As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos escrita por Aldemir94


Capítulo 19
O Presente de Natal




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A neve branca e fofa cobria os grandes arvoredos de Gravity Falls, o lago talvez já estivesse congelado, porém, o clima festivo do dia anterior ainda se mantinha na Cabana do Mistério, a despeito do silêncio inicial da manhã.

O cheiro de panquecas assadas, chocolate quente e biscoitos saindo do forno encheu o ambiente e chegou até o telhado, onde Aethel observava o nascer do Sol, que iluminava o manto nevado sobre aquela vista magistral.

Ainda era bastante cedo, porém, os pais de Dipper e Mabel haviam chegado à cabana cerca de 45 minutos atrás, então Stan precisou fazer o sacrifício de acordar cedo, enquanto Ford arrumava seus instrumentos científicos, Wendy varria a sala e Soos preparava o café, tendo Melody e Mabel como ajudantes.

Aethel havia cumprimentado os pais de seus amigos com educação e cavalheirismo, mas retirando-se logo em seguida (pois desejava assistir o nascer do Sol), deixando Mabel um pouco surpresa, pois a garota esperava impressionar os pais com o status real de seu querido amigo.

 Aquele dia deveria ser feliz, pois era 25 de dezembro, porém, havia qualquer coisa de melancólica no ar, considerando que aquele seria o último dia de Mabel e seu irmão em Gravity Falls.

Olhando com tristeza para o horizonte, Aethel pegou de seu bolso aquilo que havia guardado no dia anterior: o coracor, que tantos problemas havia causado a todos.

Enquanto refletia sobre aquele objeto, Aethel começou a sentir um pouco de frio e, neste momento, se deu conta de que ainda vestia as roupas que Stan lhe havia presenteado no dia anterior, inclusive o boné e o colete.

“Não é muito adequado para a ocasião”, suspirou o jovem, enquanto admirava os pinheiros cobertos de neve, porém, precisou deixar as divagações de lado, pois uma voz o chamava da janela: era Mabel, que lhe trazia biscoitos e chocolate quente.

“Eu trouxe chocolate quente, você não tomou seu café ainda”, disse Mabel, com seu sorriso gracioso, ao que Aethel agradeceu com cortesia:

—Obrigado, Mabel, foi muito gentil.

—Você parece pensativo, aconteceu alguma coisa? Quer dizer, eu sei que aconteceu um montão de coisas, tipo um mago tentando dominar o mundo, você morreu e depois voltou a vida, a cidade pegou fogo e toda aquela loucura… mas em Gravity Falls essas coisas já se tornaram habituais.

—Está tudo bem, Mabel – disse o rapaz, tentando acalmar a garota afobada – apenas estava pensando em como deve ser administrar um país. Em breve, Merlin me levará até a grande capital e a coroação vai acontecer… está tudo bem, é a vontade de Deus.

—Mas você não parece estar muito feliz com isso… não quer ser rei?

—Amanhã você voltará com seus pais para Piedmont, não é?

A garota ficou em silêncio e começou a se sentir estranha, como se as belas estrelas do grande manto da noite começasse a desaparecer, dando lugar ao céu diurno limpo, azul e alegre que, a despeito de sua grandeza, não possui o brilho reluzente e estrelado que a noite propicia.

Assim como as estações, que carregam belezas únicas e particulares, ou um lugarzinho chamado Piedmont, onde Mabel teria seus amados pais e também o irmão querido para alegrar os dias…

Mas não teria um jovem que, por vontade da divina providência, se assentaria em um trono dourado e reinaria em uma terra distante e gloriosa, ainda maior que os mundos encantados dos quais a jovem Pines ouvira falar em seus alegres contos de fadas.

Por outro lado, este reino faustoso não despertaria com o sorriso de Mabel Pines, por todas as manhãs, para que seu rei fosse ainda mais grandioso, com o coração cheio de alegria e bem querer.

Quem poderia remediar a questão cruel? Não seria natural que as histórias, mesmo as mais belas, chegassem ao fim? Foram esses pensamentos que encheram a mente de Mabel: era chegada a hora de fechar as cortinas, ouvir os aplausos da plateia e avisar a todos “o show acabou, obrigado por tudo, agora voltem para casa”...

Mas seria esta a maneira mais desejável de terminar a história? Quando a garota olhou nos belos olhos castanhos de Aethel e viu suas esperanças, expectativas, tristezas e paixões mais profundas, desde as pequenas ambições às preocupações de uma vida que, a despeito das glórias, também traria seus infortúnios, ela entendeu o que Aethel tentava dizer com suas poucas palavras.

“Sabe, achei que meus pais não passariam o Natal comigo e com o Dipper, mas eles conseguiram algum tempo", respondeu Mabel, continuando:

—Vamos embora amanhã bem cedo.

—Mabel… – disse Aethel – e se eu te convidasse para me visitar em Ghalary? Se eu enviasse uma carruagem especial para te trazer ao grande reino… você aceitaria?

—Seria incrível ver um palácio de verdade, eu adoraria.

—E se eu te convidasse para vir junto comigo para assistir a coroação… você aceitaria? Merlin poderia resolver a questão com a sua escola e você não teria pendências.

—Nesse caso, manda ver! Eu acharia o máximo ver uma coroação real, como nos filmes.

—E se, depois da coroação… eu pedisse que você ficasse no palácio? Você aceitaria viver no palácio real?

Neste momento, Mabel abaixou a cabeça e mexeu em seu suéter para, em seguida, dizer:

—Não… isso não dá. O papai e a mamãe vão estar em Piedmont… e o Dipper também vai estar lá… quando ele voltar para a escola, vai precisar da irmã durona, sabe? Hahaha… mas vou sentir falta da Cabana do Mistério, da coruja falante e…

Antes que a garota pudesse continuar, seu irmão apareceu no telhado para anunciar que Merlin fizera algo que desafiava a lógica: transformara o boné do rapaz no chapéu de Wendy!

“E eu pensando que tinha perdido esse chapéu”, disse Dipper, bastante feliz por ter o objeto de volta, ao que Aethel respondeu:

—É verdade… Merlin transformou o chapéu naquele boné que você usava, Dipper… acho que meu mentor achou engraçado. 

Os três começaram a rir, enquanto Aethel bebia sua xícara de chocolate quente e seus amigos comiam os biscoitos trazidos por Mabel quando, após alguns risos e comentários sobre aquele fim de ano incrível, dipper sugeriu que descessem, mas Aethel pediu para caminhar um pouco pela floresta, pois raramente havia visto a neve em sua vida, de forma que desejava aproveitar aquele milagre gelado.

Aceitando a ideia do rapaz, Dipper e Mabel resolveram acompanhá-lo no passeio, já que desejavam aproveitar o restante do dia, antes de voltarem para Piedmont.

Após vestirem roupas de inverno (que, para Aethel, pareciam muito chamativas), os três saíram com um trenó de madeira (por sugestão de Mabel) e com a Excalibur, já que o jovem rei já havia se apegado àquela espada.

Aethel vestia uma blusa de frio vermelha e acolchoada, com faixas azuis (roupa própria para nevascas) calças vermelhas com detalhes em amarelo, botas de neve e um gorro de lã, feito por Merlin, de coloração azul.

Dipper e Mabel usavam roupas iguais às de Aethel, cuja única mudança eram as cores: Mabel vestia-se de laranja e Dipper de vermelho e laranja (cores fortes o suficiente para serem vistas no meio da neve, caso um acidente ocorresse).

Seguindo até uma colina coberta de neve, Mabel sugeriu que o descessem com o pequeno trenó, mas Aethel preferia apenas caminhar, já que não entendia o quanto aquilo poderia ser divertido.

“Vem logo, seu bobo, vai ser irado!”, disse Mabel, rindo, ao que o rapaz finalmente aceitou o convite e sentou-se na frente de Mabel, enquanto Dipper se segurava atrás da irmã, temendo ser jogado para fora caso o trenó virasse.

Quando estavam prontos, o trenó desceu aquela colina e Aethel pôde sentir o delicioso vento norte acariciar seu rosto, enquanto os flocos de gelo caiam sobre sua cabeça.

Foi preciso desviar de algumas árvores, mas chegar ao fim da colina, após aquela descida tão divertida, trouxe aos três amigos uma sensação de alegria suprema, como se houvessem cruzado o Atlântico e descoberto uma nova terra.

Após repetirem a descida por mais oito vezes (cada uma mais agradável que a anterior, mas nenhuma tão memorável quanto a descida inicial), Mabel pegou um pouco de neve do chão, fez uma bola e atirou em Dipper, começando uma guerra de bolas de neve.

Aethel não entendia nada daquilo, embora houvesse visto, a muito tempo atrás, um grupo de crianças jogando neve umas nas outras, quando o rapaz visitou Londres com Merlin, ainda nos tempos de Arthur, o grande rei.

“Cara, você precisa sair mais”, disse Dipper, enquanto lhe ensinava a fazer uma bola de neve, enquanto explicava ao rei sobre o quanto aquilo era uma tradição importante de inverno, ao que Aethel respondeu:

—É uma tradição um pouco estranha.

—Você não conhecia esse jogo? – perguntou Mabel.

—Não – respondeu Aethel – quando o Natal chegava, eu tinha tradições um pouco diferentes, então não conheço muito de trenós e guerras de neve.

—O que você fazia, então? – Perguntou Dipper.

—Bem… – começou o jovem rei – Eu costumava assar pães e bolinhos de figos junto de Merlin, enquanto ele me contava grandes histórias de reis e dragões terríveis, tesouros escondidos, deuses querendo dominar o mundo, etc., essas coisas. Merlin também costumava encantar instrumentos para que tocassem lindas composições, como as de Machaut, Pérotin e outros músicos sublimes.

—Nunca ouvi falar nesses caras – disse Mabel.

—São muito posteriores a Arthur – disse Aethel – mas sempre me alegraram nesta época do ano.

—Você decorava a árvore de Natal com o Merlin? – perguntou Mabel.

—Nunca tivemos uma árvore de Natal – respondeu Aethel – nossa festividade era muito mais rústica do que a de Gravity Falls. Mas era boa, principalmente pelas compotas de pêssego e as de maçãs, laranjas saborosas, a sopa de peixes com especiarias vindas do misterioso oriente, pão fresco tirado do forno e verduras lavadas e temperadas com sal e azeite… como Merlin era um mago, conseguir coisas como sal, especiarias e outras coisas boas era fácil. Mas o melhor de tudo eram os bailes das fadas, onde Merlin encantava instrumentos e os fazia tocar composições de Giovanni Gabrieli.

—Parece interessante – disse Dipper – mas acho que eu não conseguiria ficar sem árvores de Natal, presentes e essas coisas.

—Nossa! – exclamou Mabel – e como eram os presentes? O que vocês trocavam de presente?

—Bem – começou Aethel – às vezes trocávamos compotas de frutas, mantos vermelhos ou bolinhos com mel e nozes, tudo sempre acompanhado de um denário de Carlos Magno. A moeda não era para ser usada, mas para servir de lembrança da comemoração… algo como as lembranças que o senhor Stanley vende na Cabana do Mistério, eu acho.

—Vai por mim – disse Dipper – isso não tem nada haver com as bugigangas que o tivô Stan vende para todos os turistas desavisados, não tem nada haver mesmo.

A conversa se estendeu por mais algum tempo, com Mabel e Dipper surpresos com o modo como Aethel comemorava as festas de fim de ano, porém, o rapaz comentava o quanto aquele Natal estava sendo colorido e cheio de luzes, muito mais do que os anteriores.

Ainda tiveram tempo para brincar e se divertir por mais algumas horas, quando começaram a sentir a fome, pois havia chegado o horário do almoço.

“Acho que deveríamos voltar”, disse Mabel quando, para a surpresa de todos, Luna e Tristan vieram a eles trazendo um embrulho branco que, ao ser aberto pelos jovens, revelou um pequeno banquete: pães com frutas cristalizadas, marmelada, maçãs, sanduíches variados, uma torta de pêssegos e biscoitos com gotas de chocolate.

 Para acompanhar, haviam duas garrafas (uma contendo água e a outra contendo chocolate quente), lenços, copos com tampa e canudos de madeira.

Como não havia cadeiras ou mesas a disposição, os três jovens e os dois pequenos alados, foram até uma árvore próxima que, em meio às raízes, escondia uma pequena e cômoda caverna, totalmente livre do frio e da neve e, arrumando o chão com o tecido do embrulho, fizeram um “piquenique”, como chamado por Mabel.

Enquanto apreciavam aquela refeição, Luna contou que Björn havia escapado da prisão de Ford e pediu a Aethel que tomasse cuidado:

—Ele fugiu – disse a fadinha – mas parece que a prisão abriu sozinha, sem que o elfo a tivesse forçado por dentro.

—Com certeza foi Gael quem o libertou – disse Aethel – o mago não aceitaria ter seu fiel seguidor aprisionado, como se fosse um animal.

—O que faremos então? – perguntou Mabel.

—Nada – disse o rei – deixem-no em paz. Ele não nos fará mal.

A nevasca começou a ficar forte, mas Aethel tranquilizou seus amigos, enquanto lhes mostrava a empunhadura da Excalibur e dizia a Dipper que, com certeza, Merlin já devia ter guardado o diário 3 de Ford, então o gêmeo não veria o livro tão cedo.

“Foi melhor assim”, disse Dipper, “eu estava pensando em jogá-lo no ‘Poço Sem Fundo’ ”, quando o rei respondeu:

—Talvez Merlin faça isso pessoalmente. Deixemos essas coisas de lado.

Enquanto seguiam com a refeição, Aethel lhes contava histórias incríveis, como aquelas que Merlin lhe contava todo Natal, o que divertia e impressionava a todos, inclusive Luna e Tristan (embora a fadinha já conhecesse boa parte das narrativas).

Depois de comerem, se divertiram por mais algumas horas, quando finalmente voltaram para a cabana, cansados, para apreciarem o jantar e irem para a cama.

Não vale a pena discorrer muito sobre o banquete na cabana, ou sobre como Merlin encantava os pais de Dipper e Mabel com mágicas bonitas, borboletas douradas e estrelas, tudo saído de sua varinha, enquanto o senhor e a senhora Pines pensavam que tudo não passava de mero ilusionismo (o que provocava risos em Stan).

Wendy estava com sua família, Soos e Melody cantavam músicas de Natal na cabana e Arquimedes, em dado momento, começou a brigar com Stan, por esse ter chamado a ave de “galinha falante”.

De qualquer forma, quando os três amigos foram para suas camas, no sótão, Aethel não conseguiu evitar de ir ao telhado e  admirar a bela Lua, o que fez seus amigos o acompanharem.

Não houve muita conversa, pois aquela amizade já estava firmada (assim como devem estar todas as amizades verdadeiras) e Aethel já chamava Dipper e Mabel de “meus irmãos”, o que era algo muito grande para aquele jovem educado e cortês.

A noite estava linda, mas já era a hora de fechar as cortinas e encerrar aquele conto de fadas, para que o amanhã trouxesse novas aventuras e, se tudo corresse bem, bons amigos pudessem se reencontrar.

 

***

 

“Piedmont vai parecer vazia sem você, como um deserto”, disse Mabel, mas Aethel respondeu com gentileza:

—”O que torna o deserto belo… é que ele esconde um poço em algum lugar”.

—E o que torna a floresta bela – disse Mabel Pines – é que ela esconde um rei.

Após abraçar Dipper e Mabel (que segurava Waddles com carinho), os dois amigos entraram no carro dos pais e seguiram viagem, enquanto Stan, Melody, Ford, Soos e Wendy gritavam “Adeus! Adeus!”.

Correndo em meio às árvores, sendo acompanhado por Arquimedes, que voava próximo, Aethel segurou o coracor na mão direita e, em uma questão de instantes, conseguiu escalar o topo de um grande pinheiro, sem muito esforço.

O jovem rei segurou a Excalibur com a mão esquerda e a estendeu em direção ao carro dos amigos, o que fez a lâmina reluzir como um raio de sol e ser avistada por Dipper e Mabel, que olhavam para o vidro de trás do carro e diziam entre si “ele é mesmo um rei”.

O rapaz, do alto do pinheiro, com seus cabelos curtos, sua roupa de inverno e seus olhos castanhos, sorria alegre, pois sabia que os gêmeos conseguiam vê-lo.

A espada brilhando e trazendo alegria a Dipper e Mabel…

Aquele foi o presente de Natal que Aethel concedeu aos seus queridos amigos.




FIM


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Notas finais do capítulo

Machaut:
Guillaume de Machaut (1300 - 1377) foi um compositor e poeta francês, tendo estudado em Reims e Paris. De sua obra recomendo os maravilhosos "Messe de Notre Dame" e "Douce Dame Jolie".

Pérotin:
Pérotin (1160 - 1230) é um obscuro compositor da idade média que fez parte da Escola de Notre Dame. Praticamente nada se sabe deste mestre.
Da obra a ele atribuída, sugiro "Sederunt Principes".

Giovanni Gabrieli:
Giovanni Gabrieli (1555 (ou 1557) - 1612) foi um compositor e organista italiano. De sua obra recomendo as sonatas (em especial a "sonata XIII").

Denário de Carlos Magno:
Aethel está falando de um "denarius" (de onde vem nossa palavra "dinheiro"), uma moeda que foi criada durante o reinado de Carlos Magno (742 - 814), um rei dos francos que, posteriormente, seria coroado como "imperador dos romanos" (ainda que o império romano não existisse mais, porém, isso é outra história).

O deserto e o poço:
Aethel citou uma passagem do capítulo XXIV de "O Pequeno Príncipe" (1943), a saber:
—"O que torna o deserto belo – disse o principezinho – é que ele esconde um poço em algum lugar" (de acordo com a tradução da edição 1° de 2015, da Editora Escala).
Não é possível afirmar que Mabel conhecesse a passagem citada, mas a garota adaptou-a para se referir a Aethel, o rei.



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