EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 1
Primeiro Ato.


Notas iniciais do capítulo

Trailer da fic:

https://www.youtube.com/watch?v=MolgZJdywuc

''Não foram apenas a maldade e as intrigas que tornaram as pessoas infelizes, foram a confusão e os mal-entendidos; acima de tudo, foi o fracasso em compreender a simples verdade de que outras pessoas são tão reais quanto você.''

?” Ian McEwan, Desejo e Reparação.



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''E como você sabe que é louco?'' ''Para começar'', disse o Gato, ''um cachorro não é louco. Você concorda com isso?” “Suponho que sim”, disse Alice. “Bem, então,” o Gato continuou, “você vê um cachorro rosnar quando está bravo, e abanar o rabo quando está satisfeito. Bem, eu rosno quando estou satisfeito e abano o rabo quando estou com raiva. Portanto, sou louco.'''

Lewis Carroll  

Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá

 

Quatro anos após os acontecimentos em Cavaleiro das Trevas Ressurge - 2009.

Na pequena livraria, silenciosa e vazia, em frente a prateleira de livros estrangeiros, a jovem apoiava as mãos nas alças da mochila enquanto corria os olhos pelos livros enfileirados e um pouco empoeirados. Apesar de pequena e desorganizada, a livraria tinha preços compatíveis com seu salário de paralegal estagiária.

Sua pele morena tinha um subtom frio por conta da falta de Sol na cidade e  combinada às longas trancinhas que corriam por todo seu tronco, a calça e o moletom pretos lhe davam uma aparência monótona e desinteressante. Seu rosto, porém, se destacava intensamente a qualquer um. 

Os olhos se abriram de surpresa ao encontrar o livro que procurava. Com um sorriso de canto, a moça passou a folhear as páginas de ‘’O Alienista’’ de Machado de Assis, completamente maravilhada. Ler livros e extensos artigos cansativos fizeram parte dos seus estudos, agora em seu segundo e último ano de estágio em uma das maiores empresas de Gotham, a moça se dava o luxo de ler romances literários com maior frequência.

Já ia para o caixa com o livro escolhido em mãos quando ouviu o som de um estrondo ao longe. Virou-se instintivamente para a entrada do estabelecimento e tentou enxergar algo através da vitrine. Por mais absurdo que fosse, um bombardeio não era algo tão incomum em um bairro comercial como aquele, sobretudo àquela hora da noite. No entanto, apesar de já ter sido assaltada algumas vezes, Britta sempre esperava que o dia corresse sem ter uma arma apontada para o seu rosto.

Outra explosão, dessa vez mais perto, a fez deixar o livro em algum lugar ali e se aproximar curiosa da entrada do estabelecimento, onde foi possível ouvir mais nitidamente sirenes, além de um burburinho de outros curiosos lá fora. Todos olhavam para a mesma direção. Já na calçada, inconscientemente, Britta usou a barreira de pessoas de forma defensiva enquanto olhava para a esquerda a fim de enxergar a situação que aguçou mais a curiosidade que o senso de autopreservação de todos.

Britta estreitou os olhos tentando fazer sentido da confusão. As sirenes das viaturas, as buzinadas violentas dos carros e os pneus dos automóveis cantavam alto, formando uma sinfonia estridente. Era possível ver muitos carros se desviando para as laterais da via dando espaço para uma fila de caminhões que dirigiam loucamente rua abaixo deixando a confusão para trás. As pessoas murmuravam exclamações incoerentes, os olhares estavam atentos e os pescoços agitados, buscando a melhor visão.

Foi quando Britta o viu, distante, no último caminhão. Quanto mais perto ele chegava, mais lento o tempo parecia correr, tornando possível para a moça observar alguns detalhes de sua figura distinta. 

O rosto era um leve borrão branco, preto e vermelho. A tinta preta ao redor dos olhos aprofundando ainda mais seu olhar. O eterno sorriso, apesar da feição fechada e sombria. Ela não podia acreditar. Ninguém podia. Antes mesmo da invasão do terrorista Bane, Coringa já não representava perigo para a cidade, estava preso, esquecido pelo atentado mais recente e mais intrusivo. Mas ali estava ele, exatamente igual. Tão colorido e sombrio como sua presença conseguia ser e para a surpresa de todos, em seu encalço estava o Batmóvel.

— É o Batman?! — uma voz feminina sobressaiu nas exclamações. 

— Alguém está usando o carro dele! Não é possível! — gritou outro.

Houve quem aplaudiu a cena e é claro, muitos celulares filmavam tudo. A sensação era eletrizante ao ver o retorno de uma lenda. Mas Britta não se impressionou muito com o vislumbre do herói, estava ocupada observando a forma como o Palhaço se segurava com apenas uma mão na parte superior do caminhão e tinha o revólver na outra como se o balançar do automóvel não abalasse seu equilíbrio. Lembrou quando viu fotos e vídeos do criminoso nos jornais e depois na internet quando buscou saciar sua curiosidade.  

Britta desviou seu olhar das roupas características, para o rosto pintado. Ele já a observava também. A troca de olhar causou uma sensação de pânico na moça que sentiu o coração descompassar. Em milissegundos sua respiração e o tempo pararam de uma vez. Ela podia jurar que o viu sorrir minimamente. Num piscar de olhos a estranha conexão foi perdida. Ele tinha o olhar de volta em seu oponente e Britta retornou a livraria com um caminhar automático, o olhar perdido, como quem troca um significativo olhar com uma criatura mística e agora de volta a realidade não sabia ao certo o que fazer ou como agir.

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Várias ambulâncias chegaram à emergência do novo Hospital Geral de Gotham. Para a sorte do médico plantonista da emergência haviam médicos residentes e enfermeiros estagiários o suficiente para apoiar a equipe a lidar com a demanda. Diversos policiais foram vítimas de explosões em suas viaturas durante a recente perseguição ao Coringa. Era o assunto do momento.

Enquanto recebiam e atendiam os feridos, alguns enfermeiros e médicos trocavam olhares apreensivos, o clima era tenso, não pela gravidade dos ferimentos mas pela violência com a qual o Coringa voltou às ruas. Era esse o retorno de Gotham ao declínio? Sobreviveria a cidade dessa vez? Será que era finalmente o momento de partir da cidade? O país tinha razão em considerar Gotham um buraco fadado ao esgoto e esquecimento? O risco de estar novamente nas mãos de um sociopata não deixava que o também retorno do Batmóvel representasse uma garantia de apoio. 

Quatro anos se passaram desde que Gotham foi livrada das mãos de Bane. O período em si abalou vários dos frágeis pilares que mantinham Gotham de pé como cidade e comunidade.  Desde então, apesar do alívio geral pelo fim do terror que a cidade sofreu, muitas coisas ainda mantinham os ares da cidade embaçados com uma bruma de dúvidas quanto ao que o futuro guardava, principalmente desde que o Guardião de Gotham havia se sacrificado em um ato heroico porém suicida ao levar consigo a bomba atômica de Talia Al Ghul para o mais distante possível das ilhas. 

Desde seu sacrifício, finalmente era senso comum a gratidão pelo Cavaleiro, no entanto sua então morte só intensificou o ar confuso, incerto e contraditório permeando a cidade. A restauração da cidade trouxe à tona movimentos de pessoas com fortes convicções e se tratando de Gotham, isso não significava boas convicções apenas.  

Em conjunto com as Empresas Wayne, a prefeitura disponibilizou bolsas parciais e integrais nas duas principais universidades da cidade. Enquanto isso, logo surgiram escândalos envolvendo o gabinete do prefeito junto a mafiosos, que ainda mantinham considerável porção de poder. Não demorou para prédios, estabelecimentos, ruas e becos da cidade se tornarem espaço de atos criminosos novamente. 

Em contrapartida, o Comissário James Gordon liderou uma campanha que trouxe mais força policial e armamento para o Departamento de Polícia da Cidade de Gotham. No entanto, não foi tão fácil assim. Desde que se tornou Comissário, James Gordon foi exposto a um jogo de interesses e politicagem em toda decisão que tomava ou toda vez que precisava da aprovação de seus superiores. 

Em troca por fortalecer o armamento de seus homens, Gordon teve que aceitar Leah Hill como Capitã do DPCG, escolha do Prefeito Andrew Pierce, uma oficial de fora da qual Gordon nada sabia a respeito e isso já era ruim o suficiente desde que já vinha suspeitando de outras decisões do prefeito. A Capitã era conhecida por suas ausências. Para maior dor de cabeça do Comissário, fugitivos de BlackGate e Asilo Arkham juntaram forças formando gangues excêntricas e organizadas. Para o pavor geral, Coringa era um desses.

Já era madrugada, no hospital Gordon havia se atualizado quanto ao status de saúde dos policiais e agora esperava visitar John Blake, o brilhante detetive em quem via muito de si em seus tempos de juventude. 

— O policial Blake está prestes a receber uma visita — a jovem enfermeira informou —, temo que na condição dele, só poderá receber novas visitas amanhã. 

— Condição dele? — Gordon perguntou preocupado demais para saber de quem se tratava a visita. 

— O paciente teve queimaduras de 2º grau nos membros superiores e fraturou duas costelas do lado direito. Foi uma cirurgia rápida e com sucesso, mas precisa de repouso.

— Okay… — Gordon só podia esperar que Blake se recuperasse o quanto antes.

Sentiu o celular vibrar no bolso de sua calça e atendeu a chamada do filho. 

— Pai! 

— Filho, te retorno mais tarde, não é um bom momento…

— É verdade que o Batman está de volta à Gotham? Acabou de sair no Bueiro de Gotham!!

— Bueiro de Gotham?

— É um site…Mas é verdade? O Batman está vivo? 

Depois da invasão de Bane, Bárbara e Gordon entenderam que criar seu filho na cidade, sobretudo com a ausência do Batman, era negligente. Mas Gordon sentia que não podia deixar em um momento tão frágil e o casal se separou. Agora adolescente, James Jr. vivia com sua mãe em Boston, mas o jovem sempre pesquisava sobre o Vigilante, nunca esqueceria do dia que foi salvo por ele. Para Bárbara isso o impedia de ‘’deixar’’ Gotham e via isso como uma obsessão pouco saudável. 

Gordon não soube o que responder ao garoto.

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John Blake estava deitado em seu leito, sozinho e entediado, ainda sentia um certo desconforto nas articulações, sobretudo nas costelas, porque preferia sentir um pouco de dor a ficar fortemente embriagado de analgésicos. Não admitia para si mesmo, mas estava um pouco paranoico e queria ficar atento aos seus arredores. Detestava a condição vulnerável na qual se encontrava, ainda mais por não terem permitido que tivesse consigo sua pistola. 

Além das dores por conta da forma como seu corpo foi arremessado para fora da viatura quando capotou, ainda sentia o ardor nos braços e pernas onde haviam bolhas das queimaduras por conta da explosão da viatura. 

Tentou afastar da mente os acontecimentos de horas atrás durante a perseguição ao Coringa. Sobretudo sobre como se sentiu ao ver o Batmóvel surgir junto às viaturas restantes. Ele era uma das poucas pessoas na cidade que sabia que Batman era Bruce Wayne e que na verdade o sumiço de ambas as figuras havia sido premeditado. Não por esse motivo, John considerava a ideia do seu retorno um tanto impensável.

Quando se foi, Bruce Wayne lhe deixou um presente, a Batcaverna. Ele sabia que Bruce tinha feito isso porque acreditava em seu potencial, mas para John o presente se tornou um fardo. Apesar de saber que Bruce não implicou com o ato que ele se tornasse o novo Batman, ele não se sentia preparado para ser nada além do que já era, um policial detetive do DPCG.

Ao ouvir a porta ser aberta não olhou em sua direção, já estava acostumado com o entra e sai de médicos e enfermeiros. Mas dessa vez o quarto se manteve em completo silêncio. Quando olhou sentiu-se um  pouco apreensivo ao ver um homem alto de cabelos na nuca, bigode e barba grisalhos parado à porta. Apesar da pele bronzeada e corada pelo Sol, o bigode cheio cobrindo a boca, a vestimenta discreta, óculos escuros e gorro, John não demorou a perceber de quem se tratava. 

— Então é verdade… — Blake sorriu fraco. 

Sério, Bruce não respondeu enquanto olhava ao redor do quarto com um olhar treinado. Com as mãos nos bolsos do sobretudo, ele caminhou calmamente em direção ao leito, sem olhar para o policial.

— Eu tentei, okay? — se defendeu — Claramente não funcionou. — murmurou desanimado com suas próprias palavras, queria ter dito algo mais firme.

— Você…tentou? — o desprezo na voz de Bruce o fez se sentir ainda pior.

— Estava fazendo meu trabalho. 

— Com o uniforme errado…

— Está falando sério? — John estava incrédulo com a cobrança. Sorrindo amarelo balançou a cabeça negativamente. — Eu não sou o Batman. 

— Não pedi para ser. 

— Eu não fui treinado para isso.

— Então foi isso o que faltou? — Bruce caminhou lentamente em sua direção olhando o mais novo nos olhos — Que eu pegasse em sua mão e te mostrasse o que fazer? 

O olhar de Bruce era bem diferente do que John se lembrava. Nunca pensou que um dia veria tal descontentamento vindo daquele que sempre admirou. De alguma forma ele estava diferente, como se fosse outra pessoa, não conseguia associar a aparência a Bruce Wayne. No entanto, talvez sua firmeza e dureza eram familiares. Seu olhar duro deixava claro o desapontamento. John, que agora estava quebrado e queimado em um leito de hospital, se sentia um tanto humilhado pela forma como Bruce te olhava de cima.

— Eu confiei em você. 

— EU confiei em você! — John gritou enfurecido mas se conteve fechando os olhos e respirando fundo. 

Bruce por sua vez se manteve impassível dando meia volta e voltando por onde entrou mas parou com a mão na maçaneta ao ouvir as palavras do detetive. 

— Não pode ir embora, deixar seu fardo nas costas dos outros e esperar que sigamos seu legado da noite para o dia — John olhava para as bolhas amareladas em suas mãos pousadas em seu peito.

— Não o meu fardo. O seu — Bruce se manteve de costas. — Estou decepcionado.

 


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