Legado De Poder escrita por Merophe


Capítulo 12
XII


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores de Legado De Poder!

Antes de mais nada, gostaria de esclarecer algumas questões importantes sobre a história. Primeiramente, gostaria de relembrar que Legado De Poder possui um público-alvo específico, que está descrito nas notas da história. Se por acaso você não se identificou completamente com a trama, pode ser que isso ocorra justamente devido ao direcionamento da história para esse público específico.

Além disso, percebo que algumas partes da narrativa podem gerar dúvidas em alguns leitores. Quero explicar que em algumas cenas eu costumo aproveitar os ganchos das cenas para iniciar outras, seguindo a técnica de montagem. Essa técnica, muito comum em livros antigos e filmes, consiste na continuação da narrativa numa única cena, onde diferentes personagens têm seus pensamentos e pontos de vista explorados. Para quem deseja entender mais sobre essa técnica, recomendo que pesquisem sobre "técnica de montagem na literatura" para uma compreensão mais profunda.

Agora, vamos falar sobre o novo capítulo! Uma pergunta que tem me intrigado é: os Rosa Azul poderiam entrar em conflito em algum momento da história? Essa é uma questão que pode gerar diversas interpretações e especulações. Convido vocês a refletirem sobre isso e, a partir do novo capítulo, encontrarem as respostas que procuram.

Agradeço a todos pelo apoio contínuo e espero que estejam ansiosos pelo desenrolar da trama!

Um grande abraço.



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Ettore dirigiu-se mais uma vez ao primeiro andar em busca de Lorenzo, saindo apressadamente do lounge para evitar qualquer conversa com o Sr. Tarcísio. Ao adentrar novamente no foyer do primeiro andar, deparou-se com a mesma cena animada e vibrante. O ambiente estava ricamente decorado com lustres de cristal cintilante, paredes revestidas por painéis de madeira escura entalhada e tapeçarias luxuosas adornando os corredores. O chão de mármore polido refletia a luz das luminárias, criando um efeito de brilho sutil. O murmúrio das conversas dos convidados misturava-se ao som suave da música de fundo do salão de dança, criando uma atmosfera de sofisticação e elegância digna de um baile de máscaras clássico.

Ettore atravessou o mezanino e percorreu pelo arco do outro lado do salão, onde ecoavam as batidas das bolas de sinuca. Quando estava prestes a deixar o local, avistou Lorenzo, do outro lado do mezanino, tentando alcançar apressadamente as escadas.

Ettore tentou seguir Lorenzo pelas escadas, porém este desceu mais rápido, levando-o a chamá-lo. Inicialmente, Lorenzo ignorou o chamado, mas ao perceber de quem se tratava a voz que o havia chamado, virou-se.

Ele não aparentava estar em sua melhor forma, exibindo uma expressão desconcertada, com alguns fios de cabelo desalinhados e a máscara ligeiramente fora de lugar, sugerindo que a tinha colocado recentemente.

Ele mal aguardou que o rapaz expressasse sua intenção, apressando-se imediatamente com uma certa grosseria.

— O que você quer agora? Não percebe que estou ocupado? Poupe-me dos seus problemas!

— Enrico me convenceu a vir para o baile. Ele achou que seria uma boa ideia para saber como a garota está.

— Ela não quer saber dele.

— Mas eu quero saber dela.

Lorenzo não se mostrou interessado em confrontar o rapaz, que avançou alguns passos à frente com firmeza em sua voz. Ele lançou um olhar comprometedor para o jovem antes de se retirar. Ettore estava acostumado com essas desconsiderações dele e sabia lidar, nunca se curvando diante de qualquer situação. No entanto, confrontar Lorenzo em eventos discretos exigia alguém com um nível semelhante de altivez.

No salão de dança, as notas de outro ritmo ressoavam, com o contrabaixo dominando a melodia. Ettore voltou à área das mesas dos convidados, em busca de ao menos alguém conhecido da família de Eliane. Avistou a mesa dos Rizzo, porém sem as amigas dela, presumindo que poderiam estar reunidas com a madame.

Ettore não tinha o hábito de se envolver nos eventos dos Rosa Azul. Eram extravagantes demais para seu gosto, além de exigirem um luxo exagerado. Além disso, ele não se dava bem com todos de imediato. Além do mais, os costumes da Sociedade costumavam ser antiquados, com boas maneiras e toda a pompa típica dos ricos desonestos como aqueles.

Ele reconhecia que, naquele momento, precisava ceder por causa de Enrico. Embora Enrico não expressasse diretamente, Ettore percebia que sua gratidão seria cobrada de outra forma. Ele sabia que a ajuda que recebera de Enrico antes seria cobrada no futuro, e não demoraria a surgir em forma de favores.

Ettore avistou o filho de Eliane passando entre as mesas e encontrou uma maneira de cruzar o caminho para se encontrar com o garoto. Luca estava indo para algum lugar quando Ettore se aproximou e perguntou com tranquilidade onde estava a mesa de sua mãe.

O rapaz viu as amigas de Eliane na mesa, onde Pasini ainda segurava a menina adormecida em seu colo, usando parte de sua barriga como travesseiro. Ele contornou a cadeira onde Eliane estava sentada, e logo os presentes da mesa o encararam.

— Me mandaram chamar a senhora para resolver um problema.

Eliane franziu as sobrancelhas, demonstrando confusão em relação a abordagem do rapaz. Eliane ficou surpresa com a presença do rapaz, presumindo que sua irmã estivesse no baile. No entanto, o rapaz a corrigiu de forma sutil e precisa, de modo que apenas ela entendesse o motivo de sua presença.

— Foi Lorenzo que mandou lhe chamar.

Eliane suspeitou do rapaz, no entanto, levantou-se da mesa e seguiu-o até o meio do salão principal, do hall de entrada, onde ele parou e voltou-se para a mulher.

— Lorenzo não está lhe chamando. Eu tive que mentir.

A mulher olhou para Ettore com uma expressão confusa, sem entender totalmente o que ele queria dizer. Ela franziu o cenho levemente antes de responder.

— E por que você teve que mentir? O que está acontecendo?

— Ele trouxe a garota para o baile, mas alguma coisa estranha aconteceu.

 

 

Eliane instruiu o rapaz a procurar a garota pelas salas de reunião do primeiro andar, enquanto ela mesma dirigiu-se pelo térreo, atravessando a área do lounge, determinada a conversar pessoalmente com Lorenzo.

Após descer as escadas, Lorenzo havia retornado à mesa, juntando-se à esposa e ao Sr. Tarcísio. Estava visivelmente mais calado e não ofereceu explicações claras sobre a garota. Ajustou sua máscara discretamente, numa tentativa de amenizar a situação.

A esposa percebeu a estranheza no semblante de Lorenzo, que então revelou que a garota havia expressado o desejo de ficar um pouco sozinha. Quando Eliane chegou à mesa, Lorenzo ergueu os olhos para encontrá-la, sua expressão suavizando ligeiramente ao vê-la.

— Vejo que finalmente decidiu dar as caras. Deve ter sido difícil sair da sombra da sua própria máscara, não é?

Eliane ignorou o olhar inquisitivo de Patrícia, provavelmente pelo tom sarcástico que Eliane chegou abordando o marido. Lorenzo esboçou um sorriso forçado, demonstrando pouca disposição, apenas para manter as aparências diante dos presentes na mesa.

— A sombra da minha máscara pode ser mais convidativa do que certas conversas.

Eliane forçou um sorriso, tentando suavizar sua expressão aborrecida. Em seguida, dirigiu-se a Patrícia com uma voz polida e pediu permissão para uma conversa particular com seu marido. Conforme se afastavam do lounge, Lorenzo lançou um olhar de relance para trás, certificando-se de que ainda conseguia avistar sua esposa na mesa.

— Acho que finalmente chegou a hora de encarar a realidade, não acha?

Lorenzo deteve seus passos quando Eliane se virou para encará-lo com intensidade. Ele franziu o cenho, tentando entender do que a mulher estava falando.

— Poupe-me de suas caras. Não estamos em um teatro.

— Se é assim que prefere, vamos direto ao ponto, então.

Ele introduziu a mão no bolso do fraque, aguardando com serenidade que ela começasse a falar. Eliane expressou suas suspeitas sobre as atitudes recentes de Lorenzo. Ela não ficou satisfeita por ele ter ocultado a chegada da garota, embora soubesse que estava prevista para o final de semana, sem precisar saber o dia exato. Apesar da explicação de Lorenzo, de que a garota não tinha noção do que estava acontecendo, Eliane rapidamente questionou suas verdadeiras intenções.

— Por que você está sendo tão evasivo com a revelação dessa garota?

— Eu já disse.

— Me avisaram que você trouxe ela para o baile.

Lorenzo ergueu as sobrancelhas, mostrando-se levemente surpreso com a observação direta de Eliane. Ele hesitou por um momento, ponderando suas palavras com cuidado.

— Eu iria lhe dizer depois.

— Ah, claro. Depois que todos já soubessem, imagino.

— Pensei que você preferiria ir para casa mais cedo, considerando o quanto a sua filha está se sentindo mal.

Quando ele chegou ao baile e encontrou a esposa no lounge, ela mencionou a situação da menina. Eliane relutou em acreditar na explicação, mas optou por deixar passar, abalada pela vontade de discutir com Lorenzo, especialmente por conta do rapaz que a havia encontrado.

Lorenzo encarou Ettore sem graça, mostrando-se até meio receoso com o que ele teria para dizer desta vez para Eliane.

— Não encontrei ela, mas a sala do escritório está trancada.

Ettore avançou na frente, portando a chave do escritório do primeiro andar, enquanto Eliane e Lorenzo seguiam atrás, envolvidos em uma discussão acalorada. Lorenzo tentava justificar que fora a própria garota quem pedira para ficar sozinha e que ele trancara a sala para que ninguém a perturbasse.

O rapaz percebeu a intenção de Lorenzo de ultrapassá-los, mas antes que ele conseguisse, Ettore ergueu rapidamente a mão com a chave. A porta foi então aberta, revelando a garota ainda sentada no chão.

Ela estava descalça e ainda mancando quando o rapaz a levantou. Ele nem se preocupou em pegar os sapatos brancos e a máscara que estavam na escrivaninha, simplesmente saiu sustentando a garota para fora da mansão. Ele diminuiu o ritmo ao descer as escadarias, julgando ser melhor para a garota acompanhar.

Apesar dos murmúrios das conversas do lado de fora, Ettore percebeu alguém se aproximando na direção deles.

— Já está saíndo do baile?

Ettore virou a cabeça para identificar quem havia proferido o deboche. Até pela voz de Kadu, ele se aborrecia.

— Não se mete!

Kadu reconheceu a garota. Ele a tinha visto na mesa onde estavam Patrícia e o Sr. Tarcísio. Além disso, até havia interagido com ela discretamente.

— Ela veio com Lorenzo, não foi?

Por não obter respostas, Kadu desceu as escadas, elevando a voz, enquanto seguia o rapaz.

— Ele te mandou tirar ela do baile?

— Foi a sua dona que mandou.

— Ela poderia ter me mandado fazer isso.

Kadu segurou o braço do rapaz, que não apreciou a interrupção e imediatamente fez uma careta, preparando-se para lançar insultos. Enquanto os dois se encaravam com hostilidade, Kadu foi surpreendido por Eliane no átrio, chamando-lhe a atenção.

Luca veio acompanhando a mãe para entender a situação. Eliane instruiu o filho a chamar o marido para partirem, enquanto a Ettore ordenou que ele levasse a garota para a sua mansão.

Enquanto desciam lentamente as escadas para seguir ao estacionamento, a garota sussurrou para ele que queria ir embora, sugeriu que o rapaz falasse com seu pai para tirá-la da cidade, mas Ettore a interrompeu com uma resposta direta, afirmando que resolveria isso amanhã. Além disso, sugeriu que, por enquanto, ela ficasse com Eliane, que era conhecida do pai dela.

 

 

No dia seguinte, o assunto do baile ainda estava sendo discutido, e cada um tinha suas próprias conclusões, incluindo Eliane, Enrico e Lorenzo.

Enrico estava convencido de que algo havia ocorrido no baile. Desde a noite anterior, tentara entrar em contato com Ettore, porém este ainda não o havia atendido. Ele também tentou ligar para Lorenzo, mas como nas vezes anteriores, ele não atendia. Ele considerou exagerada a ideia de um baile de boas-vindas para a filha; afinal, ela não tinha ido para Monte dos Reis para se tornar parte da máfia. Pelo menos ele sabia que, uma vez descobrindo a verdade, ela deixaria de considerá-lo como pai.

Enrico pegou o telefone mais uma vez, decidido a ligar para Helena. Ele precisava de notícias urgentes da garota.

Ele optou por essa última opção, considerando que sua filha tinha uma relação mais próxima com Helena. Talvez ela pudesse ter alguma informação relevante.

“Desde a noite passada que estou tentando ter notícias dela.”

“Ela não ligou para mim.”

Era exatamente como Helena havia sugerido: talvez a garota não quisesse que ele soubesse das notícias sobre ela. Possivelmente, ela já estivesse ciente da verdade e estivesse agindo da forma como ele sempre imaginou que reagiria. No entanto, Helena também considerou que ela ainda deveria estar dormindo e, eventualmente, ele acabaria descobrindo algo.

Por outro lado, foi Eliane quem instruiu o rapaz a não mencionar nada a Enrico, ela também incumbiu Ettore de dirigir-se à mansão de Lorenzo, para buscar os pertences da garota. Anteriormente, ela havia telefonado para Lorenzo, porém foi a esposa dele quem atendeu, a quem Eliane transmitiu o recado.

“Ele deveria estar preso, assim como seu tio.”

Pensando que ela estava sussurrando para si, Pasini estava no salão de estudo com a esposa, até que ela se virou da janela expondo novamente a mesma conversa.

“Ele tentou fazer alguma coisa com ela.”

“Ele afirmou que não fez nada.”

“Se ele tivesse feito algo, você realmente acha que ele admitiria?”

Pasini observou sua esposa cruzar os braços, com uma expressão zangada, enquanto ela afirmava que teria que consertar o que Lorenzo havia feito.

Em paralelo, Lorenzo ainda afirmava que nada tinha acontecido na noite passada. Pelo menos para a esposa, ele reiterou que fora a garota quem o chamara para conversar. Após a discussão sobre o assunto, concedeu-lhe privacidade e trancou a sala, uma vez que alguns frequentadores a utilizavam para conversas discretas ou para descansar.

Lorenzo afirmou para a esposa que a garota havia questionado sobre seu pai e que ele prometera revelar a verdade que ela ainda não conhecia.

Entre todos os envolvidos no incidente da noite anterior, a única que detinha a verdade era a garota. Enquanto a mansão Villa Serenità permanecia mergulhada em silêncio naquela manhã, a atmosfera ainda era carregada de segredos e incertezas sobre o ocorrido no baile. Nos recônditos da memória de Gigi, o evento passado ressurgiu, uma cena que moldou as perspectivas dos presentes, mas cujos detalhes permaneciam ocultos aos olhos dos outros.

Nada demais deveria acontecer na sala, mas a garota se sentia compelida a confrontar Lorenzo sobre seu pai. Ela tinha descoberto mais do que deveria saber sobre ele.

No início, ela não queria acreditar nas palavras de Lorenzo. Ele falava do pai com um conhecimento profundo, insinuando que já esteve envolvido em coisas erradas. Era um Enrico diferente, difícil de acreditar.

“Enrico tem um passado complicado. Ele não costuma falar sobre isso, mas acho que é hora de você saber a verdade.”

A conversa de Lorenzo não parecia ser verdadeira; ele falava de alguém que ela não conhecia. Era difícil imaginar Enrico, um homem religioso e incapaz de fazer maldades a alguém, se envolvendo em mundos perigosos. Lorenzo insistiu em questionar se a garota realmente conhecia o pai, chegando até mesmo a perguntar se ela já desconfiou das atitudes dele como se ele fosse realmente um pai.

Não era um assunto em que Lorenzo deveria se envolver tanto. Ela não gostava de se lembrar do pai, e mesmo assim, Lorenzo persistia em levantar dúvidas sobre a paternidade de Enrico.

“Você nunca desconfiou nada sobre ele?”

Foi neste momento da conversa, ainda na fala de Lorenzo, que ela preferiu dar um basta. Já estava com as lágrimas escorrendo, lembrando demais de Enrico. E se ele estivesse realmente escondendo algo dela? E se a verdade sobre a mãe dela não fosse a única coisa que ele estava escondendo? Até os conhecidos dele não falavam coisas boas sobre ele.

Enrico, seu próprio pai, estava mentindo para ela. Era difícil de aceitar, mas a conversa com Lorenzo começava a acumular desconfianças. Ele sempre parecera um homem misterioso, reservado em relação ao seu passado. O Enrico que ela pensava conhecer tão bem, revelava-se agora como um estranho. Um estranho que não tinha consideração por ela, que a envolvia em uma teia de mentiras e decepções. E se tudo o que ela achava que sabia sobre ele fosse uma farsa, algo que ela nem sequer ousava imaginar?

A viagem para a cidade não estava cumprindo seu propósito. Gigi havia ido a Monte dos Reis para escapar dos desentendimentos com o pai, esperando encontrar respostas sobre quem estava realmente causando problemas. No entanto, acabou descobrindo exatamente o oposto. A revelação de que o pai não desejava ter filhos, somada à descoberta de seus segredos ocultos e à má reputação que o seguia.

Ela não quis ouvir mais de Lorenzo, insistindo que a conversa já era suficiente, e pediu para ficar sozinha. Com os pés machucados pelo salto, ela se desvencilhou rapidamente dos sapatos, jogando-os longe, como se estivesse se desfazendo também daquela farsa.

Ela se viu em um lugar que não parecia ter sido feito para ela. Nada fazia sentido naquele baile, onde a riqueza, a extravagância e o perigo pareciam coexistir no mesmo espaço.

Ainda perdida em seus pensamentos, permanecia no quarto, quando de repente a porta se abriu, revelando a silhueta de alguém que acabara de entrar.

— Mandei trazerem as suas coisas.

A garota observou Eliane com desconfiança enquanto absorvia suas palavras. Sentiu-se invadida pela sensação de que algo estava errado. O que Eliane queria dizer com “trazerem as suas coisas”? A garota não queria permanecer em nenhum outro lugar; seu desejo era simplesmente ir embora da cidade, voltar para casa. Mas que casa seria essa? Se o pai era um enganador, escondendo talvez coisas ainda mais sombrias.

Gigi precisava desvendar a verdade, de verificar a veracidade das palavras de Lorenzo sobre seu pai guardar segredos. No entanto, seus pensamentos foram interrompidos pelo som da voz de Eliane ecoando novamente, “Se você quiser falar sobre qualquer coisa, pode me procurar”, disse ela.

 

 

Ettore continuou a conversa por chamada com Gualtiero enquanto seguia o caminho em direção à mansão Trofeo. Gualtiero havia informado ao rapaz que ainda estava na cidade procurando os Arma Branca. Ele não era alguém fácil de derrubar, possuía músculos robustos e geralmente vestia jaquetas jeans ao percorrer o centro de Monte dos Reis. Além disso, tinha um vício descontrolado em cigarros.

Em diversas ocasiões, Ettore esteve na cidade na companhia de Gualtiero. Muitas vezes, ele se via humilhado ao lado da imponente figura de Gualtiero, mas também era reconhecível que uma qualidade dele era não se envolver nos vícios de bebida do companheiro. Ettore recusava veementemente o álcool, apesar da desorganização de sua vida, nunca chegara a provar, mesmo em situações em que precisasse de uma distração.

— Eu vi a sua ex. Ela ainda está na mesma rua.

Ettore fez uma expressão de desagrado ao ouvir a afirmação, perdendo momentaneamente a graça da conversa. Ele não costumava recordar muito bem da ex-namorada, e, na verdade, ele atribuía grande parte das falhas de sua vida a ela, pelo menos era o que ele acreditava. Era um assunto do qual ele preferia evitar falar a todo custo.

— Ela não te chamou pra dormir com ela?

— Estou focado em outras coisas agora.

Ettore tinha uma boa relação com Gualtiero, porém não apreciava muito o fato de o amigo sempre trazer notícias sobre sua ex. Mesmo assim, ele reconhecia que, acontecesse o que acontecesse, estaria sempre bem informado.

— Você se sentiu mal? — Gualtiero notou que Ettore estava falando menos e até mesmo parou de se expressar verbalmente.

— Não, estou dirigindo.

Sempre que tinha conhecimento de algo relacionado à moça paraguaia, Ettore exibia esse comportamento peculiar. Aos dezenove anos, ele embarcou para o Paraguai e lá conheceu a moça, decidindo logo em seguida levá-la como namorada para o país. Providenciou um sobrado onde ambos residiam, mas logo o inferno se instalou quando ele descobriu a traição.

Ele deixou o sobrado, abandonando a moça sem recursos financeiros, e logo em seguida começou a ter um desempenho ruim no trabalho, encontrando-se na mesma situação que sua ex-namorada. Enquanto ela deixou sua família para trás em outro país, Ettore ainda tinha a casa de sua avó para retornar, porém, devido às discussões de seus tios sobre ele, optou por buscar abrigo nas ruas. Ambos passaram a vagar pelas ruas, mas a diferença é que a infeliz ainda conseguiu lucrar com alguma coisa.

Ettore considerava pouco saber que a jovem havia se envolvido na prostituição, pois a consequência maior e mais terrível recaiu sobre ele. Seu pai nunca o reconheceu como filho legítimo, sua mãe o abandonou em troca de um homem rico, e seus tios o expulsaram de casa. Em meio a isso, quem seria a verdadeira vítima? Enquanto ela ainda tinha pai e mãe, optou por ficar com ele, apenas para o trair posteriormente. Ninguém compreendia quem era a verdadeira vítima nessa história, apenas o repudiavam pela ruína da vida da ex-companheira.

Ninguém jamais dava oportunidade para um homem expressar a verdade, para explicar as coisas sob sua perspectiva. Ele, que havia sido a grande vítima. Que tipo de vítima ela poderia ser se, na primeira chance, encontrou solução na depravação? Ele não era tão mau como diziam, apenas mal interpretado.

Ele havia imaginado a vida de uma forma, mas na realidade, ela se revelou de outra maneira. Por isso, acabou se dando mal. Ninguém merecia uma chance, nem sequer um momento de sorte para descobrir algo na inocência. O privilégio de desfrutar o lado bom da vida era reservado àqueles que já tinham tudo.

A vida, sendo tão injusta, tornava a bondade uma escolha fútil. Lamúrias e perdão apenas serviam para enfraquecer a alma. Toda dor só podia ser superada na maldade. Ele tinha plena consciência disso, e por isso não nutria nenhum remorso em relação à ex; a miséria dela era insignificante diante da situação e da vida que quase perdera.

A chegada à mansão de Lorenzo transcorreu de maneira ágil. Apesar da ausência dele para recepcionar o jovem, Patrícia prontamente o acolheu à entrada e facilitou a liberação das bagagens da moça. Ela também prestou assistência na coleta de todos os pertences antes da chegada do rapaz.

Ettore, após recolher as bagagens da jovem, voltou ao carro. Mal havia saído da mansão de Lorenzo quando seu celular voltou a tocar. Pela insistência das chamadas, ele já tinha uma ideia de quem poderia ser.

Ele atendeu, concentrando-se mais na explicação do que na voz de Enrico.

— Por que você não me atendeu?

— Estive ocupado.

— Você esteve ocupado desde ontem à noite?

Ettore começou a gaguejar e a fazer pausas nas palavras, buscando uma maneira de desviar das suspeitas de Enrico.

— Bem, sobre... ontem à noite... eu não fiquei muito tempo no baile...

Enrico indagou sobre as atividades de Ettore na noite anterior, ao que ele respondeu vagamente, mencionando que se tratava de algo trivial. A conversa entre os dois continuou em um emaranhado de palavras, até que Enrico, adotando um tom mais sério, perguntou se havia alguma novidade sobre a garota.

— Eu ainda não fui na mansão dele.

Ettore ficou desconfiado quando Enrico perguntou onde ele estava, suspeitando que ele talvez tivesse ouvido o som do carro em movimento.

Enrico às vezes era bastante incômodo, mas parecia fazer de tudo por uma mal agradecida que não valorizava seus esforços. Ettore não via necessidade de dizer algo, afinal, ele nem sabia ao certo o que havia acontecido. Não seria justo incomodar Enrico com algo que talvez não passasse de um mal-entendido.

Ettore mentiu ao prometer passar na mansão de Lorenzo para investigar algo. Não era de seu feitio mentir para Enrico, pois sabia que ele era um homem de caráter, embora lhe faltasse coragem para dar um pouco de desprezo para a filha.

A garota era uma réplica de Enrico, também não tinha jeito com as palavras. Agia como uma criança insuportável, exigindo atenção do pai com birras infantis. Enrico, por sua vez, era um tanto frágil para lidar com essa situação, preferindo suportar o sofrimento com gentileza e uma voz serena. Ele não servia muito para ser pai. Embora a garota não fosse filha de Enrico, a responsabilidade ainda recaía sobre ele. Ele nunca impôs limites à garota. Apesar de se considerar o líder da família, não sabia agir em nada.

Era exatamente como Gigi imaginava, mas a situação era ainda mais grave para ela, sendo filha. Ela sabia que ele não se importava em resolver os problemas entre os dois. Voltar para casa e confrontá-lo sobre as acusações talvez não trouxesse a verdade à tona.

Após algum tempo, finalmente as bagagens haviam chegado na mansão Villa Serenità. Eliane ordenou que levassem as bagagens para o quarto da moça, sendo assim que Gigi observou a entrada das malas no quarto e, curiosa, perguntou ao empregado sobre Eliane, sendo informada de que a mulher ainda estava com o rapaz na entrada da mansão.

 

 

Não seria conveniente ir atrás do rapaz para averiguar se ele já havia conversado com o pai. Gigi espiou da janela do quarto, buscando por alguma movimentação nos jardins. Ao não detectar nada, afastou-se da janela e foi verificar as bagagens em busca do celular. Ao tentar ligar para Helena, acabou por ouvir apenas a caixa postal.

Ela ansiava por encontrar alguém que lhe revelasse a verdade, alguém que não fosse ela mesma. Desejava evitar a decepção de ouvir diretamente do próprio pai.

Gigi estava certa de que Enrico guardava segredos, e isso era perceptível até mesmo entre seus conhecidos. Havia uma aura de mistério ao redor deles, como se ela estivesse de alguma forma envolvida nesse segredo.

Gigi estava imersa em seus pensamentos quando, repentinamente, abriram a porta, surpreendendo-a. Eliane veio verificar se as malas da garota estavam em ordem, e Gigi confirmou antes de fazer uma pergunta própria.

— Aquele rapaz ainda está lá fora?

— Ele acabou de sair. Você está precisando de alguma coisa?

Gigi falou com uma voz trêmula e hesitante, sua postura denotava um certo desconforto ao trazer o assunto à tona, como se estivesse receosa da reação de Eliane.

— Eu estava pensando em perguntar se ele conseguiu falar com o meu pai.

— Você já está pensando em ir embora daqui?

A garota sentiu-se desconfortável ao ouvir a pergunta de Eliane, como se a mulher tivesse descoberto sua intenção, mas tentou manter a compostura quando Eliane sugeriu outra ideia.

— Poderíamos conversar enquanto arrumamos suas malas. O que acha? — Eliane percebeu a garota abaixando a cabeça, como se estivesse tentando esconder seu incômodo. — Não acho que a mansão de Lorenzo seja um lugar bom para você ficar.

— Mas eu pensei que seria melhor ter avisado...

— Enrico vai entender.

Eliane percebeu que a garota virou o rosto sem dizer mais nada e, ao apoiar as duas mãos na cama, provavelmente sentiu alguma coisa.

— Você não gosta muito de falar sobre ele.

— Ninguém fala muito bem dele por aqui. Não é apenas o que eu escutei ontem à noite. — Gigi juntou as mãos no colo, reunindo coragem antes de revelar os problemas que tinha com o pai. — Me disseram que ele não queria ter filhos.

— Isso é verdade. — Eliane prestou atenção nos olhos fixos e castanhos da garota, analisando todas as semelhanças entre o pai adotivo e o verdadeiro, que não estavam presentes nela. — Mas talvez ele tenha mudado de ideia ou aceitado ficar com você por obrigação.

— Eu acho que ele foi obrigado a ficar comigo.

— Lorenzo me disse que tinha algo a lhe dizer ontem à noite.

Não era exatamente um desastre. Lorenzo não havia revelado a verdade para a garota, mas acabou sugerindo um passado errôneo de Enrico. Foi praticamente isso que a garota lhe respondeu. Além disso, ela assegurou que preferia desfazer as malas sozinha, e Eliane consentiu.

Reparando na aparência simples da garota, qualquer um poderia dizer que ela não parecia ser filha de Vincenzo. Não possuía os símbolos característicos da família, como os olhos verdes oliva, que sempre acompanhavam a geração e os primeiros filhos. No entanto, como fora a única criança que Enrico cuidara após sair de Monte dos Reis, não havia motivo para questionamentos.

Assim que a noite chegou, após a janta da família reunida, já no quarto, Pasini notou que Eliane saiu da suíte com um roupão longo e mais claro do que costumava usar, apontando o dedo para ele em frente à cama.

— Preste muita atenção porque isto é um assunto sério. — Pasini colocou o livro aberto sobre a barriga, direcionando sua atenção para a esposa. — Precisamos discutir alguns assuntos importantes com os Rosa Azul. Você sabe que somente você tem o poder para fazer isso.

Eliane não apreciou o reflexo da indiferença no rosto do marido e prontamente se afastou, dirigindo-se à penteadeira branca repleta de seus utensílios de beleza para guardar os brincos de pérolas.

— Odeio quando você faz essa cara para mim.

— Acabamos de nos reunirmos ontem.

— Agora o assunto é diferente. — Eliane observou através do espelho da penteadeira enquanto o marido fechava o livro e puxava o lençol da cama para cobrir o corpo. — Não há ninguém liderando os Rosa Azul. Será que você não se incomoda com isso?

— Trouxeram a herdeira já para resolver isso.

— Mas ela ainda não sabe de nada. Deve ser feito uma votação urgentemente, ninguém sabe o que vai se passar com Caius. Lorenzo é quem está seguindo adiante sem ninguém concordar.

— Lorenzo ainda seria o mais votado.

— Apenas se ele fosse o único candidato para a votação. — Pasini observou discretamente enquanto Eliane massageava o creme nos braços, enquanto ela, por sua vez, ainda o encarava através do espelho da penteadeira. — Você poderia disputar com ele. Das três famílias, apenas há Lorenzo dos Valentini como um membro ativo, a garota é a única Marquese que está em Monte dos Reis, mesmo assim, muitos nem a conhecem, e Caius é o único Castelli. Sendo assim, a votação seria justa para outros membros, mas você é quem teria o peso mais forte.

Eliane saiu da penteadeira e foi se escorar na cama próximo ao marido.

— Eu poderia lhe garantir os votos dos Rizzo, e você os da sua família. A aliança de Davide também seria fácil de se conquistar por causa de Fiorella.

— E quanto à filha de Vincenzo?

— Ela também poderia ser útil, apenas se ficasse do nosso lado. — Eliane fitou o marido com um olhar profundo, causando arrepios nos pelos de seus braços. — Se ela descobrir a verdade sobre Enrico, ela nunca mais vai querer saber dele. Obviamente, ela ficaria conosco. De qualquer forma, mesmo você não ganhando nos votos, ainda venceria a votação por causa da herdeira. Meu pai aceitaria que eu fizesse isso, mesmo que causasse um conflito entre as nossas famílias.

 

 


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