EL puxou Sasuke de um dos espelhos e mandou que se deitasse no chão. A ordem foi obedecida sem qualquer hesitação. Os olhos completamente vermelhos sangue faziam-no parecer um demônio submisso.

— Agora você, garota.

Mais uma vez, a voz de Zetsu provocou-lhe um arrepio.

Gostaria de negar, de talvez tentar mudar de assunto e fugir, mas estava cansada. Não o conseguiria mesmo se tentasse. Sendo assim, ela obedeceu.

Estando lado a lado, diversas raízes cresceram de seu algoz, enrolando-os como garantia de que não houvesse qualquer escapatória, mesmo que Sasuke não demonstrasse qualquer indício de reação.

Não demorou para que Hinata entendesse o motivo de tal cuidado ou ritual.

O corpo de Zetsu dividiu-se em dois. A metade branca a encarou. Não era possível identificar o que sua expressão significava, não havia uma, porém isso não tornou menos tenebroso quando se aproximou para unir-se ao próprio corpo da Hyuga. Devido à fraqueza proporcionada por seu chakra sugado pela pérola, não havia como resistir. Seu corpo estava sendo controlado e sentiu sua cabeça virar para o lado e ver Sasuke numa simbiose parecida, porém mesclado com preto.

Estenderam os braços e deram as mãos.

Em seu pulso, a pérola voltou a arder e vibrar. Tinha cortado a própria pele para retirar a pulseira, que agora parecia surpreendentemente intacta.

Seus olhos voltaram-se devagar ao teto, que logo desapareceu. Sua visão transcendia a escuridão, dando a um céu estrelado tão profundo como se estivesse entre as estrelas. Sentira uma sensação semelhante quando EL explicava-lhe sobre seu dever como Estrela Lunar, mas agora... Era diferente.

Sua mente parecia viajar em direção à própria lua.

Uma dor aguda atravessou todo corpo de Hinata. Parecia que fogo e gelo brigavam contra seus ossos e o trincavam devagar e dolorosamente, tentando fazê-la perder qualquer controle mental que pudesse ter.

Sua visão parecia cada vez mais turva. Seu corpo cada vez mais pesado. O grito preso em sua garganta parecia prestes a rasgá-la.

Alheia a isso, Naruto e Kiba socavam os espelhos, desesperados com a cena que viam.

EL parecia bastante satisfeita com a plateia, como uma pequena diversão pela qual deslizou um olhar antes de focar no que realmente importava. Gostaria de saber se Zetsu conseguiria contato com Kaguya. Queria poder respondê-la e dizer que fizera tudo conforme o esperado. Que sugara cada gota de amor de seus descendentes mais especiais na Terra, nem que para isso precisasse arrancar todo chakra de Hinata junto.

Naruto socou inúmeras vezes aquele vidro, que ganhara uma consistência gelatinosa e elástica estranha. Quase ultrapassou mais cedo, antes de Orochimaru sucumbir àquela garotinha. Uma cena insana, por sinal. Pela primeira vez desde que tinha parado naquele lugar estranho, conseguia visualizar claramente o que acontecia com Hinata e sentia-se irritado ao ver a samambaia esquisita (ou seria uma babosa?) aproveitando-se dela e de Sasuke.

Pelo modo como suas pernas se contorciam em agonia, parecia ser extremamente doloroso. Até mesmo o Uchiha demonstrava sinais de que algo estava muito errado.

Usou de seus clones para tentar pressionar e romper aquela barreira. Atacou com kunai a fim de rasgá-la, rachá-la ou parti-la.

Pensava seriamente em tentar um rasengan ou papel bomba quando visualizou Kiba do lado oposto. Estava distante, mas percebeu que sangrava e parecia latir, exaltado, gesticulando coisas que ele não conseguia entender, com exceção de um “idiota”, mas era a cara dele dizer coisas sem sentido em horas descabidas.

Kiba respirou fundo, tentando colocar a cabeça no lugar. Ele tinha encontrado Aoi. Fora enganado e caiu direitinho em sua conversa fiada. Ele quem a aproximou de Hinata, o que culminou no cenário em que se encontram. Caiu num golpe sujo e, em vez de protegê-la, deixou sua parceira ainda mais vulnerável.

Apesar dos pesares, depois de tanto gesticular, Naruto finalmente tinha reparado nele. Sequer sabia que o cabeça oca também estava preso, mas fazia sentido a julgar pelas palavras venenosas de Aoi/EL, seja lá qual fosse o nome. Estava a todo instante colocando-os em paralelo.

Agora assistia Hinata e Sasuke sendo usados para algum tipo de ponte com uma divindade perigosa. Estavam sofrendo e temia o resultado dos planos de EL, ainda mais quando um membro da Akatsuki estava envolvido. Seu conhecimento sobre Kaguya era limitado às poucas informações que entendera do monólogo do inimigo, mas precisava tomar alguma providência.

Tentou ser o mais claro possível em gestos para que Naruto entendesse. Estavam numa espécie de jutsu instável. Hora rígido, ora maleável. Até mesmo o chão parecia mole, como se estivessem prestes a afundar em areia movediça.

Aquele espelho parecia intransponível, no entanto sabiam que não era. EL controlava tudo cuidadosamente e, por um momento, quase o ultrapassaram. Naquela hora, Kiba havia se aproveitado da instabilidade pós falsa morte do rival, quando achou que o jutsu que os prendia fosse se desfazer. Dessa vez, precisava arriscar com todas as forças partir aquela barreira.

Um movimento combinado talvez fosse a melhor alternativa. Ambos atacando juntos com a maior força que pudessem, assim teriam mais chance de surpreender EL, que parecia bastante concentrada no que quer que Zetsu estivesse fazendo.

Um grito de horror rompeu dos ninjas dominados.

Hinata sentiu como se tentassem retirar suas entranhas pela boca, enquanto seus olhos permitiram uma breve visão do cometa cada vez mais próximo, como se rememorasse o sonho (ou pesadelo) que visitou sua mente na véspera. Atrás dessa claridade, havia uma sombra enorme e indecifrável. Emanava certo poder atrativo como se a mera ciência de sua existência fosse um toque em sua alma. Logo pôde visualizar olhos intensos. Dois semelhantes ao seu byakugan e um terceiro na testa tão vermelho como jamais vira em qualquer Uchiha.

Kaguya.

Era ela que Zetsu desejava contatar.

Sua boca se abriu sem que quisesse. O som que saiu não era sua voz, não somente.

— Mãe!

Havia a voz de Sasuke também. Sentia que estava ali, ainda que não pudesse vê-lo. Estranhamente, era como se estivesse muito perto, tão unidos quanto um. Quis procurá-lo, porém não possuía qualquer controle sob seu corpo e, mesmo se tivesse, não sabia se conseguiria mover-se. O olhar de Kaguya sobre si era tão intenso, paralisante. Aqueles olhos tão penetrantes pareciam ler seus pensamentos.

Aos poucos, seus sentidos pareciam se perder. A audição ficou cada vez mais distante, conseguindo ouvir apenas uma leve menção do que parecia um “Olho da lua” ou algo do tipo. Até mesmo sua visão, o byakugan cobiçado por muitos foi dominado por um clarão sem igual.

De fora, Estrela Lunar livrou-se do corpo inerte de Orochimaru, o qual foi sugado pela lama preta que o chão havia se transformado até desaparecer por completo. Sem o manto para esconder suas expressões, pela primeira vez, ela pareceu não tão segura assim de seu plano. Talvez receosa ou curiosa pelo que Zetsu estivesse fazendo. Ansiedade pelo cometa que estava prestes a cortar o céu.

Em meio a outro acesso de gritos agonizantes, fumaças saíram das bocas de Hinata e Sasuke cujas cores faziam jus aos olhos tão especiais que carregavam. O branco e o vermelho entrelaçavam-se e, pouco a pouco, criavam nuances rosadas ao se misturarem, uma clássica alusão ao amor. Que doce e amarga ironia!

 — O que está aconteceu? — EL questionou, quando viu os corpos dos dois convulsionarem, enquanto as raízes que os envolviam partiam-se como se atingidas pelo fogo.

Zetsu desvencilhou-se de ambos para unir-se aos tropeços. O cheiro de algo queimado denunciava que sua estratégia não saiu como o planejado.

— A conexão está instável. Pensei que, em posse das pérolas, a conexão deles com Kaguya fosse ser mais intensa. A passagem do cometa propicia uma ponte natural, mas nenhum dos dois têm amor suficiente. Sasuke perdeu a todos. Seu amor virou ódio, o qual cultivou por muito tempo para que pudesse se vingar de Itachi. O que temos é mais saudade e culpa que amor de fato. Quanto à Hinata, está enclausurada nos próprios sentimentos, fechada como uma concha. A pérola está sugando seu próprio chakra. Nunca vi ninguém resistir assim.

A figura branca e preta se aproximou da jovem, segurando-lhe o queixo.

— Se tivesse ao menos o livro do clã Kaguya... Teria sido muito mais fácil destravar sua conexão e usar o doujutsu combinado de vocês dois. — murmurou. — Creio que ela gostaria de seu corpo como casca temporária até...

— Por que justo na minha vez? — EL reclamou e deu dois passos em direção a Hinata para avaliá-la, interrompendo sua breve e íntima conversa. — Vieram outras Estrelas Lunares antes de mim e algo assim não aconteceu.

— Talvez porque nenhuma delas fez além do trabalho ao qual foi orientada. — Zetsu falou, já totalmente recomposto. — Ou talvez fossem competentes.

Recebeu um olhar irritado. Ignorou e procedeu:

— Se for fazer algo, faça bem feito. Tudo que precisava fazer era convencê-la a tomar um lado. Bastava um beijo de algum dos rapazes para que seus sentimentos ficassem expostos e ela, vulnerável. Contudo, preferiu ficar brincando com a garota Hyuga e deixá-la ainda mais confusa em vez de focar na sua missão.

— Não venha querer me ensinar a fazer o meu trabalho, Zetsu. Lembre-se de que, se não fosse por mim, sequer poderia colocar esse seu plano em prática. E digo mais: se fizesse o seu trabalho na Terra direito, teríamos outras opções de Uchiha para sustentar a tal ponte. Sabe muito bem que os sentimentos deles eram mais suscetíveis que dos Hyugas.

— Cuidado com o que fala, Estrela Lunar. Você não sabe um terço de meus planos. Sua única serventia para mim era trazer as pérolas para aumentar as chances de criar a ponte, especialmente devido ao véu mais fino proporcionado pela passagem do cometa.

As pérolas... As primeiras lágrimas derrubadas por Kaguya após consumir o fruto da Árvore Divina. Sua primeira fonte de chakra compartilhado, conexão com os descendentes que a possuíssem, uma herança especial que fora banida quando exilada na lua. A fonte da embriaguez e torpor de Hinata e Sasuke. Uma mistura de doujutsu e ninjutsu antiga e única.

 Zetsu deu-lhe as costas.

— Não passa de mais um peão nesse jogo. Em vez de agir como uma criança mimada, seja profissional e termine seu serviço.

EL cerrou os olhos.

— E você? Aonde vai?

— Procurarei pelo livro do clã Kaguya, obviamente. Creio que esteja próximo.

— E o que esse livro guarda de tão especial? — questionou, amarga.

A cabeça de Zetsu virou lentamente para encará-la com seus olhos vazios e medonhos.

— Anotações de possíveis visões que um xamã teve às vésperas da batalha que dizimou todo clã Kaguya. Naquela ocasião, o xamã não foi guerrear porque passou o dia inteiro recluso em epifania, recebendo orientação divina de minha mãe. Por mais que eu tenha lido alguns trechos furtivamente dos contatos anteriores, nunca soube o desfecho de suas mensagens. Estive observando-o por bastante tempo, a fim de garantir que estivesse seguro durante todo processo.

— Mas... — Estrela Lunar insinuou, presunçosa, para que continuasse.

— Afastei-me por um momento para saber qual fim daria naquela batalha perdida que insistiram em travar. Clã estúpido, primitivo. De nada adianta habilidade sem cérebro. Por mais rápido que fosse meu efemeróptero*, quando retornei, a situação havia saído do controle. Fui recebido com um grande clarão, que reduziu o santuário a destroços. Sob eles, o xamã jazia sem seus olhos, como se tivessem sido liquefeitos. O livro havia desaparecido. Senti a presença de alguém próximo e tentei alcançar, mas aquela energia tão grande que atingira o xamã também havia me causado prejuízos.

EL deu um sorriso de escárnio.

— E como alguém tão articulado como você ainda não descobriu onde está?

— O livro foi muito bem escondido, devo admitir. Pensei que talvez tivesse com Orochimaru, observei-o por um tempo, mas não. Então cogitei Jiraya, que é um grande ninja e vive viajando. Inclusive, ele parecia saber algo sobre Estrelas Lunares. Escutei-o mais cedo num restaurante contar a outros ninjas sobre uma suposta ninfa que coletava amores na Terra esporadicamente.

Mais uma alfinetada. Não que fosse culpa de Aoi, mas todo seu trabalho e de outras Estrelas Lunares estavam sendo menosprezados por Zetsu.

Antes que dissesse algo, ele prosseguiu quanto ao livro:

— O modo como enganou Orochimaru serviu para confirmar minhas suspeitas de que ele sabe algo e suponho que não andaria com um artefato tão peculiar. Creio que tenha entregado a alguém de confiança. Talvez esteja no escritório da Hokage. — olhou para Hinata. — Ou até mesmo sob cuidados especiais do diligente clã Hyuga, devido sua descendência. Infelizmente, não consegui encontrar respostas quanto a isso na mente da garota.

Começou a desaparecer enquanto descia pelo chão.

— Seu tempo aqui está terminando. É melhor se apressar.

EL estremeceu.

Hinata podia jurar ter visto isso acontecer, todavia sua visão estava turva e todo seu corpo doía como se tivesse sido atropelada. Podia sentir seus dedos mexerem, obedecendo seus comandos.

Olhou de relance para o lado e viu Sasuke. Estava desacordado e parecia esgotado. Escorria sangue de seu nariz. A julgar pela sensação viscosa próxima aos lábios, ela constatou que devia sofrer do mesmo sangramento. Havia ardor nos pulsos, como se tivesse queimado. Queria pôr-se de pé, mas seu corpo parecia pesar uma tonelada.

— Parece que a princesa está despertando. — Estrela Lunar se aproximou. — Imagino que esteja cansada de lutar contra a pérola e exausta depois dessa conexão com Zetsu. Conseguiu ver a deusa Kaguya ou, pelo menos, escutar sua voz?

Sim, mentalizou, mas não disse. Não valia o esforço. Tudo era muito mais profundo e não havia palavras que pudessem descrever o que aconteceu, não que ela conseguisse mentalizar naquele instante. E ainda que existissem, não o faria.

Só queria desaparecer.

EL pareceu disposta a dizer algo mais, porém, antes que pudesse, um estrondo as surpreendeu. Diversos espelhos estouraram, cacos cortaram o ar numa sequência inesperada de pó cintilante. Deles, surgiram Kiba num furioso golpe sobre presa, enquanto Naruto aparecia com três de seus clones no que teria sido um generoso rasengan.

A conversa com Zetsu ferira o orgulho de EL, o que foi suficiente para que baixasse sua guarda. Seus ninjutsus combinados conseguiram encontrar o ponto frágil e abalar todo ambiente onde se encontravam.

— Ainda não se cansou de brincar com os sentimentos da Hinata? — Kiba vociferou, exibindo os dentes pontudos e as garras prontas para o ataque.

— É muita covardia se aproveitar de quem está inconsciente. — Naruto acusou, empunhando firmemente uma kunai tal como seus clones.

— Ora ora... Acho que teremos momentos finais bastante divertidos.