As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 9
A Batalha de Nimrod




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A pequena caverna, o regato e a agradável refeição tornaram aquele dia bastante agradável para Aethel e seu grupo de amigos, porém, o tempo era demasiado escasso para que se demorassem ali, de modo que o jovem imperador acordou o grupo antes do nascer do Sol ( os garotos com velocidade  e as garotas com delicadeza).

Após fazer suas orações matinais e pedir proteção na viagem, Aethel serviu o  desjejum para seus amigos e depois os cinco adolescentes partiram em direção ao desfiladeiro de Nimrod.

Não seria uma viagem longa, especialmente porque o grupo ainda possuía suas montarias aladas, porém, Aethel se certificou de que os garanhões não voassem alto demais, tremendo que algum dos sentinelas de Cláudio pudessem avistá-los a distância: “sejamos prudentes”, dizia o imperador, “Cláudio arrisca demais para se descuidar agora”.

Voando a uma altura média, os viajantes puderam avistar um rio, um bosque e os grandes rochedos, que formavam o grande desfiladeiro de Nimrod, onde os cinco adolescentes tentariam fazer o impossível: segurando os 10.800 soldados de Cláudio, enquanto aguardavam a chegada dos reforços de Felipe – que, embora leais, ainda seriam bastante inferiores às legiões do traidor Oriental.

As montanhas do desfiladeiro pareciam tocar o céu, como se fossem grandes muralhas exibindo sua imponência, antiguidade e arrogância.

A grandeza dessa obra da natureza não escapou ao grupo, de modo que bastou pousarem os cavalos e desmontarem-nos que as indagações começaram:

—Porque se chama “desfiladeiro de Nimrod”? – questionou Jake.

Aethel fez uma pausa, admirando o desfiladeiro, ajeitou o cabelo com a mão direita e respondeu:

—Bom, Merlin me disse uma vez que o desfiladeiro era usado por viajantes, muito antes da construção da “via magna”, a principal estrada do império. De acordo com ele, a grande montanha que cerca o desfiladeiro parecia “tocar o céu”, então algumas pessoas começaram a compará-la com a torre de Babel que, segundo alguns, foi construída pelo rei Nimrod… Com isso, vieram as lendas de que ele estava enterrado aqui com tesouros, então o nome “Nimrod” acabou se popularizando.

—Então há tesouros aqui? – perguntou Danny.

—Com certeza não – respondeu o imperador – mas muito ouro passou por aqui, devido aos viajantes e comerciantes que utilizavam essa rota. Infelizmente ela perdeu importância e foi quase totalmente abandonada: ela é longa, perigosa e sem infraestrutura, então qualquer um que desejasse transportar suas riquezas, passou a optar por rotas mais seguras.

As perguntas pareciam se estender, mas Aethel pediu que o grupo seguisse com ele até o bosque próximo, pois precisavam buscar árvores secas e troncos caídos, pois precisavam montar as armadilhas para “aquele homem” – como dizia Aethel, que começava a banir “Cláudio” até de seu vocabulário, como se se tratasse de um nome pestilento e de mau agouro.

Sam e Rosa não podiam deixar de rir do orgulho ferido de Aethel, assim como se impressionar com o respeito do jovem rei pelo elemento verde:

—Lembrem-se, vamos pegar apenas a madeira de troncos caídos e árvores já secas. – disse o monarca – Não toquem nas árvores vivas.

Com a ajuda da Excalibur, Aethel ajudou os amigos a cortarem a madeira e transportá-la até o desfiladeiro, mas ainda precisavam levar as toras até algumas plataformas naturais que se erguiam junto às paredes de rochas.

Eram espaços bem pequenos, suficientes para uma ou duas pessoas no máximo, mas adequados para o plano de Aethel:

—Bom trabalho a todos – disse o rei – Agora levaremos a madeira até aquelas pequenas plataformas naturais, acho que os cavalos podem ajudar. No momento certo, as toras deverão ser incendiadas e jogadas no inimigo, sob uma saraivada de flechas… Mas não devem atirar diretamente nos soldados, nem mirar em pontos vitais: lembrem que viemos aqui restaurar acabar com uma revolta, não iniciar uma revolução.

—Mas não temos arcos nem flechas – respondeu Sam.

—Graças a sir Kay, eu sei fazer arcos e produzir boas flechas. Além disso, Quíron me ensinou a atirar flechas muito bem.

Após dizer isso, o rapaz saiu com Jack na busca de dois bons galhos, que fossem longos e flexíveis o suficiente, porém, para montar as cordas, Aethel precisou da ajuda de Danny, que removeu algumas trepadeiras que ficavam nas paredes de pedra do grande desfiladeiro; poucos minutos e dois arcos resistentes com cordas de trepadeiras estavam prontos.

Após cortar alguns galhos secos, Aethel cortou-os de forma a ficarem retos, colocando algumas penas no topo de cada uma das varetas de madeira recém cortadas.

A seguir, o rapaz recolheu algumas pedras do chão e batendo-as em uma pedra maior, com grande habilidade, transformou-as em mortais pontas de flechas, que logo foram presas as varetas com um tipo de cipó fino.

O restante daquelas horas foi dedicado a ensinar as duas garotas a usarem os arcos e  flechas adequadamente.

Para Rosa não parecia difícil, já que, segundo a garota, havia aprendido esse tipo de coisa com “o caçador”, o antigo líder de uma organização secreta que caçava e matava dragões.

Para Aethel esse tal de caçador não parecia ser tão ruim, já que os poucos dragões que o rapaz havia visto eram cruéis e perigosos em último nível:

—Ele deve ter sido um grande homem – salientou o rei – Dragões são tão perigosos que temos até a lenda de um dragão que desceu do céu e tentou destruir o mundo inteiro! Se não fosse por Atlas, o grande, o meu mundo e o de vocês teria sido, literalmente, apagado da existência; me perguntou se algum dia verei um dragão decente, mas até lá, o mais seguro é exterminá-los rápido e sem clemência.

De repente, Aethel percebeu certa palidez no rosto de Jake, então presumiu que o amigo estivesse cansado de todo o trabalho e pediu que ele descansasse um pouco.

Rosa tentou segurar o riso, mas não se conteve e deu a mais gostosa gargalhada que alguém poderia dar, a mãe de todas as gargalhadas, o que fez Jack sentir um calafrio na espinha.

—Então – começou Jack – Eu ouvi que você é um “Ryu”, é isso mesmo?

—Um de meus sobrenomes é “Ryu”, Jake – disse Aethel – e por isso minha dinastia também foi nomeada como “Ryu”.

—Mas “Ryu” não quer dizer dragão?

—Eu aprendi que sim, amigo Long – respondeu Aethel – Mas não sei porque os antigos reis adotaram “Ryu” como sobrenome. Eu gostaria de saber a razão, talvez haja uma história fascinante nisso tudo.

—E mesmo assim, odeia os dragões?

—Eu não disse que os odiava – disse Aethel, com bom humor – Apenas disse que são perigosos. Acho que só uma placa de oricalco resistiria ao sopro de um dragão, além disso, li que eles costumam reunir tesouros fabulosos… Infelizmente, quase sempre essas riquezas são amaldiçoadas e trazem grandes desgraças para qualquer tolo que as toque. Talvez a Excalibur seja uma das poucas armas capazes de cortar as escamas de um dragão e atravessar sua terrível couraça; eu daria tudo pela chance de enfrentar um dragão e remover seu coração maligno! Seria um feito digno de entrar para as lendas!

Jack empalideceu ainda mais e se sentou em uma rocha, o que preocupou Aethel, já que Cláudio poderia chegar em breve e não seria bom ter um combatente incapacitado, sendo essa a razão que fez o imperador encerrar os treinamentos (que já haviam se estendido demais) e foi recolher alguns frutos na floresta próxima, enquanto Jake acendia o fogo e as garotas reuniam os mantimentos.

Em meros 40 minutos, Aethel retornou com algumas frutinhas silvestres e nozes, o que pareceu animar a todos, embora Jake ainda estivesse bastante quieto.

 Encerrada a refeição, o rei certificou-se de que os cavalos também haviam comido e, após arrumar-lhes rapidamente as penas, orientou seus amigos a se lavarem e depois irem dormir.

De fato, havia mesmo um pequeno lago ali, porém, Aethel proibiu Jake e Danny de acompanharem as garotas até lá, considerando que “isso é inadequado para um cavalheiro”.

Além disso, o rei temia reduzir ainda mais as parcas defesas de que dispunha para proteger o desfiladeiro, de forma que orientou as garotas a lavarem o rosto e as mãos no lago e, após retornarem, Jake e Danny poderiam ir em seguida, um de cada vez.

Quanto a Aethel, como ele já havia se lavado antes do jantar, preferiu ficar no desfiladeiro, checando se não haviam aberturas ou locais de difícil defesa.

Após todos terem se lavado, Aethel ficou de vigia enquanto os outros foram dormir, porém, quando já deviam ser três ou quatro da manhã, o rapaz viu luzes que provavelmente vinham de tochas:

—Ele está aqui… – suspirou o rei, caminhando até seus companheiros e acordando-os rápido.

Ajudando as garotas a montarem nos cavalos, Aethel se certificou de que elas ficariam bem posicionadas nas plataformas de pedra, enquanto pediu que Jake e Danny ficasse logo atrás dele.

A formação de batalha era interessante, embora um tanto frágil: Aethel ficava a frente, Jack estava a dez passos atrás do rei, em um ponto em que Rosa poderia atirar o quanto quisesse, em apoio ao garoto.

Danny estava doze passos atrás de Jack, em um ponto dentro da área de visão de Sam.

“Talvez ele só ataque pela manhã” disse Sam, mas Danny não concordou:

—Se ele está correndo contra o tempo é mais provável que tente atravessar o desfiladeiro o quanto antes.

—Até porque – disse Aethel – suas tropas devem estar cansadas e qualquer posto de abastecimento está além do desfiladeiro. Não se esqueçam do que eu disse! Se formos derrotados, vocês duas devem sair daqui o mais rápido que puderem!

Juntando rapidamente alguns galhos no chão, Aethel pediu que Jake “soprasse suas chamas” e os acendesse, pois Sam e Rosa se beneficiariam de flechas incendiárias, o que foi prontamente atendido.

Passados cerca de 50 minutos, já era possível sentir a terra tremer com os passos das legiões de Cláudio, que se aproximavam com lanternas e tochas ghalaryanas (cujas chamas poderiam durar muitas horas).

Aethel vestiu seu casaco, segurou o cabo da Excalibur (ainda dentro de sua bainha) e firmou os pés no chão, jamais diminuindo seu olhar confiante, apesar do aproximar das tropas inimigas.

Cláudio comandava as legiões III e IV do Norte, cada uma composta por 5.400 homens divididos em quatro fileiras, respectivamente chamadas de “Dórica ghalaryana” (de forte influência grega),”Latina ghalaryana” (ou “romana”, cuja herança do império de Augusto se fazia ver até mesmo nos passos), “Verde imperial” (onde começavam os soldados da fase mais moderna do império) e “Manto do Norte” (composta por legionários acostumados com os climas frios das montanhas – e de onde vieram os revolucionários que quase destruíram o império).

Devido ao espaço limitado do terreno, o traidor Oriental foi obrigado a quebrar a formação de soldados e enviar uma fileira por vez, a começar pela dórica ghalaryana (frequentemente chamada de “grega”), cujos soldados portavam escudos redondos, lanças médias, espadas dóricas de ferro ou bronze (a qualidade do material dependia da importância do legionário), elmos com tufos de penas brancas, peitorais de bronze ou outros metais, saiotes de linho verde ou vermelho e sandálias feitas do mais fino couro.

Conforme os legionários se aproximavam, suas atenções caiam sobre a imagem do jovem imperador, em seus trajes nobres, faixa imperial, espada na bainha e olhar fulgurante.

Olhando para aqueles soldados (cujas idades iam de 13 a 60 anos), Aethel abriu os braços e clamou, com plenos pulmões:

—Soldados! Legionários da III e IV do Norte! Porque estão aqui? Contra quem estão marchando? Não sabem que Ghalary já tem um rei?!

Os militares se entreolharam, sem entender o que estava acontecendo, logo segurando suas armas com firmeza, tremendo ante uma possível emboscada de algum dos muitos generais do império.

Talvez o efeito fosse melhor se Aethel estivesse em seu cavalo branco, porém, sabia que seus amigos precisarem dele em caso de fuga, então teve receio de arriscar a vida do animal voador, deixando-o junto dos dois outros animais, ao lado de Sam e Rosa, que permaneceram silenciosas como as estrelas daquela noite bela e sinistra.

“Deus nos proteja” sussurrou Aethel para si, enquanto preparava-se para falar mais uma vez aos traidores:

—Soldados! Sou seu imperador! Aquele a quem desejam destruir!

—Você é a criança coroada? – questionou um rapaz moreno, com cabelos curtos e olhos negros, que talvez fosse até mais jovem que Aethel.

—Hahaha, sou Aethel, da casa de Ryu.

—Temos fome! – gritou um soldado veterano de cerca de 50 anos – Nossos filhos precisam comer! Como vamos confiar que uma criança vai nos alimentar?! Precisamos lutar! Salve Cláudio, imperador!

—O que precisam – disse Aethel, com firmeza – é retornar aos seus postos e pararem essa revolta. Não percebem que pessoas estão morrendo de fome por causa dessas ações irresponsáveis?!

—Sou um legionário do império! – gritou o grisalho veterano – Não vou receber sermão de uma criança!

—Arthur não era mais velho do que eu, legionário! – respondeu Aethel – E sou eu, a “criança coroada”, que estou estocando trigo para alimentar as demais crianças do império… Que passam fome graças a insubordinação de vocês! Não se lembram dos juramentos, lições e códigos de honra, que tanto regeram as seis forças guardiãs de Ghalary?!

—Quando há fome, os códigos caem… – disse uma voz forte e um tanto fria.

Olhando ao redor, Aethel viu um homem alto, com cabelos escuros, nariz um tanto reto e olhos verdes, como as escamas de um dragão das florestas do Sul.

O estranho homem tinha pele era clara e vestia uma armadura padrão de um comandante de legião: peitoral de ferro e ouro (com desenhos de leões deitados sob uma árvore, rodeados de pássaros e dríades), um saiote de linho vermelho reforçado com tiras de couro, cáligas feitas de couro e reforçadas com metal – resquício do legado deixado pelo império romano – capa vermelha, um elmo dourado com uma crina avermelhada no topo (que o homem segurava no braço direito, como se fosse algo precioso) e um cinto de couro, onde guardava um gládio alojado em uma bainha ricamente decorada com ouro e prata.

Aethel nunca havia visto aquele comandante, mas suas vestes denunciavam sua identidade: Cláudio, o Oriental.

Sorrindo como um tigre que acabava de encontrar sua presa, Aethel falou ao comandante daquelas legiões traidoras:

—Senhor Cláudio, fico feliz em encontrá-lo, finalmente.

—É mesmo? – sorriu o general – Também me alegro em ver que a dinastia Ryu veio a mim.

—Vamos parar de conversa fiada! – disse Aethel – Você se declarou imperador do Leste e o senado está furioso. Mesmo que em Ghalary não exista a pena de morte, duvido que você escape da cruz ou algo pior!

—Você me faz ameaças, garoto… Mas só tem mais dois soldados tão jovens quanto você! O que espera que aconteça aqui? Um milagre?

Aethel não conseguiu segurar um riso alegre, pois percebeu que o traidor não havia se dado conta da presença de Rosa e Sam, logo, ainda que elas se mostrassem de pouco ajuda, teriam mais chances de fugir em segurança.

Ajeitando seu casaco (e era um belo casaco!), Aethel prosseguiu com seu diálogo:

—Cláudio, ainda que me derrote aqui, jamais impedirá represálias do senado, revoltas populares contra você ou de conspirações constantes. Porém, caso conquiste o poder de forma legítima, talvez alcance melhores resultados dos que pretende, não acha?

—Deixa eu adivinhar – começou o general – Você não tem como me parar aqui, então espera que eu aceite algum desafio sem sentido, não é? Acha que poderá me derrotar em um duelo e, dessa forma, parar minhas “terríveis” ambições, acertei? Pois nem continue, porque não tenho razões para abrir mão do meu exército apenas para suprir os caprichos de uma criança mimada!

Fazendo pouco caso da atitude do general, Aethel apenas se sentou-se no chão e começou a falar:

—Tudo bem… É direito seu desejar ser covarde… Afinal de contas, como um general experiente poderia duelar com um garoto de 13 anos? Tudo bem, quer dizer, você já deve estar bastante velho e lento… No seu lugar, acho que eu também recusaria um desafio.

—Eu não disse que recusaria, disse? – Respondeu Cláudio, que já escutava murmúrios vindos de seus soldados.

—Esquece isso, Cláudio – disse Aethel, com ares de pouco caso – Você tem duas legiões, não vale a pena arriscar tudo em um duelo… Além disso, duelo é coisa de gente jovem e corajosa, enquanto você já “passou da fase”... Bom, os ossos podem doer muito, entende? Você já passa dos 50!

—Está zombando de mim?! Pois pegue sua espada, moleque! E vamos duelar!

—Não, não – resmungou Aethel – Isso é coisa de jovem, o senhor não tem condições…

—Basta! Já chega de tanta insolência! – gritou o general, descendo de seu cavalo e sacando seu gládio – Soldados! Avancem pelo desfiladeiro! Depois de acabar com esse moleque atrevido eu me juntarei a vocês!

Aethel não poderia ter se sentido mais vitorioso, afinal de contas, sem a presença e liderança de Cláudio, os soldados ficariam desorientados ante os ataques de Jake e os outros.

Para melhorar a situação, o general não poderia comandar suas tropas, já que estaria no meio de um duelo e, caso o abandonasse, perderia a credibilidade e seria visto como covarde.

“Como alguém pode ser tão ignorante?” pensou Aethel, que ria ante o orgulho ferido do velho general – que, a bem verdade, ainda estava com meros 46 anos.

“Pode usar a Excalibur se quiser, seu fedelho! Não tenho medo!” berrou o general, mas Aethel permaneceu sentado, admirando os arvoredos próximos, o céu escuro, as grandes rochas do desfiladeiro e ajeitou a faixa de seu casaco (que começava a ficar um pouco abarrotada).

Após pensar um pouco, o rapaz pegou algumas pedrinhas no chão, se levantou e caminhou cerca de um metro, logo começando a bater as pedras umas nas outras, buscando deixá-las um pouco mais pontiagudas.

Cláudio ficou mudo. O general jamais foi conhecido por sua paciência, porém, jamais havia se sentido tão humilhado como naquele momento, então berrou, como um tigre:

—Como um general do império poderia aceitar ser desafiado com “pedras”? Por acaso sou um cachorro?!

—Você traiu a nação, não é mais general do império… E não fale mal dos cães, ancião – respondeu Aethel, com tranquilidade – poderia aprender muito com eles, a começar pela lealdade.

Foi a gota d’água.

Segurando o gládio na mão esquerda, com força, Cláudio avanço em direção à Aethel, que sorriu como alguém que acabava de obter uma grande vitória: segurando as pedras menores com a mão direita, Aethel as jogou para o alto rapidamente, distraindo o general, que buscou cobrir os olhos com o braço direito, temendo ser ferido.

Vendo o adversário com a guarda baixa, Aethel segurou com a mão esquerda uma pedra maior, recém afiada, cravando-a no braço esquerdo de Cláudio, em um movimento veloz partindo de baixo.

Foi uma dor lancinante, que fez o militar largar o gládio e recolher o braço ferido, na tentativa de estancar o sangue, porém, o jovem imperador agarrou o “velho” general pelo braço ensanguentado e o puxou para baixo, acertando Cláudio no nariz com uma forte cotovelada.

Agora o nariz do general também estava cheio de sangue, mas ele ainda mostrou forças para pegar o gládio com a mão direita e se levantar, logo erguendo a lâmina para o alto, na tentativa de fazer um corte reto, que separasse a cabeça de Aethel do corpo.

Em um movimento tão rápido quanto o voo de Hermes, o rapaz jogou com a mão direita um punhado de terra seca para o alto, segundo Cláudio.

Em seguida, Aethel segurou a Excalibur pelo cabo e acertou com ele o velho general na cabeça, fazendo-o cair no chão, como se fosse uma ave abatida por uma flecha.

É claro que um golpe do cabo de uma espada, dado com aquela força, não poderia matar um homem adulto, porém, Cláudio não deixaria de sofrer a dor terrível (que já fazia muitos de seus soldados começarem a rir).

Sem esperar, Aethel desembainhou a Excalibur e agarrou Cláudio pelo pescoço, colocando a lâmina próxima daquela região e dizendo:

—Sugiro que não se mova, ou talvez não respire mais.

—Acho que venceu o duelo, meu rapaz – disse Cláudio – Mas as coisas não serão como você quer… Soldados! Atravessar desfiladeiro!

Com um golpe do cabo da espada, Aethel adormeceu o general traidor, enquanto movimentava a lâmina contra as hordas de legionários que avançavam contra ele.

O jovem imperador era habilidoso, porém, não conseguia evitar que todos os soldados permanecessem à sua frente, de modo que muitos adentravam o desfiladeiro, fazendo o rapaz recuar para o interior da passagem, buscando dificultar que ainda mais militares seguissem aquele caminho.

Com golpes violentos da Excalibur, Aethel partiu escudos ao meio, quebrou lâminas e cortou peitorais de bronze e ferro, que caíram ao chão fazendo um barulho forte que ecoava pela pequena passagem.

Os soldados começavam a ficar perdidos e confusos, ainda assim, não desejavam recuar, confiando que sua vantagem numérica compensasse a desordem.

Cortando as lanças pontiagudas, Aethel ordenou que seus amigos, Danny e Jake, avançassem cinco passos e não abandonassem suas posições, independente do que poderia acontecer.

De repente, alguns tambores começaram a soar, anunciando o aproximar das unidades verdes, que visavam dar apoio ao grupo romano e grego, que se via impotente diante da espada do lendário Arthur.

Os verdes eram soldados que trajavam calças azuis, botas de couro escuro e casacos verdes, armados com mosquetes.

Aethel não poderia deixar de elogiar o estado daqueles lindos uniformes, limpos e bem passados, assim como sentiu certo orgulho de que nenhum dos verdes se esqueceu de prender o gládio no cinto, como mandava o regulamento.

Avançando rápido, as unidades verdes (que compunham uma parte preciosa das legiões de qualquer general) prepararam os mosquetes e os miraram contra Aethel, que logo segurou um escudo caído e se defendeu dos mortais disparos.

É fato que um tiro de mosquete poderia atravessar um escudo padrão de bronze ou ferro, porém, a metalurgia ghalaryana gerou escudos diferenciados, capazes de resistir a maioria dos projéteis que, tristemente, se veem nas guerras…

Pelo menos deveria ser assim, a menos que um general irresponsável não vistoriasse o equipamento de seus soldados com frequência, para garantir que tudo funcionasse como deveria: vergonhosamente, Cláudio pertencia ao grupo dos irresponsáveis.

Com desgosto, Aethel logo percebeu que seu escudo não suportaria uma segunda leva de disparos, já que rachaduras eram visíveis, além das laterais redondas apresentarem marcas de balas.

De repente, os verdes carregaram seus mosquetes e, antes que atirassem, Jack gritou “dragão na área!”, correndo até Aethel, que fechou os olhos e abaixou, tentando se defender dos atiradores.

Houveram barulhos de balas, cheiro desagradável de pólvora e som de passos pesados, que pareciam recuar.

Abrindo os olhos com calma, o rapaz viu a sua frente uma criatura de escamas vermelhas, como as penas de uma fênix, cabelos escuros com reflexos verdes e pontas também esverdeadas, que partiam do topo de uma cabeça alongada e reptiliana.

Partindo do pescoço, aquele cabelo adotava um aspecto inteiramente verde clara, que seguia pelas costas até a ponta de uma cauda longa, que lembrava a de um lagarto da Amazônia.

As garras claras e azuis brilhavam, enquanto um par de asas vermelhas se moviam rápido, fazendo aquela criatura terrível se mover para o alto, como um morcego prestes a avançar contra sua presa…

Jack havia se tornado um dragão que, sem nenhuma cerimônia, já cuspia chamas infernais.

Levantando-se e avançando até a fera, Aethel montou em seu pescoço e gritou:

—Voe! Voe! Depois da batalha conversamos!

Seguindo as instruções, Jake alçou voo até alcançar uma altura de 12 metros, em seguida descendo como uma flecha em direção as unidades verdes, enquanto Aethel segurava a Excalibur com a mão esquerda e o escudo com a direita.

Sem cerimônias, o dragão derrubou os soldados em um voo rasante, enquanto Aethel partia seus mosquetes com golpes da espada de Arthur.

Enquanto o dragão e o rei avançavam com força, tentando repelir os atiradores, Danny lançava rajadas de energia esverdeada contra as unidades gregas e romanas, que estavam conseguindo lançar soldados para dentro do desfiladeiro.

Juntando as duas mãos, Danny concentrou uma poderosa esfera de energia e a lançou na forma de um raio, que destruiu escudos e deixou dezenas de inimigos inconscientes.

Rosa e Sam tentavam dar apoio ao garoto fantasma com uma chuva de flechas pontiagudas e cobertas por fogo, mas boa parte delas eram bloqueadas pelos escudos arredondados das unidades gregas ghalaryanas, que erguiam os discos de bronze e ferro para o alto, enquanto gritavam “avançar soldados! Avançar!”.

Embora as escamas de Jake tivessem resistido a primeira leva de disparos (o que denunciava mais uma vez o vergonhoso estado dos equipamentos das legiões III e IV), Aethel sabia muito bem que o amigo não aguentaria mais tiros, então pediu que o dragão voasse mais alto:

—Capture Cláudio e depois voe alto! Precisamos vencer a batalha no campo moral!

Seguindo as instruções do imperador, Jake Long capturou Cláudio com as presas e depois subiu até atingir uma altura de 20 metros, esperando mais instruções do amigo.

Erguendo a Excalibur com a mão esquerda, Aethel gritou aos soldados que insistiam em desafiá-lo:

—Soldados! Soldados! Onde está Cláudio, a quem chamaram de “imperador do Leste”?!

De repente, os soldados dentro do desfiladeiro começaram a recuar aos poucos, enquanto as unidades à frente da passagem pararam seu avanço; todos aqueles homens tinham suas atenções viradas para Aethel.

Sem perder a postura nobre, o jovem rei gritou mais uma vez:

—Soldados! Porque seguem Cláudio? Vejam o covarde diante de vocês! – vociferou Aethel, enquanto Jake erguia o rosto e mostrava o general desacordado, cujo peitoral dourado era segurado pelos dentes do dragão – Cláudio trouxe fome ao nosso povo, traiu nossas mais sagradas leis, colocou vocês em uma batalha sem sentido e agora marcha contra a própria Ghalary! A cidade que ele jurou defender e proteger!

Apesar da maioria dos soldados abaixarem os semblantes, com certa vergonha, parte das fileiras revolucionárias, com seus mantos azuis até os joelhos e botas de couro escuras, se ergueram e miraram seus mosquetes contra Aethel, ameaçando-o, mas o rapaz não mostrou medo:

—Vejam seu comandante, seu “herói” desacordado! Eu o derrotei com pedras! Pedras! Como podem seguir um homem que os afasta de suas famílias e não consegue manter a calma diante de seu adversário?… Um adversário que tinha meros 13 anos! Se esse homem alguma vez foi grande, em algum momento se perdeu!

—Como se atreve a falar contra o grande Cláudio, imperador do Leste!? – Vociferou um legionário da ala dos revolucionários.

—E como você se atreve a chamá-lo de “grande” e “imperador”?! – bradou Aethel – Como alguém tão negligente com os equipamentos de suas tropas pode ser chamado de grande?! Além disso, os generais comandam seus homens, mas não são superiores a eles! Cláudio não deveria ser igual a vocês? Porque então ele se deixa chamar de “grande”? E porque se nomeou imperador do Leste, se o povo do Leste já tem um líder legítimo, a quem reconhecem?!

—Pare de falar, moleque! Ou vamos acabar com você! – gritaram os revolucionários.

—Se isso vai por fim a esta batalha estúpida – respondeu Aethel – então atire! Um imperador deve sempre estar pronto para morrer pelo seu império! Soldados! Já chega desse conflito sem sentido! Logo as tropas de Felipe, um verdadeiro herói, estarão aqui e vocês não poderão se defender! Cláudio está errado, mas vocês ainda podem pensar por si mesmos! A nação espera ansiosa por vocês! Voltem para nós e abandonem esse traidor, que tanto usou vocês!

Sem esperar mais, alguns soldados dispararam contra Aethel, mas um estranho fenômeno os deixou perplexos: tanto o rapaz quanto o dragão vermelho ficaram intangíveis e sem cor, como se fossem fantasmas.

Aethel sentiu que alguém o segurava pelo casaco e, olhando para Jake, notou que uma mão tocava a cabeça do dragão!

Danny Phantom estava ali, segurando seus amigos e os deixando momentaneamente imunes aos disparos dos legionários! O jovem havia corrido durante o discurso do imperador, buscando fornecer apoio.

Agradecendo ao garoto fantasma, Aethel clamou mais uma vez aos soldados, especialmente porque agora o desfiladeiro só tinha as flechas das garotas por proteção.

Os soldados se entreolharam, cada vez mais confusos e desanimados, mas algo ainda estava por vir, aumentando ainda mais o temor daqueles homens: sons de cornetas, tambores e passos firmes saiam do interior daquele grande desfiladeiro de Nimrod…

“As tropas de Felipe chegaram, finalmente", sorriu Aethel:

—A batalha acabou, amigos… Deus seja louvado!


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