Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 5
Capítulo 4 – Perdão




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Os olhos de Eduarda abriram-se lentamente. Ela avistou o teto branco do seu quarto e uma lâmpada apagada; era de manhã, a luz do sol entrava pelas frestas da cortina. Eduarda moveu-se lentamente para se sentar, sua cabeça doía e qualquer movimento parecia aumentar ainda mais aquela dor. As suas memórias estavam confusas, sentia-se perdida no próprio mundo. Tateou a escrivaninha para pegar os seus óculos e colocou-os sobre os olhos, enxergar ao menos um palmo à sua frente era bom para não derrubar nada. Sentia-se enjoada, triste, errada.

A garota pegou o celular e pensou em visualizar as mensagens não lidas, mas sentiu um aperto no peito que a fez querer chorar. Sua mente agora vagava pela noite anterior, quando sentiu a influência do Boca-de-Ouro dentro de si. Lembrou-se de empurrar Natanael com uma força sobrenatural, atacar Raul e Thaís com seus poderes e arremessar Carlos no rio Capibaribe.

As lágrimas que estavam sendo guardadas em seu íntimo escorreram pelas bochechas. Ela encarou um porta-retratos em cima da escrivaninha, pegando-o. Olhou bem nos olhos da sua versão com 8 anos de idade, erguida com orgulho nos braços do pai e sendo mimada pela mãe sorridente. Sentia falta da sua família e, acima de tudo, sentia que havia falhado com eles. Como pode realizar tantos atos cruéis em uma única noite? Ela era fraca de um jeito que nunca imaginou ser. Antes era apenas a desajeitada no grupo, agora era a culpada de ferir os próprios amigos.

Alguém bateu à porta do quarto e Eduarda recolocou o porta-retratos rapidamente na cômoda, escondendo-se por debaixo das cobertas para enxugar as lágrimas.

— Bom dia, Duda! — A voz de Carlos ecoou como facadas. — Trouxe um café-da-manhã especial para você. Sabe, o Natanael quem preparou a crepioca, então pode comer sem ter medo de passar mal. Eu só fiz o achocolatado.

Eduarda permaneceu em silêncio. Não sabia como encarar Carlos. Por que logo ele resolveu trazer a sua comida? Ela queria que tudo fosse um sonho para sumir assim que abrisse os olhos mais uma vez. A garota percebeu que Carlos se sentou na ponta da cama.

— Ei, eu estou bem – ele falou, como se lesse seus pensamentos. — Duda, você está aí ou será que fez um boneco com roupas e fugiu pela janela?

Ela esboçou um sorriso e resolveu se revelar, dando de cara com uma bandeja com um prato de crepioca, um copo de achocolatado e um segundo prato com pedaços de mamão, melancia e banana, além de vários biscoitos amanteigados e um pote de pasta de amendoim. 

— Está parecendo meu aniversário — ela comentou, tentando enxugar as lágrimas. Se Carlos reparou nos seus olhos inchados, não disse nada.

— No seu aniversário, vou entrar no quarto com um bolo de 3 andares cantando parabéns e filmando para colocar no Instagram.

— Obrigada.

A garota acomodou-se na cama, bebendo um pouco do achocolatado e dando uma mordida na crepioca. Ela tentava não encarar o rosto de Carlos, ainda envergonhada pelo que acontecera, mas uma lágrima a denunciou.

— Duda, se tu quiser ficar sozinha, é só dizer “sai daí, pirraia”. – Ele imitou a voz de uma criança no final. Depois, respirou fundo. — Eu vou te dar um tempo...

— Você não me odeia?

— Hã?

— Vo-você não está bravo comigo? Eu sou uma pessoa fraca que só fez prejudicar a missão. Você poderia ter morrido por minha causa! E-eu... — Ela desabou a chorar novamente. Carlos segurou a mão da amiga.

— Ei, Duda, tu não fez nada de errado. Qualquer um possuído pelo Boca-de-Ouro agiria daquele jeito. Olha bem para mim, eu estou sem nenhuma sequela. Claro, talvez eu acorde amanhã gripado e com o nariz escorrendo por causa do banho no Capibaribe, mas nada que uma boa dose de vitamina C não resolva. Você foi incrível a noite passada.

— Mas eu tentei te matar!

— Duda, nunca fale isso! – A voz de Carlos foi grave e sombria de uma forma que Eduarda jamais ouvira antes. A garota encarou o amigo, ela já não tinha mais lágrimas para derramar. — Não se sinta culpada por algo que estava fora de seu controle. Você não sabia que isso ia acontecer, ninguém sabia. E você nunca, jamais quis me matar. Eu senti isso ontem à noite. Não deixe o remorso te dominar, visse?

Eduarda apenas meneou a cabeça em concordância, não sabia como continuar a conversa. Ela olhou para a mão de Carlos sob a sua e ele rapidamente a retirou, puxando o celular do bolso ansiosamente. A garota deu um sorriso envergonhada e voltou a mordiscar a crepioca, sentindo-se mais confortável depois de ter desabafado com o amigo. Ele ficou algum tempo no celular, olhando coisas aleatórias enquanto a garota comia o café-da-manhã.

— Isso daqui está delicioso.

— Claro, né? Preparei tudo com o maior carinho. — Ele deu um sorriso e depois colocou a mão esticada sobre um lado do rosto, como se contasse um segredo. — O achocolatado eu só fiz tirar da caixa e colocar no copo. Mas não espalha por aí, beleza?

A garota deu uma risada de leve, mas depois resolveu retomar a conversa, dessa vez com menos remorso.

— Carlos… como você conseguiu sair do rio? 

— Ah… — Ele coçou a parte de trás da cabeça. — É complicado.

— Se não quiser contar, tudo bem.

— Oxê, Duda, claro que eu conto. Mas, agora é sério, eu não contei a ninguém o que aconteceu de verdade. Primeiro, eu fui atacado por um monte de fantasmas, depois a Alamoa tentou me… Er, seduzir. Mas aí apareceu um cara e a matou com uma adaga.

— Uma adaga?

— Sim. E ele matou fantasmas também com a mesma adaga. Acho que é um objeto mágico. Os fantasmas viraram fumaça, como se fossem banidos desse mundo.

A garota colocou a bandeja com o prato vazio em um cômodo ao lado da cama. Em seguida, ela andou até o seu armário e abriu a porta, puxando de lá o notebook. Carlos acompanhou tudo em silêncio, quando Eduarda tinha uma ideia ela precisava agir na hora ou passaria o resto do dia agoniada. Ele conhecia bem esse hábito da garota, os dois estudavam juntos na mesma universidade, apesar de frequentarem cursos diferentes.

Eduarda colocou o notebook no colo e prendeu os cabelos com um elástico, era assim que ela se preparava antes de iniciar uma pesquisa importante. A jovem encarou Carlos com um brilho nos olhos.

— O que mais você sabe sobre esse homem?

— O nome dele é Joseph Almeida.

— Como assim? Vocês conversaram? De onde ele é?

O moreno fez uma cara de quem comete um erro grave, como uma criança que é pega pelo pai depois de ter quebrado o vidro da janela. Eduarda continuou encarando-o.

— Vai, bichinho, fala logo!

— Eu meio que perdi o cartão de visitas que encontrei dele. Mas juro que foi sem querer. Sabe, acho que foi no meio da confusão. – Carlos não queria dizer que provavelmente perdeu o cartão quando foi pendurado no ar pelo Boca-de-Ouro. Entretanto, Eduarda entendeu a colocação e abaixou a cabeça, pesarosa. O rapaz logo voltou a falar. – Eu sei que ele é um detetive sobrenatural. Na verdade, esse tal de Joseph queria que eu fosse com ele para ajudá-lo em algum projeto, mas eu disse que só iria com vocês, os caçadores, e o cabra fugiu.

Os dedos de Eduarda se movimentaram rapidamente no teclado do notebook. Ela puxou o copo de achocolatado e deu um gole, concentradíssima no seu trabalho. Vez ou outra fazia uma expressão de alegria, seguida por um suspiro de frustração. Esse era o momento que Carlos mais se sentia inútil, sabia que Eduarda mandava muito bem na internet e queria ajudar a garota, mas também conhecia a importância de deixá-la trabalhar sozinha. Depois de alguns minutos, Eduarda ajeitou os óculos e começou a falar.

— Existiu um blog criado em 2010 por Luiza Brandão utilizando o e-mail luizabrandao07@yahoo.com sobre o detetive sobrenatural Joseph Almeida. Entretanto, esse blog foi desativado apenas 3 meses depois da sua criação. Eu estou procurando por Luiza, acho que o detetive é mais reservado e não iria expor seu trabalho na internet. Essa garota tentou fazer um blog institucional dele, mas não deu certo.

— Será que não podemos mandar um e-mail para ela?

— O e-mail dela era da Yahoo e foi criado em 2010. Eu acho que ninguém mais usaria... — Eduarda interrompeu a fala repentinamente. — Calma, houve um acesso há dois dias neste e-mail. Pelo endereço de IP eu consigo rastrear a localização… — Ela passou mais alguns minutos pesquisando e então girou o notebook triunfante. — Aí está no google maps. O e-mail foi acessado em um prédio da Conde da Boa Vista, bem no centro da cidade.

— E se eu achar essa tal de Luiza...

— Vai descobrir onde está o detetive sobrenatural!

— Você realmente acha uma boa ir atrás desse cara?

— Ele tem uma adaga capaz de evaporar poltergeist ou enviá-los para o além-túmulo, não sei direito, mas, com certeza, isso é importante.

— Você é incrível, Duda!

A garota pegou o celular e enviou por mensagem o endereço detalhado que encontrou no Google. Carlos levantou-se animado, durante a madrugada ele não seria capaz de aceitar o convite de um estranho. Mas, à luz do dia, parecia uma ideia empolgante ir atrás de alguém com habilidades tão peculiares. Ainda mais depois de ter perdido o cartão de visitas do detetive. O rapaz olhou para Duda, os olhos dela ainda estavam inchados e ela parecia abatida agora que a empolgação da pesquisa havia passado.

— Você não quer vir comigo?

— Eu acho melhor não… – Eduarda abaixou a cabeça, constrangida. — Eu fico melhor no computador. Se precisar de qualquer coisa, pode mandar uma mensagem.

— Beleza! E, ei, você é muito especial para o grupo. Sério, sem você essa equipe não passaria de um bando de loucos correndo atrás de fantasmas sem orientação nenhuma. Eu estou indo, mas volto assim que tiver novidades.

O rapaz saiu do quarto; ele abriu a mensagem do celular e leu o endereço, até que não ficava muito longe de onde eles estavam. 

 

No interior do cômodo, Eduarda colocou o notebook na escrivaninha e voltou a se deitar na cama, dessa vez pensando o quão sortuda era por ter amigos como Carlos. Ainda se sentia estranha, mas um dia ela seria capaz de lidar com todas as suas inseguranças. E, afinal, não tinha nada de errado em ser quem ela era. A garota respirou fundo e colocou os fones de ouvido para escutar música.

— Uma adaga mística…

Ela encarou o porta-retratos com os pais em cima da mesa. Um pensamento surgiu na sua cabeça, contudo seria necessário ocorrer uma série de coincidências para que sua teoria particular estivesse certa. Ela logo rejeitou a ideia e resolveu se concentrar na voz de Hayley Williams que soava dos fones de ouvido. 


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