As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 22
O Oráculo da Eternidade




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Embora o diário de Nealie fosse, de todas as formas, fascinante, teve um efeito ruim sobre Aethel, que tornou-se mais desanimado do que de costume.

Apesar disso, nada poderia impedir seu senso de dever ou a noção do que estaria por vir nos próximos dias.

Por essa razão, o monarca pediu que Spud e Tucker seguissem com seu projeto de “modernização”, construindo um aparelho que lhe permitisse ver do céu os movimentos das unidades franco-ghalaryanas.

Seguindo as orientações do imperador, Tucker e Spud passaram os quatro dias seguintes trabalhando em um aparelho que poderia dar grande vantagem militar para os ghalaryanos na guerra contra Juba.

A primeira vista, o aparelho nada tinha de especial, sendo pouco mais que uma câmera acoplada a um balão de baixa altitude.

Segundo Tucker, o aparelho gravaria imagens do campo de batalha e das tropas de Juba. Posteriormente, Spud poderia recolher as imagens e passá-las para seu celular.

A pedido de Merlin, o único senador que ficou a par da invenção foi Atreu, que logo presumiu se tratar de alguma bruxaria.

A genialidade daquela dupla impressionou Aethel de tal maneira, que esse cogitou criar alguma condecoração apenas para agradecer seus dois amigos, porém, o tempo esgotava-se rápido demais para que ele o desperdiçasse elaborando prêmios e gratificações; o jovem rei precisava que o aparelho fizesse o que Tucker e Spud prometiam, antes de qualquer coisa.

É claro que a câmera precisaria ser lançada nos campos onde, possivelmente, ocorreriam as batalhas, mas isso seria impossível, a menos que Aethel possuísse um avião a jato guardado no palácio.

— Felizmente – disse o imperador – temos Merlin e sua coruja.

É claro que Arquimedes não ficou nada contente em precisar voar longos percursos, mas sua expressão de desgosto abrandou-se quando viu que seria o balão a sustentar a câmera, e não ele.

Com sua mágica, Merlin fez surgir de seus dedos uma bolha, como as de sabão, que cresceu e engoliu Arquimedes e o aparelho genial dos dois adolescentes:

— Assim poupamos tempo – respondeu o mago – Além do mais, evitamos que ele volte de mau-humor.

Muito em breve a coruja voltaria com as imagens, mas Aethel preferiu dedicar seu tempo na elaboração de uma nova empreitada: a viagem até o chamado “Oráculo da Eternidade”.

Inicialmente o rapaz havia  decidido que Rosa, Trixie, Sam e Mabel seguiriam com ele na viagem, ao passo que Spud, Tucker, Dipper, Jack e Danny ficariam no palácio, coletando as informações necessárias com o aparelho e repassando-as para Felipe, o general, quando esse retornasse.

É claro que Jack e Danny recusaram a ideia, preferindo eles próprios acompanharem o imperador, enquanto as garotas ficariam seguras no palácio imperial.

Nesse momento houve uma discussão furiosa entre os dois grupos, que só foi parada quando Aethel elevou a voz, como um trovão:

— Já basta! Não posso levar a todos e deixar a cidade desprotegida. Jack e Danny, vocês são valiosos demais para ficarem longe da cidade, onde poderão ajudar meus soldados a protegê-la, caso Juba nos derrote na fronteira.

Independente das palavras de Aethel, estava claro que a formação proposta por ele não havia gerado muito entusiasmo, de modo que foi preciso fazer alterações e, após algumas ponderações (e bons conselhos de Merlin), o rapaz decidiu levar apenas Trixie, Rosa e Jack.

Embora lamentasse a ausência de Sam e sua perspicácia, Aethel preferiu evitar as possíveis interpretações equivocadas de Danny, que já o olhava como se o rei estivesse cortejando a garota.

Na verdade, a nova formação escolhida era, segundo Merlin, “superior a anterior”, com amigos que, cada um a seu modo, seriam úteis na jornada; Rosa havia mostrado seu valor durante a batalha de Nimrod e Jack poderia ser usado como transporte e defesa extra para o grupo.

Porém, Trixie gerava dúvidas em Aethel, ainda que essa fosse uma sugestão do mago: a verdade é que o imperador nada sabia daquela garota, além de seu gosto por dança e por sua ligação com Spud e Jack.

Deixando suas indagações de lado, o imperador pediu aos funcionários do palácio que preparassem suprimentos e dois cavalos voadores, pois o grupo partiria imediatamente. Seguindo as ordens de seu amo, logo trouxeram dois garanhões alados do estábulo, um branco como a neve das montanhas e outro negro como as sombras de um velho carvalho.

Também trouxeram duas bolsas com alimentos, cantis de água e cobertores para as noites frias, logo colocando tudo nos cavalos.

Aethel pensou se não deveria levar o doutor Gemma na expedição, já que seus conhecimentos poderiam ser úteis, porém, a ideia logo arrefeceu-se, devido ao fato de que o respeitável arqueólogo ainda trabalhava na tradução das outras duas mensagens na placa de pedra.

Vestindo um casaco azul bordado a ouro, calças de igual cor e botas de couro, Aethel cochichou algo para Merlin que sorriu e, num passe de mágica, deixou as roupas de Trixie, Rosa e Jake limpas, macias e novas. 

Após dizer algumas palavras de despedida, Aethel abraçou Mabel com carinho, enquanto dava suas últimas recomendações a todos:

— Mabel, não saia do palácio e evite ficar sozinha; de preferência, fique perto de Danny, Dipper e de pelo menos dois guardas imperiais. Também peço que Merlin proteja a todos e mantenha Nealie longe daqui. Por fim, peço a Spud que não deixe o ambiente ficar triste; anime a todos com piqueniques no jardim e suas divertidas piadas.

Tendo dito isso, Aethel pegou seu tapete mágico, amarrando-o na montaria com segurança, ajeitou a Excalibur na cintura e montou no cavalo voador negro, enquanto Rosa e Trixie montaram no branco. Como Jake podia se transformar em dragão, preferiu evitar os cavalos.

Sem mais demoras, o grupo partiu, deixando para trás apenas a sombra do palácio e da grande cidade, que logo desapareciam no horizonte.

“Onde fica o oráculo?” perguntava Trixie, ao que Aethel respondia:

— Segundo as informações imprecisas de Merlin e Nimue, fica além do oriente, no que já foi chamado de “fim do mundo”.

 

***

 

Cerca de uma semana já havia se passado desde que o grupo partiu de Ghalary em busca do misterioso Oráculo da Eternidade, mas, apesar do natural cansaço da longa viagem, todos estavam tranquilos e otimistas.

Era divertido para as garotas verem os pássaros no céu voando em formação triangular, rumo a terras desconhecidas.

Jake planava no ar com habilidade, enquanto olhava Rosa com um sorriso, e Trixie cantava algo que chamou de “rap”, mas que Aethel não compreendia (o imperador já nem tentava mais entender todas as expressões informais e palavras sem sentido de seus amigos).

Após sobrevoarem uma cadeia de montanhas com grandes picos nevados e passagens claustrofóbicas, o grupo desceu até um vale rodeado por macieiras, onde havia um rio com águas límpidas e um antigo moinho.

Com a ajuda de Jake em sua forma humana, o grupo acendeu uma fogueira e logo estava assando bolinhos, em uma chapa de metal redonda, própria para fazer panquecas e outras massas, com alça dobrável e sustentada por pedras amontoadas.

O fogo crepitava magicamente, o cheiro agradável da refeição encheu o ar e os estômagos roncaram, aguardando ansiosamente que a refeição estivesse pronta.

Os bolinhos eram feitos de uma massa à base de farinha, ovos, água, mel e frutas vermelhas, tradicionalmente acompanhados por uma inigualável caneca cheia com “vinho de marinheiro” (nada mais que um simples suco de uvas frescas adoçado com duas colheres de mel, comumente servido gelado em tabernas), porém, como esse faltava ao grupo, tiveram de contentar-se com a água de seus cantis.

Aethel gostava de distrair as garotas com histórias de reis e heróis, e Jake aproveitava para abraçar Rosa, carinhosamente, enquanto tentava imaginar todas aquelas aventura contadas pelo rei; homens desafiando deuses, amores impossíveis, grandes dragões cuspidores de fogo sendo aniquilados por cavaleiros valentes (dessas histórias Jake não gostava muito), reis lutando em guerras intermináveis e narrativas sobre marujos que encontravam sereias, monstros marinhos e ilhas misteriosas.

Aproveitando aquela noite, Rosa contou sobre sua vida como discípula de um tal de “Caçador”, que tinha o hobby de perseguir dragões (Aethel segurou a risada ao ouvir isso e olhar para Jake), sua vida de treino e combates e os conflitos que tivera com o garoto de casaco vermelho que, nos dias de hoje, era seu namorado, o que deixou o dragão ocidental ruborizado.

Trixie também contou algumas histórias divertidas sobre seu dia a dia, mas foi uma sobre o dragão ocidental que encheu Aethel de risos indiscriminados:

— Eu e o Spud vimos a oportunidade de faturar uma grana – disse a garota, entre risso –, então capturamos um dragão e vendemos pro maluco do professor Hans Rotwood, mas depois descobrimos que esse dragão era o Jake transformado: A gente vendeu o Jake pro Rotwood! Hahahaha. Bom, pelo menos o doido do Hans não descobriu que era o dragão era o Jake…

Como não poderiam ficar a noite inteira acordados, revezaram os turnos de vigia, que começaram com Aethel. Cada turno durava duas horas e, depois que esses terminaram, os amigos viram-se bem dispostos pela manhã, pois haviam dormido seis horas cada.

Durante o café Aethel serviu às garotas pão com frutinhas secas, depois afastando-se para fazer suas orações matinais, pedindo proteção para seus amigos e sucesso na viagem.

De acordo com as antigas lendas, o fim do mundo ficava além das terras do oriente, em um lugar selvagem e misterioso, mas como os mitos variavam de povo para povo, Aethel não podia afirmar nada, apenas esperar que, de alguma forma, encontrasse sinais ou indicações que lhe mostrassem o destino a seguir.

Cheio de esperanças, o grupo seguiu viagem até chegar em uma planície desértica, onde viram grandes rochedos, dunas intermináveis e algumas poucas ruínas, que motivaram Aethel a guiar seu grupo para uma visita rápida.

Não parecia nada demais: tratava-se de um antigo templo retangular, decorado com pinturas desbotadas, retratando pescadores segurando varas e carregando peixes. Ao redor da construção havia uma série de colunas caídas, feitas de granito.

Curioso, Aethel entrou na contrução, sendo seguido pelos amigos, mas não havia muito a se ver, além de um pequeno salão vazio com mais colunas sem cor, pinturas desbotadas e alguns jarros de cerâmica que nada continham.

Trixie perguntou o porquê de alguém ter se preocupado em erguer um templo no meio do nada, ao que Aethel respondeu:

— Acho que havia algum veio de água aqui, talvez um lago ou rio, por isso as pinturas retratando pescadores.

— Mas estamos no meio de um deserto… – disse Rosa – Se houve algum rio aqui, ele desapareceu a muito tempo; mas é tão estranho! Tudo o que encontramos foram pinturas de pescadores e jarros vazios.

— Será que o lugar foi atacado? – perguntou Jake – Talvez não seja seguro ficar aqui.

— Pode estar certo – assentiu Aethel – Até porque podem haver cobras escondidas…

— Vá embora – disse uma voz tempestuosa – e não encontrará o que procura.

Sacando a Excalibur, Aethel se virou, pronto para render o possível inimigo, porém, deparou-se com um homem idoso e descalço, vestindo nada mais que uma toga velha e segurando um cajado de madeira.

A face do homem era enrugada e queimada pelo sol, com nariz adunco e cabelos grisalhos que lhe caiam pela face, porém, era a faixa marrom amarrada ao redor de seus olhos que mais impressionaram – e arrepiaram – o grupo.

Sorrindo, o homem bateu o cajado na chão e apresentou-se como o guardião do templo e das fontes, mas não disse seu nome:

— Não faz diferença – alegou – Neste deserto, apenas as feras me fazem companhia… e elas nunca pediram um nome.

— Guardião das fontes? – perguntou Trixie – Mas que fontes? Aqui é um deserto!

Sentindo-se tenso, Aethel foi direto e perguntou o que ele queria, ao que o ancião respondeu, sem demora:

— Está perdido, vossa majestade. Meu desejo é guiá-los para seu destino, nada mais que isso. Vocês procuram o saber maior, que está muito além do mundo conhecido.

Sem esperar, o homem foi até o centro do salão e bateu em uma placa de pedra do piso com seu cajado, pedindo que Aethel a removesse, mas o garoto se recusou: para remover o piso precisaria abaixar, ficando vulnerável a ataques com o cajado.

— Afaste-se dez passos – disse Aethel – E farei o que me pede.

— Não me afasto – disse o ancião – Remova a pedra e terá sucesso em sua jornada.

— Prometa que não me atacará – respondeu Aethel – E removerei a placa do piso.

— Não prometo nada – disse o ancião – Precisará confiar em mim.

Ainda com a Excalibur em punhos, o rei pediu que seus amigos se afastassem, logo retomando o diálogo com o estranho:

— Você não parece confiável, prefiro seguir viagem sem saber o que há debaixo do piso.

— Então ficará perdido no deserto – respondeu o velho – e jamais encontrará o Oráculo.

Apesar de sua desconfiança, a urgência da missão se sobrepôs ao receio de traição, então o jovem caminhou até o centro do salão, se ajoelhou e removeu o piso solto, encontrando um antigo pergaminho selado com cera. Abrindo-o, Aethel vislumbrou um mapa com indicações sobre uma certa caverna, a alguns quilômetros dali, onde havia um lago que poderia revelar a localização do Oráculo da Eternidade.

Agradecendo pela ajuda, Aethel e seus amigos caminharam para fora do templo, mas quando Trixie voltou a olhar o salão, não viu mais o ancião.

“Melhor nem pensar nisso” disse Jake, sendo apoiado por todos.

Enquanto guardava sua espada na bainha, Aethel disse que o melhor a fazer era sair dali o quanto antes, então voltaram para os cavalos alados e prosseguiram viagem, utilizando o mapa como guia.

Na verdade não era um documento com muitos detalhes, apenas um desenho tosco com poucas indicações da localização de uma caverna próxima a alguns rochedos e um tipo de rio. Seguindo a rota do  manuscrito, o grupo encontrou um caminho estreito, coberto de areia, que Trixie sugeriu ser o antigo leito de um rio.

Aethel olhou para as dunas de areia, sentiu o vento seco e quente bater em seu rosto, o sol iluminando seus amigos e os cavalos, que logo estariam cansados por voarem no deserto.

Sem demora, o rei olhou ao redor do leito seco do rio, encontrando próximo a um rochedo uma passagem coberta por pedras: era uma caverna escondida.

A curiosidade suplantava qualquer receio que o ancião pudesse ter deixado o grupo, que logo desceu dos cavalos, com exceção de Jake, que só precisou voltar à forma humana.

Era uma caverna bastante fresca, com grandes estalactites decorando o teto.

Também haviam estalagmites no interior mais profundo da caverna, que mostrava-se cada vez mais fresca e, em determinado ponto, úmida.

Trixie pediu que todos parassem de andar e escutassem algo:

— Galera, vocês escutam? Parece que tem água no fundo da caverna. Acho que o lago daquele velho fica no fundo da caverna.

— Vamos descobrir – falou Aethel, segurando as mãos da garota e pedindo a Jake que segurasse as de Rosa.

O comando foi bem vindo, pois o interior da caverna tinha rochas soltas e certos trechos onde o chão era liso e escorregadio.

Após alguns minutos, o grupo avistou uma luz azulada em uma passagem, que logo revelou ser produzida por um lago de águas cristalinas.

Aethel olhou o lago circular, procurando alguma visão ou mensagem que revelasse a localização do oráculo, mas foi tudo em vão: o grupo sentou-se próximo as margens e esperou por quase meia hora, sem descobrir de que forma o lago poderia ajudar na jornada.

Após ponderar por alguns instantes, Trixie sugeriu algo:

— E se a gente desse um mergulho? Talvez exista uma passagem no fundo.

— Pode estar certa – disse Aethel – Porém, mesmo com as águas sendo claras, não se consegue ver o fundo. E se tiver alguma fera?

— Galera, e se a gente tirar isso na sorte? Sugeriu Jake.

Aethel recusou a ideia. Sendo o líder do grupo, era seu dever proteger a todos.

Tendo isso em mente, o imperador segurou o cabo da Excalibur e depois mergulhou no lago frio.

No começo tudo estava escuro, como se o garoto estivesse em um quarto com a luz apagada, mas logo seus olhos fitaram pequenos pontos luminosos, como estrelas, que começaram a se mover e rodear seu corpo.

Virando a cabeça para cima, Aethel tentou olhar os amigos, mas não conseguiu ver nada além das estrelinhas em meio aquele breu absoluto.

O rapaz começou a temer ficar sem ar, mas uma estranha sensação de paz tomou seu coração, como se os problemas já não existissem mais.

De repente, Aethel sentiu deitar-se em alguma coisa macia, que logo se revelou como grama fresca: estava agora em um jardim, rodeado de verde, com arbustos recheados de frutinhas vermelhas.

Levantando-se, Aethel admirou o lugar, que lembrava-lhe um pouco do lar de Maeve, dentro da Excalibur.

Enquanto caminhava por entre ciprestes e cedros, o imperador viu, com assombro, um muro feito de mármore branco, tendo no topo uma pequena grade composta por pontas de lanças e anéis, tudo feito de ouro fino.

As bases do muro também eram cobertas de ouro, tendo desenhos de peixes, linhas que indicavam lagos e pescadores descalços usando  saiotes, segurando aves aquáticas pelas asas.

No centro do muro havia um grande portão de ouro reluzente que se encontrava aberto, mas nem por isso seria fácil entrar: em cada lado havia um querubim, com olhar nobre (porém, intimidador) em posição de ataque.

As criaturas eram quadrúpedes e tinham patas de vaca, corpo e rabo de leão, um par majestoso de asas emplumadas em suas costas, cabeça de homem com barba longa e bigode e uma exuberante coroa cilíndrica com três pares de chifres bovinos; três chifres a esquerda e três à direita.

Suas faces eram cinzentas, mas cheias de vida, principalmente devido ao olhar soberano que cada uma das criaturas dirigia a Aethel, com olhos tão azuis quanto o mar jônico.

Os monstros fizeram o jovem rei se recordar dos antigos lammasu (feras que costumavam proteger os palácios e templos na antiga Babilônia), o que pareceu a Aethel uma indicação de que o oráculo, com toda a certeza, estaria protegido dentro daquele lugar misterioso.

“Entre, meu jovem príncipe”, uma voz doce pediu, fazendo os guardiões abrirem passagem ao visitante e depois se deitarem.

Seguindo a orientação, Aethel deparou-se com um novo jardim, mais florido que o anterior, com esculturas de mármore e granito, fontes de água, macieiras carregadas com maçãs grandes e suculentas, grama verde e um trono de diorito ao centro, com hieróglifos e ilustrações em baixo relevo e pintadas a ouro.

No modesto trono, sentava-se uma mulher com vestido de linho, pés delicados com sandálias douradas, um cinturão de ouro magnífico e braceletes também de ouro, com inscrições antigas e indecifráveis. Seus cabelos eram castanhos e presos por presilhas de ouro fino, decoradas com rubis.

Em sua cabeça a mulher usava uma coroa com chifres de vaca e um grande disco solar ao centro, protegido por uma serpente de ouro com olhos de safira, que Aethel entendeu ser a “uraeus” (a portadora da invencibilidade e guardiã dos antigos faraós).

Fitando seus olhos brancos e profundos em Aethel, a moça estendeu os braços e convidou-o a se aproximar:

— Chegue mais perto, meu principezinho. Não desvie o olhar, pois sou aquela a quem buscas; sou Talibah: Oráculo da Eternidade.

O corpo da mulher emanava uma luz dourada tão exuberante, que Aethel inicialmente teve dificuldade em olhá-la, porém, bastaram poucos instantes para que seus olhos se adaptassem aquela claridade.

  Sentindo-se cada vez mais leve, Aethel sorriu para a mulher e procurou a maneira mais respeitosa de se dirigir a ela:

— Minha senhora, sendo um oráculo, deve saber porque estou aqui, não é? Diga-me, por acaso sabe tudo que existe para saber?

— Meu principezinho – respondeu Talibah – Sei quem és e o que buscas… Sei tudo que me é permitido saber; e revelo tudo o que é necessário, nem mais, nem menos.

— Então me diga, por favor, onde está o túmulo de Maeve e sua armadura! Se Nealie obtiver a armadura, nada poderá detê-la.

Sorrindo de forma solene, a Oráculo respondeu:

— Não precisa saber onde está o túmulo de Maeve, pois sua armadura está junta daquele que tanto a amou: encontrará o que procura no topo da grande montanha, onde os dragões fazem seus ninhos… Seguindo pelo interior da morada da grande serpente do norte, encontrará  armadura de Maeve, com seu escudo, espada e poder.

Fazendo uma pausa, Aethel considerou onde ficavam esses lugares, ao que ela respondeu:

— Na terra do oriente, onde Juba reina absoluto, encontrará a terra dos dragões; antes de encontrar o legado de Maeve, terá que fazer guerra ao grande rei e derrotar os franco-armanianos. Mas cuidado, pois, além de suas tropas, o senhor do oriente também desfruta da lealdade de homens que você, meu amado príncipe, julga serem seus amigos.

— Suas palavras são dolorosas, amável dama – disse Aethel – Quem é o traidor que me ameaça? Cláudio está preso, não está?

— Muito em breve, Cláudio será libertado. E antes que torne ao teu palácio, receberá de um amigo a identidade daquele cuja mão trouxe o mal ao teu império.

— Grande Oráculo, eu matarei Nealie?

— Sim. – respondeu Talibah – Se a tua mão reivindicar a vida da grande rainha, certamente prevalecerás… Porém, quando o sangue dela tocar a terra, você, meu bom príncipe, morrerá.

— Vencerei Juba? – Perguntou Aethel, cada vez mais angustiado.

— Meu principezinho… – respondeu a Oráculo – Isso não posso dizer, pois vejo dois caminhos: no primeiro, você, meu querido, é guiado pela sabedoria e toma boas decisões que o levarão ao triunfo sobre o senhor do oriente; no segundo, porém, vejo decisões equivocadas que causarão erros graves e a morte de seus amigos, das mais diferentes maneiras. O dragão ocidental será morto em batalha, o garoto fantasma perderá a mão direita e depois cairá ante o poder de Juba… Nesse cenário, vejo sua querida Mabel segurando o irmão, desfalecido. Seu povo também será levado como escravo e a grande nação que governa, meu príncipe, deixará de existir.

Após alguns instantes de silêncio, Aethel cogitou fazer outras perguntas, a começar por uma questão que a muito o estava angustiado:

— O Cavaleiro Verde… O que acontecerá na próxima vez que nos encontrarmos?

— Não me permito responder isso – disse a Oráculo –, pois já tem sua resposta, muito antes de vir até mim.

Aethel ficou, mais uma vez, em silêncio, concordando com a bela mulher; o cavaleiro estava preocupando Aethel a muito tempo, embora houvesse se mostrado como alguém razoável, e o rapaz pensava se havia algum modo de evitar mais dores com o combatente…

Não havia, e o imperador sabia disso.

Tentando esquecer essas coisas, algo ocorreu ao jovem rei e ele fez mais uma pergunta:

— Se eu usar o coracor, vencerei meus inimigos?

— Se continuar a usar o coracor – disse a Oráculo – Destruirá dois impérios e matará uma amiga. Por isso recomendo que não torne a usar a jóia dos magos como muleta; você não está capacitado a controlar seu poder ou suportar seus efeitos. Não se esqueça da dor de cabeça e do medo estampado nos rostos de seus amigos.

Embora não tenha gostado muito da resposta, Aethel não questionou e prosseguiu com suas perguntas:

— Grande Oráculo da Eternidade… fiz bem em retirar a espada da bigorna?

— Não responderei isso – disse a mulher – Deve fazer essa pergunta aos milhões que você tem governado, desde que saíste de Avalon com a espada de Arthur.

Aethel escutou tudo, com atenção, logo preparando-se para deixar o jardim, porém, a linda mulher lhe pediu para ficar:

— Não se vá ainda, meu principezinho – disse a Oráculo, com uma voz dos anjos – Hoje respondi o que me pediu, mas agora direi o que não deseja saber.

— Fala em enigmas, minha senhora – respondeu Aethel – Por que fala assim?

Aproximando-se do jovem rei, Talibah o abraçou e afagou os cabelos castanhos do rapaz, como se fosse sua irmã mais velha, enquanto sussurrava palavras que, a primeira vista, não fizeram muito sentido para ele:

— Hoje direi por onde andou, mas depois me dirás para onde vais; contarei uma história e depois verei sua reação.

Segurando o cabo da Excalibur, Aethel olhou para a linda mulher e, com olhos fechados, perguntou qual seria a história, ao que ela respondeu, ajeitando os cabelos dele com seus delicados dedos:

— Uma história que ainda não ouviu, meu principezinho: a sua…


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