Dark Entries escrita por KendraKelnick


Capítulo 1
Capítulo 1 - Cherryred




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Capítulo 1 – Cherryred

            Blake Manor, Crystal Cove, 4 de janeiro de 2023.

            7pm

                Era a décima vez que ela lia aquela linha e não compreendia o significado das palavras. Por isso, ela leu mais uma vez… apenas para perceber que não entenderia novamente. O conteúdo não era difícil. Era moda. Era Diana Vreeland. Mas ela odiava a faculdade de moda e a Diana Vreeland, por isso a sua mente fazia questão de tornar aquelas palavras cada vez menos interessantes. Por fim, ela trocou o livro pelo celular. Foi direto ao Instagram: Daphne Blake. 36 milhões de seguidores, 1022 novos seguidores somente na última hora. Pouco mais de 10% das pessoas de todo país prestava atenção na vida dela… mas era um tipo de vida que ela mesma preferia ignorar. Era uma vida secreta, apesar das 3 milhões de visualizações nos últimos stories e das dezenas de publis. Era uma máscara bonita e óbvia, compatível com a sua beleza e o seu padrão social… mas, ainda assim, era uma máscara. E a Daphne real por trás da máscara estava cansada de tudo aquilo. Então, em um impulso existencial espontâneo, ela abriu o MacBook, digitou no campo de pesquisa: “True Crime Forum” e acessou sua conta secreta: cherryred.

            Para a felicidade dela, a identidade secreta era tão popular quanto a identidade real: suas publicações eram aguardadas, comentadas e aclamadas por milhares de usuários. Inclusive, o seu último post, “o mistério do pingente da lua”, havia recebido mais de duzentas respostas. Havia depoimentos de pessoas que se lembravam do fatídico dia em que o corpo de uma jovem foi encontrado dentro da piscina de uma casa abandonada em São Francisco, havia matérias de jornais da época, havia depoimentos gráficos descrevendo as condições lamentáveis em que o corpo se encontrava, havia pessoas comemorando que, finalmente, uma foto do tal pingente havia sido divulgada após tantos anos… e havia mensagens de usuários australianos confirmando que a foto que Daphne havia postado – um pingente rústico em forma de lua crescente – mostrava um símbolo de uma tribo de nativos locais. Imediatamente, Daphne abriu a página de Pessoas Desaparecidas do governo Australiano e inseriu no campo de busca todas as características físicas da Jane Doe que foi encontrada em 1981 usando apenas um colar. Em menos de 10 segundos, a página revelou o fim de um mistério que a polícia local não conseguiu resolver em mais de 40 anos: Jane Doe provavelmente era Allyra Mahon, desaparecida em New South Wales em 1979.

“Algumas famílias australianas moravam nesse bairro no início dos anos 80. Eu trabalhava entregando jornais ali e me lembro bem”, foi a postagem que apareceu logo em seguida, motivando Daphne a se aprofundar na pesquisa por Allyra Mahon. Em um vídeo de 2020, a irmã gêmea de Allyra, já com 60 anos, dá um depoimento emocionante sobre o dia em que um oficial da marinha americana ofereceu um trabalho para Allyra no Havaí – na manhã seguinte, a garota desapareceu. No momento em que a mulher enxuga as lágrimas e ajeita os cabelos, Daphne levou um susto: o pingente que ela usava, em forma de estrela, era muito parecido com o pingente de Jane Doe. “Você se lembra de algum oficial da marinha que morava nas redondezas nessa época?”, Daphne digitou rapidamente, em resposta ao usuário que publicou a última mensagem. “Não, mas havia um maluco que morava a umas três quadras que adorava usar uniformes do exército. Acho que ele nunca serviu de verdade, ele só se vestia assim para impressionar garotas e despertar nas pessoas certo respeito. Se não me engano o nome dele era Joel. Ele tinha fama de ser abusivo com mulheres, inclusive com a própria mãe”, foi a resposta que surgiu após poucos minutos. No mesmo instante, Daphne postou o vídeo da irmã de Allyra e os links dos artigos que relatavam o desaparecimento da garota. “Não estou afirmando que Jane Doe é Allyra, mas consigo ver muitas ligações entre o mistério do pingente da lua e o desaparecimento da nativa australiana. O pingente que a irmã dela usa é muito parecido. Acho que a comunidade australiana deveria reportar essas coincidências às autoridades”, ela digitou, e no momento em que a mensagem foi postada, Jenkins abriu a porta de seu quarto, anunciando o jantar.

Jenkins: Seus pais já estão te esperando, Srta. Blake.

O susto que Daphne levou foi tão grande que ela fechou imediatamente o MacBook, e Jenkins se desculpou por ter entrado de repente.

Daphne: Eu desço em um minuto.

Assim que o mordomo se retirou, Daphne abriu novamente o computador para apagar o histórico e encobrir todas as provas de suas ações secretas. Quando finalizou, vestiu suas botas favoritas e deixou seu quarto. No caminho, ela não se apressou. Tentou se aproximar da sala de jantar lentamente e silenciosamente para ouvir a conversa de seus pais – e, quem sabe, conseguir informações preciosas para uma nova postagem. Felizmente, Nan e Bart Blake estavam sozinhos à mesa naquela noite, e a promotora Nancy Blake reclamava sobre seu dia de trabalho em alto e bom som.

Nan: …e para piorar, Diane me disse que Roy Keener faleceu em sua cela semana passada, de causas naturais. Deus queira que o advogado dos Beckers jamais saiba disso, ou eles farão um escândalo novamente e nossa credibilidade estará em xeque outra vez. Deus, esse trabalho é tão estressante!

Bart: Roy Keener, o maníaco de Redding? Não sabia que ele era um suspeito no caso de Molly Becker…

Nan: Não é. Mas no fim de 2021, Roy disse a um agente que tinha informações sobre o assassino da menina. Disse que foi o próprio professor de matemática da garota, pois o desgraçado vendeu fotos dela sem vida para Roy naquela época. Enfim, não tivemos tempo de agendar um interrogatório oficial e agora nunca saberemos se era verdade…

Bart: Ou nunca saberemos que era uma grande mentira. Querida, condenados à pena de morte são capazes de dizer qualquer coisa para conseguir um acordo… o próprio Roy já afirmou e desmentiu muita coisa nos últimos quinze anos…

Nan: Seu ponto de vista é reconfortante, querido, mas tente explicar isso a pais que esperam por justiça há 26 anos… ainda mais depois de toda a confusão envolvendo Ted Becker… Deus, isso é tão vergonhoso! Eles não mereciam passar por isso!

Bart: Certamente, a condenação de Ted foi absurda, mas não foi culpa sua… nada envolvendo o caso de Molly é culpa sua, querida.

Nan: Os Beckers discordam, mas aprecio a sua gentileza por tentar me tranquilizar.

Bart: Ora, Nan, são rumores de agentes! Nada disso sairá do departamento! Eu mesmo sequer fiquei sabendo, não há como chegar ao conhecimento dos Beckers… aliás, nem deveria chegar aos ouvidos deles, visto que é apenas um rumor sem provas que só iria nos fazer perder tempo e recursos de investigação…

De repente, Daphne ouviu passos se aproximando dela, e ao olhar para trás, percebeu que sua irmã Daisy vinha em sua direção. Imediatamente, ela se apressou e chegou à mesa antes que Daisy, e assim que as duas garotas se sentaram, o casal Blake interrompeu sua conversa, como sempre faziam para poupar as filhas dos detalhes confidenciais de suas vidas profissionais. Como sempre, o jantar foi demorado e tranquilo. Bart perguntou como havia sido o dia das filhas e da esposa, e depois resumiu seu próprio dia com alguns fatos positivos. Nan mencionou algumas novidades sobre as três filhas mais velhas ausentes, e Daisy ficou mais de meia hora contando detalhes desinteressantes sobre a faculdade de medicina.

Bart: Você não falou muito hoje, Daph, querida. Alguma novidade?

“Estou quase resolvendo um mistério de mais de quarenta anos”, ela pensou. Porém, como uma excelente atriz, teve que interpretar uma identidade que realmente não lhe pertencia.

Daph: Ah, claro, está tudo ótimo na faculdade! Acho que no verão irei a Paris fazer um estágio… e no trabalho está tudo incrível, muitos seguidores novos e muitas propostas de marcas interessantes, acho que estou famosinha… desse jeito, vou precisar contratar outra agente para me ajudar com tanta coisa…

Os três comemoraram as conquistas da caçula Blake, e Daphne logo arrumou uma desculpa profissional para voltar ao seu quarto. Antes de dormir, no momento em que a maioria das luzes de Blake Manor haviam se apagado, ela novamente ligou o computador e pesquisou sobre o caso Molly Becker. Ela descobriu que a garota de apenas 13 anos foi brutalmente assassinada na primavera de 1997, em Riverdale. Em 1999, o tio da menina, Ted Becker, foi injustamente acusado e condenado pelo crime, apenas por ser uma pessoa que tinha problemas com álcool e drogas. Somente em 2010 a defesa conseguiu provar a inocência de Ted e libertá-lo da prisão. Desde então, vários outros homens foram investigados como suspeitos, mas nada foi encontrado. Sem novas provas e sem novos suspeitos, o caso de Molly foi arquivado em 2014, mas a família da menina continuou com investigações particulares sem sucesso até os dias atuais.

“Roy poderia ter feito as coisas serem diferentes para os Beckers”, Daphne pensou, e a foto dos pais de Molly já velhos segurando uma foto antiga da filha partiu seu coração. “Por outro lado, mamãe surtaria se soubessem que Roy faleceu antes de depor”, ela ponderou, temendo pela carreira da própria mãe. Após alguns minutos em conflito moral, Daphne decidiu beneficiar ambos os lados: divulgar a informação do prisioneiro sem prejudicar a mãe. Então, pouco depois das dez da noite, ela acessou sua conta no True Crime Forum usando sua identidade secreta e iniciou um novo tópico com o título: “Caso Molly Becker – 26 anos sem respostas”. No conteúdo da postagem, após citar artigos e informações básicas sobre o crime, ela escreveu: “No fim de 2021, Roy Keener, o maníaco de Redding, disse a um agente que tinha informações sobre o assassino de Molly. De acordo com ele, o culpado era o professor de matemática da garota, que tirou a vida dela e vendeu fotos do cadáver para Roy. Algum usuário de Riverdale saberia informar a possível identidade desse professor?”. Antes de receber qualquer resposta, Daphne apagou todas as evidências de sua atividade virtual, desligou o computador e foi dormir com a sensação de dever cumprido.

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Campus da Universidade de Darrow, Crystal Cove, 5 de janeiro de 2023.

1 am

            Fred acordou de um sono leve e sem sonhos. Um sono desinteressante. Por um momento, sua mente sugeriu prováveis causas para mais uma noite de insônia: stress, plantões noturnos, excesso de matérias na faculdade, preocupações diversas sobre sua carreira, seu futuro, seu estágios, seu futuro casamento. Por fim, ele concluiu que a grande causa da insônia era a sua vida desinteressante. Pais médicos, noiva médica, amigos médicos, e em pouco tempo, ele mesmo seria um médico. Tudo muito perfeito, padrão e… desinteressante. Após meia hora lutando para adormecer novamente, Fred desistiu. Vestiu a camisa que estava caída à beira da cama, pegou uma cerveja na geladeira e ligou o computador. Sem hesitar, ele digitou as coordenadas que traziam um pouco de emoção à sua rotina: True Crime Forum.

            A postagem de cherryred sobre o mistério do pingente da lua já contava com mais de trezentas respostas – 150 respostas novas após a última vez que ele acessou a publicação. As mensagens finais davam detalhes sobre Joel Cox – apontado como o assassino da moça – e divulgavam as redes sociais de Elandra Mahon, uma provável irmã da vítima. Antes que Fred pudesse ler todas as mensagens inéditas, ele notou um novo tópico de cherryred, “Caso Molly Becker – 26 anos sem respostas”, que já tinha mais de cinquenta mensagens. Ele, então, preferiu ler primeiro a postagem mais recente, visto que abordava um caso que ocorreu na cidade vizinha. Uma leitura rápida das mensagens o fez entender que os usuários apontavam o professor James Arthur como um suspeito – o mesmo homem que lhe ensinou matemática no 6º ano da Crystal Cove Middle School. “James parecia ser um bom homem, mas ele tinha o hábito estranho de convidar crianças que gostavam de matemática para irem até a sua casa. Isso em meados de 2013, quando eu fui aluno dele em Crystal Cove. Felizmente, eu sempre odiei cálculos, então não sei dizer o que exatamente eles faziam nesses encontros. Eu espero realmente que Molly não tenha sido uma dessas crianças. De qualquer forma, ele faleceu há muito tempo. Em 2015 ou 2016, se não me engano, mas a casa em que ele morava continua intocada, apodrecendo devido ao tempo e ao abandono. Acho que ele não tinha nenhum herdeiro ou parente próximo.”, ele digitou, intrigado com o mistério.

            Em um período de tempo menor do que alguns goles de cerveja, a mensagem de Fred recebeu respostas. “No site criado pelos pais de Molly diz que ela foi campeã de 2 olimpíadas nacionais de matemática. Creio que ela foi uma dessas crianças”, respondeu um usuário, incluindo uma foto da garota usando duas medalhas de ouro. “Fui aluna dele em Coolsville em 1992 e ele já tinha o costume de convidar alunas para irem a sua casa. Eu nunca aceitei!”, foi a resposta que surgiu em seguida. “Trabalhei com ele em San Rafael em 2002, meus 3 filhos frequentavam a casa dele e aprenderam muito. É uma vergonha que estejam insinuando algo contra um homem tão bom”, outro usuário escreveu. Fred leu as novas perguntas e respostas durante quase uma hora, até que um usuário o indagou: “Poderia divulgar onde exatamente é a antiga casa de James?”. Não, ele não poderia. “Nunca divulgar endereços” era a regra número um dos exploradores urbanos. Mas ele poderia fazer algo bem melhor: Ir até lá para dar uma olhada. E ele sabia quem poderia ajudá-lo com isso.

            “Hey Shags, vamos explorar amanhã? Eu tenho uma ótima sugestão de lugar. Chame a Velma também”, foi a mensagem que Fred enviou a seu amigo dos tempos de colégio, Norville Rogers. Em seguida, ele mandou o link da postagem de cherryred no True Crime Forum.

            Alice May: True Crime Forum? Querido, você já não está bem grandinho para esse tipo de coisa?

            Fred se assustou quando a sua noiva Alice May surgiu de repente e lhe abraçou por cima do pescoço. Devido à aparição repentina, ele não conseguiu esconder a página de internet que estava acessando, mas conseguiu desligar a tela de seu celular para evitar que ela lesse a mensagem que ele havia enviado a Shaggy.

            Fred: Ah, sim, é que… bem… é uma página interessante para… aprender medicina legal… e… também… aprender… métodos interessantes para uma perícia… você deve ter ouvido as notícias recentes, esse fórum tem solucionado muitos crimes que estavam arquivados há anos…

            Alice May: Solucionado? É só um bando de adolescentes desocupados espalhando opiniões pessoais como se fossem verdades, Fred… se fosse algo sério a polícia se envolveria…

Fred: A polícia se envolveu em alguns casos… quer dizer, no fim deles, depois que as pessoas se uniram, compartilharam seus conhecimentos e fizeram todo o trabalho sujo…

Alice May: Claro, isso trouxe um desfecho para alguns casos, mas será que era uma conclusão real? Quem garante que alguém não tenha simplesmente inventado um culpado somente para acabar com a investigação aberta? A própria polícia pode ter feito isso para se livrar da má reputação… ou, talvez, alguém tenha feito isso para enganar os ingênuos e tirar o foco sobre o real assassino…

Fred: Não! Eram informações reais! Informações confidenciais que foram vazadas para o público, e graças a elas as pessoas conseguiram achar respostas… veja esse perfil aqui, chamado “cherryred”, ele já conseguiu solucionar mais de sessenta casos arquivados de desaparecimentos e assassinatos, alguns deles eram até mistérios…

Alice May: Ah, Fred, de novo isso? Como eu disse, deve ser algum nerd da própria polícia querendo um pouco atenção para conseguir dormir com alguma garota… ou uma escritora fracassada, velha e mal-amada fazendo marketing gratuito de seu próximo livro só para ser contratada por alguma editora…

Fred: Não, você não está entendendo, são coisas realmente confidenciais, por exemplo, há algumas horas, cherryred publicou uma foto do pingente daquele “mistério do pingente da lua”… em mais de quarenta anos, nunca ninguém havia publicado isso antes…

Alice May: Fred, e quem garante que é o pingente que foi encontrado com o cadáver? Qualquer pessoa pode tirar foto de um pingente e publicar na internet… você não deveria levar isso a sério se quiser ter uma carreira como legista, em breve essa pessoa virá a público lançar um livro de ficção sobre toda essa baboseira e você vai ficar se sentindo um idiota…

Fred: Tem fotos do laudo do cadáver também! Essa pessoa deve ser da alta patente do FBI para conseguir tantas informações…

Alice riu debochadamente e olhou de maneira séria para ele. Fred sabia bem o que aquela risada significava: era hora de deixar de ser o Fred real, com espírito aventureiro e obsessão por assuntos estranhos, e ser o Fred ideal, sério, focado, padrão e… desinteressante. Entretanto, dessa vez ele não sentiu vontade de contestar o desdém de sua noiva. Pelo contrário, ele achou aquela risada muito oportuna para encerrar definitivamente um tipo de discussão que ele não queria mais ter.

Fred: É, acho que você tem razão… desculpe, amor, eu estou pirando com tanta coisa da faculdade…

Alice May: Ah, querido, não fique assim, você está se preocupando à toa! Você está indo muito bem… e tudo vai melhorar quando começar o estágio, acredite, você não vai ter tempo de pensar em mais nada!

“Mal posso esperar por isso”, ele pensou com desânimo, enquanto suspirava e sorria resilientemente.

Alice May: Agora você precisa descansar. Vamos, é seu aniversário, tenho certeza que meus pais farão algo especial para você durante o dia.

Alice voltou para a cama e convidou o noivo para se juntar a ela. Fred obedientemente desligou o computador e caminhou em direção à cama. Antes de abraçar sua noiva, ele viu a mensagem de Shaggy na tela do celular: “Tipo, claro, cara!”

Campus da Universidade de Darrow, Crystal Cove, 5 de janeiro de 2023.

3:30 am

“Se fodeu”, foi a mensagem que apareceu na tela do computador após Shaggy fazer algo idiota no GTA V. Ele respondeu com palavrões compostos e se levantou da cadeira para pegar algo para comer. Seu cão Scooby-Doo, um dogue-alemão marrom, se levantou e foi atrás de seu dono com esperanças de receber alguma comida também. Após alguns minutos na cozinha, a dupla voltou ao quarto com o estômago cheio, Shaggy se sentou novamente em frente ao computador e o cão subiu na cama, para desespero da outra ocupante que dormia tranquilamente nela: Velma. Irritada, a garota mexeu as pernas com raiva para assustar o cão e fazê-lo descer. Chateado, Scooby fez um barulho de choro e foi se deitar próximo à janela. Mesmo com a cama desocupada, outra coisa irritava Velma e a impedia de dormir: os barulhos do jogo do seu namorado Norville. Ela fez alguns barulhos com a garganta e simulou algumas tosses para fazê-lo perceber que estava incomodando, mas ele sequer percebeu. De repente, mais uma coisa surgiu para irritá-la: o barulho do celular de Norville vibrando e recebendo mensagens de alguém. Foi a gota d´água.

            Velma: Com quem você está falando a essa hora?

            Shaggy: Ah, tipo, o Fred perguntou se a gente quer explorar amanhã…

            Velma: A gente?

            Shaggy: Sim, tipo, ele mandou chamar você também… tipo, pra você pegar uns conteúdos pra você voltar com o seu podcast…

            Velma: Que gracinha da parte dele achar que eu estou interessada… desculpe, mas eu tenho centenas de prioridades na frente de um podcast amador…

            Shaggy: Ah, qual é, Velma, vai ser como nos velhos tempos do ensino médio! A gente precisa ressuscitar a Mistério S/A!

            Velma: Como nos velhos tempos do ensino médio? São quase quatro da manhã, você está com a camisa suja de ketchup jogando um jogo de tiro no computador e a sua prioridade para uma quinta feira é tirar fotos de locais abandonados para postar no seu canal secreto do youtube… você nunca saiu do ensino médio, Norville…

            Shaggy: Que nada! Tipo, eu nem tenho aula amanhã! Por que não se divertir um pouquinho com os velhos amigos?

            Velma: A faculdade de História tem aula todos os dias, Norville, e você se diverte o tempo todo…

            Shaggy: Tipo, mas é aula de Egito Antigo, nem é tão importante, aconteceu há uns 5 mil anos atrás…

            Velma: Na verdade, aconteceu há 3.100 anos…

            Shaggy: Tanto faz, tipo, já aconteceu, por que eu devo me preocupar se ninguém daquela época está vivo?

            Velma: Ponto de vista interessante para um historiador… de qualquer forma, a minha resposta é não. Tenho que estudar para o julgamento de Lepkins na terça-feira, e casas abandonadas não me ajudarão a sustentar a minha argumentação…

            Shaggy: Tipo, mas casas abandonadas têm muita história! Viu? Tipo,é onde um historiador deve estar: onde tem história!

            Velma: E é por isso que você vai sozinho… mande lembranças para o Fred e leve seu cachorro folgado com você…

            Shaggy: Ah, qual é, Vel! Pode ter algo interessante para você também!

            Velma: Tipo um processo de invasão de propriedade e vandalismo? Não, obrigada.

            Shaggy: Não, tipo um caso criminal! O Fred quer explorar a casa abandonada do Sr. Arthur porque ele acha que ele está envolvido no caso da Molly Becker… viu? Você poderia fazer um capítulo sobre isso para o seu podcast abandonado voltar a ser ouvido…

            Velma: O Sr. Arthur? Nosso professor de matemática?

            Shaggy: É, tipo, tão falando no True Crime Forum que ele vendeu fotos da Molly para o assassino de Redding…

            Velma: Ah não, True Crime Forum de novo, Norville? Será que eu vou ter que fazer um chapéu de alumínio para você e para o Fred? Esses maníacos são um desserviço para os tribunais e para a perícia!

            Shaggy: Tipo, mas não são para a comunidade…

            Velma: A comunidade acredita em qualquer coisa que lhe convém!

            Shaggy: Tipo, os tribunais também…

            Velma: Boa tentativa, mas essa indireta não vai me ofender…

            Shaggy: Tipo, então eu vou ser mais direto: VOCÊ ACREDITA NO QUE LHE CONVÉM!

            O tom de voz elevado de Norville era um fenônomo muito raro, por isso Velma sabia que havia cruzado um limite muito perigoso com a sua ironia. Ela suspirou e tentou pensar em algo para se desculpar, mas seu ego insistia em formular frases para continuar aquela discussão. Felizmente, o próprio Shaggy se sentiu desconfortável por ter perdido a paciência com a sua namorada, e logo tratou de consertar o que havia feito.

            Shaggy: Tipo, foi mal por ter gritado, mas o que eu quero dizer é que você era bem mais apaixonada pelo Direito e pela Perícia quando você era uma amadora… tipo, você queria resolver mistérios, caçar psicopatas, ajudar pessoas… agora que você é uma perita formada e uma advogada em formação parece que você…

            Ele não conseguiu continuar. Nem precisou, pois Velma entendeu bem o recado – afinal, ela mesma sentia isso.

            Velma: Olha, querido, eu concordo com você, mas eu só estou sendo racional… tudo isso é perigoso, pode gerar processos graves contra nós e acabar com a nossa reputação… se a polícia me pegar, eu devo dizer adeus à carreira de juíza…

            Shaggy: Sempre foi assim… e nunca ligamos para a nossa reputação…

            Velma: Talvez porque não tínhamos uma?

            Shaggy: E, tipo, éramos muito mais felizes…

            Velma suspirou. Era verdade. E por isso, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, mesmo sem ela ter admitido. Shaggy se alegrou com o sorriso e continuou.

            Shaggy: Tipo, isso é um sim?

            Velma: Isso é um “vou pensar”. Mas só porque o Sr. Arthur era um homem estranho, com visões de mundo eugenistas, que tinha uma biblioteca secreta na casa dele e convidava crianças prodígio para visitá-la, então eu acho que ele é mesmo um grande suspeito… não é nada sobre esses rumores babacas de internet…

            Shaggy: Não é rumor, foi aquele perfil cherryred que postou a revelação agora há pouco, então com certeza é verdade… tipo, esse cara deve ser um agente secreto do FBI…

            Velma: Então é mais um motivo para eu confiar em minhas convicções empíricas. Esse perfil é odiado nas faculdades de direito de todo o país, ele tem acabado com a reputação de muitos juízes e promotores… certamente é apenas um advogado fracassado e entediado com a própria vida que decidiu espalhar boatos para prejudicar o trabalho de quem o prejudicou… o mundo do Direito é cheio de egos inflados e frágeis…

            Shaggy: Tipo, eu percebi…

            Velma: Outra boa tentativa de me ofender, mas não conseguiu…

            Shaggy: Tipo, mas você vai né? Tipo, pensa no seu podcast!

            Velma: Talvez eu vá… mas esquece esse podcast!

            Shaggy: Tipo, pensa no canal da Mistério S/A no youtube! Faz tempo que não postamos nada de novo…

            Velma: Talvez ninguém tenha pedido por algo novo… quem liga para lugares abandonados e decadentes?

            Shaggy: Tipo, então pensa na sua paixão por mistérios… acho que ela precisa de uma nova chance para ser renovada.

            Velma suspirou e olhou fixamente para Shaggy. Ele voltou a sorrir caninamente para ela.

            Shaggy: Agora finalmente é um sim?

            Velma: Agora é um “vou dormir, amanhã eu respondo”. Boa noite, Norville.

           

 


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