A gateway to the Sun escrita por M san


Capítulo 3
As cerejeiras do Templo




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Sakura deu um salto um pouco maior do que os micro pulinhos nos quais, segundos antes, em meio a lamentos de “shannaro” e “droga”, descontava a frustração do próprio atraso. Os olhos arregalados de susto deram lugar a bochechas coradas, a compreensão da situação a alcançando e, com um gritinho, ela recuou mais um passo, dessa vez envergonhada. Sasuke achou graça da timidez da menina e, como mais cedo, sentiu-se relaxar, o corpo destravar e a expressão aliviar em um sorriso discreto. A energia dedicada previamente a tensionar os músculos, contudo, pareceu ter sido integralmente direcionada ao coração: a adrenalina de uma luta não o aceleraria daquela forma. 

— Sasuke-kun? O que você fazendo aqui? Faz tempo que fechou, não? 

— Hm... 

— Você devia ter ido pra... 

Você também. 

A jovem mordeu o lábio inferior vencida e os dois se fitaram em silêncio. Sasuke não conhecia o protocolo a seguir e percebeu-se estranhamente consciente de si mesmo. Ficou feliz que a luz da lua fosse fraca e a do poste o deixasse na penumbra: era mais fácil disfarçar sua insegurança. A quietude, que geralmente lhe acolhia bem, tornou-se mais e mais incômoda até que a ansiedade pareceu mudar a forma como o tempo passava. Viu-se em um cenário novo, onde procurava por motivos para falar. Sakura continuava o encarando, os olhos verdes brilhando... mas fracos? Por que estavam mais fracos? O cabelo da jovem preso no alto da cabeça, fugindo do penteado tradicional, serviu de dica: exaustão. Correra até ali movida pela pressa cansada que consome o restinho de disposição e te desatenta a detalhes. Sasuke soube o que fazer, então. 

— Toma – ele esticou a mão, entregando a comida que pedira para a jovem e a viu, no susto, receber. 

Ãhn

— Você não jantou, certo? 

Sakura confirmou e aceitou a sacola. Enquanto a via caminhar até a mesa fixa do lado de fora do Ichiraku, Sasuke agradeceu internamente que ela não pedira explicações. O sorriso surpreso e cheio de afeto que ela lhe dera era suficiente para que o Uchiha percebesse que a garota sabia os porquês ali envolvidos. Talvez soubesse até mais que o rapaz. 

— Essa é a melhor parte da noite – Sakura começou, sentando-se e sendo imitada por Sasuke. Ela abriu a embalagem, inspirando profundamente o cheiro delicioso que escapava do potinho – Eu realmente estava sonhando com esse lámen! 

— Por que demorou? Kakashi e Naruto falaram que você sempre dá bolo... 

— Eles ficaram reclamando de mim pra você? Aff... 

Eles estão preocupados... Espera, deixa eu.. 

Sasuke interrompeu Sakura, que após um breve Itadakimassu já juntava macarrão entre os hashis, e cobriu o pote com a palma aberta. Manipulou um pouco de chakra e agitou as moléculas do ar que, quentes, transferiram calor para a comida. Em segundos, o caldo do lámen soltou seu vapor reconfortante sobre os dois 

— Uau... - Sakura suspirou, admirada - Obrigada, Sasuke-kun. Seu controle de chakra é realmente incrível! 

— Você ainda é melhor... 

Sasuke sussurrou e teve o cuidado de não cruzar os olhos com a jovem que, corada, forçou-se a se concentrar no lámen. Ao vê-la comendo com tanta vontade, os hashis pesados enchendo sua boca, o rapaz ficou satisfeito por ter comprado a comida e esperado por ela. Não se lembrava de ter feito isso por alguém, e não conseguia pensar em outra pessoa por quem o faria que não ela. Mas, por Sakura, poderia repetir o gesto todo dia. 

— Quer um pouco? - ela ofereceu. Mesmo sem fome, Sasuke aceitou, abrindo a boca - A gente ainda manja, Sasuke-kun: nenhuma gotinha derramada! 

— Hm... 

— Então... você vai ficar quanto tempo? 

— Não sei. Talvez duas semanas – Sasuke respondeu, recebendo apenas um aceno de volta - Não vai reclamar? Naruto e Kakashi me deram um sermão. 

— É, faz bem o estilo deles, né? - Sakura riu, oferecendo mais lámen ao rapaz, que aceitou - Não imaginei que você fosse ficar muito mais que isso. Kakashi-sensei me contou sobre o que te incomodando com a Kaguya. Você não vai sossegar até ter certeza que tudo bem, né? 

É, ele não ia. Mas não focou nisso. Um tranco chocou sua consciência e o Uchiha se percebeu em uma posição estranha. Em uma que ele não precisava ignorar a opinião alheia porque essa o acolhia. Acenou confirmando a conclusão de Sakura e ela apenas piscou, paciente. 

— Encontrou alguma coisa? 

— Não... Também não consegui acessar a dimensão dela... 

— Acho que dar uma olhada onde ficava a vila dos Redemoinhos é uma boa. Ela foi selada pelos filhos e os Uzumaki eram especialistas em selos, então talvez tenha algo lá que faça referência ao usado pelo Rikudou Sennin. Eu chequei as anotações que tinham na biblioteca e no arquivo secreto do Hokage e encontrei algumas coisas... Nos livros de fábulas, é dito que o Sennin é originário da Terra dos Ancestrais, mas eu não achei a localização exata desse lugar. Ir lá é uma boa também, pelo menos é um rumo. Achei alguns mapas semana passada, vou estudar todos e te passo. Agora que sabemos que o Sennin não é uma lenda, tenho que rever as histórias, estou certa de que temos pistas ali. Vou te entregar as anotações que já tenho também. Me dá uns dias para organizar tudo e... 

— Por que você fazendo isso? - Sasuke perguntou, interrompendo o discurso da jovem. Ela piscou confusa, parando na metade do movimento de tomar um gole do caldo do lámen, e o fitou esperando a explicação - Digo, por que você pesquisando sobre a Kaguya e o Rikudou?  

— Hm... Por dois motivos. Primeiro, porque acho que você está certo. Se a Kaguya se preparava para algo que fazia até ela se sentir ameaçada, então temos que nos preparar em dobro. 

— Entendi... e qual o outro? 

Sakura mordeu os lábios, sua expressão suavizou e ela corou antes de responder: 

— Você sabe o outro, Sasuke-kun. 

A jovem o encarou por um instante e então, quando o constrangimento subiu um grau, retornou ao lámen, tomando o gole que interrompera. Sabia sim, ele pensou, observando-a com mais atenção do que gostaria de admitir. Sasuke não conseguia não se admirar com a dedicação e conhecimento da amiga. Ela sempre foi a mais inteligente do time, seu brilhantismo equivalendo ao talento que Naruto e ele próprio demonstravam no campo de batalha. Mas a jovem não havia colocado sua inteligência à disposição do Uchiha por ser a melhor pessoa para o trabalho. Nem apenas por acreditar no perigo à espreita, apesar de o fazer. E ele sabia disso, do principal motivo, do que a fizera se esforçar, pesquisar e estudar apesar do cansaço de uma jornada dupla de médica e ninja. Sentia que deveria falar algo, porque já não merecia o amor dela mesmo se lhe entregasse a vida, o quão indigno seria caso não pudesse sequer dar qualquer tipo de satisfação? Abaixou o rosto, como se procurasse coragem ao puxar impulso, e mordeu o lábio, hesitante, antes de começar: 

— Sakura, eu... 

Mas travou. Seus olhos se cruzaram e Sasuke se sentiu como suas vítimas, perdidas em um genjutsu. Respirou fundo, a boca seca puxando ar em um nervosismo tão atípico que lhe pareceu doença. O que deveria falar? Não tinha ideia do que sentia ou queria e teve medo de falar besteira, estragar tudo, magoá-la. Outra vez. Gaguejou mais um “eu” e então se calou. Se não sabia o que falar, era melhor ficar calado. 

— Sasuke-kun, tudo bem. Ainda tá cedo

A voz de Sakura pareceu uma lareira no inverno. Ela sorriu e lhe entregou o lámen, com o último gole do caldo. E ele também sorriu. Mas ainda que o dele fosse bem mais discreto e um tanto mais introvertido, era completamente sincero e impossível de conter. Quando aceitou a tigela, sentiu os dedos gelados da jovem e percebeu que, mesmo sendo primavera, a noite estava fria. Era insensível, estava acostumado a temperaturas muito mais baixas, mas Sakura não. Além disso, as olheiras da garota se destacavam mesmo sob a luz fraca e os cabelos ainda presos e bagunçados no alto da cabeça lembravam que ela voltara de um plantão.  

— Vamos, eu te acompanho até em casa... tá tarde. 

— Hm... A gente pode ficar mais um pouco – ela ponderou, mas Sasuke já se colocara de pé e arremessara a embalagem na lixeira vazia - Sério, Sasuke-kun, a gente...  

Sakura ensaiou protestar um pouco mais, mas desistiu quando o rapaz iniciou a caminhada e pareceu resolver não perder muito tempo reclamando da decisão unilateral do Uchiha. Pelo caminho, ela explicava o que havia mudado em Konoha desde a guerra e como Kakashi priorizava o crescimento da vila ao invés da força militar. O Hokage investira em infraestrutura e educação, e apoiara a Haruno no projeto de saúde mental que ela liderava. A jovem contou sobre o tempo que passou em Suna a convite de Gaara, que se encantara pela experiência que ela liderava, e sobre como foi convidada especial em congressos nas outras vilas. Sasuke sorriu com a animação de Sakura ao narrar os resultados com tanta precisão que parecia os estar lendo. 

— Por isso que hoje cem porcento das crianças que foram afetadas pela guerra estão cobertas pelo programa, inclusive aquelas cujos pais não morreram, mas foram feridos gravemente e precisaram se aposentar. Todas essas famílias têm apoio médico, psicológico e social, o Kakashi-sensei basicamente me deixou fazer o que eu queria! Ele engoliu todas as acusações de estar me privilegiando por um ano, até conseguirmos apresentar resultados, mas depois também nosso time mandou tão bem que não conseguiram mais criticar. Tem sido uma experiência muito frutífera mesmo e... Desculpa, Sasuke-kun, eu estou aqui palestrando há eras! 

Era verdade. Desde que começaram a caminhar, Sakura emendara tema pós tema e não parara de falar. Contudo, para a própria surpresa, Sasuke não se incomodava com a tagarelice da menina. Queria ouvi-la, poderia ouvi-la a noite inteira. 

— Você lidera esse programa e ainda atende no hospital? - ele perguntou, puxando a corda mais uma vez. 

— É, dá pra levar os dois, eu tenho bastante suporte na clínica e... 

— Dá mesmo? Ou você volta pra casa todo dia por esse horário? - fitando-a de canto de olho, Sasuke a viu corar e teve sua resposta – O Naruto tem razão. Você vai adoecer. 

— Eita que vivi pra ouvir você dizer que o Naruto tem razão! - Sakura brincou, fazendo Sasuke emburrar de imediato. Ele virou a cara e apertou o passo, mas ela logo o alcançou - Eu sei meu limite, Sasuke-kun. E você, sabe o seu? 

— Como assim? 

— Você tem se cuidado? Tem comido direito, dormido direito? 

As respostas eram simples. Comia bem, dormia mal. Mas abdicou de dá-las e continuou andando, o olhar de Sakura pesando sobre ele mais como médica do que como amiga. 

— Você precisa fazer um check up. Passa amanhã no meu consultório. 

— Não preci... 

— Eu sou sua médica, eu decido. 

Foi a vez de Sakura acelerar o passo e deixá-lo para trás. Era batalha perdida, não fazia sentido sequer tentar lutar. Alcançou-a segundos depois e, ao olhá-la de canto de olho, viu-a retribuir da mesma forma. 

— Você continua irritante – ele provocou, fazendo a garota rir.  

— Bem, você não vai precisar aturar muito mais... Chegamos – ela respondeu, apontando para o prédio atrás de Sasuke. 

— Hm... 

Voltando-se a Sakura, Sasuke pensou que talvez devesse ter cedido ao ensaio de protesto da jovem e esperado um pouco mais. Conteve-se em tirar a mão do bolso e prender a mecha de cabelo que se desprendia do coque da garota atrás de sua orelha. Ele realmente precisava aprender o que fazer. Por ora, apenas mordeu discreto o lábio enquanto a sentia observá-lo com o cuidado de quem teme fazer o passarinho voar. 

— Ainda cedo, Sasuke-kun... - ela suspirou, em tom de pedido, mas era tão mentira que ele não conseguiu se forçar a convencer-se. E a razão ganhou a briga fortalecida pelo desejo do rapaz de que Sakura ficasse bem. E ela precisava descansar para isso.  

— A gente se vê amanhã... – o Uchiha ponderou, ao que ela baixou o rosto – Eu não vou fugir. 

 

 

Quando um baque surdo ressoou pelo quarto como um taiko mal tocado, Sasuke acordou de susto amaldiçoando os deuses que permitiram a existência da criatura que provocara o estrondo e jurando encerrá-la. Mas aquela era a primeira de uma sequência. O Uchiha se levantou prevendo um péssimo dia e colocou-se a caminho da entrada, armando-se com sua Kusanagi no caminho. Empurrou a porta do apartamento com força suficiente para derrubar um rinoceronte e decepcionou-se quando a visita foi rápida o bastante para desviar. 

— Hey, hey! Caraca, Sasuke, e se fosse um vizinho, ia matar? 

— Vizinhos não batem na porta dos outros às seis horas da manhã - ele bufou, afastando-se para que o amigo entrasse. 

— São quase nove, desaprendeu a olhar o relógio? 

Sasuke se jogou no sofá levemente surpreso que já fosse tão tarde, mas ainda sem vontade de desafundar a cara da almofada. Ele ouviu o ruído de madeira arrastada contra o chão e deduziu que Naruto roubara uma cadeira da pequena mesa de jantar. Desistiu. Poderia ter dormido horas a mais, mas agora que acordara duvidava muito que conseguiria se livrar do amigo ou recuperar o sono. 

— Cara, acabado... 

— Vai embora. 

— Nem, matando aula... Consegui autorização do sensei! Levanta aí e come que eu tenho que te levar num lugar... 

Derrotado, Sasuke sentou-se ainda achando difícil focar na claridade. Recebeu o embrulho que Naruto lhe estendia e, desfazendo-o, encontrou onigiri, legumes e ovos cozidos. Sofá não era lugar para comer, então levantou-se e deixou a comida sobre a mesa, enquanto buscava os hashi. Voltando, viu que a cadeira estava outra vez no lugar de origem, com Naruto sobre ela. 

bom, né? A Hina cozinha muito bem mesmo! 

— Quem? 

— Como assim quem? A Hinata, babaca! Devolve aqui, tu não vai comer mais não... 

Sasuke protegeu a comida que Naruto tentava recuperar até o Uzumaki cessar o contorcionismo e desistir. Ainda ouviu o amigo reclamar por mais um tempo, mas focado no café da manhã, não respondeu. Considerava a comoção injusta: nunca ouvira ninguém chamar a Hinata de Hina. Aliás, nunca ouvira ninguém chamar pela Hinata. 

— Você podia ter pelo menos vindo no meu casamento, né? Veio todo mundo, mas meu melhor amigo... 

— Ia só atrapalhar – respondeu, engolindo os legumes e aumentando um grau na irritação ao ser cobrado — E só precisava de você e da Hinata, certo? 

— Não! Às vezes eu esqueço quão burro você é. Cara, foi o dia mais feliz da minha vida, eu queria minha família aqui. Você é como um irmão! Você, a Sakura-chan e o Kakashi-sensei são minha família... A gente já falou disso, não vou repetir.  

Sasuke fitou um Naruto emburrado roubar um de seus onigiris e sentiu-se mal. Talvez devesse mesmo ter ido. Não precisava dar as caras na festa, apenas desejado parabéns pessoalmente, ao invés do cartão taciturno que enviou. 

— Eu mandei um cartão - defendeu-se, mesmo sabendo que era um álibi ridículo - Pela Sakura. 

— Ah, ela é outra! Tu sabia que ela ficou sozinha na festa enquanto todo mundo tava de casal? Ela não vai te esperar pra sempre não, viu? Se liga! 

Por algum motivo, aquela foi a gota d’água. Sasuke empurrou a comida e se levantou, convencido de que mais uma palavra de Naruto e seu mau-humor o implodiria. Dormira pouco, acordara de susto e estava sendo repreendido desde então. Começava a se arrepender de ter voltado. 

— Hey, não vai terminar de comer? 

— Perdi o apetite – respondeu, entrando no quarto. 

A roupa do dia anterior estava dobrada sobre a escrivaninha e o rapaz avaliou que o conjunto ainda era usável. Mal vestira a camiseta quando uma presença se fez à porta e, fechando os olhos, o Uchiha pediu paciência. Fazia apenas dez minutos desde que acordara. 

— Foi mal – ouviu Naruto falar, o constrangimento fazendo-o coçar a cabeça - Eu exagerei jogando a Sakura no meio. 

— O que tem ela? 

— Ué, você apelou por causa dela, não foi? Porque eu disse que ela não vai te... 

— Onde você quer ir? Vamos logo. 

Os dois se encararam e Naruto pareceu desistir. Por ora. Sasuke sabia que era questão de tempo, contudo, para que ele retomasse o assunto, fosse a festa perdida, fosse Sakura. Estava disposto a aceitar a trégua, entretanto. Quando o amigo voltasse a encher, ele poderia simplesmente deixá-lo falando sozinho. 

Naruto deixou o apartamento, liderando o caminho, e Sasuke o seguiu. Se sozinho era difícil passar despercebido, ao lado do amigo era impossível. O Uchiha fechou mais a cara à medida que avançavam pelo centro de Konoha, os murmurinhos e acenos aumentando na proporção do fluxo de aldeões. O Uzumaki, ao seu lado, cumprimentava meio tímido aqueles que o chamavam, e animava-se um pouco mais com os antigos conhecidos e as crianças. Essas, por sinal, o abordavam sem qualquer pudor, pulando em sua frente, perguntando sobre missões, treinos, brinquedos que foram lançados e sobre os quais Naruto parecia saber nada. O rapaz, contudo, mostrava se divertir bastante quando a mesma ausência de constrangimento apresentada no trato com ele era dirigida a Sasuke, que demonstrava tanto tato quando o esperado de um hipopótamo bêbado. 

— Ahhhhh, você é o Uchiha Sasukeeee! - gritou um dos garotos que compunha um grupo de dez, esbugalhando os olhos ao apontar para o ninja como se fosse um ser vindo direto de um mundo fantasioso – Carambaaaa, você tem o Sharingan? 

— Ele tem o Rinnegan também! - esgoelou outro, tentando fazer seu caminho por entre os amigos para ver o herói mais de perto. 

— Aiii... 

Sasuke segurou pela gola a menina mais próxima dele que, muito menor que os outros, foi acotovelada e arremessada pelo entusiasmo físico das demais crianças. A olhou por um instante, verificando se estava inteira, e recebeu em retorno um par de olhos brilhantes que misturavam entusiasmo e timidez. Não devia ter mais que cinco anos, avaliou. Procurou o responsável por um segundo, mas Naruto já se ocupara da bronca: 

— Hey, dattebayo, vocês não podem fazer isso! Quase machucaram a menininha, ela é menor que vocês! Nah, não vou brincar com ninguém hoje, vão, vão, podem ir indo pensar no que vocês fizeram! 

Ah não, eu quero ver o Sharingan! 

— Eu quero ver o Rinnegan! 

— Outro dia, hoje vocês não merecem!  

Não haveria outro dia, o Uchiha pensou, deixando as crianças para trás e seguindo Naruto. As chances de ele exibir seus dōjutsus como números de um espetáculo eram inexistentes. Não se preocupou em verbalizar a negativa definitiva, pois duvidava que alguém tivesse a coragem de pedir. Apenas manteve a cara fechada enquanto o amigo saudava seus fãs cada vez mais escassos ao se aproximarem dos limites da parte urbana da vila. 

— Onde estamos indo? - finalmente perguntou, reconhecendo, com um solavanco no estômago, parte do caminho em meio aos prédios ainda em reconstrução. 

— Bem... - vacilou Naruto por um momento – Ali na frente era seu distrito. Ficaram só os escombros depois do ataque do Pain, não sobrou casa alguma em pé, então Kakashi mandou limpar e fez um parque... É como um memorial agora. Acho que ele comentou com você, né? 

— Hm... - Sasuke confirmou, lembrando-se da carta onde Kakashi pedia sua autorização e do simples “faça o que quiser” que enviara de volta. 

— Nós vamos lá. Vamos no parque. 

As pernas de Sasuke pararam antes que seu cérebro pudesse processar. Foi inconsciente, involuntário. Naruto deu mais dois passos, mas interrompeu a própria caminhada e voltou-se ao amigo, que fitava o parque ao fim da rua sem saber ao certo porque hesitava. Voltara ali anos antes, com seu antigo time, Taka, na época da guerra. Sentira nada naquela ocasião. Contudo, aquele Sasuke não existia mais e o de agora raramente entendia o que sentia. 

— Sasuke? - Naruto chamou, a voz inundando com preocupação cada sílaba. O Uchiha fechou os olhos e seguiu o caminho, a atitude indiferente de sempre dissimulando a confusão interna. 

Os dois retomaram a caminhada e seguiram parque adentro. Houve estranhamento a Sasuke em ver Naruto guiá-lo por seu antigo distrito conhecendo o lugar melhor que ele mesmo. Mas o Uchiha reconhecia tão pouco que se sentiu mal. Não tinha mais prédios, casas, tendas. Era um grande jardim, extremamente bem cuidado, onde jovens mães se sentavam à grama para observar seus filhos engatinharem. Kakashi fizera um ótimo trabalho em soterrar a atmosfera de massacre que Sasuke recordava. A primavera pintara as árvores e o chão de todas as cores, as pontes vermelhas sobre o lago artificial pareciam um cenário de fotografia, o bosque ao fundo completava o horizonte e era fácil esquecer quão próxima a cidade estava. Era quase como se ele nunca tivesse morado ali. Quase. 

O leque dos Uchiha estava cravado no metal vermelho das pontes, pintado nos bancos de madeira, exibido grande no portal que era a entrada do parque. Não se podia andar cinquenta metros sem se lembrar que ali era um memorial aos Uchiha. Havia placas contando histórias dos membros mais famosos e das batalhas mais heroicas. Não viu nada sobre Itachi, entretanto. Seu irmão ainda estava nas sombras, e ali ficaria. Mas o caçula fora lembrado. 

”Uchiha Sasuke é o único membro vivo do lendário clã Uchiha. Atualmente um dos maiores ninjas do mundo, Sasuke é exímio usuário do Sharingan, uma das kekkei genkais mais famosas e poderosas de que se tem notícia, e atua como protetor de Konoha em terras estrangeiras. É lembrado por seu papel na vitória da Aliança Shinobi durante a Quarta Grande Guerra quando, integrando o Time 7 ao lado de Uzumaki Naruto, Hatake Kakashi e Haruno Sakura, resgatou toda a humanidade do Tsukuyomi Infinito.” 

— Kakashi-sensei quem escreveu – Naruto contou, quando viu Sasuke parado em frente à placa com seu nome – Sakura-chan escreveu um antes, mas ficou enorme e não coube na placa! 

— Acho que não deveria ter uma placa minha – o rapaz comentou. Seus amigos teimavam em dá-lo mais honra do que merecia. 

— Acho que deveria. Mas se você quiser, pode arrancar. Tudo aqui ainda é seu, Kakashi-sensei deixou bem claro ao conselho. Mas vamos, o que eu quero te mostrar logo ali. 

Precisou andar um pouco mais para alcançarem ao destino. Afastado do centro do parque, quase entrando na floresta, Sasuke viu antes de chegarem o que Naruto queria lhe mostrar. O Templo Naka. O teto que desabara quando Konoha foi destruída estava outra vez de pé, sustentado por paredes reconstruídas e bem pintadas. O Tori à frente marcava a entrada imponente como Sasuke se lembrava de sua infância, assim como as escadarias de pedra e o estandarte do clã.  

— Vocês reconstruíram... - Sasuke murmurou, sem necessidade. Considerando que Pain destroçara o prédio às lascas, era óbvio que alguém o reerguera. 

— Hm! Kakashi-sensei e eu. Sozinhos! Vem, ficou exatamente como era. 

 - E como você sabe como era? - Sasuke provocou, seguindo Naruto que tentava, e falhava, em conter a animação.  

— Deixa de ser cuzão! Eita, perdão, perdão - o Uzumaki acrescentou, batendo na boca por ter falado palavrão no templo – A gente achou as plantas, demoramos mais tempo no Templo que com o parque em si... Mas aqui fomos só eu e o Kakashi, enquanto no parque tinham dezenas de pessoas, então merecemos um desconto. Ah, e o que tava embaixo, sabe? A gente manteve, Kakashi-sensei selou, mas você precisa ativar com o Sharingan para ninguém mais poder entrar. Mas aqui é bem isolado, ninguém vem pra essas bandas. 

Lá embaixo era sob o sétimo tatame a partir do lado direito, onde as reuniões dos Uchihas aconteciam, onde os segredos do clã estavam escritos. Não havia risco de lerem, sendo ele o único com os dōjutsus capazes de decifrar a pedra. Mas selaria, como Naruto indicou. Não precisava de ninguém se metendo ali.  

Os dois seguiram para o prédio, Naruto mostrando cada detalhe do que fizeram e se orgulhando o resultado. O esforço dedicado ao trabalho mostrava o quanto quem fizera se importava com para quem era feito. Era a forma que seu sensei e seu melhor amigo encontraram de dizer que ali era seu lugar, o lugar de sua família, e jamais deixaria de ser. E então, pela primeira vez em muitos anos, Sasuke se sentiu plenamente em casa. Enquanto o Uzumaki alegremente tagarelava, o Uchiha percebeu-se recordando o sentimento que seu eu criança tinha no templo de família. Um misto de deferência e tédio. Sorriu lembrando-se de como sua mãe o arrastava ali no ano novo com a promessa de mochi. Seu peito esquentou confortável e permaneceu dessa forma, sendo guiado por Naruto no lugar que conhecia como sua mão. Ainda faltavam as máscaras e as esculturas, as bençãos dos monges e os festivais com lanternas acesas no fim do inverno e flores no verão. Mas era uma boa metáfora para a família que honrava o templo. 

— Talvez a gente tenha se metido onde não fomos chamados – Naruto refletiu cuidadoso, mirando Sasuke como se pedisse desculpas adiantadas após terminar o tour pelo templo – Tipo, é um assunto delicado, eu sei, mas... Mas... Assim, eu quero que você se lembre que aqui é seu lugar. Konoha é a casa dos Uchihas, mesmo que... 

— Eu sei – Sasuke cortou, achando que Naruto se desculpar com ele depois de tudo era um disparate colossal – Eu sei. 

— Humph. 

Os dois se encararam por um segundo antes do Uzumaki explodir em uma gargalhada e Sasuke sacodir a cabeça, disfarçando a própria diversão. Algumas coisas nunca mudariam. O rapaz admirou o trabalho dos amigos como um todo e ouviu o vento balançar os galhos e folhas das árvores do bosque ao fundo, o Sol alto destacando os tons de verde. Apenas verde. Talvez pudesse completar o esforço de Kakashi e Naruto, refletiu. E se tocou de algo mais: 

— A Sakura não ajudou vocês, né? - perguntou, o cuidado limitado nos detalhes já sendo a resposta. 

— Ah, não... Já nos sentíamos invadindo demais teu território para ainda trazer a Sakura pro jogo. 

— Como assim? 

— Hm... Assim, não vai apelar, tá? Mas acho que você vai preferir você mesmo falar com a Sakura sobre seu clã, né? Ela sabe mais da história que geral sabe, mas trazer ela aqui, sei lá... Pareceu que estaríamos fazendo algo que é seu papel – respondeu o Uzumaki que, antes que o Uchiha pudesse rebater, puxou no ar coragem para continuar – Sasuke, presta atenção: resolve teu lance com a Sakura-chan. Não é justo fazer ela esperar, sacou? O alcance do boato sobre vocês dois, com o qual eu tenho nada a ver, diminuindo bastante, sabe? A floricultura da Ino deve ter batido a meta do ano com o tanto que vendeu no aniversário da Sakura-chan. E você fez o quê? Nadica! 

A reação natural de Sasuke era dizer a Naruto para cuidar da própria vida, mas foram tantas informações que ele se viu perdido entre a vontade de mandar o amigo se calar e de pedir para contar mais. Processando mais devagar do que de costume, tentando não apelar como lhe fora pedido e escondendo o tamanho da curiosidade, começou pelo básico: 

— Que boato? 

— Ah... Um boato aí, sabe? Nada demais não... - Naruto gaguejou, coçando a cabeça, vacilando sob a gravidade do olhar do Uchiha. Suspirou e cuspiu de uma vez, resignado – Que vocês dois têm um lance e já estão juntos e talz...  

Sasuke fechou os olhos, buscando paciência. 

— Cara, pode até apelar, mas é isso que tem segurado metade dos ninjas de Konoha de darem em cima dela descaradamente, tá legal? Aliás, nem só de Konoha, galera de fora também. É sério, o tanto de flor que ela... 

— E você não tem nada a ver com esse boato? 

Naruto piscou. 

com fome? Já tá na hora do almoço, bora indo.  

Sasuke estalou os lábios e Naruto se apressou para fora do templo.  

Os dois fizeram o caminho de volta com Naruto claramente preenchendo cada segundo de silêncio a fim de evitar que Sasuke perguntasse mais sobre seu envolvimento com boatos que recém descobrira. O humor do Uchiha, contudo, piorava consideravelmente com o amigo ao lado dedicando infinitos minutos aos mais mundanos assuntos, como a cor das placas de informação da vila (verde e sem graça, na opinião do herói). Ele já preparava para se comprometer a não perguntar mais sobre os rumores espalhados com a condição que Naruto ficasse quieto quando o ouviu gritar: 

— SAKURA-CHAN! HEY, SAKURA-CHAN! 

Sasuke mirou a direção para onde o ninja acenava animado onde, destacado como sempre, viu os cabelos cor-de-rosa de Sakura. Ela interrompeu a própria caminhada e, dois passos atrás de Naruto, que praticamente corria, o Uchiha seguiu até a jovem, a qual dividia o sorriso de forma completamente desproporcional entre os companheiros de time. 

— Há! Olha quem aqui? - Naruto anunciou, as mãos apresentando Sasuke como a atração esperada. 

— Oi, Naruto. Eu sei, encontrei o Sasuke-kun ontem... Você bem? 

Sasuke acenou, incapaz de tirar os olhos dela e ignorando solenemente o queixo de Naruto caído ao seu lado.  

— Quando vocês se encontraram? 

— Onde você indo? - Sasuke perguntou, reparando na bolsa de viagem da garota pendurada sobre o ombro. 

— Ah, saindo em missão... Não é nada demais, o Daimyō-sama sempre pede pra Shizune-san ou eu irmos até lá quando ele passa mal por comer igual um porco selvagem... - a garota respondeu, girando os olhos - Não faz nada, só come e dorme. Mas da outra vez foi a Shizune, então agora é minha vez. 

— Hm... 

— Mas eu volto rápido, uns dois dias. 

— Vai sozinha? 

— Sasuke, quem que vai se meter com a Sakura-chan? - Naruto argumentou, dando dois tapas nas costas da menina, que o olhou ameaçadora - Viu só, se ela olha assim pro cara, ele já se caga e foge. 

— Idiota... - ela xingou, mas Naruto riu e ela riu junto – Mas, de qualquer forma, eu vou indo. atrasada já. Kakashi-sensei me avisou da missão tem mais de hora, eu que fiquei presa no hospital. Sasuke-kun, - Sakura chamou, hesitante – hm... vê se não vai embora antes de eu voltar, tá? Bem... tchauzinho. 

Sasuke e Naruto continuaram mirando as costas da companheira de time até ela sumir em meio aos transeuntes. O Uchiha lutou internamente contra a vontade de segui-la, mesmo não sabendo exatamente por qual motivo não ia com ela, além de orgulho. Suspirou ao perder os cabelos rosados de Sakura de vista e colocava a mão no bolso quando tomou uma cotovelada do amigo: 

Vamo comer? 

— Hm... Fica pra próxima. Tenho uma coisa pra fazer... 

 

 

O Sol já estava baixo, mas o calor parecia querer compensar a brisa fresca de mais cedo. O suor que pingava do rosto de Sasuke já encharcara seu cabelo, colara sua camiseta às costas e se continuasse sendo produzido naquele ritmo, o rapaz estaria desidratado até o fim do dia. Mas sempre terminava o que começava e faltava apenas um par: estava seguro, terminaria antes de expulsar toda água do corpo. 

Quando mais cedo Naruto explicara o motivo de Sakura não ter sido chamada para ajudar na reconstrução do Templo Naka, Sasuke percebeu que o amigo tinha razão. Ele ainda não sabia o que rolava entre os dois, mas se a jovem tinha que saber sobre sua família, queria que viesse dele. Entretanto, essa não foi a única epifania que tivera naquela manhã. 

Por isso, recusara o convite do Uzumaki e seguira ao local onde se lembrara de acompanhar a mãe quando criança sem convicção alguma de que havia ainda algo a encontrar ali. Mas a sorte ficou do lado do rapaz e, ainda na esquina, ele viu a cerca suja de terra envolta a mudas, vasos toscos e sacos e mais sacos de adubo. Se quisesse comprar flores, arranjos ou plantas delicadas, a melhor floricultura de Konoha era a da família Yamanaka. Mas para mudas de árvores, nada superava a estufa desleixada de Rui-san. 

O velho Rui abriu um sorriso maior que o rosto quando Sasuke entrou, abaixando-se para desviar das ferramentas e panos pendurados na entrada. Assim como Teuchi, o homem reconheceu nele o menino de antes e, sem que o rapaz pudesse evitar, o abraçou, o puxou para um chá e dedicou a hora seguinte a contar histórias e lembrar-se dos que foram. Sasuke não sabia se gostava ou não de estar ali. A felicidade de ouvir tanto carinho no nome dos pais contrastava com a dor de não os ter perto. 

Mas, depois da hora passar, finalmente conseguiu prosseguir com o que o fizera ir até ali. Precisava de mudas, ferramentas, adubo e o que mais o velho Rui lhe sugerisse. E ele o fez. E explicou em detalhes como Sasuke deveria trabalhar e como as mudas deveriam ser cuidadas. O rapaz não se lembrava da última vez que prestara tanta atenção a instruções. 

Sua condição atual foi consequência. A terra estava sob as unhas, entre os dedos da mão e dos pés, no cocuruto da cabeça. Rasgara a calça que roubara (e que pretendera devolver) na altura do joelho e seus ombros reclamavam após horas curvados. Mas nas laterais e nos fundos do tempo, um pouco mais de uma dúzia de mudinhas se firmavam na terra encharcada fazendo força para vingar e honrar o trabalho do pouco habilidoso jardineiro. 

— Como pode um cara tão apático como você ser uma caixinha de surpresas tão grande

A voz do sensei surgiu piadista atrás dele e Sasuke escondeu o susto que levou com a chegada do ninja. Começava a se preocupar com sua própria habilidade de percepção uma vez que Kakashi parecia ser capaz de esgueirar-se por entre o sentido do rapaz e alcançá-lo sem que ele o percebesse numa taxa de sucesso que beirava os cem porcento. Levantou o rosto para ver o Rokudaime admirando as árvores recém-plantadas em fileira um segundo antes de voltar-se à última muda. 

Me diz que você não estava escondido esperando eu terminar para não precisar ajudar. 

— Nhá, faz bem minha cara, né? - Kakashi brincou, coçando a cabeça, a voz cheia de um riso contido – Mas não, eu sou um cara ocupado, sabe? Só que como você é meu aluninho querido, arranjei um tempo pra você. Vamos? 

Sasuke olhou de lado e viu o Hokage segurar pela alça uma caixinha com seis garrafinhas. O sensei sacodiu o pacote, como se fosse uma isca para atrair a presa e, diante da inércia do Uchiha, que simplesmente voltou ao trabalho, perdeu a paciência: 

— Ah, qual é, Sasuke... 

— Ainda sou menor de idade – o rapaz se defendeu, regando a muda transplantada – e estamos em um templo. 

— Por isso trouxe cerveja e não saquê. Pra você ir se acostumando – brincou o homem, que continuou sendo ignorado - Bah, você e o Naruto são certinhos demais. Termina isso aí e me encontra ali, perto do rio.  

Sasuke bufou quando o sensei desapareceu, mas o obedeceu. Terminando a jardinagem, organizou as ferramentas e insumos no carrinho de mão que Rui-san lhe emprestara e seguiu para onde Kakashi indicara. Encontrou-o sentado em um tronco, à margem do rio, os pés descalços na água e uma cerveja já aberta na mão. O sensei parecia dez anos mais jovem do que o rapaz se lembrava. 

— O que você quer? - perguntou, agachando-se perto d’água e lavando o rosto e a mão. 

— Nada demais... Conversar só. Pega uma. 

Recebeu a cerveja oferecida e sentou-se no chão enlameado, aliviando as costas no tronco que Kakashi estava. O gosto do primeiro gole foi refletido em uma careta involuntária, mas lidava melhor com o amargo do que com o doce, então a segunda virada foi mais longa, proporcional a sede. O líquido gelado era convidativo e ele quase secou a garrafa. 

— Hey, vai com calma, ainda aprendendo – Kakashi alertou, abrindo uma segunda para si. 

— Sou imune a quase todo tipo de veneno... 

— É, podemos dizer que é como um veneno mesmo. Mas sua cara tá ficando vermelha, então acho que Orochimaru não te fez imune a álcool... 

Sasuke deu de ombros, mas se percebeu levemente tonto e foi obrigada a cogitar a hipótese de Kakashi. Tomou o restante, entretanto, e pediu outra. 

— O que você quer? - perguntou outra vez, enquanto o sensei lhe entregava a segunda – Desembucha. 

— Direto como sempre. Você precisa de habilidades sociais. E, sério, segura a onda. Eu tenho uma missão pra você amanhã. 

— Então pra que me trouxe isso aqui? 

— Porque prefiro lidar com você menos apelão... 

— Posso ficar ainda mais. A polícia vivia separando briga de bêbado - argumentou, lembrando-se da pouca paciência que seu pai tinha para pinguços arruaceiros. 

— Ainda vive... Mas é um risco que estou disposto a correr. Bebe um pouco mais, só vai devagar. 

— Como é essa missão? - Sasuke perguntou, depois de uns minutos em silêncio e de alguns outros goles. 

— Hum... A Sakura me mandou uma mensagem mais cedo. O médico do Daimyo mentiu quando disse que ele estava com incômodo intestinal. O Daimyo foi envenenado e o médico não queria correr o risco da mensagem ser interceptada. A avaliação dela é que ele tem sido envenenado aos poucos há algum tempo. Isso é grave, pode gerar um caos político e a Vila vai ficar no meio do furacão. 

Sasuke se arrependera amargamente de ter bebido. Ele queria se apressar e ir ao encontro de Sakura. Se o Daimyo estava sendo envenenado aos poucos, o criminoso estava dentro do palácio e a jovem agora era uma ameaça aos planos. Logo, era um alvo. Contudo, sua visão  anormalmente carregada, como se as imagens estivessem em ritmo diferente, e consciência de que não comia nada desde os onigiri do café da manhã o fizeram concluir que era tarde: não poderia partir de imediato. 

— Mandei Naruto e Shikamaru para ajudar Sakura a encontrar o criminoso, já que o Daimyo não permite que ela saia de perto dele, mas nenhum dos dois tem ampla experiência em infiltração e investigação. Shikamaru vai me enviar um relatório amanhã cedo. Aí você parte, se for necessário. 

— Hm... - o rapaz limitou-se a murmurar, ainda dissimulando o incômodo. Sentiu Kakashi o olhando e, para disfarçar, tomou outro gole de cerveja. 

— A Sakura vai ficar bem, não precisa se preocupar. 

— Eu não... - apressou-se em se opor, mas desistiu diante da encarada debochada do sensei. Percebeu que não adiantaria mentir para Kakashi, afinal o Hatake não se tornara Hokage apenas pelas extraordinárias habilidades ninja. Vencido, acrescentou - Você devia ter me enviado junto com ela, e não me dado álcool. 

— Nah, eu achava que era só outro episódio de extravagância do Daimyo. São mais comuns do que todos gostaríamos. E o álcool é justamente pra te segurar aqui essa noite, não temos tanta pressa assim - o homem se defendeu, mirando o horizonte – Mas você não tem muita sorte mesmo. Quando aparece para se resolver com ela, eu a mando em missão. Desculpa por isso. 

Outra vez, desistiu de mentir e contrariar o homem. Em algum nível, os dois eram tão parecidos que o Uchiha sabia que não adiantava se esquivar de Kakashi. Naruto tinha um conhecimento mais geral do que Sasuke sentia, mas o Hatake era diferente. O sensei entendia os sentimentos do aluno. Isso somado à excelente intuição do Rokudaime o tornavam difícil de enganar. Além disso, ele de fato voltara pensando em Sakura e, mesmo que não soubesse exatamente o que tinha que resolver e muito menos como, definitivamente precisava organizar tudo isso que a envolvia. 

— Como você fez? - Sasuke perguntou, fugindo ao personagem e pedindo conselhos – Como você fez com a guardiã da fronteira? 

Com Nana? Hm... - Kakashi suspirou permitindo se perder por um instante enquanto o pupilo aguardava a resposta – Foi fácil, na verdade. Levou só quinze anos. 

O Uchiha balançou a cabeça desesperançoso, escondendo o rosto na mão sem acreditar no próprio azar. Quando finalmente reunia coragem para pedir um conselho, o fazia a alguém pior que ele. Kakashi riu e, interpretando corretamente o desalento do rapaz, acrescentou: 

— Você realmente não tem sorte.  

— Talvez se você mostrasse a cara, ela tivesse se apaixonado mais rápido - Sasuke caçoou, o álcool fazendo mais efeito do que ele reconheceria. 

— Talvez fosse pior... 

Sasuke riu. 

— O que mudou em quinze anos? Por que deu certo agora? 

— Eu mudei. Ela mudou. Nana é muito mais calma hoje e eu bem menos idiota. Precisei de quinze anos para admitir o que sinto por ela.  

Quanto tempo eu vou precisar para admitir o que sinto pela Sakura?, se perguntou esticando a mão para receber outra garrafa de Kakashi. Ela esperaria até ele conseguir? E ele, queria esperar? Lembrou-se da noite anterior, do que sentia quando estava ao lado dela e, então, a bebida, antes amarga, agora parecia fraca demais. Precisava de algo muito mais forte para domar o aperreio sufocante e o arrepio que percorreu sua espinha. Se algo acontecesse e eles não tivessem tido a chance de...? 

— Você devia ter me mandado com ela... - reclamou de novo, o mau humor misturando-se à desinibição advinda do álcool - Eu fiquei aqui, plantando árvore, enquanto ela pode tá se metendo em... 

— Plantando cerejeiras? - Kakashi provocou, e Sasuke fechou a cara de vez - Dê algum crédito à Sakura, Sasuke. Eu confiaria a ela Konoha inteira, ela é a melhor kunoichi da vila.  

— Ela é útil aqui, não precisa sair... 

— Isso é seu super protecionismo falando, não é muito do seu feitio... HEY! SASUKE! 

Ouviu o Hokage o gritar, mas o ignorou. Em dois saltos, começou a atravessar o bosque, cortando caminho até o apartamento emprestado pelo sensei. Seu coração parecia pegar fogo enquanto uma bola fechava a garganta. Sentia-se tão perdido que, pela segunda vez naquele dia, começava a se arrepender de ter voltado. Se tivesse seguido a lugar algum, estaria na mesma tranquilidade de semanas antes, pensou, irritado. Mas sabia da mentira do argumento. Era primavera, não estava tranquilo. Estava melancólico, agoniado e ainda mais reflexivo que o normal. E sentia falta dela. Sentia tanta falta dela. De repente, com o vento gelado no rosto molhado, Sasuke culpou Kakashi: fora uma péssima ideia beber. 


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoaaaal!!!

Capítulo novinho postadinho!!!

Desculpem a demora, mas sou lenta em escrever mesmo. Perdon!

Por favor, não deixem de comentar e dizer o que estão achando! E muito obrigada pelos comentários dos capítulos anteriores!

Beijooos!



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