Legado De Poder escrita por Merophe


Capítulo 7
VII




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Havia alguém encarregado de resolver a situação, uma pessoa que a filha ainda tolerava ouvir. Enrico sabia que não seria fácil; praticamente ela não estava mais na cidade e deixara apenas um número antigo para receber informações da menina, que ele até se esquecia de informar.

Helena trabalhava para o pai de Enrico, o Dr. Gustavo. Apesar de possuir um diploma de direito, ele exigia ser tratado com grande respeito e formalidade, embora fosse membro de uma máfia. Ele frequentou a mesma universidade com a mãe de Enrico, onde se conheceram, embora não estudassem o mesmo curso. A família Caruso e a família Giordano já se conheciam desde então. No início, os dois não se viam com frequência. Gustavo optou por estudar Direito para se tornar advogado, enquanto Dora, conhecida pelo nome Isadora, preferiu cursar Belas Artes. De vez em quando, cruzavam-se, conscientes de que suas famílias estavam envolvidas com a máfia. Ficaram mais próximos durante o quinto período de Gustavo, enquanto Dora ainda estava no início de seu curso quando foi pedida em casamento. A relação rápida não foi resultado de pressão das famílias dos dois; os pais de Dora esperavam que ela concluísse o curso e decidisse o que fazer com a vida. Não buscavam o casamento como meio de aumentar riqueza ou status, apenas aceitavam a vontade da filha.

A mãe de Dora não aceitou muito bem o casal; para ela, Gustavo era o culpado pelo abandono da universidade por parte da filha e pela sua subsequente responsabilidade com os preparativos do casamento. No entanto, não se podia negar que o rapaz herdara os olhos azuis gelados da família, além dos olhos caídos, idênticos aos de Enrico. O penteado castanho de Messy slickback completava a beleza do rapaz.

Apesar de ter pedido Dora em casamento em apenas três meses, Gustavo realmente se casou apenas quando terminou o curso. Ele começou a andar por Monte dos Reis já soberbo, dizendo para um e para outro lhe chamarem de Dr. Nunca trabalhou como advogado, embora tivesse o sonho de se tornar um algum dia. Entendia muito de fraude financeira, e alguns até entendiam a escolha do curso de direito para obter informações sobre as penalidades do crime e o modo correto de cometer uma fraude. Era um homem que procurava entender muito bem as ações que fazia, os riscos envolvidos, já criava um plano de contingência para o caso de descoberta.

A família dos Carusos não dependia do dinheiro da máfia; eles também possuíam um comércio forte de cosméticos em Monte dos Reis, sob propriedade da mãe de Gustavo, que era farmacêutica, natural da cidade e pouco envolvida nos assuntos da máfia. A PrimaDonna Cosmetica era uma grande marca de cosméticos espalhada por Monte dos Reis, chegando a totalizar quinze lojas ativas.

Da parte dos Giordanos, os negócios também não ficavam para trás. Além das duas joalherias que eram propriedades da família e do shopping central da cidade, havia ainda dois outros em outras cidades que faziam parte do capital dos Giordanos. Eles estavam envolvidos tanto em trabalhos legais quanto ilícitos ao mesmo tempo.

Gustavo até tentou investir na mulher, que fazia pinturas clássicas a óleo, e moldurou algumas pela mansão. Pensou também em fazer uma exposição para promover o trabalho da esposa, mas ela não aceitou. Esse foi um dos motivos para as discussões no início do casamento. Como sempre se resolvendo muito bem, passados alguns anos, o primeiro filho nasceu idêntico a Gustavo, embora não fosse tão próximo do pai quando crescesse.

Helena soube da história das duas famílias por causa de Dora. Após a traição de Gustavo, que o levou a sair de Monte dos Reis, Enrico contratou a empregada do pai para cuidar da mãe enferma de diabetes. Isadora contava tudo para Helena, até das inseguranças do trabalho escondido que o filho fazia na máfia. Eram boatos que incomodavam Dora, mas no fundo ela tinha a certeza, mesmo não confirmada a ela, de que o filho era responsável pela venda e negociações de mulheres. Sempre incentivava o filho a procurar uma esposa e formar uma família, fazendo o possível para afastar a má reputação dele. Mas ela mal imaginava que Enrico não planejava se tornar um homem reservado para o lar e marido.

Pelo desejo da senhora, Helena sabia que Dora se alegraria ao saber da neta. Ajudou Enrico a cuidar da menina. Quando a mãe faleceu, e depois da morte de Vincenzo, Enrico tratou de levar consigo para Pormadre alguns empregados da família da mãe. Levou Helena por consideração ao cuidado que havia prestado a Dora. Empregou a mulher apenas para cuidar da menina, não realizando trabalho doméstico, mas sim o papel de mãe. Cuidou da menina até os treze anos, quando deixou o trabalho devido a uma mudança distante da cidade.

Embora tendo saído de Pormadre, deixou um número para Enrico entrar em contato quando precisasse e lhe desse notícias também da garota. Nunca Enrico telefonou, e com o passar do tempo, o número já não estava mais ativo. Ele tentou novamente discar o número no telefone para ter certeza. Levou a mão ao rosto quando a mesma mensagem informou que o número estava fora de serviço.

Não havia mais o que fazer. Contou os números para verificar se a quantidade estava correta, ainda pensando se poderia existir alguma solução a tentar.

 

 

Natália era a neta de Tommaso. Passou a maior parte da infância na Argentina. Com oito anos, a mãe foi embora com a menina para a Itália, onde ela ganhou a cidadania italiana. Natália não era muito apegada à mãe. Embora Rose tenha trazido a menina para o país, negligenciou bastante a filha com luxos e uma vida social repleta de festas e viagens, como sempre fizera antes de se casar pela primeira vez. A avó, Margarita, ficou responsável pela menina por bastante tempo. Preferiu permanecer no país quando a mãe se casou novamente e partiu com o médico de Washington. Rose tentou convencer a filha, dizendo que o marido também insistia para que a enteada fosse com a mãe, mas Natália não aceitou deixar a avó.

Tinha visto o padrasto poucas vezes; ele parecia ser um homem comportado e tranquilo em qualquer situação, bastante diferente do pai, um homem simples, conhecido pelos amigos como Guille e pela filha como Pato. Programava os finais de semana para passear de barco nos rios, imitava o grasnar dos patos para a filha, que lhe deu o apelido espontaneamente. Rose nunca ia; não se adaptava à vida simples do marido e enaltecia que ele tinha uma beleza que não servia para um meio medíocre.

A menina sabia de todas as discussões e chegou a presenciar algumas, mas ficava com medo da raiva que eles demonstravam nos olhos e decidiu apenas escutar. Guille nunca cedia às exigências da mulher; rebatia com voz alta e descontrole.

Apesar de a mãe não suportar a simplicidade, Natália gostava do que o pai fazia. Ela via as esculturas e as decorações esculpidas de perto e muitas vezes o acompanhava para avaliar o resultado da sua arte. Rose não concordava, achando que a filha acabaria com a mesma mentalidade medíocre do pai, sem ambição e sem mudança de vida. Tratou logo de dar um jeito para a garota se afastar do pai e da pobreza. Em compensação, a filha ficou mais próxima da avó.

Margarita era saudável, apesar de conviver com a pressão alta e usar um stent cardíaco. Controlava o excesso de peso depois que começaram a aparecer gorduras na barriga. Tommaso gostava do corpo da mulher como era, mas não concordou com ela em melhorar a saúde; acabou desenvolvendo a esclerose severa quando Margarita ainda estava viva. O avô ficou confinado a uma cadeira de rodas, enquanto a avó precisou permanecer na cama por ordens médicas. Marcaram uma bariátrica para Margarita, mas precisaram adiar devido à sua internação; o excesso de peso já dificultava sua locomoção. Davide deu um tempo nas viagens para acompanhar a mãe no hospital. Rose contou com a ajuda do marido e também fez algumas leves insistências para que a filha deixasse o país. Alguém cuidaria dos pais para que a filha não precisasse perder tempo. Rose afirmava que quem tinha dinheiro tinha tudo e até encontraria uma solução.

A garota ficou definitivamente chateada com a mãe pela falta de respeito, mas a responsabilidade de Natália aumentou consideravelmente com a internação da avó e o tio acompanhando-a no hospital. Toda a gestão da mansão ficou a cargo dela, incluindo o cuidado com o avô, o que não era fácil.

Natália se sobressaiu diante das dificuldades e não reconsiderou o convite da mãe. Davide dava notícias do hospital para a sobrinha, como a última, informando que Margarita precisou de oxigenação antes de falecer. Davide decidiu pela cremação da mãe e organizou o velório com as cinzas dela em uma urna. Rose não compareceu ao velório, alegando que o marido estava muito ocupado, mas Natália não acreditou, já que ele tinha sua própria clínica e não recebia muitas consultas. Restando apenas o pai com a doença severa, Rose ofereceu ao marido para prestar acompanhamento e até fornecer tratamento em Washington. Davide estava avaliando a possibilidade de transferência do pai até o momento.

A garota dirigiu-se para os fundos da mansão, usando a palma da mão para proteger os olhos do sol enquanto percorria o gramado. Enquanto vagava pelo pátio, ouviu um sinal vindo de trás da mansão. Tinha o costume de receber algumas correspondências escondidas. Natália já sabia que o tio desconfiava das cartas de Luca. O rapaz planejava passar as férias na casa dos primos já com a intenção de deixar uma carta para ser entregue na Mansão Monastero. Procurava um rapaz que jogava as correspondências pelo muro de jardim vertical que cercava a mansão inteira.

Davide não desconfiou imediatamente. Apesar da parede verde ser bastante alta, ainda assim, os vândalos jogavam lixo nos jardins. A mansão estava localizada em frente a uma rua que não tinha muitos moradores ricos, sendo a única residência luxuosa da rua. Alguns que passavam em frente apreciavam a imponência, enquanto outros se arriscavam a vandalizar, apesar das câmeras estarem bem posicionadas na entrada. O rapaz que entregava as cartas antes as deixava perto da entrada, o que era muito visível para as câmeras. Ele começou a entregar as cartas pelos fundos da mansão, o que levou Davide a desconfiar ainda mais da sobrinha, pois ela parecia ter horários marcados para sair ao jardim e até mesmo para ir para os fundos da mansão.

Ao indagar alguns funcionários discretamente, Davide descobriu com o jardineiro que ele já notara Natália passeando perto da parede verde da entrada e ao fundo da mansão. Parecia que a garota escondia algo nas roupas, e ocasionalmente, quando ia ao jardim, levava um livro consigo para camuflar o bilhete.

Natália nunca recebeu proibições do tio quanto a manter contato com Luca, mas sabia que sua mãe controladora e abertamente contra o relacionamento do filho com a moça faria com que Davide recusasse facilmente. Por isso, os dois mantinham o contato de forma discreta. Eles se conheceram há três meses, logo após o falecimento de Margarita, durante o velório na mansão Monastero. Rosalba era uma amiga antiga de Margarita. Como o filho não pôde acompanhá-la ao velório, Eliane compareceu com a sogra e o filho. A pedido de Pasini, com muita insistência, deixou a menina com Fiorella. Neste tempo, as irmãs estavam separadas e Caius estava apaixonado pela amante da cidade dos tiras.

Luca não deixou de pensar em Natália, mesmo quando a mãe descobriu, pela filha, que o irmão tinha gostado da neta dos Bellinis. Ela era uma menina fofoqueira, aprendeu o mau modo com a mãe. A única pessoa que não revelava segredos, mesmo sob chantagem, era a própria tia. Abria a boca até quando o pai mentia, indo para um lugar dizendo que ia para outro.

Com a proibição da mãe, Luca fez o possível. Sempre foi um garoto esperto, que pensava bastante. Encontrou uma solução com as visitas à casa dos primos por parte da avó, pois Pasini não tinha irmãos conhecidos no adultério do pai e nem em Monte dos Reis. Luca sabia escrever bem e variava bastante nos poemas e nas cartas. Embora houvesse vários elogios, o que se tornou especial para Natália foi o apelido de “canelinha”. A aparência contribuiu bastante. Natália lembrava muito o pai, com o mel dourado dos olhos, mas ao invés dos cachos escuros de Guille, os cabelos ondulados de tom castanho-dourado eram herança da mãe. De diferente, apenas a boca pequena que sabia sorrir e fazer o rapaz lembrar. Luca nunca se intimidava com o coração aberto nas cartas, mencionava inclusive o sogro argentino e que a fluência com o espanhol não tinha sido por acaso.

A moça escutou um assobio pelos jardins e percebeu que havia movimentação pela entrada da mansão. Apertou a carta contra o peito diante do retorno mais cedo do tio.

 

 

A bagunça foi percebida pelo mordomo ao entrar no escritório. Algumas pastas estavam fora da estante, e a escrivaninha estava repleta de folhas e documentos que normalmente eram guardados na sala. Enrico dispensou a ajuda do mordomo, mas garantiu que daria conta de organizar a sala. Estava procurando os documentos da filha, desde registros, certidão, documentos da escola ou do hospital. Achava que poderia haver nos documentos alguma informação sobre Helena. Praticamente, ela acompanhou toda a infância da menina, sempre colocando o próprio nome antes do de Enrico em qualquer registro.

Enrico não estava convencido de que houvesse apenas um número de telefone para Helena. Revirou todas as pastas e gavetas que pôde, mas não encontrou nada. Foi só quando folheou a pasta com os documentos antigos da menina que finalmente encontrou um número, no cartão de vacinação.

Retornou para o salão de estudo para confirmar se era o mesmo número antigo de Helena. Por sorte, não era a mesma sequência. No entanto, ainda teve problemas para telefonar, pois o número funcionava, mas ninguém atendia. Tentou mais duas vezes, mas ninguém atendeu. Sua intuição positiva nunca parecia funcionar nessas situações. Deixou o celular na escrivaninha e, ao se sentar na cadeira, colocou as mãos na cabeça. Num instante rápido, o aparelho tocou, e ele teve pressa em verificar se era o retorno do número. Soltou um suspiro decepcionado ao ser interrompido por Lorenzo.

— O que você quer agora?

— Preciso saber se tudo está certo.

Enrico reclinou-se sobre a escrivaninha, escutando Lorenzo terminar de falar. Distraiu-se procurando rugas na testa que ainda nem tinha.

— Eu já prometi que ela vai depois do final de semana.

— Ela decidiu isso ou foi você? Tenho minhas dúvidas, já que ela parece ter entendido as coisas muito rapidamente.

— Eu não entendo você. — Enrico ajustou a postura, deixando a voz mais firme. — Bastava apenas que ela fosse para Monte dos Reis.

— Preciso ter a certeza de que ela tem a noção do que irá encontrar na cidade.

— Você não me disse nada disso. Não precisava que ela se envolvesse com nenhum trabalho. — Percebendo os passos atrás da porta, Enrico abaixou a voz, quase sussurrando. — Precisa me dizer o que ela irá fazer realmente em Monte dos Reis. — Enrico se levantou depressa oscilando novamente o tom da voz.

— Você não vai me fazer perder mais tempo. Tiro a garota à força de você se ela não vier para Monte dos Reis.

— Se fosse naquele tempo, eu resolveria isso com você.

Pouco serviriam as ameaças de Lorenzo no tempo em que Enrico não havia descoberto o arrependimento. Ele daria um fim no miserável, mas coisas assim nunca precisou fazer e nem precisaria. Estava mesmo cansado de tantos problemas, tantas mentiras que complicaram ainda mais a situação com a filha. Não era mais um Rosa Azul, mas sabia quem Lorenzo realmente era. A única preocupação era não fazerem mal à garota; Enrico era quem merecia receber as ameaças por ter sido tão mentiroso e pecador. Sabia que a mentira era um pecado, mas sempre precisava mentir pela falta de coragem, palavras e sinceridade.

Não havia mais ninguém para resolver a situação. Nem mesmo a santa que iluminou a lembrança de Helena trouxe mais conforto ao coração, nenhuma palavra de fé servia para animá-lo. O pecado tinha consequências, e Enrico precisava perder a filha de vez para aprender. Depois da mãe, a garota era a única pessoa que ele tinha, mesmo ela não tendo consideração e não interpretasse amor no silêncio.

A organização no escritório foi bastante rápida. O sol estava diminuindo quando Enrico decidiu procurar notícias da garota. Ele fez um rápido percurso pelo átrio, investigando se havia amenizado o mormaço no jardim. Em seguida, ligou novamente para o número que ainda não atendia. Insistir mais seria apenas uma perda de tempo. Pedir perdão a filha ou enfrentar as ameaças de Lorenzo, nada poderia reverter seus erros. Parecia ser hora de finalmente desistir e aceitar que havia perdido a filha. Deveria mesmo ter se separado da garota há muito tempo. Resolveu sair do salão quando estava escurecendo, deixando o celular para trás, ainda aceso com a chamada perdida.


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