As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 1
Um Desafio do Passado


Notas iniciais do capítulo

Saudações.
Quando comecei a publicar minhas humildes histórias, a alguns meses atrás, eu desejava apenas passar o tempo livre exercitando a escrita, porém, a boa prática me pareceu tão divertida que continuei, a ponto de escrever algumas crônicas, esboçar histórias e, por fim, escrever a primeira parte da saga de Aethel.
Caso alguém não tenha lido o Livro dos Magos (primeira parte da saga de Aethel), está tudo bem, pois qualquer referência necessária para a compreensão da história será explicada brevemente, seja nos capítulos ou nas notas finais.
Espero que gostem da história e tenham uma boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807901/chapter/1

Corriam os anos de 350 d.C., quando a Britânia ainda se curvava perante Vortigern, o rei, sendo que a noite quase não mostrava o brilho das estrelas, pois essas se ocultavam em meio às nuvens negras, que anunciavam a chegada de uma violenta tempestade. 

A grande Lua cheia, com seu brilho fantasmagórico, iluminava a floresta, onde se via um ponto amarelado sinistro, como se alguém tivesse resolvido acampar em meio aos arvoredos.

Se um viajante qualquer rumasse para Londres, não encontraria uma alma viva nas ruas, pois os moradores daquela cidade tão alegre e problemática já estavam dentro de suas casas, ao lado de lareiras acesas, com aquela agradável luz do fogo, para passarem o inverno junto de suas famílias.

Aquelas nuvens carregadas já lançavam nos pobres mortais seus trovões assustadores e raios poderosos que, vistos à distância, pareciam lanças azuladas cujas rotas, por serem indeterminadas, produziam rastros de luz tremidos e incomodamente imprecisos.

Tudo  que se podia dizer deles era que, por bem ou por algum grande mal, acertariam a terra e qualquer pobre diabo que estivesse próximo a eles, tal como o furor divino contra os infiéis que ousassem proferir blasfêmias no interior de alguma catedral.

Infelizmente, o julgamento dos céus não parecia gerar temor na grande floresta de Sherwood, onde as mais vis hostes e potestades das sombras se aglomeravam para saudar a toda poderosa Nealie: a rainha das bruxas.

“Que ninguém ouse olhar sua majestade nos olhos!”, gritava um anão com malha de ferro e um machado, “sua alteza completará o ritual e será a deusa maior do mundo!” berrava a hedionda criatura.

Bruxas vestidas com trapos ou lindos vestidos brancos, seguindo a moda romana dos tempos de Salústia Orbiana, assim como elfos com cicatrizes na face, duendes e gnomos com expressões de fúria e, para coroar aquela turba das trevas, um grande caldeirão negro enfeitado com cenas de dragões e serpentes aladas atacando uma aldeia.

A frente do caldeirão, sempre mexendo uma grande colher de ferro, estava uma linda mulher que deveria ter entre 27 e 30 anos, com cabelos escuros, como o breu da noite, olhos verdes como as folhas de um grande carvalho e pele pálida que, diante da luz das tochas e do próprio luar, lhe traziam um aspecto fantasmagórico: era Nealie, que esperava muito daquela noite sinistra.

Enquanto ajeitava o cinto de cobre e arrumava o vestido verde, a mulher deu ordens para que o anão de machado se calasse, pois o feitiço necessitava de silêncio:

—Calado, seu parasita! Se o feitiço falhar, terei de esperar mais um ano!

Diante do silêncio das hostes diabólicas, o anão pediu perdão e fechou a boca, enquanto sua senhora proferia a feitiçaria:

Pelo escuro da noite, as hostes se aglomeram para saudarem sua rainha, diante de trovões e raios, na espera de testemunharem a destruição do bom mago. Por isso, ordeno a terra, ao mar e ao tempo, que me concedam o poder para triunfar sobre meus inimigos!

Borbulhando muito, a misteriosa mistura do caldeirão animou a feiticeira, que ordenou ao seu anão:

—Escravo! Traga um punhado de maçãs! Devemos comemorar meu triunfo!

O anão já preparava-se para buscar um cesto de maçãs verdes quando, surgindo do meio da multidão, uma voz masculina se elevou, em tom de zombaria:

—Você sempre se exalta antes do resultado. É uma tola que deseja chegar à Lua montando uma escada de palha.

—Maldito! Quem se atreve a levantar contra mim uma ofensa tão inaceitável!? – gritou a feiticeira.

Enquanto as criaturas da noite abriam caminho para o visitante inoportuno, as feições de confiança e orgulho que Nealie havia mostrado até aquele momento esvaneceram, como se sopradas por um poderoso vendaval.

O motivo da súbita mudança na expressão da feiticeira era claro, para cada um dos seres ali presentes, pois eles também partilhavam do sentimento de temor que se apoderava da rainha.

Com um manto escuro e um capuz, aquele homem misterioso se aproximava da feiticeira, com um sorriso de confiança que faria até um rei sentir-se desconfortável, enquanto olhava com desprezo para aquelas criaturas do mal, bruxas pérfidas e outros seres do escuro.

Elevando os olhos cinzentos para Nealie, o homem tocou em uma mecha de seus próprios cabelos escuros, enquanto ajeitava o capuz, começando a falar com a voz de alguém que sabia muito bem o quanto sua posição era superior:

—Sua tola e imprudente. Sua poção borbulha pela minha aproximação, não pelo seu poder… você fracassou de novo, sua rainha inútil.

—Nã-não pode ser… quer dizer, não esperava vê-lo aqui… senhor Gael, grande feiticeiro das sombras.

—Jamais derrotará Merlin com uma poção tão mal feita, Nealie. Mas talvez eu tenha algo que a anime um pouco, especialmente depois de minha intromissão em seu festejo – disse Gael, segurando uma risada que fazia a feiticeira sentir-se humilhada.

Mexendo em seu manto, Gael tirou um objeto redondo, que reluzia com a luz da lua…

Uma maçã dourada.

O olhar de assombro da rainha era evidente, então o mago das sombras não precisou esperar para ouvir da feiticeira:

—Como você o encontrou? O pomo de ouro das… você zomba de mim, Gael! Não entregaria a maçã se ela tivesse o poder que tanto preciso. Ainda assim, supondo que seja real, o que deseja pelo fruto dourado?

—Você se engana se acha que espero algo de você – desdenhou Gael – tudo que quero é jogar um pouco.

—”Jogar”? – questionou a feiticeira, sem entender onde o mago queria chegar.

Virando–se para as hostes e potestades ali presentes, o mago mostrou a maçã dourada, que reluzia como o ouro fino de Ofir, assim como sorriu enquanto suas costas ficavam na frente de Nealie, desprotegidas.

Qualquer um teria tentado atacar Gael por trás, mas a rainha não ousaria tanto; Nealie sabia sua posição e entendia que o gesto do mago era tanto uma armadilha como uma isca, para que ele tivesse qualquer razão em render a feiticeira, humilhando-a mais uma vez diante daquela turba.

Voltando a encarar a rainha de frente, o mago começou a falar:

—Nealie, nós dois sabemos o quanto você buscou o fruto dourado das hespérides… e agora ele está diante dos seus olhos. Porém, se deseja tanto o presente de Gaia, terá de encontrá-lo antes de seus “súditos”.

Após dizer suas palavras, Gael fez o fruto desaparecer de sua mão esquerda, enquanto prosseguiu:

—Seres das trevas, elfos, anões e demais hostes! Ouçam todos, porque minha mão pesa sobre a cabeça da grande rainha. Como todos sabem, Vortigern ainda reina sobre nossa terra, sendo que a guerra parece não se afastar dela, então, o fruto dourado deverá ficar perdido durante algum tempo, porém, um dia ele ressurgirá, com seu brilho de ouro, para revelar aquele ou aquela que, por mérito e justiça, se assentará no trono de cristal e reinará sobre todos vocês!

Enquanto Nealie sentia um frio percorrer a espinha, o mago encerrou seu discurso:

—Que vocês todos, hostes infernais, busquem o pomo dourado, pois não sabem quem será o felizardo que assumirá o comando. Quanto a senhorita, minha desventurada rainha, sugiro que comece as buscas pelo fruto de ouro imediatamente, pois seus súditos certamente o farão, para se livrarem de você. Haverá guerras e conflitos menores… e você, Nealie, viverá em um estado de constante desconfiança, hahaha… nunca mais poderá confiar em ninguém, nem mesmo neste anão ridículo, com seu machado velho e malha enferrujada.

Após terminar seu discurso, Gael desapareceu em meio a um nevoeiro, sendo seguido pelos súditos de Nealie, que desejavam procurar a maçã de ouro o mais rápido quanto possível.

Sentando-se em uma pedra, a solitária rainha das bruxas olhou para a Lua, tão bela e majestosa e, pegando uma maçã verde dentro de um pequeno cesto trazido pelo anão, começou a refletir sobre o significado de tudo aquilo.

O desafio de Gael mergulharia o reino de Nealie em uma grave anarquia, onde sua autoridade não seria mais respeitada e os riscos de ser derrubada por algum suposto “monarca legítimo” seriam constantes.

“O que faremos, minha senhora?”, perguntava o anão, temendo ser agredido por sua cruel rainha, recebendo uma resposta que era, curiosamente, pacífica:

—Não podemos fazer nada… vamos para casa. Pode levar algumas maçãs com você, deve estar com fome.

Enquanto enchia um pequeno saco com algumas maçãs, o anão fitou sua mestra em silêncio, pensando o quão raro era vê-la demonstrando vulnerabilidade, temor ou qualquer outro sentimento menor que orgulho e arrogância.

 “Será que todas as mulheres são assim?” pensou o fiel anão, enquanto via a feiticeira segurar a maçã verde com aquela delicada mão direita.

“Uma maçã… e terei o mundo”, suspirou a rainha, perdendo-se em suas divagações…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Salústia Orbiana:
A bela Salústia Orbiana (cerca de 209 - por volta de 227) foi esposa do bom imperador romano Alexandre Severo (208 - 235). Embora fosse amada pelo marido, entrou em conflito com a ciumenta mãe do imperador e acabou sendo exilada.

Gaia:
Símbolo da Terra na mitologia grega, Gaia foi uma deusa que gerou muitos deuses e monstros notáveis. Foi esposa de Urano.

Hespérides:
Eram as ninfas do poente na mitologia grega. Juntas do dragão Ladão (ou Ládon) guardavam o jardim dos deuses.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.