Caçadores urbanos e o mistério do filho proibido escrita por Tynn, WSU


Capítulo 4
Capítulo 3 – Rio Capibaribe




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As águas turvas do Rio Capibaribe agitaram-se quando Carlos caiu e afundou nelas. O rapaz sentiu um frio intenso afetar o seu corpo, talvez pela frieza das águas, talvez pelo desespero para sair vivo daquela situação. Ele tentou abrir os olhos no fundo do rio, mas eles arderam em resposta. Os braços impulsionaram seu corpo para cima na esperança do pulmão ser capaz de absorver um pouco de ar. Assim o fez para depois cair novamente nas profundezas do rio.

Carlos moveu as pernas desesperadamente para voltar a superfície, mas algo o puxava de volta. Será que seus pés estavam presos em algo? Ele tentou abrir os olhos embaixo d'água uma segunda vez e observou seres translúcidos agarrando o rapaz. O que eram aquelas entidades? Carlos ficou agitado e lutou para se desvencilhar. Com força, pôde emergir das águas profundas, absorvendo todo o oxigênio possível, e afogou-se no rio novamente, dessa vez com mais intensidade do que antes.

Os seres puxavam suas pernas para baixo da água, forçando-o a ficar submerso. Ele tentou lutar novamente, mas nada era capaz de superar a força dos seres. O corpo de Carlos começava a ter espasmos de agonia; o pulmão implorava por oxigênio mais uma vez.

Um brilho muito intenso surgiu na superfície do rio; Carlos sentiu uma mão gelada segurar o seu braço e foi puxado para cima, como se uma força sobrenatural repelisse os seus algozes translúcidos. O garoto finalmente sentiu o ar puro e foi arrastado até uma das margens do rio, embaixo da Ponte Duarte Coelho. Tudo era confuso para o garoto, que só pensava em respirar o mais depressa possível.

— Calma, belo rapaz, você está seguro agora. — A voz era doce como uma melodia. O engenheiro focalizou sua salvadora, observando uma bela moça de longos cabelos loiros e olhos azuis; sua pele branca parecia disputar com o brilho do luar.

— Eu quase morri afogado nesse maldito rio! — Desabafou o universitário, sentando-se num amontoado de terra e lama onde os dois estavam abrigados. — O que eram aqueles seres? Pareciam uns demônios cabulosos.

— São os fantasmas do Rio Capibaribe. Muitos morreram afogados aqui quando pularam da ponte. São histórias tristes repletas de dor e sofrimento.

— Ainda bem que tu estava aqui para me salvar... Carlos disse, finalmente conseguindo pensar direito. — Agora, desculpa perguntar assim, mas quem é você? Isso não é horário para uma mulher fazer natação.

— Um jovem bonito e engraçado, ficou ainda mais atraente. — A moça deu uma leve risada como resposta. — Sou a Dama Branca, ou a Alamoa, como alguns costumam dizer no Arquipélago de Noronha, onde moro.

— E tu viesse de tão longe fazer o que por aqui?

— Desconfiado? — A mulher deu um passo à frente, ficando ainda mais próxima de Carlos. O rosto do rapaz enrubesceu-se diante da beleza da Dama, que o tocou com o dorso da mão. — Eu vim aqui atrás de uma aventura amorosa, buscando conhecer um homem a qual possa me apaixonar profundamente. Na minha terra, esses tipos de homens parecem estar em extinção. Um rapaz tão jovem e belo como você não merecia desfalecer nas mãos desses fantasmas. Você é diferente, garoto, caiu aqui por puro acidente. É como se o destino estivesse nos unindo.

Carlos sentiu o coração bater mais forte diante das palavras e da aproximação daquela garota belíssima. Existia um encanto nela que era capaz de vencer qualquer raciocínio lógico da mente do estudante. Ele tinha consciência da periculosidade da mulher, mas o seu corpo parecia agir por impulso. Ele estava desejando a Dama Branca mais do que tudo na sua vida. Um pingo de suor desceu de sua testa.

— Eu não sei se posso ficar aqui por muito tempo, moça bonita. — As mãos da Dama Branca desceram até o pescoço de Carlos, que sentiu um prazer enlouquecedor. — Além disso, você vai voltar para o arquipélago. Não daria certo se ficássemos juntos.

— Pelo visto o moço é inocente também. Recife é o futuro das entidades sobrenaturais, aqui emergirá a criatura que nos colocará de fora de nossa prisão solitária. Temos que nos precaver sempre para não sermos pegos pelos humanos. Por mais que nosso poder seja infinitamente maior ao das pessoas normais, somos pequenos em número. Se a Dama Branca deixar de ser apenas uma lenda e todos saberem da minha existência, hoje, irão me caçar e me matar. Mas quando a ascensão ocorrer, teremos força para mudar a balança. Por isso estou aqui para viver essa nova era.

A Dama Branca girou o corpo e arremessou Carlos contra a parede da ponte. O rapaz ficou parado, sentado, sentindo o poder da sedução desinibir todos os seus pensamentos mais estratégicos. Ele só pensava em como poderia ser o beijo daquela mulher loira, incrivelmente bela.

O toque frio da moça fez Carlos estremecer por dentro. As mãos dela prenderam seus braços, deixando os rostos a milímetros de distância. Ela esboçou um sorriso malicioso e Carlos sentiu seus impulsos mais selvagens despertarem. Quase implorou por um beijo. Ele sentiu o hálito da Dama Branca e fechou os olhos; era impossível resistir, estava preso nos desejos da criatura.

As mãos suaves da dama ficaram mais finas, quase ásperas, inesperadamente. O rapaz abriu os olhos e deparou-se com um par de buracos vazios, negros, onde antes era os olhos da mulher; seus narizes não existiam mais, eram fendas na caveira que agora se transformara a Dama Branca. O rapaz virou-se para os lados e viu que as doces mãos da moça se tornaram ossos de esqueleto, ela se transformara em um monstro esquelético e estava prestes a matá-lo. Ele tentou se desvencilhar, mas permanecia preso sobre seu corpo. A entidade sobrenatural encarou o rapaz uma última vez, uma tufa de cabelo loiro caía do seu crânio medonho. Carlos preparou-se para ter sua alma sugada pela Alamoa.

Um grito de dor pôde ser escutado por todo o Recife Antigo. O barulho ecoou pelas paredes do Paço Alfândega, assombrou os bêbados na rua da Moeda e fez os vigilantes do Marco Zero se benzerem nervosos. A Dama Branca emitiu um último assombro antes de seu corpo cair ao chão como uma pilha de ossos sem vida. Atrás dela, um homem de sobretudo preto segurava uma adaga prateada, ao qual perfurou o abdômen da entidade.

— Vamos sair logo daqui, garoto — o homem disse, virando-se rapidamente e observando o rio alarmado.

— Pera aí, quem é tu? Da última vez que fui salvo, quase virei lanche de esqueleto.

— Se não quiser minha ajuda, não irei forçá-lo a tal.

O homem caminhou em direção a uma escadaria de cimento, escondendo a adaga dentro do sobretudo. Carlos achou aquilo incrivelmente ofensivo, mas estava melhor desse jeito. O rapaz se levantou, limpando a calça suja de areia, e logo deparou-se com uma dúzia de fantasmas saltando do rio Capibaribe e avançando em sua direção.

— Ei, bichinho, eu estava brincando! Me ajuda aqui! — Carlos gritou aos prantos, correndo em direção ao salvador misterioso.

Uma mão fantasmagórica agarrou a canela do negro, fazendo-o cair ao chão com um estouro. O homem de sobretudo atacou com sua adaga e fez o fantasma desaparecer como um sopro no ar. Ele continuou com a ofensiva, destruindo uma entidade a cada golpe de adaga. Virou-se para Carlos, que ainda estava sentado no chão, aturdido.

— Não fique parado enquanto eu encaminho esses fantasmas para o inferno. Saia daqui o quanto antes, eu irei logo atrás.

— Não precisa pedir de novo!

Carlos levantou-se desajeitado, correndo para a escadaria onde o homem tentara ir anteriormente. O rapaz subiu os degraus o mais rápido que pôde, sendo seguido pelo desconhecido que caminhou até uma moto estacionada na rua, a alguns metros da escadaria.

— Tome, use o capacete. Não quero receber multa por causa de você — disse, sentando-se na moto e oferecendo um capacete a Carlos.

— Do que você está falando? Acha que eu vou subir na sua moto e depois tomar um café?

— Estou tentando salvar a sua vida.

— Eu nem te conheço.

O homem barbado e com cabelos castanhos bagunçados fez uma expressão impaciente.

Sou detetive Joseph Almeida e tenho uma missão para você. Temo que você seja a única pessoa capaz de criar uma arma especial para deter o filho proibido. Preciso que você venha comigo para eu lhe passar mais informações.

— Tu estava me espionando mais cedo, achei seu cartão de visitas... — Carlos ficou confuso, indeciso. — Eu tenho os meus amigos caçadores, eles podem ajudar.

— Não posso confiar neles agora, contarei o que sei sobre quando estivermos seguros. Temos pouco tempo, Carlos Goldino! Os fantasmas do rio Capibaribe estão furiosos e virão atrás de você. Eles têm muita influência nas entidades ao redor.

Carlos escutou um barulho de motor vindo ao fim da rua. Pelo ruído, sabia que era a van preta onde seus amigos estavam viajando para tentar resgatá-lo das profundezas do rio Capibaribe. Ele encarou o detetive e balançou a cabeça negativamente.

— Meus camaradas já estão chegando. Se quiser ficar, podemos conversar com eles, são gente boa.

— Você ainda é ingênuo, rapaz, não é capaz de discernir quem está do lado de quem. Diga-me: sabes o passado de cada pessoa do seu grupo?

— Não, mas sei que eles nunca me farão mal.

— Não tentarei convencê-lo. — Joseph deu partida na moto. — Você tem meu cartão, visite-me o mais depressa possível, caso mude de ideia.

O detetive engatou a primeira macha e acelerou na Rua da Aurora, sumindo no horizonte. Carlos tateou o bolso em busca do cartão de visitas e percebeu que sua calça estava encharcada. Não iria conseguir ler nenhum papel que outrora guardara no bolso, isso se não tivesse perdido antes mesmo de cair no rio. A van preta logo parou perto do rapaz, Raul apoiou o braço na janela e deu três buzinadas.

— E aí, moleque? Não sabia que você curtia tanto um banho gelado depois da meia-noite.

— Preferia tomar banho em casa. — Carlos abriu a porta de trás da van e entrou, sentando-se ao lado de Thaís. À sua frente, Natanael carregava no colo uma Eduarda desacordada. — Como ela está?

— Gelada, mas é um sintoma normal considerando que incorporou o Boca-de-Ouro. A respiração está regular. — Ele encarou Carlos fixamente. — Como você sobreviveu ao rio Capibaribe? Existe pelo menos uma centena de fantasmas nele.

— Eu tive ajuda.

— De quem? — Thaís perguntou curiosa. Ela ainda estava pálida depois da batalha, mas sentia-se melhor.

— Na verdade, eu não sei muito bem. Vocês já ouviram falar na Alamoa?

— Ela é conhecida também como a Dama Branca, uma mulher que costuma seduzir os homens e levá-los à sua caverna no Arquipélago de Fernando de Noronha. O que isso tem a ver com você? – Natanael estava nitidamente confuso.

— Ela esteve aqui. Acabou me salvando dos fantasmas para tentar me devorar, mas consegui fugir com meu gingado.

— Não faz sentido algum isso! — Thaís disse. — Por que a Alamoa viria ao rio Capibaribe? Ele é imundo e fedorento.

— Ela falou que uma grande entidade está para surgir. E, aparentemente, quer libertar todos os seres do submundo. Vai ser a maior danação se isso acontecer.

Natanael ainda olhava para Carlos de maneira desconfiada. Algo naquela conversa estava estranho, mas ele resolveu não questionar o rapaz. Estava feliz pelo universitário ter sobrevivido à queda, não importasse o que fora omitido da história. Thaís encostou a cabeça no vidro da van para encarar as ruas desertas do Recife, enquanto Carlos tateava os bolsos, retirando a carteira ensopada e fazendo uma careta.

No banco da frente, Raul dirigia a van entusiasmadamente, ele adorava viajar de madrugada para acelerar o máximo que podia. Vanessa, no banco de carona, retirou da bolsa um papel retangular que achara no chão da Ponte Duarte Coelho.

— Detetive Joseph Almeida — Ela sussurrou ao ler o cartão de visitas. Girou o papel e encarou o endereço no rodapé. — Desgraçado!

Ela rasgou o cartão em minúsculos pedaços e arremessou-o pela janela do carro.

— Você odeia tanto assim cartões de visitas? — Raul perguntou.

— O que você leu?

— Li nada não, baby. Pode ficar sossegada com o teu segredo, eu não sou bisbilhoteiro que nem os outros.

— Melhor assim. — Vanessa respirou fundo. — Tem pessoas que tentam se meter no nosso trabalho, mas eu não quero nenhum dos meus caçadores de conversinha com gente desse tipo. Acelere logo essa van! Preciso dormir o quanto antes para amanhã visitar um velho conhecido. 


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