More & More escrita por Arin Derano
Faith não acreditava muito nas palavras do senhor grisalho a sua frente. Vestia uma capa azul escuro e suas asas pareciam ter visto dias melhores, já que seu transporte era um pégaso sonolento não muito distante das duas figuras no centro da praça.
— Então eu só preciso desenhar rotas e detalhes da fronteira com o mar do norte? — ela perguntou.
— Sim.
Ela manteve a expressão neutra, mas estava insatisfeita com tão pouco que o senhor dizia. Queria mais detalhes. Por mais que fosse um trabalho para a família real, ela ainda preferia se manter apenas como ilustradora dos livros da vila.
Estava fora da sua zona de conforto.
— Está bem. Posso fazer isso.
O senhor assentiu. — Seu trabalho começa agora. Ao fim da semana, queremos ao menos vinte ilustrações das rotas. O ponto de encontro é na sala de reuniões do palácio. Estarei lá no aguardo.
Ele se dirigiu ao equino e subiu em sua cela. O pégaso ajeitou as longas asas ligadas ao seu torso e os dois voaram céu acima.
— Espera! E o meu pagamento? — a fada suspirou, derrotada.
Sabia que tinha a ver com as tensões do seu ducado com o ducado de Maire, no oceano do norte. O histórico de guerras é antigo, desde a época das lendas e mitologias com os deuses do ar e do mar. Agora, os novos duques passavam por desacordos diplomáticos e de terra. A duquesa Danflair, Rea, planejava expandir os limites do ducado até onde o mar tocava a terra, nas pedras de Hoom. A família real de Maire e seus habitantes consideraram desrespeitoso, já que assinaram um acordo sobre isso com o último duque antes de Rea, Sio.
Desde então, ambos tem trocado farpas e mandado espiões de um lado para o outro, procurando por pontos fracos e rotas para uma possível próxima guerra.
Faith e Sol percorreram por toda a floresta que rodeava a pequena vila, uma de muitas espalhadas pela vasta taiga. Ela planejava como desenharia as rotas, já que seria algo novo. Desde pequena, sempre adorou desenhar apenas a flora e a fauna da onde vive.
A verdade, é que era um sonho antigo trabalhar com suas ilustrações para a família real, só não esperava que fosse dessa maneira.
Ao chegar próximo da baía, se instalou em uma das árvores, no galho mais alto que achou e que sustentaria seu peso.
Sol pousou no cume da árvore, curioso e alerta sobre seu redor.
Kanerva pegou seu caderno e seu lápis e analisou em como podia começar. Poderia mostrar o relevo, a altura das árvores e a maré do mar. Dependendo, a maré podia baixar o suficiente para verem as primeiras residências do ducado vizinho.
Começou assim, sem saber para onde focar. Apenas rabiscava e rascunhava o que podia. Ela faria uma revisão mais tarde.
Sete rascunhos depois, suas mãos já doíam de tensas, sem que ela percebesse. Soltou o lápis e descansou o caderno no colo enquanto se apoiava melhor no tronco da árvore, observando as folhas farfalhando acima de si. O vento frio indicava que a tempestade estava se aproximando.
Repentinamente, Sol surgiu em meio as folhas, aflito. Ele assobiava com urgência, algo que a fada não tinha visto antes.
— O que foi? — ela perguntou, e ele respondia com mais assobios, cada vez mais altos. — O que você viu?
Ele apontava com as garras para o mar, mas ela nada via. Prestou mais atenção nos arredores, na parte da areia e um conjunto de pedras brancas não muito longe dali, onde as ondas batiam e espirravam água para todos os lados.
Conseguiu enxergar uma figura detrás de alguns arbustos, de silhueta semelhante à dela, com exceção do cabelo vermelho bronze, se mexendo apressadamente. Quando a figura se levantou do arbusto, percebeu que lhe faltava a parte de cima das roupas. Faith imediatamente olhou de volta para a coruja a sua frente, que ainda mantinha o pescoço esticado.
— Pare de olhar! — ela repreendeu, e a coruja obedeceu. A ave se sentou a sua frente, ainda incerta, pronta para fugir se fosse necessário.
Kanerva esperou uns segundos para voltar o olhar, e a figura já não estava mais lá. Sentiu sua respiração falhar. E se fosse alguém perigoso? Talvez um mercenário? Ou algum confidente da família real que a estava seguindo para ter certeza que estava fazendo o trabalho corretamente?
Ou pior, e se fosse alguém do ducado inimigo?
Antes que se desse conta, seu caderno deslizou do seu colo e conseguiu vê-lo caindo até alguns metros longe da raiz da árvore, junto do lápis que o acompanhava.
Ela praguejou baixinho, temendo que a figura a ouvisse. Com certeza se ainda estivesse por ali teria escutado o baque do caderno com as folhas caídas na grama.
Solaris, angustiado, ergueu vôo e começou a puxá-la pela camiseta.
— Sol, solta! — mandou, mas a coruja não parou.
— Eu sei que está aí — a dupla com asas escutou uma voz feminina vindo de baixo, não tão longe a eles.
Faith olhou para a ave e a ave respondeu ao olhar, ambos assustados. A fada se encolheu entre as folhas, e a coruja aninhou-se em seu ombro.
— Você desenha bem — a voz continuou, e foi o suficiente para a fada adquirir toda a coragem que tinha para recuperar seu material.
Não imaginava que a outra iria abrir e ver tudo que a representa sem permissão. Voou rapidamente e recuperou suas coisas da mãos da figura.
— Você não pode abrir o caderno dos outros assim — Kanerva começou, e só então observou como a figura era.
O cabelo vermelho bronze estava meio úmido, os olhos eram de um verde intenso, quase que brilhantes. Suas roupas eram de tons terrosos e comuns, como se quisesse passar despercebida. Suas mãos ainda estavam no ar, depois da loira ter tirado seu material delas.
— Não sabia que precisava da permissão dos outros para abrir cadernos — ironizou e cruzou os braços.
— É recomendado ter — reforçou, guardando seus materiais de volta na bolsa. Tinha rabiscado o suficiente para o primeiro dia e não queria prolongar muito a conversa.
— Não tinha te visto por aqui antes. O que faz aqui tão perto do mar? — a desconhecida ignorou o que ela disse.
— Nada de importante — a fada respondeu, e a outra abriu a boca para dizer algo, mas a loira continuou. — Nada da sua conta.
A ruiva fez uma expressão de surpresa.
— Uau, para um rostinho lindo nem dá para imaginar que é respondona desse jeito — disse e sorriu de forma provocativa.
Faith ficou desconcertada, mas disfarçou chamando por Solaris, escondido até então.
A coruja seguiu seu comando e começou seu voo para casa.
— Já estava de saída.
— Foi bom te conhecer, Faith — a desconhecida afirmou, e a fada se assustou por um breve segundo. — Seu nome está escrito no caderno. Não sou nenhuma leitora de mentes. — Ela sorria, mas Kanerva ainda não parecia muito convencida.
— Me chamo Audrey. Nós duas sabemos nossos nomes agora, estamos quites.
Faith nada disse, e apenas se virou e fez seu caminho de volta para casa.
De um lado, uma fada recém espiã temendo que tivesse sido descoberta. Do outro, uma desconhecida do mar do norte que também tinha o mesmo objetivo de espionar o ducado vizinho, e que a fada seria a forma perfeita de estar por lá sem levantar suspeitas.
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