Rain escrita por WriterM


Capítulo 2
Juntas


Notas iniciais do capítulo

Desejo-lhes uma excelente leitura e espero que gostem! xD



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Foi como se o mundo tivesse parado de girar, e o tempo, congelado no agora. De repente, Hatsune Miku sentia tudo com uma intensidade que nunca sonhou ser possível. O tilintar da chuva no telhado era uma tempestade em seus ouvidos; a própria respiração soava como um furacão; o corpo estava tão leve que parecia flutuar. E o calor, ah, o calor, ele queimava, fogo sob a pele, colorindo maravilhosamente as suas bochechas de vermelho. Em algum lugar distante da sua mente, uma voz sussurrou: como?

Nunca imaginou que a situação chegaria àquele ponto. A princípio, sequer cogitara dizer todas aquelas coisas, mas estar tão perto de IA naquele quarto fechado, defronte a majestosa chuva, despertou algo em seu âmago. De repente possuía coragem e atitude de sobra; o medo sumiu, e antes que pudesse perceber, havia confessado a ela. Os sentimentos que Miku guardara no peito por tanto tempo não eram mais um segredo para a pessoa amada. De onde tinha tirado tanta coragem não sabia dizer, mas estava feito, e agora estavam se beijando. Deus, elas estavam se beijando. Era tão inesperado, tão irreal, que Hatsune quase pensou estar sonhando. Mas não era um sonho, e as carícias vindas de IA lembravam-na disso.

Feche os olhos, dissera-lhe, e ela os fechou. Quando as pálpebras caíram, Miku sentiu um oceano de emoções diferentes. IA segurava-lhe os pulsos com força contra a parede, deixando seus braços abertos ao redor da cabeça; e a posição deixava-a indefesa, frágil e vulnerável ao toque, completamente à mercê da loira para que ela a explorasse como quisesse. A Hatsune, de certa forma, gostou daquilo. Não era recente o amor que sentia pela amiga – este já perdurava, provavelmente, desde o início da sua adolescência –, e fossem quais fossem as circunstâncias que culminaram naquele momento, ela queria aproveitá-lo, senti-lo, deixá-lo tão profundamente entalhado em sua alma que jamais o esqueceria. Fantasiara aquele beijo incontáveis vezes, e agora, desejava desfrutar o máximo da experiência real, que para o seu deleite, estava mostrando-se muito melhor que qualquer um dos seus devaneios.

No início, foi apenas um toque suave e tímido, com ambos os lábios explorando pela primeira vez o sabor um do outro. Miku não tinha muita certeza do que fazer – era, afinal, o seu primeiro beijo –, e embora IA estivesse em uma situação parecida, esta era mais ousada. Ela pediu passagem; Hatsune lentamente a concedeu. A pequena abertura permitiu que intensificassem o beijo, e quando as suas línguas se encontraram, entrelaçaram-se, conduzindo uma dança quente e molhada dentro das bocas interligadas. Tão íntimo contato causou uma ligeira estranheza em ambas; nenhuma delas sabia se estava ou não fazendo a coisa direito, entretanto, apreciaram o toque úmido e se deliciaram uma com a outra. À Miku, a boca de IA parecia ter gosto de menta, uma tocadela meio anestésica embebida em frescor. À IA, a azulada era tão doce como mel, um sabor virgem que ela tinha a honra de experimentar pela primeira vez.

O tempo passou sem que elas percebessem – talvez alguns meros segundos, ou quem sabe toda uma eternidade – e em algum momento a falta de ar fez com que se separassem. Afastaram-se arfando em busca de oxigênio, e, aborrecidas, encararam-se em silêncio, tão coradas quanto podiam estar. Uma fina ponte de saliva pendia entre os lábios. Miku regozijava-se em seu próprio êxtase, e quando IA afrouxou o aperto, por pouco não desmoronou, tamanha a tremura em suas pernas. A outra não estava muito diferente. O coração da loira palpitava tão desesperadamente dentro do peito que ela temeu desmaiar. Céus, aquele beijo... como havia sido incrível. Queria senti-lo outra vez, e outra, e quantas mais fossem necessárias para suprimir a sua vontade. Tentou imaginar como Miku estaria sentindo-se agora, e torceu para que ela tivesse gostado na mesma medida.

Hatsune sussurrou:

— IA, eu...

— Desculpa se eu assustei você. – Interrompeu-a. Sua voz saía entrecortada pela respiração ofegante. – Sei que isso foi muito repentino, mas... Eu não podia mais segurar. Simplesmente não podia, e quando você disse aquelas coisas...

— Está tudo bem – disse Miku com um meio sorriso. – Me assustou um pouco no começo, mas eu gostei.

— Mesmo?

— Sim. – Assentiu. – Só fiquei surpresa por você ter tomado a iniciativa. Não me ocorreu que você...

— Sentisse o mesmo? – Sugeriu. Miku concordou com a cabeça. – Bobinha. Eu sempre gostei de você, muito mais do que imagina. Eu é que não esperava que você pensasse em mim da mesma forma.

Miku mordiscou os lábios. O mar rubro em que seu rosto tinha se tornado parecia oscilar sempre que ela comprimia a boca. IA achou-a tão fofa que quis abraçá-la.

— No início eu não entendia o que estava acontecendo comigo – disse. – Você era só uma amiga, e de repente, não conseguia te tirar da minha cabeça. Confesso que isso me perturbou, mas antes que eu percebesse, comecei a gostar disso. Eu fiquei feliz só por ouvir o som da sua voz, ou por passar um tempo em sua companhia. Passei a olhar para você com outros olhos e a admirar cada gesto seu: a forma como ri quando fica animada, como ajeita o cabelo, como sorri, como cora quando está com vergonha, como infla as bochechas sempre que se irrita...

— Eu não...

— Infla sim.

Ela riu, e IA inflou as bochechas.

— Viu só? – Brincou. – Mas sabe o principal? Eu gostava, não, eu gosto de como você me faz sentir. Sinto que contigo eu posso ser eu mesma, é como se o meu mundo ganhasse mais cores na sua presença.

O sorriso bobo de IA foi tão grande que Miku também a agraciou com um. Depois, ficou cabisbaixa, quase triste.

— Foi tão sufocante esconder isso. Nunca disse que gostava de você para ninguém, nem para os meus pais. Tive medo do que eles diriam se soubessem que eu... que eu sou...

— Lésbica?

Hatsune Miku arregalou os olhos como se a palavra a assustasse, mas então anuiu, um aceno lento e reprimido, e pareceu corar ainda mais. IA logo compreendeu que a ideia ainda a deixava transtornada. Olhou-a com ternura e disse:

— Eu entendo você Miku. Também passei por isso e, às vezes, ainda custo a acreditar. Mas quer saber? Se nós somos assim, se isso nos faz felizes, não há porque esconder. Deixe que digam o que quiserem, isso é problema deles, não nosso.

— Não tem medo do que os outros vão pensar de você?

— O inferno para os outros – ralhou. – Honestamente, agora eu só quero saber o que você pensa.

— Eu?

— Sim. Você.

O olhar inquisitivo de IA era tão transparente quanto os olhos cristalinos nos quais mantinha as suas raízes. Miku entendeu a mensagem que ele passava: O que você quer fazer agora? Ela cerrou os punhos, subitamente receosa. Sabiam agora dos sentimentos uma da outra, e a reciprocidade tornava quase óbvio o que devia fazer. Mas então, por que estava tão hesitante? No fundo, Miku sabia a resposta. Estar junto de IA significava expor ao mundo quem realmente era, e por mais que amasse a garota à sua frente, tal ideia continuava assustando-a demais.

A outra notou a angústia no olhar da amiga e teve uma vaga compreensão do que se passava em sua cabeça. Levantou uma mão e tocou-lhe carinhosamente a bochecha esquerda, surpreendendo-a; depois, fechou os olhos e encostou a sua testa na dela. IA gostou de senti-la tão próxima.

— Também tenho medo de muitas coisas – disse com um murmúrio. – Mas eu não quero temer ficar com você, Miku, e não quero que você tema. Sei que está relutante, mas... Eu não posso mais esconder o que eu sinto e nem fingir que não há nada entre nós. Se você sente o mesmo, por favor, diga-me.

Hatsune nada disse, as palavras sumiram quando tentou pronunciá-las. A frustração a dominou; queria chorar por sentir-se assim. Ela ficou em silêncio, apenas sentindo a presença de IA e ouvindo os respingos da chuva. As gotas d’água soavam tão suaves que ela teve a certeza de que, se olhasse pela janela, não veria nada além de uma fina garoa.

A chuva significa mudança. A frase ecoou em sua mente, alta e clara. Miku soube o que precisava ser feito. O inferno para os outros. Fechou as mãos com força e respirou fundo, reunindo um último fôlego de coragem antes de dar o próximo passo. O medo, as dúvidas, a insegurança, eles ainda estavam lá. Mas IA estava ali, e era com ela que sempre quis – e sempre quereria – estar.

— IA. – Chamou-a com a voz mais trêmula do que gostaria.

— Hum?

— Eu também não posso mais fingir. Fi... f-fica comigo?

IA piscou os olhos, momentaneamente aturdida. Depois, abriu o sorriso mais radiante de toda a sua vida.

— Você nem precisa pedir.

— Vamos ficar juntas? 

— Sim – disse sem rodeios. – Juntas.

Entreolharam-se, e após um breve silêncio, beijaram-se novamente. Naquele momento, a chuva parou de cair.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem. Até a próxima.



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