La Belle Anglaise escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 39
38. Vênus E Apolo.




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10 de agosto de 1792| Paris, França

Toda a Europa tinha seus olho na França, e eram olhares amedrontados, raivosos, tristes e indiferentes. Se em 1789 a revolução foi vista como temor, o radicalismo que ela tomou era vista com mais ainda. A situação tornou-se insustentável, em junho de 1791 a própria família real tentou fugir, em vão, com isso, após muitas ameaças, Áustria e Prússia invadiram a nação revolucionária, iniciando assim uma guerra.

— São apenas ameaças, monseigneur, ninguém em sã consciência teria coragem de atacar as Tuileries.— Roederer, que havia sido enviado pelo Departamento de Paris para cuidar da proteção dos monarcas franceses, parecia resoluto em suas palavras.— As proteções do palácio são...

— A Bastille também não era segura, monsieur? E Versailles? Não tínhamos lá um imenso exército?— Porém, mesmo com as garantias do procurador, a rainha ainda estava cética. Ela negou e olhou por uma janela o pátio do palácio cheio de guardas.— Nenhum exército pode impedir pessoas raivosas de atacar.

— A Guarda Nacional...

— Onde está Pétion, monsieur Roederer? Creio que ele já deveria estar aqui, a horas atrás.— Até a pouco calado, o rei finalmente falou, não recebendo uma resposta do cavalheiro. Louis juntou-se a esposa na janela, era possível sentir a tenção no ar.— E quanto a Mandat? Quem irá cuidar da Guarda Nacional na falta dele?

A melhor pergunta seria: quem iria garantir a lealdade da Guarda Nacional? Eles tinham a proteção da Guarda Suíça, mas eram apenas mercenários, poderiam ser os melhores que existiam, porém dificilmente iriam vencer os furiosos parisienses. O silêncio permaneceu na sala, nem Roederer, os ministros do rei ou as damas da rainha tentaram falar algo. Louis e Marie Antoinette se encararam, era nesse momento que o arrependimento vinha a tona.

Muito provavelmente a situação estava assim por culpa deles, ambos tinham conhecimento disso. Talvez se Louis não tivesse ficado tão indeciso em Varennes ou... se o Manifesto de Brunswick tivesse sido recusado as coisas não estariam assim, o povo não estaria clamando... clamando por uma república.

Mandat foi convocado ao Hôtel de Ville, certamente afim de resolver está situação humilhante.— Qual seria o nível da certeza de Roederer? As afirmações dele eram tão cheias de força, uma dificilmente compartilhada pelos soberanos.— Nada acontecerá, monseigneur, nossas forças são muito mais superiores que quaisquer outras.

Pareciam ser promessas tão vazias, desde a convocação dos Estados Gerais, antes de todo esse caos, Louis XVI e Marie Antoinette escutavam essas mesmas palavras: nada aconteceria. Então por que o resto da Europa pensava diferente? Ao mesmo tempo que tinham arrependimento, eles sentiam uma grande calma ao saber que os austríacos e prussianos estavam vindo. O rei e a rainha encararam um ao outro e assentiram.

— Estamos confiando nas suas promessas, monsieur, então é bom elas não serem vãs.— Voltando-se a Roederer, o rei afirmou placidamente e estendeu uma mão ao cavalheiro.— Nossas vidas estão em suas mãos.

Roederer pegou a mão do rei e a beijou, como se fosse uma promessa de que nada aconteceria. Marie Antoinette viu isso e voltou-se novamente a janela, a rainha apenas esperava o momento em que todos iriam começar a agir e essa inferno chegaria ao fim. Ela estava observando dessa mesma janela quando Louis desceu ao pátio para analisar a guarnição. Mesmo distante, era possível sentir a sensação do perigo, aquelas eram chamadas de "tropas leais", mas nem todos entre eles eram leais.

Vive le roi!— O rei assentia calmamente as saudações, junto do rei, o general Mailly sorria em agrado.— Vive la monarchie!

Vive la Nation!— Mas entre os próprios Guardas Nacionais, existiam alguns desleais.— A bas le veto! A bas le veto!

O rei imediatamente parou de andar, enquanto, observando a distância, a rainha levou uma mão ao coração... estavam pedindo o fim da monarquia... o fim deles. Porém, mantendo a calma, o rei permaneceu em silêncio e continuou sua vistoria, atrás dele os gritos continuavam e estavam virando brigas, as próprias tropas iriam se destruir!

A atual situação nas Tuileries ficava insustentável a cada instante, o rei voltou para perto da rainha e dos filhos completamente perturbado, as promessas nunca pareceram tão vazias quanto agora. Em dado momento, não muito depois de Louis voltar as Tuileries, Roederer entrou na sala com um aviso de que o ataque ao palácio ao eminente, a família real corria risco de vida, eles deveriam buscar refúgio com a Assembleia.

— Creio que não exista nenhuma outra...

— Não! Não, Louis! Não podemos recuar!— Mesmo com o rei parecendo disposto, a rainha recusou categoricamente a "fugir".— Devemos ficar e lutar, ou estaremos trocando o martírio pela traição!

— Entenda uma coisa, madame: as Tuileries não são mais seguras para sua família, irão invadir o palácio.— Marie Antoinette negou a afirmação de Roederer e encarou suas damas de companhia, isso não negava todas as antigas promessas dele?— As próprias tropas estão se revoltando.

— Não foi dito que dito que as Tuileries eram...— Antes que Marie Antoinette pudesse acabar, o rei levantou a mão, sinalizando para ela calar-se.

— Vamos para a Assembleia, não existe mais o que fazer aqui. Para nossa proteção, para a proteção de nossos filhos.— Louis estava resoluto em sua decisão, eles deixariam as Tuileries e, embora não soubessem, para nunca mais voltar.— Escolha as damas que ficam e as que vão.

Pelos Jardins das Tuileries, a família real, junto com a princesa de Lamballe e a madame de Tourzel, retirou-se em busca de refúgio na Assembleia. Imediatamente após a fuga, o caos tomou conta do palácio e as Tuileries foram invadidas pelas tropas revolucionárias. Como sempre acontecia nesses momentos, os Guardas Nacionais começaram a desertar para o lado invasor, deixando a Guarda Suíça praticamente sozinha na missão de proteger a corte...

Foi um massacre terrível. Prédios foram queimados e vidas, muitas vidas foram perdidas. A Guarda Suíça acabou praticamente massacrada, e até mesmo cortesãos e empregados do rei foram mortos, as mulheres foram poupadas por pena. Enquanto do lado revolucionário, centenas de insurgentes morreram, embora muitas pessoas comuns tenham sido feridas. Foi terrível, mas não apenas as mortes.

Na Assembleia, os deputados discutiam seriamente o que fazer com o rei, o que estava acontecendo em Paris, o que aconteceu em Paris, não poderia ser simplesmente esquecido. Louis XVI e Marie Antoinette escutavam essas discussões com atenção, calma e falsa indiferença. Durante todo o massacre e parte da noite, quando justamente chegaram as notícias que os revolucionários haviam ganhando nas Tuileries, os deputados finalmente decidiram o que fazer com o monarca.

—... como resultado, a Assembleia decidiu que irá poupar o rei de suas responsabilidades, suspendendo assim sua posição como...

*****

21|09|1792 Castelo de Ocenia, Cornwall

O salão de festas do Castelo de Ocenia estava incrivelmente cheio essa noite, afinal, a marquesa nunca dava festas após a temporada social e, mais ainda, nunca organizava bailes de máscaras. Eram quase 150 convidados no salão, entre eles aristocratas, nobres, políticos importantes, diplomatas e exilados franceses, todos usando as mais variadas fantasias e máscaras, numa divertida brincadeirinha de adivinhação... uma muito bem-vinda.

Na França, desde o 10 de Agosto, Louis XVI havia sido destronado, sendo agora rei apenas no nome, não tendo mais poder, prerrogativas ou voz, era um prisioneiro no Templo junto de sua família. Enquanto isso, a França caia mais ainda na guerra e anarquia. Para alguns, poderia ser um momento bastante inapropriado para comemorações, é verdade, mas nunca antes foi tão necessário distrair a mente dos assuntos externos.

— Atenção! Peço a todos muita atenção!— Batendo fortemente seu bastão, Lord Pembroke, vestido de Mercúrio, fez todos os distraídos convidados o encararem.— Acompanhada por suas três Horas, Eunômia, Irene e Dirce, e pelas Graças, Aglaia, Eufrosina e Tália, a mais bela Vênus, junto do Rei Sol, Apolo, entra no recinto para resplandecer nossas existências!

Ouvindo esse anúncio, as palavras na verdade, alguns dos presentes começaram a rir, e logo riram ainda mais. Com as seis damas de companhia da marquesa na frente, todas em ordem de posição, e usando roupas o mais helenizadas possível, entraram no salão Katherine e Wilhelm, a Vênus e Apolo, que eram rodeados pelos filhos, Eros e Anteros; Europa e Andrômeda. A princesa exibia um belo sorriso no rosto, que não era compartilhado pelo príncipe.

— Muito bem, meu rei sol, estamos chamando atenção.— A devida atenção do riso, mais especificamente. Como esperado, Katherine sentiu o desconforto do marido na própria respiração dele.— O que foi? Não gostou da fantasia que preparei para você?

— Foi uma brincadeira do mais baixo nível! Apolo e Vênus nem casados são, e muito menos têm algum relacionamento!— Realmente, mas ela não queria ser uma inferior Juno. Katherine mordeu os lábios, tentando não rir da raiva de Wilhelm.— Mas vamos logo ao importante, rei sol, o símbolo do absolutismo!? É uma ofensa contra mim!

— Uma ofensa? Jamais tive esse pensamento. Apolo não era o deus mais belo, nada melhor para ficar comigo.— Nem mesmo escondendo o cinismo, a princesa respondeu sorrindo. O príncipe grunhiu.— Poderia ser pior, acredite.

Eles poderiam ser Cupido e Psique, Hades e Perséfone ou pior ainda, Orfeu e Eurídice! Mesmo assim, Wilhelm negou e riu irônico, que assim fosse. As Horas, Graças, os dois Erotes, as duas princesas e os dois mais belos do Panteão pararam em seus lugares, obrigando os convidados presentes a fazerem uma longa mesura, alguns quase teatralmente. Não resistindo muito, Katherine riu, todo esse circo estava sendo bastante divertido.

— Nunca fui tão humilhada na vida.— Irritada, Lady Monmouth comentou olhando de lado a marquesa. Katherine permaneceu sorrindo.— Até a Medusa é melhor que Tália, minha marquesa!

— Pois eu já considero Eufrosina muito igual a mim, embora diferente.— Num suspiro cansado, Lady Cottington respondeu, ela olhava fixamente para Lord Cottington, como Hipnos.— Achei muito irônico toda a mitologia parecer muito conosco, minha marquesa.

— Talvez sejamos nós que...— Lady Courteney começou, mas rapidamente foi interrompida por Lady Baster.

— Seu Anteros está correndo pelo salão, Katherine.— Enquanto a condessa falava, elas viram Anne indo atrás do irmão. As damas riram, embora a marquesa estivesse levemente arrependida de trazer as crianças ao salão.— Que Anteros mais agitado você tem, enquanto nosso Eros é tão calmo. Talvez Peitho tenha errado na hora de vesti-los.

Novamente as damas riram, Grace não ficaria nada feliz caso escutasse isso, mas certamente ela também riria. Mas, lembrando que presença dele, Katherine encarou o marido e sorriu, pedindo uma reação dele, o príncipe, porém, apenas negou e desviou o olhar. Como ele... era tão irritante quando queria! Agora foi ela que negou e voltou-se a Richard e Mary.

— Poderiam ir atrás de Anne e Robert, e depois pedirem que Lady Pembroke os leve novamente para cima?— Pegando a mão de Andrômeda, Eros assentiu e saiu. Katherine os observou com um sorriso, até que as crianças foram longe o suficiente e ela encarou irritada o marido.— Eu deveria ter mascarado você de Príapo, sabia? Talvez isso lhe deixasse envergonhado de verdade.

Com uma infeliz careta, o príncipe voltou a encarar ela e abriu a boca, mas parou antes de falar algo. Uma vitória! Não existia vergonha maior que ser um Príapo, principalmente para os homens, seria terrivelmente doloroso até o pensamento. Feliz o suficiente, Katherine voltou-se as damas, pronta para novamente...

— Sua provocação não será respondida, entretanto, eu gostaria de revelar meu descontentamento com suas escolhas para nossos filhos.— Também? Sorrindo desdenhosa, ela encarou o marido, Wilhelm tinha o mesmo sorriso.— Não vou nem criticar Europa e Andrômeda, mas por que você cortou o cabelo de Richard? Os cachos loiro...

— Acho que está levando o personagem muito a sério, Sua Alteza.— As damas quase se assustaram com essa voz, Wilhelm sorriu ao ouví-la e Katherine manteve um falso sorriso no rosto... Georgiana Cavendish.— Mas que olhares surpresos? Minha fantasia está assim tão...

— As Três Bruxas de Macbeth nunca foram tão encantadoras, Sua Graça, tenha certeza, quem fala é Apolo, afinal.— Oh Deus, já tinha começado. Wilhelm riu junto da duquesa, Katherine e as damas sorriam levemente.— A quanto tempo não a vemos, falo isso referindo-me aos eventos sociais.

— Embora estejamos curiosas quanto a sua viagem à França, como foi viver numa anarquia?— Os olhares voltaram-se a Lady Monmouth, com esse cínica pergunta, ou melhor, todos menos Wilhelm. Ele fitou Katherine, porém que culpa ela tinha?— Charles Grey é um dos apoiadores da revolução, não? Como ele consegue?

O silêncio entre todos era firme e desconfortável. A duquesa de Devonshire continuava a fitar Katherine e suas damas com um sorriso, mas era palpável o desconforto dela, ao mesmo tempo que o olhar de Wilhelm sobre a esposa estava ficando irritado. Em momentos assim Katherine se arrependia terrivelmente de convidar os Cavendish, eles pareciam atrair apenas problemas e escândalos.

— Estou cansada de ouvir essa palavra, miladys. Revolução... é um veneno na boca de qualquer pessoa boa.— Rindo consigo mesma, Katherine zombou, ela esperava assim acabar com esse silêncio e continuou... ou quase.

— Katherine, você esqueceu que eu também apoio a revolução? Então eu devo então ser uma pessoa horrível.— Respondendo a provocação de Katherine, e principalmente a de Lady Monmouth, Wilhelm perguntou com um dramático horror.— Sejam sinceras, miladys, eu sou horrível? As vezes sinto que sim.

— Dificilmente, meu príncipe, parece é um verdadeiro Apolo, o mais belo do Olimpo e Panteão.— Sorrindo calmamente, a duquesa respondeu. Ela fitou Katherine e depois Wilhelm.— Toda Vênus merece um Apolo, não? Mesmo que Marte...

— Não sou o tipo de Vênus que gosta de um grande e musculoso Marte, esse tipo é terrivelmente violento.— Tal como... a marquesa negou e tentou mudar os pensamentos. O príncipe percebeu essa perturbação e encarou ela, mas Katherine sorriu.— Poderia me trazer uma bebida, Wilhelm? Deve estar perto da Philippa de Hainault e... daquele homem usando anáguas.

Wilhelm, deixando a preocupação para trás, franziu o cenho, mas ainda assim foi pegar essa bebida. Ficando para trás com as Horas, Graças e uma das Três Bruxas, Katherine encarou o marido. Eles estavam vivendo muito bem ultimamente, no sentido dos problemas conjugais, mas o estresse causado pelo 10 de Agosto e... o medo de uma república nunca deixava de tirar a calma de alguns.

— Eu estava indisposta.— Despertada dos pensamentos pela duquesa, Katherine franziu o cenho em confusão a Georgiana.— Minha falta nessa temporada, foi por causa da temporada, a França foi uma experiência muito cansativa.

— Conseguimos imaginar que é, com certeza.— Em um risinho irônico, Lady Monmouth respondeu. Porém, dessa vez, ela não recebeu atenção alguma.— E o duque, ele veio, melhor ainda, veio do quê?

— O 1° Duque está dançando com Madame de Pompadour.— Então Devonshire era esse tipo de homem? Em silêncio, Georgiana suspirou e encarou Katherine.— Eu agradeço pelo convite, minha marquesa, eles foram poucos esse ano.

Não saiu da boca de Katherine uma resposta imediata... que surpresa! A primeira reação da marquesa seria mostrar um certo orgulho, mas... essa mulher sofreu muito, ela havia viajado à França justamente para dar a luz uma criança bastarda de Charles Grey. Deveria ser um segredo, mas toda alta sociedade tinha conhecimento desse escândalo. Entretanto, Katherine não iria zombar da duquesa, a marquesa simplesmente assentiu e mudou de assuntou:

— Precisamos de Georgiana Cavendish em nossas festas. Agora, onde estão as outras duas bruxas?— Fazendo algum esforço, Katherine perguntou tentando encontrar Lady Meulbourne e a Sra. Damer na multidão, foi inútil. Porém essa procura... Katherine voltou-se as damas.— Lady Harrington veio? Eu lembro de ter enviado o convite, mas ela veio?

— Jane também foi convidada? Que satisfação, desejo tanto vê-la.— O olhar de Katherine estava entre Georgiana e as damas, que não sabiam o que responder.— Isto é, se ela tiver vindo.

— Então eu irei ver isso.— Sorrindo gentilmente, a marquesa afastou-se.

Realmente, a condessa de Harrington estava presente? Foi uma dúvida que Katherine compartilhou com Wilhelm, mas ele estava naquele momento muito horrorizado ao ver a Philippa de Hainault numa sala... tendo intimidades com o francês de anáguas. No final da noite, a marquesa percebeu duas coisas: a condessa não veio e bailes de máscaras eram perigosos. O resto da noite transcorreu aparentemente sem problemas... aparentemente...

No dia seguinte, sentada na sala azul, as damas de companhia mostravam a marquesa as sátiras produzidas nessa manhã. Cornwall era muito distante de Londres, mas bastava uma tarde para as notícias chegarem... alguns desses desenhos eram bastante... obscenos.

— Essas gráficas londrinas não sabem imprimir coisa melhor não? A França está cheia de escândalos.— Dobrando o papel, ela o entregou a Bess, que colocou em uma pilha que iria à lareira.— Será que já desenharam algum...

— Katherine! Katherine, temos um problema! Um terrível problema!— Eram gritos de Wilhelm. Assustando as damas, o príncipe entrou na sala, completamente transtornado.— Os franceses... eles... os franceses proclamaram uma república!

*****

Respirando e suspirando com dificuldade, tentando não se estressar ao máximo, Wilhelm fitava Katherine em silêncio. Fazia mais ou menos um minuto que o príncipe havia dito... essa notícia, e ela permanecia estática no sofá. Havia nele um certo medo de como seria a reação de Katherine frente a esses acontecimentos, mas ao mesmo tempo existia um maior ainda em relação ao futuro. A França...

— Uma república?... os franceses proclamaram uma república?— Encarando ele com olhos incrédulos, Katherine perguntou cética, mas ainda assustada. Wilhelm não conseguiu responder, fazendo ela levantar.— Não, isso não pode ser verdade. Diga que não é verdade... DIGA!

Foi exatamente como o imaginado, mas com uma indiferença: a coragem dele estava indo embora. Como exatamente falar um desastre desses? O príncipe encarou as damas da marquesa e depois encarou a própria marquesa.

— Ontem, curiosamente enquanto festejavamos, a Convenção Nacional tornou-se oficialmente o novo governo da França.— Se apenas isso fosse o suficiente. Tentando manter sua voz firma, o príncipe procurou a reação de Katherine. Ela estava estática.— Eles derrubaram a monarquia e... proclamaram uma república. O Reino da França morreu.

— Mas... isso é legal? Um governo revolucionário não pode destruir uma tradição!— Lady Baster foi a primeira que conseguiu falar algo, embora muito abalada. Wilhelm não respondeu.— A Europa não aceitará... essa bestialidade.

— Eles não leram o Manifesto de Brunswick? A Europa vai destruir a França!— Negando desesperadamente, Lady Ricketts praticamente gritou.— Sem reino? Sem monarquia? Onde tudo isso vai parar, meu Deus!?

— Vamos tentar manter a calma, por favor. Enquanto houver rei e rainha, ainda existirá monarquia...— Embora não estivesse nada calma, Lady Courteney tentou ajudar as amigas.

Em silêncio, Wilhelm desviou sua atenção das damas para Katherine, que continuava na mesma calada paralisia, apenas os olhos arregalados mostravam realmente o que ela pensava. Todo esse escândalo, porém, era muito esperado e, talvez, necessário, nem mesmo Wilhelm, com seu apoio a revolução e ao iluminismo, conseguiu engolir essa... república francesa. Tudo tinha um limite e ele, um príncipe dinamarquês, não poderia aceitar o fim de uma monarquia, principalmente dessa forma.

As damas continuavam a tentar não entrar em pânico, fazendo com que a marquesa "acordasse" com toda essa animosidade. Entretanto, ao invés de tentar tomar o controle, Katherine fitou duramente Wilhelm. Oh Deus, ela não estava pensando... estava sim.

— Vamos esperar que o mesmo não aconteça aqui, por Cristo! Imaginem um novo Oliver Cromwell!— Lady Monmouth não conseguiu manter a boca fechada!? As damas a encararam com horror, inclusive Katherine.— Creio que eu esteja sendo inconveniente. Minha marquesa, o que será agora?

Toda a atenção voltou-se a marquesa, naturalmente as damas sempre buscavam as ordens dela. Curioso, Wilhelm também buscou com os olhos as orientações dela. Katherine ficou em silêncio, mas não sem ação, ela suspirou e começou a andar pensativa pela sala, o que dificilmente parecia um bom sinal.

— Uma república, os franceses derrubaram a monarquia e colocaram no lugar uma república... Mas que inferno! Será que eles perderam completamente a razão!?— Houve nela uma tentativa em manter a calma, mas foi em vão.— Desde Clóvis I, no início do século VI, a França é governada por reis! Eles estão destruindo quase mil e trezentos anos de tradição!

— Já ficou muito bem claro que os radicais tomaram o poder na França, Katherine.— Porém, não deixando-se amedrontar pela raiva da marquesa, o príncipe falou, enquanto aproximava-se dela.— Nem mesmo o povo apoia isso, existem certas regiões que...

— Imagino que você deva estar muito feliz com essa violação, Wilhelm.— Como!? Uma acusação! Ofendido, o príncipe fez a marquesa encará-lo, o que ela fez friamente.— Finalmente a França caminhará a plena Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não é assim?

— Os ideais que acredito não renegam meu nascimento. É inaceitável um príncipe apoiar o fim de uma monarquia antiga.— Mostrando muita seriedade, ele respondeu. Katherine sorriu com ironia e desviou o olhar.— Não me ofenda dessa forma, estou tão horrorizado quanto você.

— Que seja, horror, ou falta dele, não irá resolver nada.— Como era bom ela pensar assim. A princesa suspirou e olhou para ele de lado.— O que farão com eles? Com Louis XVI e Marie Antoinette?

— Não será nada agradável, com certeza.— Antes mesmo que Wilhelm pudesse responder, Lady Ricketts comentou negativa.— A prisão deles no Templo e os Massacres de Setembro já provaram isso.

A viscondessa estava sendo negativa e causando medo, mas estava completamente certa. A julgar como a situação estava, o destino era certo e quase inevitável.

— Irão julgar o rei, e certamente a rainha também, a acusação é traição.— Ou pelo menos diziam que seria um julgamento. Katherine negou e deu as costas, Wilhelm não a culpava por essas reações, ele dificilmente estava melhor.— Não preciso nem dizer que a decisão desse julgamento já foi tomada antes mesmo dele iniciar.

— Culpado, ambos serão declarados culpados, por que um julgamento quanto a decisão já é certa?— Para dar uma sensação de legalidade, nem todo francês apoiava a revolução, e muito menos uma república. Ela abraçou o próprio corpo.— Está sendo muito difícil não fazer uma ligação entre Charles I e Louis XVI.

— Eu gostaria muito de afirmar, voltar na verdade, que isso seria impossível, mas a revolução tomou um rumo muito radical, e nem mesmo minha fé sobreviveu.— E a proclamação de uma república foi a gota d'água. Voltando para perto dela, Wilhelm suspirou e continuou:— Não acredito que vou dizer isso, mas... alguma ação deve ser tomada, Katherine, ou a França será aniquilada pela Europa.

No século passado o continente estava muito ocupado com a Guerra dos 30 Anos para reagir a execução de Charles I, mas dessa vez era diferente, todos os olhos estavam na França, executar Louis XVI apenas trariam mais problemas, uma república apenas traria problemas. O silêncio instaurou-se entre todos, as damas esperavam da marquesa e do príncipe uma ação, enquanto o próprio príncipe esperava dela uma ação. Essa espera demorou alguns minutos, até que Wilhelm ouviu Katherine respirar e suspirar.

— Bess, pegue pena e papel na minha mesa de escrita e prepare-se para escrever cartas, use sua melhor caligrafia.— Obedientemente a condessa Baster foi a mesa, e Katherine afastou-se dele.— Irei compartilhar com o rei e Franz a minha preocupação com os monarcas franceses, e também pedir que o jovem imperador tome ações mais duras em relação a guerra com a França.

— Então faremos isso? Iremos confiar na guerra e num jovem que é imperador a pouco mais de dois meses?— Parecia ser uma ideia horrível? Tanto que ela nem mesmo respondeu. Wilhelm negou, mas ele sabia que...— Que outra opção temos?

— Deixá-los morrer.— Em outras palavras, não havia outra opção. Wilhelm e Katherine se encararam, ambos com expressões melancólicas, eles estavam numa posição perigosa, mas... o príncipe assentiu a esposa.— Sua Majestade, o santo imperador, eu...

Em sua carta, Katherine compartilhou com o imperador suas dúvidas, aconselhou Franz a buscar o apoio das outras nações europeias e afirmou que, assim como foi com os antecessores dele, ela serviria como a representante dos Habsburg frente ao rei britânico. Logo após essa carta, a marquesa escreveu praticamente implorou que o rei e William Pitt fizessem alguma coisa para "salvar a França da destruição".


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Notas finais do capítulo

* Estamos chegando ao fim, o próximo capítulo será o último... estamos chegando a muitos finais... chegamos em um hoje mesmo.

* Talvez vocês tenham percebido que eu escrevi em português a primeira parte, que passa em Paris, isso acontece porquê eu... fiquei com preguiça de traduzir. Francês não é minha língua favorita.

* Quanto a segunda parte, eu tinha que fazer mais uma festa antes do capítulo final. Foi uma grande mistura de mitologia greco-romana. Foi um momento para usar de muitas ironias, alguns personagens mitológicos realmente parecem com meus Tudor-Habsburg. Eu usei Vênus e Apolo porque justamente eles eram os mais belos e... Katherine e Wilhelm são os mais belos, embora eles sejam mais um Orfeu e Eurídice.

* Franz que eu falo aqui é o imperador Franz II do Sacro Império Romano Germânico, ele também pode ser Francis II ou Francisco II, mas eu prefiro usar a forma alemã mesmo, em romances futuros isso ficará bem mais visível, alguns nomes serão bem estranhos... Pál Esterházy...

* Quanto as fantasias do baile, eu escrevi o significado delas, referindo-se a da Casa da Marquesa:https://landgrafhulse.blogspot.com/2023/05/baile-de-mascaras-do-castelo-de-ocenia.html?m=1

* La Belle Anglaise no Pinterest: https://pin.it/6f4fvak



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