Margaery Tyrell: A Rosa Dourada de Highgarden 🌹 escrita por Pedroofthrones


Capítulo 8
Refém




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Quando amanheceu naquele dia, Margaery acordou em uma cama diferente. Não estava em Highgarden, não estava na fortaleza ou no Grande Septo de Baelor. Estava em uma simples e confortável como de palha. A vela ao lado de sua cama estava apagada e quase toda derretida, com o cebo cobrindo um pouco da mesinha, como um mar amarelado congelado. O fogo da pequena lareira já estava apagado, com apenas as cinzas das brasas flutuando como flocos de neve pretos, e a madeira carbonizada e contorcida, sendo tudo que restou do lume que aqueceu Margaery na última noite.

Foi um sonho tão lindo…

Em seu sonho, ela corria pelos campos da Campina, campos cheios de rosas douradas. Suas primas corriam e riam com ela. Seus irmãos também estavam lá, assim como seus pais e avós. Fazia tempo que não tinha um sonho tão bom. Fazia tempo que Margaery não se sentia feliz.

Ela se virou e esticou o braço. Estava sozinha, sua prima Elinor não estava ali com ela e a cama era tão pequena que seu braço tocava na parede em que o móvel era grudado.

Apesar da preguiça matinal, Margaery afastou os cobertores de lã e se espreguiçou. Ela estava no segundo maior quarto da estalagem, ele pertencia a filha do estalajadeiro, ainda assim, era menor do que o quarto dela na fortaleza, parecendo uma saleta onde uma dama de companhia iria dormir.

Ele pertencia a garota que Arya matou, pensou. Era impossível não se lembrar disso. Ainda lhe arrepiava pensar em como Arya matara a garota com extrema facilidade.

Margaery foi até uma bacia cheia e jogou água fria no rosto para tentar despertar e tirar a areia dos olhos. Após molhar-se e secar a face com um trapo que os donos da estalajadeira ousavam chamar de "pano", foi até a penteadeira. O móvel era simples, sem nenhum entalhe para adornar ou espelho polido para que ela pudesse se ver, além de muito pequeno. Apenas a escova que usava para passar nos cabelos estava ali para ser usada, sem mais nada fazendo companhia, quase como se fosse um mero enfeite para dar algum brilho a penteadeira, mas até o objeto era simples demais.

Margaery se indagava como alguém poderia viver assim, com tão pouco. Mesmo a menor saleta de Highgarden era maior do aquele cômodo minúsculo.

Sentou em um banco na frente da penteadeira e passou a escova pelos cabelos. Era um tanto estranho, pois não era seu cabelo de fato; era pertencente a alguma jovem amiga de Sansa, de acordo com a Arya. Uma jovem chamada Jeyne, alguns anos mais nova que Margaery.

Inicialmente, Margaery não conseguia perceber que mudara de corpo, apenas quando Arya pegou seu rubi ela viu que podia mudar de forma. Uma forma feia; de dar nojo e pena.

Quem quer que fosse, não era um rosto bonito de ver: tinha um nariz faltando, um amontoado de cicatrizes nas costas e era um tanto magra demais. Pelo que lhe falaram, até a voz era mais fina e chorosa. Margaery não conseguia imaginar pelo que a dona daquele corpo teria passado para ficar naquele estado. Na verdade, ela preferia não saber. Até disse para Arya que não lhe era necessário contar-lhe sobre a moça, pois queria evitar o máximo de detalhes possíveis.

É o disfarce perfeito, pensou Margaery passando a escova pelo cabelo liso. A garota que lhe emprestara o corpo poderia não ser bela, mas era tudo que Margaery precisava para escapar de qualquer suspeita. Ninguém, nem mesmo a própria família de Margaery, poderia reconhecê-la.

Uma vez, pouco depois de ter escapado, guardas da cidade haviam invadido a casa. Não falavam o porquê da vistoria, mas não era difícil deduzir que estavam atrás da fugitiva de Daenerys e Aegon.

Como Gendry não era procurado, não precisou se esconder. Nem Arya, mas ela mudou de rosto, por precaução; mas, se descobrissem Margaery ali, todos eles seriam presos, e talvez até mortos. Mesmona simples família que cuidava da taverna. Por sorte, Margaery apenas teve que botar o rubi em um pequeno rubi escondido, então nem a reconheceram. Estava bem em frente aos seus inquisidores e eles nem lhe olharam duas vezes.

O rubi que Arya lhe dera era o que fazia aquele truque de mágica; de alguma forma, ao colocá-lo, o lindo rostinho de Margaery se tornava o de alguma pobre miserável qualquer. Ela até tentou questionar sobre como e onde a irmã de Sansa arranjou aquilo, mas ela apenas disse que era apenas um presente da feiticeira vermelha de Stannis Baratheon.

Diferente de Cersei e Daenerys, Stannis parece ter encontrado uma fanática mais útil, pensar naquilo a fez soltar um risinho. Se lembrou dos boatos de que Stannis e sua mulher vermelha pretendiam queimar o Grande Septo de Baelor… Ela poderia ajudá-los com isso, se pudesse. A ideia de queimar aquele lugar onde ela e suas primas foram presas, junto com toda a sua corja de fanáticos, fazia Margaery regozijar de prazer; tal qual Cersei quando queimou a antiga torre da mão com fogo-vivo.  

Mas ela tinha que admitir, era estranho se aliar a Stannis; seu pai fez um cerco que quase o matou de fome no passado e o esmagou na batalha de água negra, e ele havia matado seu falecido e primeiro marido, Renly… Tinha que ser ele, quem mais o faria? Ele estava prestes a ser massacrado pelas forças de Renly; só poderia ter sido ele.

Brienne poderia ter agido em nome seu falecido marido; mas por quê? A jovem donzela poderia apenas o ter matado por não ter seu amor correspondido… Ou a mando do próprio Stannis.

Mas ainda não faria sentido, mesmo que ela tivesse fingido amar Renly, por qual motivo ela não se uniu às forças de Stannis ao invés de fugir com Lady Catelyn? E a matriarca Stark não teria motivos para matar Renly, ele estava disposto a deixar com que Robb fosse rei, diferente de Stannis. Robb e Stannis nem se uniram após tudo isso.

Seu falecido irmão estava convencido de que a donzela guerreira era a culpada, mas quando ele a interrogou, parecia quase certo de sua inocência. E nenhuma lâmina conseguiria passar pelo aço que Renly usava como uma faca corta um simples pedaço de queijo…

Mas, se a mulher vermelha é capaz de fazer uma mera pedra vermelha me fazer mudar de aparência, que dificuldade teria de matar um rei?

Loras amava Renly. Chorou por ele, enquanto Margaery apenas se surpreendeu com sua morte. Não seria errado ela apoiar o homem que o amor da vida de seu irmão? Um rei que matou o próprio irmão e se voltou contra a própria fé?

Não. Não pensaria nisso, não agora. Primeiro ela teria que sair de toda aquela situação, depois tentaria lidar com Stannis e sua feiticeira. Era uma promessa que ela fez ao seu falecido irmão Loras.

Tenho que avisar Stannis e Sansa sobre Aegon, se lembrou. Não tinha provas e muito menos poderia ter algo além das palavras de Arya e Gendry para confirmar o que ouviu Varys e seu colega dizendo. Dificilmente iria mudar algo para aqueles que já apoiavam Aegon; não impediu ninguém de apoiar os Lannister… E Daenerys já estava casada com ele, ninguém tinha dúvidas quanto a identidade dela.

Mas ainda vale a pena tentar. 

Ela deixou a escova de cabelo de lado e se dirigiu à porta, saindo do pequeno quarto.

Por sorte, a família da estalagem era maravilhosamente gentil com Margaery.

— A senhora nos deu a honra de nos visitar uma vez  —  Disse a rechonchuda esposa do estalajadeiro  —  Eu, meu marido e nossa falecida filha protestamos por você na frente do Septo! É claro que nós a recebemos de braço aberto!

—   Vamos cuidar de Milady até seu navio chegar  —   Disse o estalajadeiro, que se chamava Qarl   —  Vossa graça nos deu ouro na vez que veio, elogiou nosso recinto… Ficamos felizes em ajudá-la!

Margaery sorriu e deu algumas palavras em agradecimento, mas não fazia ideia quem eram aquelas pessoas. já tinha visto mil e uma estalagens –a maioria melhor do que aquela em que estava –, e vários homens carecas e mulheres gordas. Como poderia se lembrar daqueles? Eram só mais um rosto na multidão…

Ao sair de seu quarto, encontrou Gendry saindo do seu.

 —   Oh, olá, Mi… Jeyne   —   Disse o jovem.   —  Dormiu bem?

Dormi melhor do que naquela porcaria de cela do Septo, se é o que quer dizer, bastardo, quase disse. Não era difícil imaginar que alguém como Gendry achasse que aquele quarto era uma regalia; um chiqueiro ou um beco deve ter sido onde ele dormiu a maior parte da vida.

 —   Melhor até do que nas minhas antigas camas  —   disse sorrindo. —, se é que entende.

 —   Ah, que maravilha!   —  disse Gendry.   —   Olha, eu vou sair um pouco, quer vir comigo?

A ideia de sair daquele mijo que chamavam de estalagem alegrou um pouco seu coração.

 —   Oh, mas é claro!   —   ela rapidamente passou um braço pelo dele, deixando-o um pouco envergonhado.  —  Adoraria tomar um bom ar fresco.

O garoto ficou vermelho e deu um sorriso bobo quando Margaery alisou seu braço musculoso com sua mão.

 —   Claro, Mil… Minha querida Jeyne.

Pelo visto puxou o gosto das mulheres, tal qual o pai, pensou. 

Isso poderia ser útil, Margaery nunca pensou em manipular ninguém e, se o bastardo fosse igual aos Renly ou a frieza de Stannis, dificilmente teria conseguido… Mas um pobre nascido iria fazer de tudo por uma donzela como Margaery. E, se ela estivesse certa de quem era seu pai, seria muito mais fácil tirar proveito; pelo que sabia, Robert era burro por natureza, e sempre estava seguindo algo que tivesse um buraco entre as pernas.

E bastardos são seres feitos de luxúria, pensou, O próprio irmão bastardo de Sansa deve estar adorando usar a coroa para fazer seus próprios bastardos. 

  —  Espero que possa me ajudar a ficar bem quente  —  disse  —  Oh, está um frio terrível lá fora e eu nunca lidei com isso!

Ela se lembrou que gostava de se divertir assim com os Kettleback… Por sorte nunca foi burra de ir além, ou estaria perdida.

Emtretanto, fosse aquele garoto, filho de Robert ou não, não parecia ter as malícias dos irmãos Kettleblack. Ele apenas sabia ficar mais e mais vermelho. Era claramente bonito, mas não muito esperto.

Mas, para a sua surpresa, Gendry pareceu meio desconfortável e seus não sabiam se olhava ou não para o seu rosto.

  —  O quê foi?

  —  Nada  —  Ele respondeu  —  Vamos?

Descendo a escada de madeira e indo até o andar de baixo, uma voz surgiu no andar de cima.

  —  A onde vão?  —  Era Arya, parada na soleira da porta.

Sempre sorrateira, pensou Margaery, e sempre intrometida.

Ela se perguntou se Sansa realmente enviou a irmã para salvá-la ou apenas se livrar da peste em forma gente da irmã bizarra que tinha.

Eu sempre quis uma irmã, pensou, mas se Arya fosse minha irmã, eu a teria matado ainda no berço. Mas parece que a Senhora Catelyn Stark foi branda demais com a filha… Talvez se tivesse batido nela com uma colher as coisas seriam melhores.

Ou um suave travesseiro enquanto dormia..., pensou, cruelmente. Não era normal para ela ter aqueles pensamentos cruéis, mas ela não conseguia impedir esses pensamentos de invadirem a sua mente nos últimos tempos… E de se divertir um pouco com eles.

Margaery forçou um sorriso.

  —  Oh, Olá…

  —  Vocês não deviam sair  —  interrompeu Arya.  —  As ruas são perigosas.

Você é um perigo, quase disse. Tinha muita vontade de falar para o casal a verdade sobre a morte da filha deles… Mas sentia muita pena deles para falar, pobrezinhos.

E, é claro, não queria correr risco nenhum com Arya.

  —  Vamos dar uma volta  —  disse Gendry, com uma cara séria  —  Voltamos antes do horário de recolher, não se preocupe.

O rosto longo daquela jovem era como uma pedra. Não demonstrava nenhuma emoção. Até seus frios olhos cinzas pareciam vazios.

  —  Eu vou com vocês  —  disse Arya, fechando a porta de seu quarto.

  —  Não precisa, Arya  —  Disse Gendry, irritado. Mas era tarde demais, a pequena Stark estava colada neles.

Gendry bufou e seguiu em frente, descendo os degraus a passos largos. Margaery teve que se apressar para não ficar atrás dele.

Ela nunca perguntou se existia algo entre Gendry e Arya. Os dois pareciam não descolar um do outro em um momento, para logo depois brigarem e se separarem no momento seguinte. Eram inconstantes demais, podendo brigar a qualquer momento. E na noite anterior não foi diferente.

Margaery saía poucas vezes do quarto, mas saiu ontem ao ouvir o barulho de seus dois carcereiros brigando. Dessa vez, Margaery não aguentou, e acabou saindo de seus aposentos para ir ver a briga.

Ela preferiu deixar a vela de sebo ao lado da cama, pois poderiam ver a sua luz, e foi silenciosamente abrir sua porta e espiar o quarto ao lado. 

Quando chegou perto da porta ao lado, tentou ouvir o que os dois diziam.

  —  Por que você é tão teimosa?  —  Ouviu Gendry reclamar.   —  Eu te adoro, vou até os sete infernos por você, e é assim que você me trata?

  —  Eu não sou obrigada a escutar a sua ladainha sobre seu estúpido deus vermelho! Quer ir naquelas estúpidas fogueiras? pode ir! Mas não me infernize para ir junto!

  —  Eu só pedi para você dar uma chance!  —  Gritou Gendry  —  Não precisa ficar puta por isso!

  —  Eu sei muito bem seus motivos, não pense que pode me enganar! Acha que eu não sei?

  —  Eu apenas queria te guiar…

  —  Como guiou minha mãe?  —  Disparou Arya.

Ficou quieto por um tempo.

  —  Não é justo, Arya  —  Disse Gendry, com a voz mais baixa, mas nem por isso calma  —  Você não tem o direito de falar nela depois do que fez…

  —  O que fiz? Eu dei a misericórdia para aquela coisa!

  —  Como pode falar isso dela? Você acha mesmo que eu…

De repente, tudo ficou quieto. Arya deve ter percebido que Margaery estava ouvindo, pois logo depois ela pôde ouvir os passos largos e pesados, e então a porta foi aberta. Era Gendry, nu da cintura para cima, expondo seus músculos definidos e brilhantes pelo suor, seus belos cabelos pretos estavam bagunçados e ele tinha com uma carranca horrível em seu belo rosto. Seus calorosos olhos azul-escuros estavam furiosos, mas não sabia se por ela bisbilhotar ou pela briga com  a Stark.

Apesar de todos os seus defeitos, Arya escolhera um jovem muito bonito para aquecer sua cama, isso Margaery não poderia negar. Alto, forte, de peito estufado, com rosto víril e olhos intensos. Se não soubesse de seu baixo nascimento, e o corpo de Gendry não estivesse sempre sujo e fedendo a fuligem, Margaery poderia muito bem acreditar que ele era um jovem nobre legítimo.

  —  Não é bom para uma Senhora ficar bisbilhotando  —  Disse Gendry, irritado, ao ver Margaery bisbilhotando em sua porta.  —  Isso nunca termina bem, os lordes pomposos não te deram educação?

  —  Eu…  —  Ela não conseguiu pensar em nada. Ela olhou para além dele e viu Arya sentada na cama, observando-a friamente com aqueles frios olhos e sem expressão no rosto… E cobrindo os seios. Mas o que chamava a atenção mesmo eram as enormes cicatrizes em seu corpo  —  embora bem pequena e magra para a idade  —  , mas tinha mais cicatrizes que muitos guerreiros.

Margaery inicialmente pensou que Gendry a machucou, mas logo ficou óbvio que eram cicatrizes e hematomas de um guerreiro, como alguns que seus irmãos Sor Loras e Sor Garlan tinham. Embora eles fossem mais velho que Arya para terem as conquistado... E eram homens, enquanto Arya era uma moça fazendo coisas que não devia.

  —  Deixe-a, Gendry  —  Disse Arya. O bastardo virou um pouco a cabeça para ela e assentiu, antes de voltar a encarar Margaery, com a cara fechada.

  —  Vá dormir  —  Disse Gendry logo antes de fechar a porta do quarto com tudo na cara de Margaery. O estrondo foi tão forte que algumas pessoas em outros quartos acordaram e reclamaram do barulho.

Margaery voltou para o seu quarto de cabeça baixa e envergonhada, ela sabia que não iam falar nada com ela lá.

Ela não sabia do que aqueles dois falavam ontem, afinal, o que teria o Deus vermelho a ver com a Senhora Catelyn? Ela faleceu com seu filho nas gêmeas, durante o chamado “Casamento Vermelho”... Tinha que ser alguma coisa, algo importante. Se ela soubesse o que era, talvez ela pudesse usar para alguma coisa.

Mas não arriscaria, não ali, com Arya seguindo os passos dela e de Gendry.

  —  Geralt!  —  Chamou Gendry  —  Arrume um manto para Jeyne, nós vamos sair! Voltamos antes do toque de recolher.

O filho do estalajadeiro, Geralt, deu um manto feio, velho e usado para Margaery, mas ela o usou mesmo assim, afinal, era óbvio que não regalias naquela espelunca.

Assim que Gendry abriu a porta para Margaery sair, uma onda de vento invadiu o local e apagou algumas velas de sebo e fez Margaery se encolher com o frio.

  —  Acendam as velas  —  Disse Gendry  —  O Grande Outro nunca dorme. 

Do que raios ele está falando?, Margaery se questionou, irritada. Parecia-lhe ser coisa da fé vermelha.

A jovem de Highgarden sorriu ao bastardo e atravessou a porta, com Arya indo logo atrás dela.

  —  Deve estar nevando muito mais em Winterfell, não é mesmo?  —  Brincou Margaery.

A estranha irmã de Sansa a olhou como se fosse estúpida.

  —  Nunca estive em Winterfell  —  Disse Arya, fazendo Margaery corar ao perceber que havia esquecido de fingir que eram simples plebeias.  —  Mas sim, apesar de ser inverno e nevar em todos os Sete Reinos, deve reinar mais no Norte e no Vale.

Gendry salvou Margaery de um embaraço ao sair para fora.

  —  Bom, vejam como sou um homem de sorte!  —  Disse Gendry com um largo sorriso jovial, enquanto esfregava as mãos.  —  Duas lindas garotas me acompanhando! Querem vir comigo ver as Fogueiras?

  —  Fogueiras?  —  Perguntou Margaery, visivelmente confusa  —  Que fogueiras?

  —  As do Senhor da Luz  —  Disse Gendry  —   O Grande R'hllor.

  —  Oh…  —  Ela não esperava por isso.

Gendry se virou para Arya.

  —  Você vêm?  —  Ele perguntou, tentando parecer indiferente, mas Margaery pode ver que ele estava com a voz triste  —  Por favor, Arya…

  —  É Nym  —  Ela respondeu, lembrando do nome falso que ela usava  —  E não. Eu não vou. O cavaleiro e a princesa podem se divertir sem a plebeia.

Ela foi em direção a multidão na rua, sumindo no meio dela. Gendry observou, franzindo o cenho.

  —  O que ela vai fazer?  —  Perguntou Margaery.

Gendry deu de ombros. 

  —  Buscar alguma informação que acha importante  —  Respondeu.  —  E talvez roubar algumas pessoas.

—  Roubar?  —  Margaery ficou chocada  —  Ela… Ela vai roubar pessoas?

Gendry riu, como se tivesse dito alguma piada.

—  Eu e Arya fizemos coisas muito piores para viver, Milady.   —  Disse Gendry, como se não fosse nada demais, ou até motivo de orgulho.   —  Roubar não será, nem de longe, a pior delas.

Ela preferia nem saber o que ele queria dizer com aquilo. Sor Gendry e Arya tinham seus segredos, era melhor que apenas eles os soubessem. E ela nem deveria se chocar, afinal, viu Arya matar uma jovem com um simples gesto.

Margaery passou o braço pelo de Gendry, como fez antes.

  —  Sor Gendry  —  Disse Margaery, lembrando de seu título  —  Lamento não ter falado muito com você e com Ar… Nym, desde que chegamos. Peço perdão.

Ele pareceu ficar feliz ao ouvir seu título, ficando corado e dando um sorriso bobo e sem jeito.

—  Tudo bem, Milady, eu entendo que não é fácil para você. E não precisa usar codinomes, eu mesmo não uso nenhum.

Gendry parecia evitar ela. Devia estar desconfortável com a proximidade. Isso era bom.

—  Desculpe ter espiado você e Arya ontem  —  Disse, enquanto apertava o braço em volta dele. Ele era bem musculoso.

Gendry parou de olhar apenas para frente e olhou para ela.

—  Margaery, Tudo bem. Olha, Arya e eu temos uma relação… Complicada. Para dizer o minímo.

  —  Percebo isso.

  —  Nós passamos por muita coisa juntos… E separados. A vida não foi fácil para nenhum de nós, cada um reagiu de seu jeito. Desde que nós nos reencontramos, é difícil ficar longe. Pelo menos para mim.

Se for tagarelar, fale algo que preste, será que esse bastardo tem a ousadia de tentar me enrolar?

  —  Eu entendo, Sor  —  Respondeu.  —  Foram tempos difíceis para mim também… Perdi meus irmãos e meu pai. E a rainha não é lá a melhor das sogras. 

Aquilo o fez franzir o cenho. Fazer aquilo o parecia deixa-lo mais burro.

  —  Daenerys?   —  Ele perguntou, parecendo estar perdido.

  —  Cersei  —  Ela disse, rindo.

Mas Gendry não riu. Ele fechou a mão em um punho.

  —  Ela matou o pai de Arya  —  Disse.  —  E armou esses fanáticos, adoradores de falsos deuses.

  —  Cuidado com a língua, Gendry  —  Ela disse  —  Falar contra os sete agora é perigoso.

  —  Os sete que se fodam!  —  Ele cuspiu no chão.

Margaery deu um suspiro horrorizado; aquele bastardo estava blasfemando contra toda a sua fé.

  —  Não diga isso!  —  Disse irritada  —  O que diz é um absurdo! Uma blasfemia!

  —  Os sete não tem poder, Milady  —  Ele respondeu, nem se desculpando por ofender a fé dela, dando de ombros  —  Um dia você verá a verdade

  —  Isso é pecado, Gendry. Vai queimar nos sete infernos, por isso.

  —  Os sete nunca fizeram nada por mim  —  Disse Gendry.  —  Nem por Arya, nem por Minha Senhora…

Aquilo chamou a atenção de Margaery.

  —  Sor Gendry, me diga, quem é a sua Senhora? Era juramentado a ela?

Ele percebeu que falou demais e fingiu que não tinha ouvido Margaery por um tempo.

  —  Oh, sim… Eu era um dos vários homens a serviço dela. Mas ela já faleceu, infelizmente. Era uma grande mulher, lutava pela justiça do reino.

  —   Qual era o nome dela?

  —   Isso importa?   —   Perguntou um pouco irritado  —   Ela está morta. Sua luz apagou.

Margaery pode perceber uma certa tristeza por trás de toda aquela raiva. Quem quer fosse aquela mulher, foi muito importante para aquele bastardo.

Alguns guardas da cidade passaram por perto deles e um não deixava de olhar para Margaery com uma careta no rosto, deixando-a nervosa. Mas Gendry fez apenas um aceno para eles e um dos guardas devolveu o gesto e continuou andando. Nem pareceram prestar atenção em Margaery, o único que a viu, fez uma careta e depois virou o rosto, fingindo que não a tinha visto.

Foi então que ela lembrou que estava irreconhecível.

  —   Assustada?  —  Perguntou Gendry quando os homens se afastaram.

  —   Não acha estranho ninguém dar sinal de meu sumiço? Já faz quase uma semana.

Sor Gendry deu de ombros.

  —   Não devem querer que ninguém saiba sobre o sumiço de sua refém principal. Afinal, como explicar que uma jovem donzela escapou das garras de dragões?

Ela assentiu. Pensar que tinha escapado das chamas de três dragões era estranho até para Margaery. Só de pensar naquelas feras horríveis já ficava horrorizada.

As três bestas terríveis de fogo que a usurpadora trouxe ficavam na colina de Rhaenys, no antigo fosso dos dragões. Era possível ter um vislumbre deles, mas para isso era necessário que se afastasse muito da Estalagem, e Margaery nunca faria isso.

  —  Sor Gendry, quem lhe condecorou cavaleiro?  —  perguntou Margaery, curiosa. Podia ser importante.

Ele pareceu ter dúvidas se respondia ou não, mas por fim, respondeu:

  —  Tenho a honra de ter sido declarado cavaleiro pelo grande Beric Dondarrion, da irmandade sem estandartes.

Ela realmente não esperava por aquilo.

  —  Sor Beric? Aquele que lutou contra Gregor, a Montanha? Ele não morreu?

Gendry deu um risinho.

  —  A morte é como um convidado  —  Disse Gendry.  —  Não tem o mesmo valor que antes.

Margaery ficou confusa.

  —  Você foi com ele para as terras do tridente?  —  Ela perguntou, seu sotaque era da baixada das pulgas, então ele não devia ter encontrado Beric no tridente, mas não sabia por qual motivo um plebeu iria com Beric. Talvez, se ela o deixasse se gabando, ele acabasse confiando mais nela.

  —  É uma longa história  —  Respondeu Gendry.  —  Mas não, eu não o conheci em Porto Real. Eu e Arya, e um colega nosso, o encontramos com sua trupe nas Terras Fluviais.

  —  O quê?  —  Ele não parecia falar nada com sentido.

  —  Arya e eu estávamos num grupo que ia direto para a Muralha, liderados por um homem chamado Yoren. Enfim, em resumo fomos pegos por Clegane e seus amigos e escoltados até Harrenhal.

—Harrenhal?  —  Era bem difícil acreditar naquilo, mas Gendry fez que sim com a cabeça e apontou para um lado, Margaery virou a cabeça na direção indicada. Era a Fortaleza Vermelha.

  —  Parece uma mera cabana perto do grande castelo  —  Disse Gendry  —  Só o pátio daquela ruína derretida devia ser pelo menos metade da fortaleza. Winterfell parecia menor ainda.

Pensar no antigo castelo derretido fez Margaery se perguntar se os lordes do tridente estariam o usando como base: era o mais perto de Porto Real, era ótimo estrategicamente. Os usurpadores ainda iriam para a Campina, então eles poderiam ter tempo de se abastecer e tomar o lugar.

  —  Após escaparmos  —  continuou Gendry  —  Eu e meus colegas achamos o grupo de Beric e depois achamos o próprio. Depois de um tempo, ele me consagrou cavaleiro e não tem muito o que falar…

Tem sim, pensou Margaery, é você que tem muito a esconder.

  —  Você lutou batalhas com ele?  —  incitou Margaery, querendo que ele falasse mais  —  Deve ter sido emocionante.

Gendry deu um olhar frio para ela como resposta.

  —  Não há nada divertido na guerra, Milady.  

Aquilo foi como um banho de água fria, deixando-a totalmente corada e sem graça.

  —  Tem razão, Sor, eu apenas pensei…

  —  Não tem que se explicar  —  Interrompeu Gendry  —  Eu sei o que quis dizer.

Ela percebeu que não iria tirar muito dele do jeito que estava, mas não conseguiu pensar em mais nada e então se calou.

Eles continuaram a andar lado a lado calados, por poucos passos até que se aproximaram de uma enorme fogueira e um sacerdote do Deus vermelho de Essos pregava algumas coisas na língua-comum.

Margaery sentiu um arrepio e parou, fazendo com Gendry parasse também.

  —  Por que está me levando para lá?  —  Sussurrou assustada e nervosa. Deu um aperto no braço de Gendry.

  —  Milady, se acalme. É seguro, eu juro. Vamos apenas nos aquecer.

  —  Gendry, ele pode me reconhecer! A magia que me esconde é a mesma do Deus vermelho dele!

O jovem cabelos pretos pareceu ficar um pouco ansioso com a situação e olhava fixamente para a enorme fogueira.

Depois de alguns instantes, ele olhou novamente para Margaery.

  —  Fique tranquila, ninguém vai lhe fazer mal. Eu prometo.

  —  Tem certeza?

  —  É a luz de r´llhor que me guiou e trouxe até você  —  Ele lhe deu um sorriso largo  —  Meu Deus nunca nos entregaria. Ele nos guia. Ilumina nossos caminhos.

Será que ele é só mais um fanático? Westeros está infestado com esses extremistas nojentos.

Ela forçou um sorriso e assentiu. Era melhor não discordar dele.

  —  Como quiser  —  Ela disse  —  , meu bom cavaleiro.

Por algum motivo, quando ela sorriu, o sorriso de Sor Gendry entortou e ele pareceu ficar desconfortável ao olhar para ela. Ele simplesmente virou o rosto para frente e voltou a andar em direção a enorme labareda.

A enorme chama subia para o alto e se contorcia como uma serpente fúria; era como se fosse uma enorme língua querendo lamber o céu. O calor dela alcançou Margaery, assim como o medo alcançou seu coração.

Um sacerdote vermelho estava na frente dela. Ele tinha uma pele clara, cabelos prateados e olhos-púrpuras. Seria idêntico a um Targaryen, se não fossem pelas tatuagens laranjas e vermelhas em seu rosto; revelando sua origem como escravo.

É só mais um fanático, disse à si mesma, mais uma boca faminta de Essos. Um verme de outras terras decadentes. Ele não pode me machucar; eu sou de Westeros, e de uma das maiores casas dos sete reinos.

Mas toda a coragem se esvaiu quando a enorme chama laranja ficou preta como a escuridão e uma fumaça azul era expelida por ela.

Margaery e os outros plebeus em volta soltaram um enorme suspiro. Mas não Gendry. Ele olhava fascinado para a grande chama com seus olhos azuis.

Aquilo a fez lembrar-se de quando Cersei queimou a torre da mão com fogovivo. O seu sorriso venenoso ao ver as labaredas queimando tudo… Mas o que mais lhe assustava era a memória de seus olhos: com um brilho verde tão intenso quanto as chamas; seu olhar febril naquela noite era como o mesmo que Gendry tinha ao olhar a imensa chama negra diante deles.

  —  Consegue ver, Margaery?  —  Ele perguntou sem nem olhar para ela, se esquecendo do nome falso dela  —  Consegue sentir a luz?

Quando Margaery olhou para a luz negra, só viu a escuridão. E então a escuridão tomou estranhas formas e via neve caindo em volta delas. Era como se ela estivesse vendo uma pintura em movimento.

Ela balançou a cabeça e tentou dissipar aquela alucinação. Devia ser algo que o sacerdote havia jogado no fogo. Qualquer pantomineiro poderia fazer o mesmo.

  —  Daenerys é a grande salvadora!  —  Esbravejou o sacerdote  —  É ela quem expulsará o Grande Outro e trará um inverno eterno sobre o mundo inteiro!

Quanta baboseira.

Mas Gendry parecia levar a sério. Seu largo sorriso e olhar fixo eram uma mistura de felicidade e vazio. Não ficaria surpresa se saísse baba pelo canto da boca e ele nem reparasse.

Com o tempo, alguns plebeus foram se aglomerando para ouvir o que o sacerdote vermelho tinha a dizer com seu sotaque carregado. 

Margaery não gostava daquilo. Não gostava de estar tão exposta na frente de um aliado de Daenerys. E, do jeito que Gendry estava, ela não sabia se ele nem sequer perceberia ela sendo sequestrada ou se iria simplesmente entregá-la aos inimigos.

Ela tentou dar uns puxões no braço de Gendry, mas o bastardo era tão lerdo que pareceu nem notar.

  —  Em Winterfell as chamas eram maiores  —  Gendry disse, mas não parecia falar para ela e nem para ninguém em específico  —  Tem mais magia no norte. E mais no que nas de Thoros. É tão lindo…

Ela soltou o braço dela do braço de Gendry com um forte puxão. O jovem nem pareceu perceber. 

Ela começou a se afastar, mas viu o sacerdote erguer as mãos cobertas de um fogo pálido e soltar labaredas em formas de palavras. Eram palavras da língua comum, mas não parou para ler nenhuma delas.

Dando um empurrão ou outro nas pessoas a sua frente, Margaery saiu da turba em poucos passos. Muitos estavam hipnotizados com a apresentação. As chamas acendidas durariam toda a noite e até o dia seguinte, mas os plebeus teriam que voltar para as suas casas em algumas horas, pois os reis teriam declarado um toque de recolher.

Margaery caminhou até um vendedor de carne ambulante vendendo carne.

Quando ele viu ela se aproximando ele pareceu achar que ela era uma assombração; mas logo forçou um sorriso desconfortável.

  —  Oh, olá jovem moça  —  Disse o vendedor  —  , vai querer torta ou espeto de rato?

Margaery ignorou a parte do espeto.

  —  Bom, terei de perguntar a meu companheiro antes, pois não tenho dinheiro agora, senhor. Me diga, que tipos de tortas tem? Limões, talvez?

  —  Infelizmente, não  —  O homem teve que admitir  —  Os tempos atuais não me deixaram nenhum. Tenho carne de rato, cavalo, pombo…

Ela não estava nenhum pouco disposta a comer carne de cavalo e nem de rato… Talvez a de pombos, mas isso lhe lembrava do casamento de Joffrey.

  —  De pombo parece ótimo para mim  —  Ela mentiu  —  Vou pedir para o meu companheiro me dar umas moedas e já voltou.

O homem assentiu e ela rapidamente girou os calcanhares para longe dali.

Margaery havia comprado inúmeras tortas em inúmeras lojas por todo Porto Real. Mas agora? Era uma desconhecida. Não tinha dinheiro, trabalho… Nem podia mais usar seu próprio nome e rosto. Era mais um pária da sociedade.  

  —  Eu tenho certeza que foi a rainha  —  Uma moça fofocava com outra mulher, estavam caminhando na frente de Margaery  —  Ouvi dizer que ela se banha no sangue de donzelas e cultua deuses distantes, é claro que foi ela! Tenho certeza que também matou a pobre rainha Margaery e se banhou no sangue dela!

  —  Oh, ela mataria o pobre garotinho?

Ao ouvir aquilo, Margaery passou a prestar mais atenção.

  —  Pobre garotinho?  —  A mulher cuspiu  —  Era fruto de incesto, tanto quanto o falecido irmão mais velho dele era. Uma pena não ter matado a vadia mãe também. 

Tommen?, ao perceber que se tratava de seu antigo marido, ela parou de dar passos.

Foi então que se lembrou do dia de sua fuga. O grito de Cersei ecoou na fortaleza. Tinha que ser ela.

Ela também chorou quando Joffrey morria em seus braços, lembrou. Ela implorava para alguém ajudá-lo, mas todos já sabiam que era tarde. Haviam dito que Cersei chorou quando chegou na fortaleza após andar nua na rua, mas Margaery nunca testemunhou isso… Apenas na morte de Joffrey. Apenas ela chorou e ficou de luto por ele.

Joffrey era um monstro, isto era um fato; mas Tommen? O pequeno, sorridente e inocente Tommen? Não. Ele nunca fez nada a ninguém. Era muito doce e inocente para isso.

Margaery começou a andar para tentar limpar a mente, mas era impossível conseguir parar seus pensamentos sobre o falecimento do pobre Tommen.

Teria sido realmente Daenerys ou Aegon? Ou então os dois? Mas por quê?

Matar Tommen era um ato muito desumano e cruel; claro, eles tinham que se livrar da concorrência… Mas ainda não fazia sentido matarem um jovem a sangue frio. Era óbvio que isso iria destruir a imagem deles. E por quê depois de tanto tempo?

Ao ouvir gritos maravilhados, Margaery foi em direção aos sons altos e se espremeu para dentro da multidão. Talvez fosse algo divertido para esvaziar a mente.

Era um homem de penteado estranho, em forma de torre. Ele colocou uma tocha na boca e a apagou sem sentir dor, e, logo após, começou a expelir labaredas pela boca, como um dragão. a plateia gritava de alegria e surpresa em resposta à apresentação.

Margaery estava mais aborrecida que a maioria.

Será que eles não sabem fazer nada que não tenha a ver com fogo? O quê é isso, o reinado do Rei Aerys II?

  —  É um belo truque, não?  —  Uma voz jovem chamou atrás dela, com um sotaque da baixada das pulgas.

Quando Margaery se virou, viu uma garota mais jovem que ela. E menor também.

  —  Eu não…  —  Foi então que notou que a garota tinha um riso debochado no rosto  —  Arya?  —  Sussurrou. 

  —  As suas ordens, M’lady  —  Até a forma errada de falar “Milady” ela sabia falar. Ela nem sequer tinha o sotaque nortenho.

Margaery não conseguia ficar à vontade com aquela garota sinistra. Se pudesse, teria fugido dela há muito tempo, mas não tinha para onde correr e sabia que a jovem a acharia.

  —  O que estava fazendo até agora?

  —  O mesmo que aquela pessoa ali  —  Ela indicou uma direção acenando levemente com a cabeça.

Quando ela se virou para ver algo, não parecia ter nada além de mais pessoas distraídas com o homem brincando com fogo. Até que ela percebeu um rápido movimento de mãos e viu que algumas pessoas estavam pegando moedas dos bolsos das pessoas distraídas.

  —  Oh…  —  Ela ficou chocada. Aquela corja de Essos agora estava roubando?

O homem cuspiu mais fogo e fez uma escada de fogo, onde ele subiu correndo. A cada passo que dava, um degrau sumia, até que chegou no topo e o homem e o último degrau sumiram juntos em uma explosão.

As pessoas se uniram em grandes aplausos e sorrisos. Conforme os aplausos iam diminuindo, os sorrisos também: enquanto algumas pessoas apenas voltavam às suas vidas normais, outras percebiam seus bolsos e bolsas totalmente vazios e se desesperavam. Os ladrões já estavam longe.

  Margaery se virou e saiu andando ao lado de Arya.

  —  Não creio que essa corja esteja roubando nobres trabalhadores de Westeros  —  Disse irritada  —  Agora entendo o motivo de usarem correntes.

A jovem deu um risinho.

  —  Só o mago era de Essos  —  Disse Arya  —  Os outros eram jovens da baixada das pulgas.

  —  O quê?  —  Margaery ficou incrédula.

  —  Ladrões existem em todo o mundo conhecido  —  Disse Arya, parecendo se divertir com as reações de Margaery  —  Os tempos são difíceis para todos. Você saberia disso se realmente se importasse com o povo.

  —  Eu me importo!  —  Se defendeu, se sentindo ofendida por aquela aberração  —  Eu comprei vestidos, tortas, e outras coisas em cada loja! Cavalguei por todas as ruas e até dormi em algumas estalagens! O povo me ama, até protestaram em meu nome!

A jovem não parecia impressionada.

  —  O povo amará aquele que eles acham que os ama  —  Disse Arya  —  Você comprou o amor e esperança deles dando comida e dinheiro em tempos de medo, mas quantos você realmente lembra do nome? Você nem se lembra de já ter estado na estalagem que está agora.

  —  Eu…

Arya levantou a mão para calar seus protestos.

  —  Não minta para mim  —  Interrompeu a Jovem  —  Eu reconheço a verdade em você, Milady. Não é o anjo que pensa que é.

  —  Eu fiz o que fiz porque era o meu dever  —  Ao ouvir aquilo, Arya deu um sorriso e passou a olhar para frente  —  Eu não sou uma moça fria… Diferente de você.

Aquilo fez a jovem voltar a olhar para ela.

Parece que peguei em uma ferida aberta, percebeu, divertida.

  —  Tem razão  —  Respondeu Arya.  —  Você não é como eu: é como outras pessoas que já conheci. Você não é melhor do que nenhum desses estúpidos.

Aquilo a irritou.

  —  Eu sou filha de lorde Mace Tyrell, eu…

  —  Ele morreu  —  A jovem a lembrou, de forma fria  —  Tal qual seus irmãos. Agora pare de falar o que não deve para todos ouvirem, ou vou garantir que não precise de colar para ficar sem nariz.

Ela formou um punho em cada mão e segurou qualquer resposta que tivesse pensado.

Tenho que me livrar dela, pensou. Se elas continuassem juntas em Winterfell, teria que dar um jeito de convencer Sansa a se livrar dela.

Sansa vai me escutar, pensou, as duas sempre foram próximas, pelo menos antes do casamento com Tyrion. Ela iria reconquistar a confiança nela. Vou convencê-la a se livrar da irmã e mandá-la para longe, depois pensarei no resto.

  —  É verdade que Tommen está morto?  —  Questionou Margaery.

A jovem assentiu.

  —  Eu e Gendry ficamos ouvindo as fofocas desde o dia que chegamos com você na estalagem  —  Disse Arya  —  Você também teria ouvido algo se não ficasse enfurnada em seu quarto como uma inútil.

Margaery ignorou a desfeita a sua pessoa.

  —  Como aconteceu?

Arya deu de ombros.

  —  Vários relatos: Daenerys, Aegon, Cersei… Até mesmo a esposa, Margaery.

  —  Eu!?

Arya deu um leve tapa no braço de Margaery, fazendo-a se lembrar de controlar a língua.

  —  Desculpe… Por favor, prossiga.

  —  Também mudam as formas como aconteceu… Mas a maioria diz que foi jogado da janela e caiu nos espinhos do fosso.

  —  O que você acha?

  —  Acho que não ligo para o que meus inimigos fazem  —  Respondeu Arya, de forma fria  —  Não é como se eu não fosse alguém que fizesse diferente.

E quem disse que não foi você?, pensou Margaery. Mas manteve a boca fechada, não iria acusar a moça que poderia lhe salvar… E lhe matar com facilidade. 

Gendry logo apareceu andando até elas.

  —  Por que fugiu, Jeyne?  —  Ele perguntou preocupado.

Por qual motivo eu ficaria?

Ela sorriu:

  —  Oh, você não me ouviu? Eu pedi a vossa licença e fui ver uma apresentação linda!

O jovem suspirou. Arya, pelo menos, não quis desmenti-la.

  —  Tem que tomar cuidado, M’lady  —  Advertiu o jovem, como se ela fosse uma criança  —  As ruas são perigosas.

  —  Não diga  —  zombou Arya.

Gendry se virou para a jovem.

  —  E então?  —  Perguntou Gendry  —  Conseguiu alguma coisa?

  —  Falaremos mais na estalagem  —  Disse Arya.    —  Não é seguro falar por aqui... E, pelo que eu tenho ouvido, tem mais casos de doença se espalhando pelas ruas.

Doença?, Margaery ficou curiosa. Será que era alguma doença de Essos? Se sim, esperava que só atingisse os estrangeiros. O melhor seria se livrar deles o quanto antes.

  —  Que doença?   —  Perguntou Margaery.

  —  Isso não tem importância para nós agora   —  Arya respondeu.   —  Vamos.

  —  Se for uma doença grave, é melhor me avisar.   —   insistiu Margaery.   —   Não quero que esconda algo assim de mim.

Arya franzui o cenho, irritada, mas depois forçou um sorriso.

  —  Não é nada com o uqe se preocupar, vossa majestade.   —  Disse Arya, em um tom zombeteiro. Depois ficou séria e se virou para Gendry.   —  Vamos. Agora.

Gendry assentiu e se colocou ao lado de Margaery. Ela não perdeu tempo e passou um braço pelo braço musculoso do jovem.

  —  Desculpe por ter lhe assustado  —  Disse Margaery, com uma voz meiga e triste  —  Me perdoe, Sor.  —  Ela aproximou o rosto e esperou que ele se comovesse. 

Mas o garoto ficou absolutamente desconfortável e afastou um pouco o rosto.

  —  Não… Não tem motivos para se desculpar…

Arya não segurou a gargalhada e começou a rir com a cena.

Margaery ficou confusa e envergonhada com a situação e abaixou a cabeça em silêncio, continuando a andar.

Uma mulher com tecido de seda vermelha totalmente transparente andava na neve como se não tivesse nenhum frio. Seu corpo era pálido e tinha tatuagens escarlates. Gendry sorriu ao vê-la.

  —  Ela também é uma sacerdotisa?  —  Perguntou Margaery, totalmente chocada com a mulher usando um vestido que revelava todas as suas intimidades. Se perguntou se a sacerdotisa de Stannis se vestia do mesmo jeito.

  —  É uma prostituta de R´llhor  —  Explicou Arya  —  A fé vermelha não é tão recatada quanto a dos sete.

  —  A fé dos Sete deveria fazer o mesmo  —  Disse Gendry, apontando para os seios da meretriz  —  Que delícia. Eu teria me convertido muito mais cedo.

  —  Se você gosta tanto  —  Disse Arya  —  Vá até ela, Sor. Se divirta e faça um novo bastardo.

Ele virou o rosto com raiva para Arya.

  —  Talvez eu devesse  —  Disse Gendry  —  Ela não está morta por dentro e nem é fria como um cadáver. É quente.

  —  E vai elogiar você em troca de algumas moedas  —  Rebateu Arya  —  Embora você talvez prefira ouvir ela falar com as chamas ao invés disso? 

Gendry pareceu ter uma resposta na ponta da língua, mas preferiu se calar. Mas era óbvia a raiva em seus olhos. Ele largou o braço de Margaery. 

Ela não age como um lady, pensou, parece mais um cachorro agressivo.

O restante do caminho foi seguido em total silêncio entre os três.

Quando chegaram na estalagem, Margaery retirou o manto cheio de neve e entregou para o filho do estalajadeiro. 

  —  Obrigada.  —  Ela agradeceu, fazendo o jovem ficar corado.

  —  Jeyne?  —  Chamou Arya, agora com o longo rosto verdadeiro.

O que foi agora?

  —  Sim?

  —  Uma pequena dica  —  A jovem sorriu  —  , pois você é nova nisso: Eu sei que você se acha superior a mim…

Ela levantou uma mão assim que Margaery tentou falar.

  —  Eu sei que sim, não negue e não me interrompa.

Margaery abaixou a cabeça.

  —  Desculpe… Prossiga.

  —  Eu sei que você se acha superior  —  Continuou Arya  —  ; mas tente se lembrar qual rosto você está usando quando estiver tentando seduzir alguém. Às vezes ele não é tão bonito, querida Jeyne.

  —  O quê…?  —  Ela inicialmente não entendeu o que a garota irritante quis dizer, até que se lembrou de quem era Jeyne e de como ela se parecia.

Um rubor subiu até sua face e teve certeza de que devia estar vermelha como um romã.

Margaery virou seu rosto e olhou para Gendry; o jovem bastardo virou a cara e fingiu não ter ouvido nada e subiu as escadas.

Deuses, que vergonha… Me rebaixei a encantar um bastardo, e pior, com um rosto qualquer e  feio…Nada é kais triste e humilhante do que uma mulher feia!

Arya jogou uma pequena e gorda bolsa no ar e o dono careca da estalagem a pegou. Ele sorriu e a balançou. Devia estar cheia de moedas.

  —  Vamos subir  —  Disse Arya, passando rapidamente por Margaery e subindo as escadas com passos rápidos e silenciosos.

Demônio silencioso.

Margaery subiu rapidamente os degraus e entrou no quarto de Gendry e Arya. O jovem de cabelo preto fechou e trancou a porta do quarto.

  —  O navio está nos esperando  —  Disse Arya, fazendo um movimento com a mão que fez seu rosto original voltar.

  —  Como você sabe?  —  Questionou Margaery, eles estavam longe demais da Fortaleza para a jovem ir e vir tão rápido.

Arya deu um sorriso.

  —  Tenho um contato  —  Brincou em resposta.

  —  Tem certeza que ele ainda está nos esperando?  —  Perguntou Gendry  —  Já passou um tempo e a segurança deve estar mais forte com a morte de Tommen e o sumiço de Margaery.

  —  Vamos ter que torcer para isso  —  Disse Arya  —  Ele conseguiu passar despercebido pelos grandes navios, mas não vai ficar assim para sempre. Temos que ir hoje. Agora.

Gendry assentiu.

  —  Certo, quanto antes irmos, melhor. Até porque não quero trazer problemas para Qarl e sua família.

  —  Então por que anda com a assassina da filha deles?  —  Desafiou Margaery. Nem sabia de onde veio aquele impulso… Talvez só estivesse farta de tudo.

Gendry e Arya olharam para Margaery. 

  —  É isso mesmo, não é?  —  Perguntou Gendry se virando para Arya  —  Você fez mesmo, não fez, Arya?

A garota não pareceu se incomodar.

  —  Eu a coloquei na cama de Margaery  —  Se defendeu  —  Você sabia que eu a tinha matado!

Gendry soltou um suspiro.

  —  Sim  —  Ele admitiu  —  Sim, eu sabia, mas preferia não falar sobre. Por quê, Arya? Por qual motivo você é assim?

A garota pareceu irritada.

  —  Não venha com essa lamúria para cima de mim! Por qual motivo não fala para a sua donzela estúpida quantas pessoas você enforcou?

  —  Era diferente  —  Gendry se defendeu  —  , Matamos quem importava.

  —  E os que estavam com eles…  —  Respondeu Arya.

Gendry chutou o banquinho ao lado dele com tamanha força e ódio que o objeto foi arremessado até o outro lado do quarto. O estrondo deve ter sido ouvido até pelas pessoas que estavam lá embaixo. Margaery se encolheu de medo com o susto, mesmo que Gendry nem estivesse se importando com ela.

  —  Você é uma desgraçada, Stark!  —  Berrou Gendry, com uma fúria que ela nunca tinha visto em ninguém  —  Um puta, desgraçada que só sabe fuder com a vida alheia!

Apesar do rosto de pedra, Arya deu um tapa em cheio no rosto vermelho de Gendry, mas ele claramente não sentiu nada.

  —  Só isso?  —  Gendry riu.  —  Depois de tanto tempo ainda só consegue me dar tapinhas?

Arya estava impassível. Apenas olhando para o jovem que tinha o dobro do seu tamanho e o triplo de sua força.

  —  Vai ficar apenas olhando?  —  Desafiou Gendry, dando passos para frente e ficando a centímetros de Arya e curvando a cabeça um pouco para baixo, podendo beijar a face dela com tanta facilidade quanto poderia dar uma cabeçada.

Ou ela poderia dar uma facada nele, pensou Margaery. Ela deu alguns passos para trás, ao imaginar o banho de sangue que estava por vir, se aproximando da porta.

Ela esticou o braço e sua mão tateou a porta atrás de si, torcendo para seus dois algozes ficarem distraídos e não perceberem nada.

Quando tentou abrir e falhou, lembrou-se que Gendry a havia trancado com a chave.

  —  Vamos, cara de cavalo, faça o que sempre faz! estrague tudo!  —  Berrou Gendry, ficando escarlate  —  Nada agora?

Que eles se matem, pensou Margaery… O problema era que sem eles ela estaria presa em Porto Real. Isso se a briga não a matasse.

Quando Arya levantou as mãos em direção ao rosto de Gendry. Margaery, que deu um suspiro horrorizado quando viu o movimento, tinha certeza que ele seria morto e ela iria enfiar uma lâmina no pescoço dele. 

Mas a jovem colocou o rosto dele entre as suas mãos e o puxou para perto de seu rosto, beijando-o.

Gendry inicialmente parecia tão chocado quanto Margaery com aquilo, até que tomou a jovem em seus braços e a abraçou com força contra si, quase levantando-a do chão. Era quase como se ele estivesse faminto de paixão, enquanto Arya era mais fria. Era quase como se Gendry estivesse beijando uma estátua de mármore. 

Margaery só podia ficar olhando aqueles dois se beijando de forma estranha. 

Eu deveria ter permanecido na Fortaleza, pensou Margaery, observando Gendry apertar Arya com seus braços musculosos enquanto ela se colocava nas pontas dos pés para alcançar o rosto dele.

Arya interrompeu o beijo, empurrando o colega a sua frente, deixando Gendry um tanto confuso e irritado.

  —  Vamos  —  Disse Arya  —  , Não podemos perder tempo. Agora.

Gendry assentiu.

  —  Espere  —  Disse Margaery, fazendo os dois se lembrarem dela e a observarem.

  —  O quê você quer, agora?  —  Perguntou Arya, irritada.

  —  Só pegar algo que deixei escondido no meu quarto  —  Respondeu Margaery, sem graça  —  Por favor, é importante para mim.

Pela primeira vez, pode ver um resquício de simpatia nos olhos da jovem Stark.

  —  Vá. Seja rápida.

Margaery assentiu e, assim que Gendry destrancou a porta, ela foi correndo até o seu aposento.

Ela abriu uma pequena gaveta em sua penteadeira e lá estava: o anel que a sua mãe lhe enviou quando ainda estava presa na fortaleza. 

O anel era de ouro dourado e fino, com uma rosa dourada de ouro mole e um botão esmeralda como enfeite.

O anel se encaixava perfeitamente nos finos e pálidos dedos de Margaery. Ela o colocou no anelar e depois levou a mão aos lábios, dando um beijo na rosa do anel.

Se eu morrer, quero pelo menos estar usando algo da minha família. 

Ela colocou uma simples roupa de lã, luvas com de pele cheias de gordura, e um manto manchado. Botou botas especiais que Arya lhe deu, perfeitas para quebrar o gelo. Colocou o cabelo em uma coifa simples. Era hora de fugir de novo, mas quem disse que seria a última? E, caso fosse a última, ela sairia viva disso tudo? 

Vamos, Margaerydisse a si mesmaVocê já devia estar acostumada a essa altura.

Ela desceu as escadas e a mulher da estalagem a levou até os fundos do local, onde encontrou Arya e Gendry.

  —  Espero que volte um dia!  —  disse o estalajadeiro para Gendry  —  Olhe só, como cresceu! Se um dia voltar, e espero que volte, quero que saiba que sempre terá um lugar para você aqui. Uma pena a sua mãe não poder vê-lo…

  —  Talvez seja melhor assim  —  Disse Gendry, tristemente  —  Mas se possível, voltarei um dia. Para retribuir tudo que me fizeram.

Qarl fez um movimento com o braço no ar, indicando que não havia necessidade.

  —  Besteira, volte quando quiser e teremos uma cama e cerveja grátis.  —  Ele aproximou a cabeça para a orelha de Gendry  —  Espero que volte casado, tem uma moça muito especial com você.

Gendry deu um risinho e assentiu corado enquanto o homem dava tapinhas no ombro dele. Arya observava, um pouco distante.

Será que ela sente pelo menos um pouco de remorso pelo que fez?

Qarl, o careca, se virou para Margaery.

  —  Uma vez, você e seus companheiros vieram aqui uma vez  —  Ele disse com um sorriso triste.  —  Somos uma estalagem simples, nunca nenhum rei ou lorde dormiu aqui, mas você veio, comeu, nos pagou e elogiou. Até elogiou a beleza da minha amada filha. Você se importou conosco, quando ninguém mais olharia duas vezes.  —  Ele deu uma fungada, tentando segurar as lágrimas  —  Obrigado, a senhora não sabe o que isso significou para nós.

Eu nem me lembro do nome da sua filha…, Nem sequer lembrava-se de já ter colocado os pés nessa espelunca.

Aquilo a fez se lembrar do que Arya havia dito mais cedo, sobre ela não se importar de verdade. Uma vergonha tomou conta dela e ela apenas acenou com a cabeça e depois a abaixou e cobriu com capuz. Mas isso não fez a vergonha ir embora.

  —  Vamos  —  Disse Arya  —  Já demoramos demais.

Gendry assentiu e foi até ela. Margaery deu um passo, mas a mulher do estalajadeiro a tocou no braço, a fazendo se virar.

  —  Quando minha filha lhe viu, ficou maravilhada  —  disse a moça, a qual havia esquecido o nome  —  Ele ficou maravilhada quando você e seu irmão elogiaram o rostinho dela  —  A mulher não segurava as lágrimas  —  Oh, minha pobre filha…

Margaery se sentiu desconfortável ao ouvir tudo aquilo e ver o rosto da mulher chorando. A moça limpou o catarro que escorria com as costas da mão.

  —  Rezarei por você, M’lady  —  ela prometeu  —  Pobrezinha, sem pai e irmãos… Oh, e sem suas amadas colegas. Seja forte, filha. Os deuses vão lhe guiar para um belo castelo e lhe darão paz; vá e faça um final feliz em sua canção.

Ouvir aquelas palavras, de uma mulher estranha e desconhecida, a qual Margaery nunca fez nada além de lhe dar o ar de sua presença, tocou de forma dolorida seu coração. Lágrimas saltaram de seus olhos sem permissão.

Eu nunca fiz nada por eles de verdade, pensou, mas eles estavam dispostos a morrer para tentar me salvar; nem sequer me pedem nada em troca. Não sou capaz nem de falar a verdade sobre a filha deles.

Com o lábio tremendo, Margaery apenas assentiu e piscou para expulsar as lágrimas.

  —  Vamos  —  Disse Arya, irritada, puxando Margaery pelo outro braço.

O que aconteceu a seguir foi uma enorme corrida: Arya a puxava por um braço, enquanto corria, obrigando Margaery a correr junto. Gendry ia ao lado da pequena Stark. Neve rodopiava em todos os cantos, atrapalhando a visão de Margaery. Não que sem neve ajudasse muito, pois estava terrivelmente escuro; mas não parecia atrapalhar Arya, que deviam de qualquer problemas.

Eles andavam pelas ruas e logo depois entravam em algum beco ou viela, pulavam em uma barraca, ou em uma carroça cheia. Quando Margaery deu por si, estavam em cima de telhas de algumas casas; as botas que Arya lhe deu eram especializadas para andar na neve ou no gelo, mas quase sempre Margaery quase caía em algum gelo fino ou neve acumulada. Seu coração batia forte em seu peito e ela mal conseguia respirar; teve que fechar os olhos para impedir que o medo tomasse conta de si, mas já estava apavorada.

Seu capuz caiu com a corrida e sua coifa voou para longe, liberando seu cabelo ao vento.

Quando finalmente pararam, Margaery puxou o braço ao qual Arya segurava e se soltou. Sua respiração estava ofegante, tudo a sua volta girava enquanto sua cabeça balançava, logo suas pernas não aguentaram e ela caiu de joelho.

  —  Levanta!  —  Gritou Arya  —  Não temos muito tempo!

Mas Margaery ainda estava ofegante e tonta. Tudo estava girando em volta dela, as palavras de Arya quase não faziam sentido. A cada rápida e potente batida de seu coração, seu corpo todo tremia junto. Parecia que seu peito ia explodir.

A batalha em seu estômago teve um fim abrupto quando uma serpente pareceu sair de seu estômago e subir pela garganta. Ela não havia comido muito, e o pouco que tinha comido, agora estava sendo expelido para fora.

Gendry a levantou por um braço e a manteve estável quando ela se levantou tonta.

Eles andaram longamente no escuro, as casas velhas e caídas ficaram para trás, e, com o tempo, ela pode ouvir o som da maré. O mesmo som que ouviu quando foi resgatada –ou sequestrada– por Arya e Gendry. Ela podia ver as enormes muralhas do castelo se elevando no alto do penhasco,estavam a alguns metros de distância, iluminadas por algumas luzes da fortaleza.

Minhas primas ainda estão lá, pensou, mas sabia que era inútil tentar fazer qualquer coisa para tirá-las de lá; Gendry e Arya a impediriam e, mesmo que não o fizessem, ela só conseguiria ser capturada novamente… Ou pior, seria morta.

Mãe e Donzela do céu, me dêem forças e protejam minhas amadas primas.

Um jovem num pequeno esquife esperava por eles.

  —  Finalmente  —  Disse o misterioso rapaz  —  Tive que me afastar quando vi alguns guardas e acabei de voltar, estava com medo que vocês fossem outros guardas. Como sabiam que estava aqui?

  —  Um gato me contou  —  Disse Arya, sem paciência, enquanto entrava no esquife.

  —  Onde estão as outras ladies?  —  Questionou o jovem.

  —  Serve essa?  —  Disse Gendry irritado, apontando para Margaery  —  Foi o que conseguimos.

Gendry entrou logo depois e ajudou Margaery, que se sentou, cansada.

O rapaz pegou os remos e Gendry ajudou pegando um terceiro extra, ambos se sentaram e começaram a remar. A correnteza da maré fazia o pequeno esquife tremer e um pouco de gelo se desprendia do pequeno objeto em movimento. Margaery se cobria com o manto e capuz enquanto tremia, embora não soubesse dizer se era pelo frio, medo ou os dois.

Conforme eles se afastaram da costa, as luzes da fortaleza diminuíram e sumiram, até finalmente desaparecer na escuridão.

Aqui foi a batalha de água negra, pensou, o local estava cheio de pedaços de navios carbonizados e, agora, congelados. Não era atoa que o esquife conseguiu passar entre os grandes navios; os dracares de Daenerys não conseguiriam se manter em grande número com tantos destroços no caminho.

Em meio a água, enormes dracares surgiram na escuridão. Margaery sufocou um suspiro assustada com a boca. Eram todos navios inimigos, trazidos de diversas partes de Essos e algumas de Westeros.

Calmamente, o pequeno esquife passava silenciosamente por entre eles, graças à neve forte e a maré escura, nem aqueles com tochas deviam conseguir enxergá-los. Nem sequer teriam porquê suspeitar; para eles, Margaery já havia fugido há muito tempo. 

Finalmente, depois de muito tempo, acharam uma pequena coca em um canto do mar vazio, um tanto separada dos dracares e perto de um navio antigo queimado.

Gendry e o jovem misterioso largaram o remos e se levantaram, dando sinal para Margaery e Arya fazerem o mesmo. O jovem encapuzado fez um aceno com a cabeça para Margaery se aproximar do casco.

  —  Vamos, Milady  —  Disse o rapaz.

“Milady”, ela percebeu que deveria ser alguém nobre, para falar corretamente a palavra.

Fazendo o que lhe era pedido, Margaery andou com cuidado até a beira do esquife e tateou o casco da Coca, sentindo as cordas nele.

Gentilmente, o jovem a ajudou a subir e ela agarrou firmemente as cordas e fez força para subir e superar o cansaço e medo.

Dois homens a ajudaram a subir o convés enquanto ela tremia.

  —  Ainda bem que ela não caiu  —  Ouviu Arya reclamar lá embaixo.

Margaery ignorou a tontura e o comentário sarcástico de Arya e tentou se recompor e agradecer o homem que a ajudou.

  —  Obrigada…  —  Começou Margaery, ainda segurando o braço de um dos homens que a ajudou, mas não sabia o nome do jovem.

O rapaz sorriu ao ver a confusão em seu rosto.

  —  Tenho a honra de ser sor Albar Royce  —  Respondeu e depois acenou para o seu colega  —  Aquele é Sor Lothor Brune.

  —  Royce?  —  Royce era uma importante e antiga casa do Vale.

Sansa está casada com o Rei do Vale, se lembrou. Era verdade, Sansa estava por trás de seu resgate.

  —  Você é Lady Margaery?  —  Questionou Sor Albar  —  Me disseram que você estaria… diferente. Parece-me com uma jovem que vi em Winterfell, Lady Jane.

  —  Oh, sim…  —  Confirmou Margaery, com a tontura passando  —  Obrigada por me ajudar, Sor.

  —  A honra é minha  —  Ele respondeu  —  A Rainha Sansa ordenou que eu a protegesse.

Mas Sansa é a consorte, pensou, Harrold é o ReiPercebeu que ninguém havia dito sequer o nome de Sor Harrold desde que fora resgatada.

  —  Eu a ajudo…  —  A voz do jovem encapuzado ressoou na maré escura.

  —  Não precisa  —  Interrompeu Gendry  —  , eu a ajudo.

  —  Shiiii…  —  interrompeu Arya  —  Eu não preciso de ajuda, seus estúpidos.

Arya escalou a escada de cordas rápida como um macaco. Gendry subiu logo depois, carrancudo, seguido pelo jovem desconhecido.

O jovem tirou o capuz e revelou os cabelos loiros bem claros e olhos azuis tão escuros que quase pareciam púrpuras. A luz dos archotes revelaram que seu manto encapuzado era lilás. Era claramente mais novo que Gendry, tinha uma idade mais próxima à de Arya.

  —  Oh…  —  Margaery suspirou ao ver a beleza do Jovem rapaz. Era como se ele também fosse um valiriano.

O jovem se ajoelhou.

  —  Tenho a honra de ser Edric Dayne  —  Disse o jovem  —  Mas pode me chamar de Ned, se lhe aprouver.

O que for preciso para sair dessa capital.

  —  É claro, sor  —  respondeu Margaery, graciosamente.

O jovem ficou corado.

  —  Eu… Não sou cavaleiro  —  Explicou  —  Lorde Beric não me consagrou cavaleiro, embora eu fosse seu escudeiro.

Gendry deu um risinho, o que fez Arya dar um soco no ombro dele.

  —  Toda essa conversa pode esperar  —  Disse Arya  —  Temos que sair daqui o quanto antes e ir para o Vale.

Albar acenou, concordando, mas Margaery não gostou do que ouviu.

  —  Vale?  —  indagou Margaery  —  Achei que iríamos para o Norte. Para Winterfell..

Todos olharam para ela, calados; Arya, como era de costume, a olhou irritada sem paciência.

  —  Não seja estúpida  —  Disse a jovem e irritante Stark  —  Não vamos para Winterfell. Sansa quer você segura no Vale.

Aquilo a pegou de surpresa; tinha certeza que iria para Winterfell, na corte de Sansa. O norte era longe e, por mais que não aguentasse o fogo de dragões, parecia mais seguro contra um cerco do que o Ninho da Águia. Fora o fato de que ela poderia ter chances melhores de apoiar a Campina conversando diretamente com Sansa, e evitar alguma represália de Stannis contra sua casa.

Não, não, não, não…

  —  Tenho que ir para Winterfell!  —  Gritou irritada.

Arya deu um tapa em Margaery; não chegou a doer tanto quanto chocou. Nunca haviam levantado a mão contra ela.

  —  Faziam isso comigo quando eu saía do personagem  —  Disse Arya, quando Margaery a olhou chocada  —  Você é Jane, a garota quieta que vai para o Vale conosco.

Margaery apenas a olhou, enquanto sentia uma dor onde seu lábio inferior havia sido aberto, levando um dedo para tocar a ferida. Não sabia o que fazer, nunca esteve naquela situação antes: cansada, sem apoiadores, sem guardas ou os irmãos para defendê-la. Nem suas palavras tinham poderes ali; contra aquela estranha moça.

Albar andou até ela.

  —  Vou mostrar a sua cabine, Milady  —  ele disse calmamente, tocando seu ombro gentilmente, mas ela nem o olhou.

  —  Minha nossa, Arya  —  Disse Gendry  —  Precisava mesmo de tudo isso?

  —  Não tenho tempo e nem paciência para os delírios dessa estúpida.

Margaery se virou e deixou ser guiada, como uma criança.

Até que a raiva tomou conta dela e ela se virou e, se não tivesse sido segurada por Sor Albar, ela teria partido para cima de Arya.

  —  Vadia!  —  Gritou Margaery, com o pulso sendo segurado por Sor Albar  —  Demônio do mal, eu juro que você irá pagar por se atrever a botar a mão em mim! Quando eu me reunir com meus irmãos eles vão cortar a sua cabeça e me dar como prêmio!

  —  Vamos ver  —  Disse Arya, vendo Margaery ser quase arrastada por Sor Lothor e Sor Albar para longe  —  , embora ache que você terá que procurar alguns nos sete infernos, pelo visto…

Margaery se virou e meio caminhou e meio foi arrastada até a sua cabine, com ódio em seus passos e em sua respiração.

Sor Lothor abriu a porta e Margaery entrou correndo, irritada.

  —  Ficará aí até se acalmar, Milady  —  Disse Sor Albar  —  Bom descanso.

Quando ele fechou a porta, Margaery pôde ouvir o som da chave se mexendo na tranca. Ela estava trancada no quarto.

Olhando em volta, Margaery percebeu que estava em um cubículo muito menor que os anteriores; nem sequer poderia caminhar nela. Havia apenas uma velha cama de palha, com um grosso cobertor. Uma vela iluminava o quarto sem janelas. Até o teto era baixo.

Minha cela no septo de Baelor era maior.

Derrotada e cansada, Margaery tirou a roupa suja e se enfiou na cama, ignorando a dor no lábio inchado e rachado. Ela se cobriu o máximo que podia, mas não importava o que fizesse, o frio e a dor nunca pareciam deixar seu corpo.

Quando se lembrou das palavras insensíveis de Arya, ela se lembrou do anel que ainda estava em sua mão e o levou até os dedos, beijando a rosa nele, enquanto lágrimas caiam em seu rosto.

 


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