Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 59
Epílogo




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A empregada começou a prender a segunda fita no cabelo da patroa e os olhos azuis de Betina estavam fixos em seu reflexo no espelho. Seu cabelo preto tinha cachos delineados ― o que a obrigou a dormir com fitilhas no cabelo na última noite ― e afofados na cabeça, enquanto duas grossas mechas desciam de cada lado de seu rosto, cada uma decorada por uma fita no mesmo tom de violeta do seu vestido para o casamento do irmão. 

Fazia um ano e quatro meses desde a morte de Saul e finalmente estava deixando as vestes pretas aos poucos nas últimas semanas. Ainda manteria os tons fechados, como roxo e azul, por alguns meses, porém, sentia-se bem neles. 

Sua face ainda estava um pouco arredondada ― não conseguira retomar o peso de antes da gravidez, mesmo dois anos depois, mas estava satisfeita ― e era destacada pelo leve tom rosado do rouge à moda inglesa nas bochechas e nos lábios. Estava corada e os olhos que a encaravam no espelho estavam felizes com o que viam. Ela estava feliz. 

Acreditava que a felicidade verdadeira seria voltar à sua antiga vida, de antes do casamento, no entanto, a própria vida provara-lhe que estava errada. 

Foram longos meses sendo obrigada a encarar os sentimentos que escondera dentro de si por anos. Era como olhar para o abismo, ser obrigada a encarar, e ter medo do que iria encontrar, mas não podia fugir. Não mais. 

Havia a dor no luto não vivido pela mãe e por Bernardo, a tristeza por perder a vida que tinha antes do casamento, sua sensação de insignificância, o medo da inutilidade e a mágoa contra o pai.  Era uma tarefa que precisava fazer sozinha, mas não impedira que Tibério estivesse com ela durante todo o processo. Nem Matias, quando se reencontraram e os dois criaram coragem para confidenciar um ao outro tudo o que viveram. E havia Irina, que se tornaria oficialmente sua cunhada naquela tarde, e em quem encontrara uma irmã que nunca imaginaria. Havia Matilda, que precisava de uma figura feminina que a aconselhasse na entrada para a vida adulta, e havia Ana, quem mais precisava dela. E havia o pai, que precisava de ajuda para lidar com o peso da culpa. Os olhos de Matilda o condenavam dia após dia e ela queria fazer o mesmo, porém engolia as próprias mágoas e lidava com elas depois. Mas, dessa vez, o depois era apenas a noite, quando estava sozinha em seu quarto e prestes a colocar a cabeça no travesseiro. 

― Está pronto, senhora ― a criada anunciou, unindo as mãos enquanto olhava o reflexo de seu trabalho pelo espelho. ― A senhora está linda!

Betina sorriu e abriu a palma da mão esquerda, que estivera fechada sobre o colo desde que sentara para que seu cabelo fosse finalizado. 

― Poderia colocar essas presilhas? ― ela questionou, entregando os adereços para a criada. ― Creio que ficariam boas aqui e aqui. ― Apontou para dois pontos, um em cada lateral da cabeça. 

A mulher observou o que recebera e anuiu. Betina assistiu pelo espelho com expectativa. 

Sabia que fora um tanto ousado aceitar um presente como aquele, duas presilhas finas cravejadas de pedras brilhantes e com um pássaro dourado em cada, de um homem com quem não tinha nada. Ainda. Não tinha nada porque ela pedira-lhe tempo para pensar. Mas Thomas sabia esperar. 

Esperara pacientemente para que ela aceitasse sua amizade e, aos poucos, o seu afeto e seu amor. Também esperara pacientemente para que ela se abrisse e contasse sobre as sombras de seu passado que ainda a perturbavam. E quando soube quem ela e a família eram e sobre o Submundo que se escondia em Tantris... Bem, sempre seria uma ocasião desconcertante — às vezes traumatizante, se fosse definir melhor — para os poucos mundanos que tinham conhecimento daquela informação. Mas Thomas ― Tom, para ela era Tom ― sobrevivera à loucura e a aceitara mesmo assim. Restava à Betina decidir tomar o único passo que faltava para aceitá-lo também. Precisava de coragem, que finalmente sabia que tinha, ou que podia ter. 

― Assim está bom? ― a criada inquiriu, encarando-a através do espelho.

Betina sorriu ao ver o brilho das presilhas no meio do cabelo preto. A escolha já estava feita, faltava apenas dar o passo que precisava.

― Está ótimo. ― Virou-se para tomar uma das mãos da mulher e afagá-la. ― Seu trabalho é sempre maravilhoso. 

A criada sorriu envergonhada e no mesmo momento a porta do quarto foi aberta. Matilda olhou para o interior do cômodo, reluzente em um vestido cor de rosa e cheio de rendas e babados, com sua habitual mouche e o cabelo bem elevado no penteado, e se manifestou:

― Finalmente, já estou te esperando há dez minutos, Tina! ― ela reclamou e Betina segurou uma risada, levantando-se da cadeira da penteadeira. ― Eu disse que você deveria começar a se arrumar mais cedo como eu ou iríamos nos atrasar. Matias e nosso pai devem estar chegando lá e nós ainda estamos aqui!

Betina convidara a irmã para se arrumar na casa do avô, junto de quem ela estava vivendo desde que voltara para Tantris ― com a desculpa de que ele não tinha mais idade para viver sozinho, mas ocultando que precisava manter um pouco de distância do pai ―, na intenção de que fizessem isso juntas, contudo, Matilda estava impaciente demais e preferira começar a tarefa bem mais cedo do que a irmã mais velha. E, no fim, fora uma escolha acertada, pois a garota demorava bem mais. 

― A cerimônia está para começar no entardecer, Tilda, ainda temos muito tempo para chegar lá ― ela riu, guiando-a para fora do quarto. 

O corredor era longo, claro e iluminado, e as duas rumaram até o final para alcançarem as escadas. 

― Podemos demorar para chegar lá e eu me recuso a chegar atrasada ― a irmã continuou a reclamar. — Todo mundo vai falar de nós depois. 

Enquanto Matilda tagarelava sobre quem acreditava que compareceria ou não à cerimônia, as duas desceram para o primeiro andar e rumaram para a sala de estar, onde o avô as esperava calmamente lendo um livro. Os cabelos brancos sequer foram empoados, apenas penteados para trás, e suas vestes de veludo vinho podiam cheirar a novas mesmo à distância. 

― Até que enfim a senhora e a senhorita terminaram de se embonecarem. ― Ele fechou o livro e deixou-o de lado na poltrona. ― Acreditei que seu irmão precisaria se casar primeiro para as duas resolverem aparecer.

― Nós somos as irmãs do noivo ― Matilda passou na frente, indo enganchar o seu braço no do avô ―, todo mundo irá olhar para nós quando entrarmos!

Ela quase soltou um gritinho de exclamação e Tibério ignorou, desviando os olhos para encarar a neta mais velha, que ainda estava parada um pouco depois da entrada da sala.

― Você já avisou a babá de que horas iremos voltar, Tina? ― Tibério questionou de repente e Betina de fato acreditou por alguns instantes que ele queria dizer o que aquela perguntava implicava, porém, considerando como mantinha os olhos fitos nela, sabia que não.

― Poderia fazer isso por mim, Tilda? ― ela pediu para a irmã. ― Irei acompanhar nosso avô até a carruagem lá fora. Esperaremos por você.

Matilda olhou os dois e, murmurando em confirmação, retirou-se da sala. Betina aproximou-se para ocupar o lugar que fora da irmã, enganchando o braço no dele.

― O Sr. Sterling esteve aqui agora pouco ― Tibério comentou assim que ficaram sozinhos e ele mesmo guiou-a para fora do cômodo. ― Deixou uma bela cesta com doces para você e Matilda e uma garrafa de vinho em homenagem ao casamento de Matias, além de felicitações. ― Betina não conteve soltar um "oh" e dos lábios do avô acabou saindo uma de suas risadinhas. ― É apenas questão de tempo para esse homem lhe propor casamento, Tina.

Betina conteve o comentário de que Tom já havia feito isso e eles passaram pelas enormes portas da frente, parando sob a proteção do alpendre. No caminho que guiava para o portão a carruagem com o brasão de garça dos Salazarte estava estacionada.

― Onde está a cesta? ― ela se conteve em fazer a pergunta mais óbvia.

― Pedi para que as empregadas guardassem e colocassem no seu quarto mais tarde. Pensei que fosse estar junto de Matilda.

Os dois pararam frente a frente para continuar a dialogar, o sol primaveril iluminando a fachada branca da casa e a eles.

― Matilda não vê problemas em Thomas ― ela retorquiu, encarando o chão.

Diferente do pai, que chegara a tentar subornar o homem para que se afastasse dela, Matilda se divertia em provocá-la sobre “seu inglesinho”. Fora uma surpresa Thomas ter se contido em somente colocar Leônidas em seu lugar e sem palavras um tanto atravessadas, confiando no que lhe dissera, pois sabia como ele tinha uma certa tendência para ira. E com um afronte como aquele...

― Mas sabe que não é bom que ela veja esse tipo de comportamento como algo que deva aprovar de um futuro pretendente. Não depois do que aconteceu ― ele relembrou e Betina conteve-se em soltar um “realmente”, ninguém querendo aprofundar naquele assunto. ― Apenas não o censurei pelas liberdades que ele tem tomado por ter visto o bem que esse rapaz tem te feito, Tina. Um mundano! ― Um “hunf” acabou escapando. ― Um homem decente, sim, mas um mundano! Apenas permito que ele se aproxime dessa família por sua causa e porque ele faz bem a você. É apenas por você! 

A viúva sentiu as bochechas corarem e no mesmo instante voltou os olhos para o avô.

― Mas se ele pensa em continuar a lhe fazer esses gracejos sem...

― Ele já me pediu em casamento ― ela o interrompeu, cessando qualquer reclamação que Tibério pretendia continuar.

O choque pareceu ser superado rapidamente.

― Imagino que devam anunciar o noivado em breve?

Betina balançou a cabeça, voltando a encarar o chão de pedra.

― Pedi-lhe tempo.

Houve um intervalo entre uma resposta e Betina se questionava por que Matilda poderia estar demorando para voltar, esquecendo-se que ela apenas voltaria tão rápido se corresse.

― Seu pai não tem direito à opinião nessa questão, Tina, não depois do que ele lhe fez passar com aquele canalha. ― Betina engoliu o “eu sei” que planejava dizer, continuando calada. Um outro breve instante de silêncio passou por eles. ― Quanto à sociedade... Lembre-se de que você não está mais em Mempolis e não precisará enfrentar mais nada sozinha.

― Eu sei ― ela externou a frase dessa vez, criando coragem para voltar a fitar o avô, que a encarava com um sutil sorriso nos lábios e nos olhos.

― A vida precisa seguir, Tina. ― Tibério se aproximou, tocando-lhe o rosto com a palma da mão quente. ― Sua alma começa a se recuperar e você precisa continuar e se for um novo marido e uma nova família que você deseja... ― Ele fez um carinho e deixou-a afastar a mão. ― Faça o que você desejar e lembre-se de que sempre estaremos aqui por você.

― Podemos ir agora? ― A voz de Matilda veio se aproximando e logo ela se tornou visível sob a entrada das portas da frente.

― Podemos, finalmente podemos — o avô respondeu. 

Tibério soltou uma risada e os três desceram as escadas em direção à carruagem.

 

 

Não havia outra palavra para descrever o que Matias estava sentindo desde o dia anterior que não fosse ansiedade.

Passara a última noite tendo a impressão de que entrava e saía de cochilos porque o corpo não aguentava mais, pois sua mente não conseguia parar de pensar na cerimônia que fora agendada para aquele final de tarde no meio de outubro. Não havia razões para pessimismo ― mas era inevitável não pensar no que poderia dar errado, como uma forte tempestade interromper o momento ― e sua ansiedade era o depois. Estaria casado, com Irina.

Esperara ansiosamente por aquele momento por meses, respeitando o período de luto da família e principalmente o dela, severamente abalada pela morte de Ezequiel. Mas, ao contrário do que alguns previram, de que ela fosse demorar muito mais de um ano para se recuperar da perda ― se é que seria a mesma de antes ―, aos poucos Irina ia voltando a ser quem era. Mesmo que com tons de melancolia vez ou outra, sempre quando algo do irmão vinha à mente. Nostalgia, ela dissera certa vez, nostalgia mais do que melancolia. 

Bem, e haveria o depois do casamento. Teriam uma recepção com as duas famílias e alguns amigos próximos e partiriam em uma breve viagem de lua de mel no dia seguinte. E então começaria sua vida de casado, que duraria por quanto tempo a Mãe permitisse. Era impossível não se sentir ansioso.

Seu pai colocou a cabeça para olhar dentro da carruagem da família, o filho esperando por ele há longos minutos. Leônidas entrou no veículo e fechou a porta, os cavalos sendo postos para trotar poucos segundos depois. Matias observou-o, percebendo que ao menos não havia empoado os cabelos daquela vez e parecia um pouco mais simples em seu conjunto de calça e casaco de brocado cinza.

Os dois ficaram em silêncio, como de habitual.

Não era o mesmo silêncio do ano anterior, quando Matias chegara da Nova Inglaterra e vira uma enorme montanha carregada de segredos. Agora, ela fora derrubada a picaretadas, mesmo a contragosto de Leônidas.

Ainda era amargo pensar que o seu próprio pai matara uma garota para tentar um acordo com a Noite e que ele vira a cunhada tentar mais de um contato com a Sombra ao longo de anos e não fizera nada. Pelo contrário, poderia até ter participado daquilo. E que... Bem, sua mãe e seu irmão poderiam estar vivos se não fosse por ele. Mas imaginava que o peso da culpa fosse mais do que suficiente sobre os ombros dele.

O relacionamento de Leônidas com Matilda ruíra do amor paternal para uma frieza impressionante ― ela até chegava a dormir na casa do avô várias vezes por mês ― e Betina parecia evitá-lo desde que voltara de Mempolis. Considerando tudo o que o pai a fizera passar em um casamento que acontecera somente por ele ter tido piedade ― ou se identificado? ― com um homem que mantinha a própria irmã ressuscitada por um feitiço necromante presa na fazenda... Era um pouco impressionante que Betina conseguisse olhar na cara do pai e manter uma relação no mínimo cordial. Mas aquela era Betina, conhecida por um coração maior do que a razão, porém, nem ela estava completamente imune ao que acontecera.

E quanto a si mesmo, resolvia assuntos de negócios com ele ― felizmente todos os inquilinos estavam com os aluguéis em dia ―, falavam dos planos para o casamento ― feitos em parceria com o Sr. e a Sra. Gutiérrez ―, conversavam sobre a família e... Era isso. O pai parecia fechado junto dos próprios sentimentos na armadura que vestia. Não podia deixar de sentir pena, mas escolhas eram escolhas e naquela pouco podia interferir.

― Não há razões para que fique nervoso dessa forma. ― Leônidas quebrou o silêncio depois de longos minutos. Perguntava-se como o pai poderia ter percebido aquilo, mesmo que fosse óbvio pela forma como ele balançava sem parar a perna que estava dobrada sobre a outra. ― Você deverá dizer os votos e fazer o que for pedido na hora certa, não há como errar.

Matias murmurou apenas um “eu sei”, ocupando-se em olhar a janela. Não estava nervoso pela cerimônia exatamente, mas preferiu guardar aquilo para si.

Uma parte sua se perguntava se o pai sentira-se da mesma forma quando fora a vez dele de se casar. Como poderia ser a sensação de ter que dividir o leito conjugal e a vida com a irmã da mulher que amava de verdade? Ao menos sempre a teria por perto, mas como cunhada. Era um romance que nunca pudera ser vivido de verdade e a única pessoa que poderia responder seus questionamentos era o próprio Leônidas e, considerando como fora custoso para conseguir ao menos que ele lhe contasse o que sabia, preferia evitar tocar no assunto.

― Tina contou que recebeu uma carta de Meredith, ontem. ― Matias quebrou o silêncio que começava a se instaurar novamente. Deveria ter contado aquilo para o pai no dia anterior, porém, estivera e estava tão ansioso que se esquecera. E somente se lembrara porque tinham um longo percurso a ser percorrido em silêncio. ― A data de envio é maio, mas ela teve de ser encaminhada de Mempolis para cá.

― Sua irmã disse onde está? ― Leônidas perguntou em uma voz que soava amena e comedida.

Matias tornou os olhos para o pai, vendo que era observado com uma expectativa velada. Não bastasse a culpa por tudo o que fizera e por ter destruído o relacionamento com os filhos, ainda havia aquilo. Poderia até se consolar com o pensamento de que o maior responsável pela fuga de Meredith era o pai, mas a verdade é que ele mesmo tinha sua parcela de culpa naquilo.

― Ela disse que está na capitania de Porto Seguro, no Brasil, mas não deu muitos detalhes sobre, acredito que não queira ser encontrada. ― Com a informação, viu-o engolir em seco. ― Meredith comentou com Tina que está fazendo um progresso lento em magia elemental e que se sente parte de uma família com os amigos de Charles e Henrik. — O pai quebrou o contato visual, encarando a paisagem que passava rapidamente pela janela. — Ela parecia feliz, pelas palavras que usou. 

Matias engoliu a saliva, acreditando que suas últimas palavras sequer foram ouvidas, Leônidas parecendo ter entrado em uma contemplação da qual não sairia tão cedo. Aquilo parecia ter virado um hábito nos últimos tempos, dele se retirar para a própria mente e ficar na companhia dos pensamentos por um longo período. Perguntava-se que tipo de coisa passava pela mente do pai.

— Espero que ela seja feliz no caminho que escolheu — Leônidas manifestou-se subitamente, para então cair novamente para o silêncio. 

Matias assentiu com a cabeça, mesmo que não houvesse ninguém para ver o gesto, o pai sequer olhando para ele. Os dois retornaram para um silêncio que nenhuma das partes ousou interromper. 

Matias tentava lidar sozinho com as próprias ansiedades, alegrando-se com os pensamentos do depois. O que ele e Irina fariam depois quando voltassem para casa, findada a cerimônia e a recepção, o que fariam durante a viagem, um pequeno roteiro de turismo previamente estabelecido, o que fariam quando a vida de casados de fato começasse… 

— Você fez uma boa escolha — Leônidas disse de repente, quase sobressaltando Matias na surpresa, não apenas pelas palavras que usara. — Não posso negar que, por mim, eu faria de tudo para evitar que você se unisse a uma família como os Gutiérrez, mas… — Ele parou novamente, sendo assistido pelo filho. Lentamente virou o rosto em sua direção. — Irina foi uma boa escolha para você e daqui algum tempo ninguém se lembrará que ela foi uma Gutiérrez. 

— Eles não são uma família tão ruim quanto a imagem que o Submundo tenta pintar — tentou partir na defesa da família da noiva, porém, viu o pai negar com a cabeça. 

— Ela tem o que falta a você, Matias. Ela é a firmeza e a razão que lhe faltam. — Não pôde evitar erguer as sobrancelhas daquela vez, mesmo que uma parte de si soubesse que aquilo era verdade. Leônidas deu mais uma pausa e não ousou manifestar nada, sequer para comentar sobre a cerimônia ou o que fosse. — Espero que você seja feliz. 

As rodas da carruagem começavam a desacelerar e o solavanco aumentou, indicando que provavelmente estavam chegando. Matias ignorou qualquer sensação de que estava cada vez mais perto de se tornar um homem casado e continuou a tentar processar as palavras do pai.

— Aproveite a oportunidade que a Mãe lhe proporcionou e… — O restante da frase ficou suspensa no ar e Matias pode supor o que viria dali, mesmo que aquele suposto sentimentalismo não combinasse nada com o pai. Talvez todos se emocionassem com casamentos. — Seja feliz. 

Leônidas deu um afago no ombro do filho enquanto usava a outra mão para abrir a porta da carruagem da família. 

Matias observou o caminho desenhado que levava até a pequena cerca feita de ágata e respirou fundo, tentando organizar os próprios pensamentos. Bem, cria que ao menos aquilo poderia cumprir. Feliz era algo que definitivamente seria naquele casamento. 

 

 

— Prenda a fita nessa altura, assim. — Beatriz estava às costas do filho mais velho, ajeitando uma fita preta no cabelo que ele deixara crescer desde o ano anterior e começava a alcançar a altura dos ombros. 

Irina desviou o olhar e se afastou um pouco. O véu cobria seu rosto e limitava um pouco sua visão sob a seda. 

A mãe protestara severamente sobre sua escolha de se casar vestida em um tom de azul tão fechado, porém ela decretara que seria aquela cor e pronto, afinal, a noiva era ela e não a mãe. Beatriz bufara e Irina fora obrigada a ouvir inúmeras reclamações durante a volta para casa, contudo, pouco se importava. Dali algumas horas sequer precisaria olhar para a cara da mãe, exceto nas ocasiões em que fossem obrigadas a estar no mesmo ambiente. Todos aqueles anos com Beatriz seriam uma lembrança, que deveria ficar escondida no fundo da mente, junto dela. E dali algumas horas…

Sim, dali algumas horas… Era como se nem pudesse acreditar que aquele momento havia finalmente chegado. A perspectiva de casamento foi uma das poucas coisas em que conseguiu se agarrar para não cair no poço de tristeza que o luto a atirou. 

O entorpecimento foi algo que durou apenas alguns dias, como se sua mente não estivesse conseguindo processar a realidade e quando seus sentimentos vieram à tona… Agradecia por ter tido seu pai, Estevão e Matias durante aquelas longas semanas, pois sequer queria imaginar o que teria acontecido se não fosse por eles. 

Um pouco mais tarde também agradeceria pela presença de Betina, a irmã mais velha de Matias, que chegara de Mempolis após ter perdido o marido. A aproximação entre as duas começara inicialmente como uma tentativa de manter uma relação amigável entre cunhadas, mas terminara em uma amizade que não esperava ter. Betina lidava com as próprias dores e ela lidava com o luto, as duas de alguma forma se entendendo enquanto tentavam juntar seus cacos. 

Olhou para o irmão, ainda ouvindo o falatório da mãe sobre algo que sequer se importava, mas que ele parecia não levar da mesma forma. No fundo, sentia pena por Isaac. Ser alvo do amor de Beatriz não era como ser alvo do amor de uma mãe por seu filho, era como… Ser alvo do amor de alguém por uma coisa, se fosse tentar definir de alguma forma. 

E Isaac era o único dos filhos que ainda se permitia ser alvo do afeto distorcido de Beatriz. Como o pai não viajara naquele ano que se passou — o faria somente algumas semanas depois do casamento da filha —, não havia muito que ele pudesse fazer, logo, a maior ocupação da mãe voltou-se para tentar casá-lo com alguma jovem bruxa de uma família de renome e continuar a tentar enfiá-lo no Conselho. Para o primeiro plano, até havia uma ou outra opção, graças às ligações que tinham com os Salazarte, mas para o segundo, nem um único avanço. 

— Ansiosa? — Estevão apareceu repentinamente às suas costas, colocando as mãos sobre seus ombros. 

Ela sorriu com a mera presença do outro irmão.

Estevão ainda era Estevão e, pelo visto, continuaria a ser o mesmo. Sua relação com ele se estreitara, mesmo que ele ainda evitasse voltar para sua antiga casa — por motivos óbvios —, e passaram mais tempo juntos nos últimos meses do que no ano anterior inteiro. Exceto quando Estevão precisava sumir por alguns dias por um irmão revolto, claro. Mas, segundo ele dissera, passaria a preferir as viúvas dali em diante, por um pouco de amor à vida. Estevão continuaria a ser Estevão. 

— Apenas um pouco — ela respondeu, ignorando a visão da mãe e do outro irmão e virando-se para ele. 

— Deixe-me ver. — Estevão ergueu o véu dela por um instante, examinando-lhe a expressão com um ar de contemplação fingida. Por sorte, Beatriz sequer percebeu ou teria dado um chilique pela quebra da tradição, pois todos acreditavam que dava azar erguer o véu de uma noiva antes do noivo. — É, acredito em você, achei que fosse estar mais ansiosa. — Deixou o tecido cair e Irina não pôde evitar sorrir. — Toda a ansiedade do casal deve ter ficado com Matias, porque se você tivesse o visto entrar junto da família… — Ele soltou um assobio baixo. Estevão havia chegado antes, separado do restante dos Gutiérrez. — Ainda bem que eu não sou ele. 

— Sinto-me lisonjeada por dizer que eu seria tão má esposa — ela brincou, rindo e no clima sereno que estava preenchendo aquele dia. Não se permitiria sentir nada que não fosse alegria, serenidade e todos os sentimentos semelhantes. 

Não se permitiria a nenhum tipo de tristeza naquele dia por Matias e por… Por ele. 

— Ora, não ponha palavras na minha boca! — Estevão reclamou de forma indignada e ela riu ainda mais, sequer se importando que fez a mãe e o outro irmão olharem para eles. — Você será uma perfeita esposa, minha irmã, mandona, mau-humorada… — Estevão riu do que dissera, enquanto a irmã deu-lhe um tapinha de brincadeira em uma das mãos que estava em seu ombro. 

Quando ele parou de rir, encarou-a por um instante, mesmo com o véu entre eles. O sorriso diminuiu para algo mais sutil, até comedido. 

— Independente se seja a Luz que tenha unido vocês dois ou não, não sabe como fico aliviado por vê-la se casando com alguém como Matias. — Afagou os ombros da irmã. — Ele será um bom marido para você, tenho certeza. 

Irina devolveu o carinho na mão do irmão, não respondendo-o com palavras. 

Aquela era uma certeza que ela também tinha. Independente do que a Luz e seu destino ou o que fosse que estivesse reservado pela frente, tinha certeza de que seria feliz com Matias. 

Preferia não acreditar que seu destino fora traçado por uma das Grandes ou por qualquer força exterior que fosse. Para ela, eles se uniriam naquele cair de noite por uma escolha feita por ambos. 

— Ah, aí está você! — Antônio anunciou, fazendo os dois virarem os rostos para trás, vendo-o se aproximar vindo da direção do portão que dava entrada ao terreno. — Estou há cinco minutos te procurando, achei que ainda não tivesse chegado. 

Estevão soltou a irmã e deu alguns passos para o lado, para permitir que o pai tomasse o lugar que deveria ser dele. 

— Algumas experiências passadas fizeram-me adquirir a incrível habilidade de chegar e sair sem ser percebido. — Ele deu um sorriso de canto para pai e irmã. — Acreditem, às vezes a vida pede coisas como essa. 

— Estevão, Estevão… — Antônio começou, balançando a cabeça e com ar de quem iria dar uma bronca, porém apenas deu o braço para que a filha segurasse. — Marque as minhas palavras de que algum dia alguém ainda irá conquistar seu coração. 

— Não esperava que fosse me rogar pragas justo hoje, pai. — Ele levou a mão ao peito, numa ofensa fingida. Beatriz e Isaac se aproximaram. — Prefiro deixar a dádiva do casamento para meus queridos irmãos — finalizou com um gesto teatral em direção a irmã e se postou alguns passos à frente deles. 

Beatriz e Isaac se juntaram a Estevão, a Sra. Gutiérrez sendo obrigada a dar o braço esquerdo para que o filho mais novo o segurasse, enquanto o mais velho já havia tomado o direito. Segundo mandava a tradição, a noiva entraria de braços dados com o pai e mãe e irmãos logo à frente, enquanto com o noivo a figura se invertia e ele entraria com a mãe. No caso de Matias, o planejado era que entrasse com Betina, por ser sua irmã mais velha, substituindo a mãe. Irina podia somente imaginar a careta que a mãe tentava esconder, pelo bem da própria imagem, e, por sorte, Estevão pareceu conter-se e não fez qualquer comentário provocativo. 

— Como está se sentindo? — Antônio sussurrou a pergunta. 

Eles começaram a avançar e ela sorriu sob o véu. 

Antônio nunca esteve tão presente na vida da filha desde… Desde o nascimento do irmão mais novo, se fosse realmente parar para considerar. O pai não viajara para nenhum lugar mais longe do que a cidade vizinha para resolver alguns negócios e, apesar da relação dele com Beatriz ser insuportável — e aquilo ainda era um pouco simplório para descrever os dois —, estava passando tanto tempo com os filhos quanto possível. Ao menos com Irina e Estevão, porque Isaac… A relação do Sr. Gutiérrez com o filho mais velho era e, ao menos por um dos lados, continuaria a ser um tanto distante. Até tiveram alguns avanços ao longo dos meses, com o tempo que Antônio agora tinha disponível para a família, porém, certas coisas demandavam bem mais de um ano para serem reparadas. Se é que de fato poderiam. 

— Feliz — ela respondeu para o pai e viu o sorriso aberto que também estava no rosto dele.

Sabia como ele estava feliz por ela, afinal, adorava Matias como genro. Ele a faria feliz, cuidaria dela e os dois se davam mais do que bem, segundo Antônio, aquilo era o fundamental no início. Não que ele tivesse experiência com um bom casamento. 

As portas se abriram, mostrando a visão do interior da capela, também de pedra de ágata, em uma construção cuidadosamente feita por quem quer fosse o arquiteto bruxo. Mausoléus e capelas eram as construções mais importantes, marcando três períodos da vida de um bruxo: nascimento, casamento e morte. 

— Seja feliz, cariño mio, seja feliz. — Antônio pareceu emocionado por um momento e Irina quase teve certeza de que o pai iria chorar. — E lembre-se que sempre estaremos aqui por você. Eu, Estevão, Isaac e ele. 

Irina quase prendeu a respiração ao ouvir o "ele", pois sabia a quem o pai estava se referindo.   

Ao passarem pela porta, a melodia da flauta tornou-se audível, doce e suave enquanto os presentes, que tomavam praticamente todos os bancos disponíveis, se puseram de pé para assisti-los. Antônio afagou o braço da filha e atingiram a metade do caminho. 

As pontas dos bancos eram decoradas por lírios e fitas com dentes de leão presas ao teto caiam sobre eles. As velas em arandelas nas paredes brancas bruxuleavam e ofereciam luz, pois o feixe de sol que entrava pela grande janela no fundo da capela ia enfraquecendo. 

Ao olhar para lá, Irina pôde ver Matias com seus olhos fixos nela, um sorriso aberto e, como Estevão lhe dissera, claramente ansioso, pelo que conhecia dele e sua mania de não deixar os dedos quietos. Estava trajado em um conjunto de calça e casaca no mesmo tom do vestido dela, os cabelos jogados para trás e um pouco mais aparados do que no ano anterior. A família dele estava à esquerda, enfileirados do mais velho para o mais novo.

Irina imediatamente abriu ainda mais o sorriso sob o véu, também apertando o braço do pai de forma inconsciente. Sentia um quentinho se espalhar dentro de si e os pés quererem avançar mais rápido do que aqueles passos comedidos. 

O percurso chegou ao fim e Beatriz e seus filhos rumaram para o primeiro banco à direita, enquanto os Salazarte fizeram o mesmo para o primeiro banco à esquerda. Antônio e Irina caminharam mais um pouco, onde uma grande coroa de ásteres estava pendurada no teto e logo abaixo uma mesa com o cerimonialista à frente. 

Antônio pegou a mão da filha e colocou-a sobre a do genro. Os dois trocaram olhares e junto de um balançar de cabeça e de um último olhar para a filha, Antônio foi ocupar seu lugar no banco, junto da família. 

Matias sorriu ainda mais e Irina precisava se conter para não prender a respiração, pois não havia como negar que estava, sim, nervosa. Sentir a presença dele acrescentou um tom mais colorido à serenidade que sentia e caminharam dois passos com uma mão sobre a outra até o cerimonialista e a música cessou. 

O homem, trajado inteiramente de branco e com os cabelos na mesma cor, baixinho e quase enrugado feito uma ameixa, fez um gesto para que os presentes tomassem seus assentos. 

— Nos reunimos aqui hoje, sob o olhar de nossa Mãe e que a nós presenteou com a dádiva da vida, para celebrar a união entre dois de seus filhos: Matias Salazarte e Irina Gutierrez. — Ele gesticulou para os noivos à sua frente, a voz ecoando na acústica perfeita do ambiente. — Matias e Irina foram agraciados pela dádiva que é o amor. Seus corações foram tocados e, neste dia, no exato momento em que o sol se põe a oeste e a lua desperta no céu, eles decidiram que era o momento de enlaçá-los por quanto tempo a Mãe permitir. 

O homem gesticulou novamente e o casal soltou as mãos, colocando-se de frente um para o outro. Matias recebeu do cerimonialista um fio envolto por botões de crisântemos vermelhos e peônias e enrolou-o em torno de seu braço direito e do braço esquerdo de Irina. O fio subitamente apertou-os. 

Irina fitou-o sob o véu, não se importando se aquilo era obra da Terra ou se estavam ali por obra de quem quer que fosse. Ela estava ali escolhida por Matias para ser sua esposa e escolhendo a ele para ser seu marido. Mesmo quando a escuridão se abatesse sobre os dois, porque tinha certeza de que ela apenas aguardava o momento certo, ele estaria junto dela, por escolha própria. Por amor. 

— Você, Irina Gutiérrez, agraciada pela Mãe com a dádiva da longevidade e tocada por Ela para que seja portadora de Seus dons, depois de caminhar por esta terra por dez mil quinhentos e oitenta e cinco dias, afirma perante todos os aqui presentes a sua vontade de passar o restante de seus dias junto a Matias? — o cerimonialista perguntou. 

Irina umedeceu os lábios, torcendo para que sua voz saísse firme o bastante. 

— Sim.

Matias acariciou as pontas de seus dedos, os braços ainda unidos pelo fio. 

— Você, Matias Salazarte, agraciado pela Mãe com a dádiva da longevidade e tocado por Ela para que seja portador de Seus dons, depois de caminhar por esta terra por quatorze mil novecentos e sessenta e cinco dias, afirma perante todos a sua vontade de passar o restante de seus dias junto a Irina? — o cerimonialista repetiu a pergunta, dessa vez para o noivo. 

— Sim — Matias respondeu de imediato, a voz ecoando pelas paredes naquela única palavra. 

Os botões de crisântemos vermelhos e peônias floresceram e o fio que unia os braços se soltou, caindo ao chão. O cerimonialista pegou um cálice dourado e incrustado com flores de lótus e entregou-o para o noivo. 

— Os noivos agora bebem do cálice marcado pelo símbolo da Mãe, simbolizando o néctar da vida que Ela dá de beber a todos nós. 

Com uma das mãos, Matias ergueu o véu de Irina. 

— E, pela última vez — o cerimonialista anunciou —, o noivo contempla a face dela como sua noiva. 

Com as duas mãos, Matias levou o cálice para os lábios de Irina, que aproximou-os da borda e tomou um pequeno gole, sentindo o gosto de amora e sílfio se espalhar pela boca, em uma receita que não passava de um rito. Diziam ser a primeira poção ensinada pela Mãe, mesmo que não houvesse provas. 

Irina recebeu o cálice das mãos de Matias e também segurou-o com ambas as mãos, repetindo o gesto de aproximá-lo dos lábios dele e lentamente dá-lo de beber. Assim feito, ela devolveu o cálice para o cerimonialista. 

O bruxulear avermelhado das velas tornava-se a única luz presente, o feixe de luz solar tendo completamente se apagado. 

— Saciados mais uma vez pela dádiva dada a nós pela própria Mãe, os noivos estão prontos para declararem seus votos perante todos os presentes. 

Irina percebeu que estava prendendo a respiração e soltou-a quando Matias segurou ambas suas mãos, dessa vez não mais forçadamente ligados por força nenhuma. 

— Matias, é desejo da minha alma que minha vida seja unida à tua — ela começou em um tom que surpreendeu a si mesma pela forma como ecoou. — Aonde fores, irei eu; onde estiveres, em terra, céu ou mar, contigo estará meu pensamento; que minha dádiva seja tua dádiva; que eu seja tua e tu sejas meu, por quanto tempo a Mãe nos permitir habitar nesta terra. 

O cerimonialista gesticulou em direção ao noivo. Matias mantinha seus olhos fixos nos dela, a exultação legível através deles. O bater do próprio coração ecoava alto em seus ouvidos. 

— Irina, é desejo da minha alma que minha vida seja unida à tua. Aonde fores, irei eu; — Ele engoliu a saliva rapidamente. Irina sentia a aura da magia os envolvendo e o calor dos dedos dele passando para os seus, que estavam um tanto frios pelo nervoso. Por sorte, não seria percebido por estar de luvas. — Onde estiveres, em terra, céu ou mar, contigo estará meu pensamento; que minha dádiva seja tua dádiva; que eu seja teu e tu sejas minha, por quanto tempo a Mãe nos permitir habitar nesta terra. 

O cerimonialista gesticulou mais uma vez, indicando para que soltassem as mãos e se virassem na direção dos bancos ocupados. Alguns dos presentes choravam, fungavam, os assistiam com sorrisos nos rostos e poucos pareciam completamente imunes ao momento. 

— Com os presentes e nossa Mãe como testemunha é que eu os apresento Matias e Irina Salazarte. 

Os presentes se puseram de pé e alguns aplaudiram enquanto o casal recém-casado saía de braços dados pelo caminho que tomaram separadamente para chegar ali. Do lado de fora, pararam às portas da capela, onde cumpriram a solenidade de receber os cumprimentos e felicitações dos presentes, um por um. Ao saírem pelas portas viram que a noite havia acabado de cair, o céu ainda tingido em uma aquarela de laranja, amarelo e azul.

Quando receberam as felicitações do último dos presentes a se retirar, Rui, o primo de Matias, e sua família, já era noite. O céu completamente tingido de um azul mais escuro do que as vestes de Irina e Matias e pontilhado por estrelas. A lua daquele ciclo era a nova, dando ainda mais espaço para as estrelas brilharem.

Irina parou para observar o céu, podendo sentir perfeitamente a presença do marido ao seu lado. Finalmente a agitação em torno deles havia acabado, deixando ouvir o cantar da natureza ao redor. Sua serenidade desabrochara para exultação, como tivera certeza de ter visto nos olhos dele durante a cerimônia. 

— Pronta? — Matias questionou, estendendo o braço para que ela o segurasse.

Ela voltou a olhar para o céu, demorando-se um pouco nisso. 

— Vamos esperar um pouco — Irina pediu, entretanto tomou o braço que lhe era estendido. Ficaram em silêncio e Matias também ergueu o rosto para cima. 

O vento era suave e os grilos davam uma sinfonia para o momento.  

— Hoje o céu parece mais estrelado que o normal — Matias comentou e aproximou o rosto do dela, depositando um beijo em uma de suas têmporas. 

Ela afagou o braço que segurava, sorrindo sem estar oculta sob o véu. 

— Sim. 

Irina não pôde evitar sorrir, sua mente recuperando a lembrança da última noite que passara com Ezequiel no terraço. Finalmente conseguia se lembrar dele, de sua figura, de sua voz, de sua imagem e das memórias com um toque de nostalgia e saudade. 

A partir daquela noite estava casada com o homem que amava — e que a amava de volta — e com uma promessa de felicidade à frente. Sofrimento também, mas a felicidade estaria atrelada ao seu futuro, cria que sim. Queria realmente acreditar que sim. Iria cumprir com a promessa que fizera, enquanto lhe fosse permitido respirar e depois finalmente se juntar a ele. 

— No que está pensando? — Matias quebrou o silêncio, trocando a contemplação do céu pela esposa.

Os convidados do casamento já haviam quase todos ido embora e apenas as vozes de alguns ainda podiam ser ouvidas. Uma carruagem separada aguardava para levar o casal recém-casado para a recepção. 

— Se existir mesmo um paraíso após a morte, como Dante descreveu, ele estará lá. — Ela apontou com a cabeça para o céu. — Tentando olhar para nós. 

Seu marido sorriu em sua direção e ela ainda não conseguia desviar os olhos do céu. 

— Realmente parece uma noite mais estrelada do que o normal, meu amor — Matias devolveu, sequer precisando perguntar para saber quem era o "ele". Também sabia sobre as estrelas. 

— Sim — ela concordou mais uma vez. E sorriu. — Realmente parece uma noite mais estrelada do que o normal.

E entre as estrelas, torcia para que Ezequiel pudesse vê-la, porque dali ela sempre seria capaz de ver as estrelas e lembrar-se dele.

 


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Notas finais do capítulo

E depois dessa longa jornada, que começou o ano passado, chegamos ao fim da Dualitas. Meu agradecimento especial vai pra Camellia, que vem acompanhando as Crônicas desde o seu nascimento e continua por aqui, depois de todo esse tempo ♥
Muito obrigada a você que leu e acompanhou ♥ Esse é o fim das Crônicas aqui no Nyah, mas elas estão muito longe de acabar! Se você gostou e quer ler a trilogia principal, Submundus está disponível na Amazon e no Kindle Unilimited, informações sobre ela podem ser encontradas no meu Instagram, além de de vez em quando ter uns posts legais por lá: https://instagram.com/estercabral_autora?igshid=MzRlODBiNWFlZA==
E no começo do ano que vem Pax Nulla, o livro 2 da trilogia, também deverá está por lá.
Pra quem leu Aurora Tenebris, o encerramento das Crônicas, por aqui no formato de drabble, teremos uma nova versão dela, sendo postada no wattpad, também no início do ano que vem. E como esse universo ainda tem muita história pra contar, teremos também alguns contos, que serão postados também no wattpad. Pra quem quiser o meu perfil: https://www.wattpad.com/user/estercabral5
E é isso, até mais ver por esse Nyah ♥



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