The Sandman — Olhando Para Dentro escrita por Darleca


Capítulo 1
Capítulo I — A Anomalia




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               NO MUNDO DOS SONHOS, o Moldador de Formas encontra-se diante de seu trono, pensativo como sempre esteve, mas muito mais amargurado pelos próprios pensamentos.

Há dias – ainda que no Sonhar o tempo não é contado da mesma forma precisa que no mundo desperto – que o Perpétuo não tem visitado a biblioteca, os jardins, as residências ao redor do Palácio ou a qualquer outro aposento existente no Castelo que não seja a sala do trono; não conversa com seus súditos que permaneceram no Sonhar mesmo sob a incerteza da volta de seu Criador ou permite que o salão principal seja tomado por visitantes indesejáveis.

Morpheus não pretende abandonar de novo o seu posto tão cedo ou de maneira precipitada, mesmo porque, a ideia de ter sido capturado com tanta facilidade por simples humanos o deixara com uma enorme ferida dolorosa ainda aberta. E, ao notar a presença de outro ser no recinto, o Senhor do Sono discorre longa e profundamente:

━━ Saí como Monarca do Grande Sonhar, há mais de um século, e voltei sem minhas ferramentas e minhas forças, e com meu orgulho terrivelmente ferido. E se isso não bastasse, encontrei meu reino completamente destruído e abandonado por seus habitantes... E embora eu tenha recuperado meus poderes e reconstruído o meu mundo, ainda há muito o que fazer...

━━ Milorde — Lucienne se pronuncia, fazendo-se presente ━━, insisto em dizer que o Senhor precisa descansar. Até mesmo o Rei dos Sonhos e Pesadelos deve reconhecer quando está... esgotado. Mas se serve de consolo, Vossa Majestade, boa parte dos habitantes que demandaram estão de volta. Por livre e espontânea vontade. As coisas hão de se ajeitar.

Morpheus se recusa a olhar nos olhos de Lucienne enquanto a ouve. De pé e de frente à escadaria do trono, o Soberano não parece nada além de uma figura sombria e destoante daquele salão tão cheio de luz.

Lucienne, por sua vez, caminha apenas alguns passos dos quais se permite se aproximar de Morpheus, mantendo os braços à frente do corpo, como quem aguarda por ordens que sabe que virão. Porém, a bibliotecária é sagaz ao perceber que o Mestre das Histórias quer apenas desabafar.

━━ Ainda me pergunto se a fé deles em mim é tão rasa a ponto de acreditarem que eu os abandonaria e ao meu próprio reino...

━━ Infelizmente, Milorde, isso aconteceu com um dos seus irmãos antes. E as histórias se espalham como areia ao vento... — Lucienne ergue as sobrancelhas, olhando para o seu Senhor por cima do aro de seu óculos.

E quem poderia culpar as meras criaturas por pensarem assim?

Tão logo, a bibliotecária abaixa a cabeça em submissão por saber o quanto seus dizeres e pensamentos poderiam ferir ainda mais o seu Senhor. Ela não queria piorar o já péssimo humor dele.

━━ Não, creio que não posso culpá-los — responde Lorde Sonho com melancolia ao pensamento velado de Lucienne. Ele se vira para ela, com o semblante apático e olhos brilhantes e marejados de indignação. ━━ Mas não creio ter dado razões para duvidarem de mim; que eu negaria minhas responsabilidades...

Lucienne suspira, além de ajeitar o óculos sobre o nariz.

━━ Está preocupado com o que pensam do Senhor, Milorde? Então, se me permite dizer, antes de começar qualquer reforma no Sonhar que possa desgastá-lo por completo, faça uma visita a eles; aos seus súditos. Mostre-se disponível, dê a eles uma razão para voltarem a acreditar... Parado no meio desse salão vazio, diante de seu trono, não fará ninguém mudar de ideia. E estou me referindo ao Senhor.

Morpheus tem a decência de permanecer calado, pois, no fundo, reconhece que Lucienne tem total razão; o que o remete ao passeio no parque que fizera com sua irmã mais velha e por se lembrar de seu real propósito: que o Soberano do Sonhar está considerando ouvir mais o que os outros têm a dizer.

E é o que ele faz.

 

━━━━━ • ❈ • ⊰❂⊱ • ❈ • ━━━━━

 

               Lorde dos Sonhos caminha pelos prados de seu reino reconhecendo que há tempos não realiza tais passeios por achá-los supérfluos, afinal, ele criara tudo o que existe no Sonhar; conhece cada centímetros daquele lugar...

... ao menos, era o que pensava alguns instantes atrás.

Até se deparar com uma...

━━ Taberna? Eu não criei isso... — diz ele, estupefato, mais para si mesmo do que para alguém próximo, embora sentisse a presença do novo corvo sobrevoar-lhe desde o momento em que saiu do Castelo, à distância. ━━ Tem ideia de quando isso apareceu aqui, Matthew?

Ao ser descoberto, o corvo se aproxima, pousando com graça sobre o ombro esquerdo de Morpheus:

━━ WROAARK! Quero deixar claro que o Senhor só me viu porque eu permitir. E respondendo à pergunta, isso surgiu recentemente, chefe... Pensei que fosse obra sua... Não é?

━━ Não, não é... E estou me perguntando como é possível existir uma coisa dessa em meu Sonhar, sem o meu consentimento — balbucia, com dobrinhas de preocupação em seu cenho. ━━ Volte à caverna, Matthew... vou resolver esse problema, pessoalmente.

Desta vez, Matthew não se sente impelido em ficar para ver, optando por obedecer a ordem dada sem mais questionamentos. Mas ficaria em alerta a qualquer sinal de bizarrice que não condiz com o Sonhar.

Morpheus apenas observa a construção.

Aquela anomalia se encontra no limiar do seu reino, não tão distante do Palácio Real, mas próximo o suficiente da Floresta Nebulosa, onde muitas criaturas aterradoras e fantasmagóricas que se alimentam dos sonhos inquietantes vivem sob as sombras.

Um lugar muito peculiar para levantar um comércio, diga-se de passagem.

E, de onde está, Morpheus consegue ouvir uma boa algazarra – além de música, é claro – saindo daquela formação amadeirada e de dois andares, grande o bastante para caber centenas de sonhadores; habitantes e visitantes.

E, não há dúvidas, a tal Taberna não é criação sua.

Então, algo nasce do seu âmago quase sem controle, uma fúria, mas Morpheus tem êxito em contê-la antes de se precipitar. Mas a ideia de desfazer aquela construção abominável num estralar de dedos passa imediatamente na sua mente turbulenta, afinal, quem ousou criar qualquer coisa que fosse em seu reino sem o seu consentimento? E quem poderia ser?

Lorde dos Sonhos adentra ao local como um tufão que surge de repente em alto mar, pegando todos os fregueses festeiros de surpresa; a música tocada num piano flutuante é interrompida com notas desesperadas; as canecas que giravam como pratos numa apresentação circense sobre os dedos rígidos de um barman anão se deparam com um fim trágico com a falta de equilíbrio, espalhando cerveja por todo o balcão; as dançarinas sobre as mesas têm seus gritos abafados nas gargantas com o susto, desfazendo a coreografia até então perfeita; e todos os participantes daquela festa clandestina se voltam para a entrada, àquela figura sombria e imponente de Morpheus, que esquadrilha todos os cantos possíveis em busca do ou dos responsáveis por aquilo que não deve ser nomeado de outra forma que não seja uma "insana perturbação" no Sonhar...

... o que não demora muito.

━━ Heeey! Por que pararam com a música? — Ouve-se, do andar de cima, alguém gritar numa jovial voz feminina meio embargada, que demonstra o seu suposto nível alcoólico. ━━ Vocês estão me deixando deprimidaaa!

Alguém tosse no fundo da Taberna e o silêncio volta a reinar, carregado de tensão, constrangimento e expectativa.

Morpheus, enquanto apenas observa, capta cada pensamento que surge nas mentes dos "frequentadores do bar", e descobre que todos têm a mais absoluta certeza que estão condenados.

━━ Céus, esse silêncio é ensurdecedor! — A voz continua soar alta e passos são ouvidos sobre o piso de cima. ━━ Até parece que levaram um esporro do pai... Ops!

A garota finalmente aparece no mezanino, apoiando as mãos livres no parapeito, olhando para a causa daquele silêncio sepulcral, contendo uma expressão peculiar em seu rosto. Ela veste uma roupa um tanto caótica para o "padrão do Sonhar"; jaqueta jeans azul com rebites e bottoms espalhados sobre a peça; uma camiseta branca com uma figura desconhecia desenhada na frente; uma "saia" cor de rosa bem clara, desfiada – que poderia ser muito bem um tutu rasgado – sobre uma calça justa e de estampa colorida; finalizando com coturnos pretos e desamarrados.

Embora a semelhança com Delírio seja chocante, Morpheus constata que nunca a vira antes e saberia tudo sobre ela caso a garota fizesse parte do Sonhar; coisa que o próprio Monarca não teve dúvidas de se tratar de um "efeito colateral".

Após descobrir o Vórtice Onírico e toda a trama de Desejo, Morpheus cogitara as consequências disso ainda batendo à porta. E o surgimento da Taberna e daquela garota semelhante à caçula dos Perpétuos seria uma aposta alta.

━━ Okay, parece mesmo que o papai chegou! — diz a garota em tom zombeteiro, e os olhos verdeados dela parecem brilhar. Ela ajeita o boné sobre a cabeça sem cabelos e começa a descer as escadas com ansiedade.

━━ Quem é você? — Morpheus se limita a acompanhar a aproximação da garota com os olhos, e o seu vozeirão deixa a desconhecia muito impactada, o que é bastante visível.

━━ Uau... fala de novo! — A garota está de olhos arregalados, cheios de curiosidade diante daquela figura imponente. ━━ Quer dizer, deixe-me me apresentar primeiro... — Ela faz uma reverência exagerada. ━━ Sou Dary, ao seu dispôr! E você, bonitão, quem é?

━━ Não faz ideia de quem eu sou? — A surpresa de Morpheus deixa a garota em dúvidas.

━━ Eu deveria? — indaga Dary sem saber o que deveria responder. ━━ De qualquer forma, você é muito bem-vindo aqui... — A pausa é breve. ━━ Cara, você é tão bonito... Quer dizer, olha toda essa pose misteriosa e esse ar de soberania, aposto que você é tipo um manda-chuva daqui... Olha como você deixou a galera calada!

━━ Manda-chuva? — Ele arqueia de maneira imperceptível uma das sobrancelhas grossas.

━━ É! Acertei? — O entusiasmo de Dary faz Morpheus questionar o que diabos está acontecendo ali.

A garota, alheia aos pensamentos do Rei dos Sonhos e Pesadelos, oferece um sorriso sardônico, parada bem na frente daquele homem – embora ela não saiba que se trata de uma entidade milenar até aquele momento –, e repousa as mãos sobre sua cintura. 

━━ Ah! Vamos conversar! Venha, sente-se comigo e conte-me sua história, e talvez eu conte a minha.

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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Sejam bem-vindes a minha primeira shortfic de Sandman!

A expectativa está alta? Nem me falem! Tô aqui fazendo figuinhas!

Será uma história bem curtinha sobre Dary ?“ personagem de minha autoria ?“ encontrando-se com Morpheus no Sonhar. Quem será ela? E Morpheus permitirá que a Taberna continue em seu reino? Aguardem!

Só levem em consideração que essa fic se baseia apenas nos eventos mostrados na série, para que não haja spoilers dos quadrinhos. Digam-me o que acharam. Por favor!

Agradeço demais!

No mais, beijos no coração! ❤️✨



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