La Belle Anglaise escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 36
35. Mistérios Fortemente Guardados




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17 de dezembro de 1758, Capela do Palácio de Christiansborg

Era o último domingo antes do Natal e a família real dinamarquesa, como era costumeiro em qualquer domingo, estava assistindo um serviço religioso na Capela Real. O rei, a rainha Juliane Marie, o príncipe herdeiro e as outras crianças reais, estavam todos sentados na primeira fila da capela, aparentemente ouvindo com atenção as últimas palavras do reitor, mas eles não eram os únicos...

— Já podemos ir pra casa, Mutti?— Sentados imediatamente após a família real, estavam o príncipe Carl, a princesa Louise e três dos seus quatro filhos, praticamente a segunda família mais importante da Dinamarca.— Estou ficando cansado.

Quase todos os filhos do príncipe e da princesa estavam presentes, mas dificilmente a corte era um lugar próprio para crianças, mesmo que fosse um culto. O príncipe Wilhelm, por exemplo, bastou perceber que havia acabado e ele já começou a mostrar impaciência.

— Então você terá de esperar mais um pouco, querido Vilhelm, ainda temos que dar esmolas aos pobres.— Sorrindo amavelmente, a princesa Louise respondeu ao pequeno filho. Wilhelm olhou para os pobres trazidos a capela, depois voltou a princesa e fez uma careta.— Nosso dever, como príncipes e princesas Oldenburg, é ajudar os pobres do nosso povo, entende isso?

— Por que eles não trabalham e ganham o próprio dinheiro?— A princesa riu discretamente e negou com pena, não era assim tão simples fugir da pobreza. O principezinho não entendeu, por isso perguntou altamente:— Eles são preguiçosos!?

Dessa vez a princesa Louise não conseguiu aguentar e riu sem discrição, chamando momentaneamente a atenção do rei e da rainha, mas, como estavam indo dar esmolas, eles não disseram ou mostraram nada. Ajudando o filho a descer do banco, Louise sorriu tristemente e negou.

— O mundo não é gentil com ninguém, Vilhelm, principalmente com essas pessoas. Devemos dar alguma atenção ao sofrimento delas.— Ele ainda não havia entendido, mas ainda assentiu obedientemente. Satisfeita, a princesa sorriu e acariciou a cabeça do filho.— Você pode ir na frente se quiser, para falar com eles primeiro, logo iremos também.

Wilhelm encarou a pequena multidão pensando se deveria ou não ir, mas, ao ver as crianças reais, ele rapidamente correu para junto dos tios e primos. Nem parecia mais aquela criança questionadora de antes. Encarando de longe seu filhinho, Louise sorriu e voltou-se a Christian, apenas com o olhar ela pedia ao filho mais velho para cuidar do mais jovem.

— Mas, Mutti! Eu...— Naturalmente, Christian tentou protestar, mas uma alta e forte figura apareceu atrás da princesa, calando o príncipe.

— Vá com Wilhelm, Christian.— Ao ouvir essa voz dura e profunda quase em seu ouvido, a princesa sorriu, embora tivesse certa pena do filho. Era o príncipe Carl, nada satisfeito com essa teimosia.— Lembre-se que você é o mais velho.

— Está certo, Vater.— Quase tremendo de medo, Christian abaixou a cabeça e saiu atrás de Wilhelm, levando a pequena Louise no processo.

O príncipe e a princesa, ficaram para trás, observando os filhos, mas havia um diferença entre eles: Louise sorria feliz com as crianças, enquanto Carl olhava mais para a esposa que para os filhos, ela era o único e principal centro na vida dele. Os dois ficaram inicialmente em silêncio, até a princesa perceber que não havia mais ninguém atrás deles:

— Não seja assim tão duro com nossos filhos, Carl, crianças precisam de doçura, não de dureza.— Olhando de lado o marido, ela comentou em uma doce repreensão. O príncipe, porém, a abraçou e beijou.— Carl! Tenha algum autodomínio, estamos sendo observados.

— Não dou a mínima importância aos olhares, eu apenas quero você, me importo apenas com você, Louise. O abraço dele apenas aumentou mais, Louise até mesmo conseguia sentir o desejo que Carl sentia por ela. A princesa quase fechou os olhos em prazer.— Estamos tão separados, Caroline nasceu e você ficou doente logo em seguida, não tivemos tempo para quase nada.

— Mas agora teremos, e vai durar muito.— Não haviam mais filho, talvez nem viessem mais, e eles eram saudáveis. Porém, percebendo que Juliane Marie já estava dando esmolas, Louise afastou-se de Carl.— Está na hora de nos juntarmos a eles, não quero a rainha como a única mulher boa.

O príncipe negou, mas pegou o braço da esposa e foi com ela dar esmolas aos pobres.

Eram duas famílias juntas, a família real, digna e soberana, e a família do príncipe Carl, bela e secundária, ambas pareciam a imagem da perfeição e felicidade. Mas essa imagem iria mostrar-se apenas uma ilusão... uma seria mais tarde, enquanto a outra... a outra estava nas vésperas do desastre.

*****

28|12|1790 Amelian House, Cheshire

Estava nevando bastante no lado de fora. Olhando por uma janela na sala azul, Wilhelm apenas via branco e mais branco, embora ocasionalmente também houvesse uma cor diferente. Era uma imagem tão... triste, e isso de tantas formas. Suspirando, o príncipe saiu de perto da janela e voltou a poltrona onde estava sentado antes, voltou para os livros, em outras palavras.

Viver entre os ingleses não era a maior alegria dele, mas entre Londres e passar um inverno praticamente isolado do mundo em Amelian House, Wilhelm preferia Londres. A vida nunca pareceu tão calma e entediante, nem mesmo notícias sobre a Revolução Francesa chegavam mais, o que era bom de certa forma. Os dias do príncipe resumiam-se em ler e conversar com Katherine e as damas de companhia. Nada muito emocionante ou anormal, de fato.

— O que mamãe tinha na cabeça quando resolveu visitar a minha avó em Bath? Agora estamos tão entediados.— Sentada perto da lareira, Katherine reclamou dramaticamente, embora Wilhelm ainda sentisse um certo tédio nas palavras dela.— Poderíamos fazer algo para acabar com esse tédio, Wilhelm?

Um malicioso sorriso surgiu nos lábios do príncipe, era algum tipo de sugestão? A julgar pelo confuso olhar que Katherine direcionava a ele, certamente percebendo a malícia, não. Ainda assim era uma ótima sugestão. Fechando seu livro, Wilhelm tentou falar, mas ele não conseguiu...

— Surpreendeu-me, minha marquesa, não acompanhá-la, na verdade.— Lady Torrington, sempre ela, foi mais rápida e perguntou sua dúvida.— Faz quanto tempo que a senhora não a vê?

Mesmo com sua irritação, o príncipe fitou Katherine com curiosidade, assim como as damas. Essa não deixava de ser uma boa pergunta, afinal, ele nunca tinha visto essa mulher. Wilhelm sabia como a viúva Lady Carlisle era quando jovem, havia uma pintura dela nos aposentos da marquesa viúva, mas era apenas isso.

— Eu era bem jovem, creio que foi...— Pausando um momento, a marquesa pensou, antes de sorrir ao lembrar.— um pouco antes dela deixar Sir William Musgrave e depois sair em turnê pelo continente. Nem mesmo dela mamãe se despediu.

— Como sua família é amável, Katherine! Tanto que, mesmo após todos esses anos, ainda fico surpreso!— Usando seu tom mais sarcástico, Wilhelm zombou da esposa. Katherine simplesmente sorriu com ironia e assentiu. Ele negou, era impressionante!— Imagine se a condessa tivesse morrido no continente?

— Isso não foi em 1769, minha marquesa?— Novamente Lady Torrington. Não mostrando nenhuma pena, Katherine assentiu. Wilhelm quase riu, principalmente com o horror de Lady Torrington.— Já faz mais de 20 anos! Minha marquesa, isso não se faz com a família!

— Os Tudor-Habsburg, e os Howard também, ficaram muito irritados com as ações da condessa viúva.— Que foram exatamente? Wilhelm encarou Lady Courteney, o que essa viúva Lady Carlisle pôde ter feito de tão ruim?— Ela casou, separou, fugiu para o continente e teve um caso com um soldado alemão. Apenas um dia normal para os Byron, é verdade, mas completamente reprovável para Tudor-Habsburg.

Então foi isso? Dessa vez Wilhelm não teve nenhum escrúpulo e riu com prazer. Katherine desviou o olhar dele e encarou a lareira, deveria ser especialmente desconcertante ter um parente cheio de escândalos, principalmente um parente tão próximo. Mas... esses Byron, o príncipe estava curioso com essa família, deveriam ser pessoas bem... inapropriadas para ter como companhia, principalmente para os perfeitos Tudor-Habsburg.

— E sua família, meu príncipe? Quais são os escândalos dela?— Sorrindo quase perversa, Lady Monmouth, jogando xadrez com Lady Ricketts, perguntou.— Conte-nos o mais terrível.

Assim ele acabaria ofendendo Katherine também. Caroline Mathilde era o pior escândalo dos Oldenburg, um que deveria ser esquecido.

— Não vamos tocar nesses assuntos desagradáveis, miladys. Todas as nossas famílias têm escândalos.— A marquesa novamente tomou a palavra, não com alegria ou ironia, mas sim muito melancólica.— Existem segredos, verdades nunca ditas, que queremos muito esconder e esquecer.

Ela falava de Bravandale... ou do diário?... Katherine estava certa, o melhor seria esquecer dessas situações. A sala então voltou ao silêncio anterior, onde basicamente todos voltaram a suas antigas distrações. Parecia algo certo, seria assim até a hora do jantar, mas um pedido mudou tudo. As quatro crianças Bristol, todas com roupas de frio e acompanhadas por Lady Pembroke, entraram animadamente na sala azul. Imediatamente, Wilhelm franziu o cenho, eles...

— Mamãe, papai, nós queremos brincar lá fora.— Usando de uma notável grandeza e alta voz, Robert pediu.— Por favor.

— Grace, poderia levá-los ao...

— Não, mamãe, nós queremos brincar lá fora com você e papai. Todos nós estaremos juntos.— Usando um tom mais doce e sorridente, Richard respondeu, mas não foi o suficiente para evitar... Wilhelm encarou nervosamente Katherine.— Fale algo, Lady Pembroke, tente convencê-los.

Lady Pembroke tinha alguma coisa a ver com isso? Os olhos do príncipe e da marquesa voltaram-se a baronesa, que ficou terrivelmente vermelha de vergonha. Mesmo sabendo que Katherine não gostava da sujeira que a neve fazia, e Wilhelm odiava estar no frio, estar perto da neve, ela ainda consentiu?

— É... as crianças queriam tanto e... a neve nunca matou ninguém.— Essa afirmação era completamente questionável, Wilhelm mesmo poderia questioná-la.— Robert e Anne querem aprender a pescar e... Mary e Richard simplesmente brincar com a neve. Como qualquer criança faz.

Instantaneamente o príncipe negou, essas não eram qualquer crianças, eram as crianças deles... mas isso parecia tanto com Katherine. Wilhelm fitou Katherine e negou discretamente para ela, os filhos deles iriam superar essa tristeza. Entretanto, longe do que ele pensava, a marquesa sorriu.

— Talvez seja bom, vamos todos então.— Como? Não! Não, não e não! Katherine sorriu para as crianças e depois fez o mesmo para ele. Uma provocação? Ela não sabia no que estava mexendo.— Será mais divertido que ficar presos aqui, não concorda, Wilhelm?

Será que apenas ele não queria? Wilhelm encarou Katherine, depois cada uma das damas e por fim parou nos filhos, apenas ele não queria. Havia sempre a opção de negar, não? Talvez dessa vez fosse impossível, porém.

No final, após algumas curtas discussões com Katherine, Wilhelm liderava um pequeno grupo por um bosque na propriedade de Amelian House, ele segurava Robert com uma mão e tinha Mary no outro braço. Estava fazendo muito frio, um que apenas deixava essa situação pior, mas Wilhelm iria sorrir e fazer parecer que tudo estava bem, seus filhos deveriam ver que não existia problema algum. Até que eles chegaram ao lago, agora congelado.

—Bem, minha princesinha vai ficar aqui, junto de Richard e da sua mãe.— Soltando a mão de Robert, o príncipe colocou a filha caçula no chão e sorriu.— Do que você brincará? Uma guerra com bolas de neve?

— Não, parece muito assustador.— Então por que ela sorria? Wilhelm riu, ao mesmo tempo que rapidamente olhou para trás, observando se Katherine estava bem.— Richard e eu vamos fazer um homem de neve, papai, e será tão bonito quanto você.

— Tenho certeza que será, apenas tente fazer um queixo longo e lábios... use seu talento.— Percebendo que Katherine, junto de Richard e Anne, haviam chegado mais perto, Wilhelm voltou-se para ela e, pegando suas mãos, a encarou.— Peço encarecidamente que você não entre no lago, Katherine. Não entre, o gelo pode ceder e...

Fechando os olhos, o príncipe soltou as mãos de esposa e virou a cara, o pensamento em si já era terrível o suficiente, não era necessário expressar em palavras. Katherine, porém, dificilmente parecia ter a mesma preocupação, ela simplesmente negou com uma expressão irônica.

— Prefiro não lhe responder.

Talvez fosse melhor, de fato. Depositando uma leve beijo no bochecha dela, o príncipe pegou as mãos do filhos, Anne e Robert, e começou a caminhar em direção a parte do lago que havia sido quebrada para a pesca. Porém Anne teve que voltar para trás, afim de ajudar Mary. Chegando no local, Wilhelm ajudou o filho com o anzol e as iscas, assim como orou para que pescar num lago congelado fosse a mesma coisa que em um normal.

Nunca em sua vida Wilhelm gostou de esportes, nem de qualquer atividade que envolvesse esforço físico, a não ser arremesso, claro. Mas ainda assim, foi bastante divertida essa brincadeira de pescar, principalmente quando, após muita dificuldade, Robert conseguiu pescar um peixe.

— Peguei! Veja, papai, eu peguei um peixe! Meu primeiro peixe!— A alegria do principezinho era imensa, até mesmo risível. Wilhelm riu e assentiu.— Olhe como é grande. Mamãe tem que ver isso!

— É um dos maiores que eu já vi, Robert, parabéns!— Bagunçado o longo cabelo de Robert, o príncipe elogio. O menino segurava o peixe como se fosse um troféu de honra.— Sua mãe deve ver sim, vamos mandar empalhar, certamente.

— Mamãe! Mamãe! Olhe o peixe que eu peguei!— Os dois voltaram-se para trás e... Rapidamente o sorriso de Wilhelm morreu, Katherine não estava mais onde ele a deixou. O pânico começou a tomar conta do príncipe.— Mamãe!?

— É magnífico, Robert! Parabéns, meu grande pescador!— Onde...? Seguindo a voz, eles encontraram a marquesa... Katherine estava com Richard, não mais na borda do lago, mas sim... patinando no meio dele...

A voz dela morreu nos ouvidos do príncipe, tudo ficou mudo na verdade, apenas lembranças terríveis começaram a voltar para ele. Wilhelm fechou os olhos, agarrou dolorosamente a cabeça... ele tinha acabado de fazer aniversário, tudo estava tão recente... quando deu-se por si mesmo, Wilhelm já estava correndo desesperadamente em direção a Katherine... como se o passado estivesse repetindo-se novamente...

*****

Existiam três motivos principais para Katherine não gostar da neve: a neve sujava, a neve era fria e Katherine não gostava no inverno, um ponto de vista que ela compartilhava com Wilhelm, o que apenas tornava as coisas ainda melhores. Eles quase nunca saiam para fora quando estava nevando e, literalmente, nunca saíram para brincar... ou melhor, não até hoje.

Inicialmente ela iria negar o pedido dos filhos, não havia sentido em fazer algo que lhe era desprazeroso, mas Katherine mudou de ideia. Amelian House estava tão entediante e triste, um raio de alegria e animação seria maravilhoso... mesmo com Wilhelm não gostando muito... Katherine se perguntava tanto porquê ele odiava tanto o inverno, a princesa Louise havia morrido nessa época, era verdade, mas... ainda existiam tantas lacunas na história dele.

O pequeno grupo havia acabado de chegar nas margens do lago, onde, mais à frente, Wilhelm conversava alguma coisa com Robert e Mary. Atrás com Richard, Anne e as damas de companhia, a marquesa analisou o lago, congelado, frio e cheio de neve...

— Você acreditaria se eu dissesse que nunca estive aqui, Richard?— Deixando o lago, Katherine encarou o filho e perguntou com um sorriso. O príncipe negou horrorizado.— Pelo menos nunca no inverno. E do que você brincará, ou vai pescar com seu pai e Robert?

— Eu queria...— Antes que Richard pudesse falar mais, Wilhelm coloca-se entre eles e pegou as mãos de Katherine.

Inicialmente a marquesa ficou irritado com essa intromissão, mas bastou ela olhar melhor a expressão dele. Foi muito rápido, mas ainda era perceptível a preocupação e quase aflição nos olhos de Wilhelm. Oh Deus, Katherine não tinha uma boa sensação do que viria, principalmente quando ele apertou a mão dela.

— Peço encarecidamente que você não entre no lago, Katherine.— Ele de fato estava muito procurado, mas... Katherine franziu o cenho. Como assim não entrar!?— Não entre, o gelo pode ceder e...

Ceder? Katherine olhou para o lago congelado, depois para o marido e negou irônica, o gelo parecia muito firme para ceder. Qual era o medo de Wilhelm? Ela morrer? Isso tão cedo não aconteceria. Novamente a marquesa negou.

— Prefiro não lhe responder.— Mesmo com essa resposta, Wilhelm apertou mais ainda a mão de Katherine e a beijou na testa. Logo em seguida, ele foi pescar com Anne e Robert, deixando para trás uma pensativa marquesa.— Por que você não me diz os seus medos? Por que esconde essas coisas de mim? Eu queria...

— Patinar, aprender na verdade.— Inclinando a cabeça, Katherine voltou a encarar Richard. Ele disse?— Eu queria aprender a patinar, mamãe. E a senhora, o que fará?

— Ah, que brincadeira mais maravilhosa, queria eu também ter aprendido a patinar.— Sorrindo amavelmente, a marquesa respondeu e depois olhou para Mary. Ela e Grace pareciam estar tendo problemas com a neve.— Anne! Venha aqui, Anne! Precisamos da sua ajuda!

Praticamente já no meio do lago, Anne olhou para trás, falou algo para Wilhelm e depois voltou a Katherine o mais rápido que conseguia.

— Sim, mamãe, como eu posso ajudar?— Essa predisposição dela era uma maravilha. Katherine apenas sinalizou para Mary e Grace, Anne entendeu imediatamente.— Que tal nós fazermos juntas, Mary? Melhor ainda, com Richard! Vamos?

Richard primeiro olhou para os patins, depois para as irmãs e, não perdendo muito tempo, foi até elas. Katherine sorriu com essa ação do filho, ele nunca gostou de ficar sozinho ou desagradar, talvez porque sempre esteve acompanhado, por irmãos e babás. Percebendo que estava sozinha, a marquesa sentou no tronco de uma árvore qualquer, que havia caído, e observou todos a seu redor. A alegria estava correndo a solta... era tão impressionante que, até pouco tempo atrás, isso parecia impossível.

A Revolução Francesa não havia acabado, ainda estava acontecendo e essa paz atual parecia apenas o prenúncio do que viria depois. O novo santo imperador, Leopold II, estava muito preocupado com Marie Antoinette, a irmã mais nova dele, e com a própria monarquia francesa. Caso algo extremo acontecesse... o imperador não teria receio algum em declarar guerra a França...

— Mamãe! Mamãe?— Sendo despertada de seus pensamentos por Richard, Katherine sorriu e encarou o filho.— Eu vou patinar, mas... queria alguém para me ensinar.

— Está pedindo que eu lhe ensine?— O principezinho assentiu sorrindo. A marquesa deu um risinho divertido.— Então talvez tenhamos um problema, porque, como eu já disse, não sei patinar.

— Poderíamos aprender juntos, seria tão divertido.— Seria tão vergonhoso, na verdade. Os olhos dele brilhavam com o pedido, mas Katherine riu novamente.— Por favor, mamãe, eu queria tanto!

Como dizer não, principalmente quando o dia inteiro foi um sim? Ainda rindo, Katherine negou e levantou. Logo os dois, de mãos dadas, estavam, fazendo o máximo para não deslizar e cair. Inicialmente foi muito difícil, mas rapidamente eles aprenderam como ficar em pé.

— Muito bem, Richard! Sabemos como não cair, agora devemos aprender a não cair em movimento.— O principezinho riu com alegria e os dois quase caíram novamente. Agora foi Katherine que riu, estava sendo mais divertido do que ela imaginou.— Vamos tentar...

— Mamãe! Mamãe! Olhe o peixe que eu peguei!— Da outra ponta do lago, Robert gritou com o peixe que havia pegado.

— É magnífico, Robert! Parabéns, meu grande pescador!— O peixe era quase impossível de ver, mas a alegria de Robert foi o suficiente para Katherine ficar feliz.— Temos que conseguir também, Richard. Vamos aprender a patinar.

— Não vamos sair daqui antes disso.— Quando ficasse escuro iriam sim. Eles novamente riram, até que o sorrindo de Richard morreu e ele apontou para trás de Katherine.— Por que o papai está correndo para cá?

Wilhelm estava o que?... Katherine olhou para trás e percebeu que era verdade, o príncipe estava correndo desesperadamente na direção dela. Mas, quando iria voltar-se na direção dele, a marquesa acabou tropeçando e perdendo o equilíbrio.

— Katherine!— Não teria sido um acidente, a marquesa poderia ter evitado uma queda... mas houve Wilhelm...

O príncipe, tentando pegar a esposa, acabou esbarrando em cima dela e ambos caíram no gelo, rolando pela superfície cheia de pequenas pontas de gelo. Quando eles pararam, Katherine sentia duas coisas: seu corpo ardendo, de frio e dor, e uma imensa raiva de Wilhelm, que talvez fosse recíproca. Sentando no chão, Katherine e Wilhelm se encararam ferozmente, os dois com seus próprios sentimentos.

— O que foi isso!? Por acaso você ficou louco, Wilhelm!?— Não dando tempo algum dele falar, a marquesa perguntou quase gritando. Os outros, preocupados, começaram a vir na direção deles.— Poderíamos ter nos machucado seriamente!

Mas ele ficou em silêncio, ou melhor, Wilhelm respirava e suspirava com dificuldade, como... se estivesse com muita raiva. Ele agarrou o braço de Katherine e a puxou para perto.

— EU DISSE PARA VOCÊ NÃO ENTRAR!— Soltando-se dele, a marquesa afastou-se assutada. Wilhelm gritou com ela? Percebendo o que fez, o príncipe abaixou a cabeça e falou mais baixo.— Por que você me desobedeceu, Katherine!?

— Eu nunca fui de lhe obedecer, Wilhelm.— O mais friamente possível, ela respondeu e levantou-se do chão.— Richard e eu estávamos patinando, qual seria o perigo?

— Muitos! São muitos os perigos! Você deveria proteger sua mãe, Richard, não matá-la!— Richard, que havia acabado de chegar, afastou-se assutado. Katherine imediatamente abraçou o filho e encarou furiosamente o marido, que virou a cara assustado consigo mesmo.— Oh Deus, o que eu virei!?

— Papai? Eu...— Os olhos de Richard encheram de lágrimas, então Katherine o abraçou com força.

— O que está acontecendo, Wilhelm? Faça-nos o favor de dizer.

Anne, Robert e Mary, assim como as damas, chegaram, todos estavam olhando para o casal, procurando entender. O príncipe olhou para todos e depois para Katherine, havia muito arrependimento nos olhos dele. Wilhelm levantou e aproximou-se da esposa e do filho.

— Desculpe, Richard, eu... sou um idiota que fala muito. Perdão, eu te amo tanto, meu filho.— Aceitando o pedido, o principezinho abraçou o pai. Wilhelm... estava quase chorando? Mas, antes dela fazer qualquer coisa, ele acrescentou:— Irei voltar para a casa, minha cabeça está doendo muito.

Não poderia acabar assim, não iria acabar assim! Wilhelm voltou para a casa, mas Katherine voltou junto, logo atrás dele. Eles ficaram em silêncio, esperando o momento de mais calma, até que, quando eles chegaram no hall, o próprio príncipe falou:

— Não está vendo que estou cansado, Katherine? O que você quer!?

— Dificilmente você parece cansado, Wilhelm.— Ele negou e voltou a andar, mas Katherine agarrou o braço dele.— Não ouse sair daqui! Eu quero uma explicação.

— Não existe explicação, eu simplesmente fiquei com medo do gelo ceder.— Isso passava longe de parecer verdade. A marquesa negou, fazendo o príncipe grunhir.— Solte-me.

— Me dê uma expressão, uma verdadeira, e irei soltá-lo.

— Uma explicação? Você vai me odiar quando ouví-la.— Que assim fosse. Katherine fitou teimosamente o marido. Wilhelm riu com sarcasmo.— Eu...

Antes que Wilhelm pudesse falar mais, a porta do hall foi abruptamente aberta e a viúva baronesa York entrou, ela parecia completamente desesperada... aconteceu algo em Bath?

— Sua Alteza Sereníssima, a marquesa viúva... — Lady York não conseguiu acabar. Katherine e Wilhelm, praticamente esquecendo o assunto de antes, se entreolharam preocupados.— Sua mãe não está nada bem, minha marquesa.

Nada bem... rapidamente a marquesa soltou-se do marido e correu em direção a saída. Como assim não estava bem!? Ela estava doente!? Parando no pórtico da entrada de Amelian House, Katherine parou ao ver a carruagem da marquesa viúva, Wilhelm também veio e parou atrás dela. Elizabeth saiu então da berlinda, sendo praticamente carregada pelas damas...

... A marquesa viúva definitivamente não estava bem...


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Notas finais do capítulo

* A família real dinamarquesa, desde a Reforma Protestante entre os séculos XV e XVII, é Luterana, então fica muito difícil escrever certas coisas sobre o protestantismo. O Anglicanismo, a religião oficial da Inglaterra, é mais fácil, mas os luteranos e calvinistas, não. Eles usam termos como pastor e culto, o que no Brasil fica muito parecido com os evangélicos, então eu uso, na maioria das vezes, palavras como reverendo e serviço religioso.

* Eu sempre gostei muito desse artifício meu usado em La Belle Anglaise de simplesmente mostrar o passado, não com um flashback, que é mais algo visual que literário, ou um personagem falando. É uma solução simples para mostrar o passado dos personagens, principalmente um importante como o de Wilhelm, que era muito jovem para lembrar daqueles acontecimentos.

* Gostaria de falar como é difícil fazer crianças falando. Crianças de dois anos falam poucas palavras, mas como fazer um protagonista falar pouco? De muitas maneiras, mas eu ainda não sei. Por isso minhas crianças falam pouco, quase não tem destaque, e as vezes você só lembrará que elas existem quando forem protagonistas.

* Eu gostaria também de lembrar, ou revelar, que meus romances não são necessariamente sobre um casal ou a vida deles, mas sim sobre o "reinado" dos meus marqueses e marquesas. Quando um romance chega ao final significa: que a história do marquês chegou ao fim ou que ele, eles quando é uma marquesa... estão prestes a morrer... espero não ter estragado a vida de ninguém.

* Nessa semana eu tentarei postar três capítulos. Hoje, quarta-feira e sexta-feira, entretanto, podem haver mudanças. La Belle Anglaise está chegando ao final, fora esse capítulo, restam apenas mais quatro.

* La Belle Anglaise no Pinterest: https://pin.it/3MJYK5G



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