes que ele cometeu e de suas palavras acusatórias sobre como ela tinha culpa naquelas mortes. Ela não queria ver mais um inocente morrer por não ter feito nada. 

Algo dentro de si a fazia acreditar que se entregar o Palhaço, o faria recuar de machucar Vale. Foi descendo as escadas lentamente. 

— Eu te vejo, Britta — Coringa falou provocativo ainda olhando para Blake. 

— Volta lá pra cima, agora! — Blake gritou sem tirar os olhos de seu oponente. 

— Por favor, deixe ela ir — Britta falou meio incerta descendo degrau por degrau bem devagar, com receio de Coringa tomar alguma atitude precipitada. 

— Britta, não desça mais um degrau — o desespero na voz de Blake era palpável.

Mas ela não o obedeceu, com as mãos para cima Britta andou lentamente em meio ao silêncio e tensão que se instaurou no lugar. Era possível ouvir apenas os cochichos vindo das celas atrás do Coringa e de Vicki Vale que respirava ofegante em meio ao choro baixo.  

Ainda com as mãos para cima, Britta andou pelo meio da delegacia por entre as mesas até chegar no vasto centro que separava as duas partes tomando o cuidado de não ficar exatamente entre o criminoso e a arma do detetive. 

A moça reparou no olhar vazio do Palhaço que de repente sorriu lentamente e em um rápido e súbito movimento jogou a jornalista no chão e apontou a arma na direção de Blake. Britta, que tinha os olhos no dedo do Palhaço, o viu empurrar levemente o gatilho, e em questão de segundos ela se colocou à frente de Blake bem a tempo de quando o tiro foi disparado. 

— NÃO! 


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