Lily Apaixonada escrita por Bianca Vivas


Capítulo 8
Ir ao parque, discutir Caetano




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— Você não deveria dar ouvido a ela — Emmeline prendia o cabelo num rabo de cavalo tão puxado que era impressionante o fato dela não sentir dor. — Sabe exatamente como todas as três irmãs Black são quando se trata de homem.

— Eu acabei de falar isso — Marlene pôs a língua pra fora, em protesto.

Era meio da tarde e logo teriam de sair para seguirem, a pé, até a casa de Alice. Para matar o tempo, as duas foram à casa de Lilian e, ali, puderam ouvir a versão estendida do que fora dito por Andrômeda.

Num primeiro momento, as meninas se indignaram e xingaram (por nomes não muito bonitos) a colega. Contudo, logo foram trazidas à razão e decidiram que aquilo era uma baboseira. Caso Lilian prestasse atenção naquela descabida sentença, apenas assinaria atestado de idiota insegura. Uma conclusão que já fora tomada, no instante em que as ações decorreram, pela própria Srtª Evans.

Todavia, Lilian era um poço de insegurança nos momentos mais improváveis. Este era um deles. Agora, repassava em sua mente todas as palavras ditas pelas meninas bonitas demais.

E se... Tivessem razão?

— É... Confio plenamente na opinião de vocês. Vou seguir este conselho. Talvez seja o melhor a fazer. — Respondeu não muito animada, apenas para agradar as outras duas.

— Isso significa que você vai fazer o que a gente falou?

— Desculpe...? — Lilian franziu as sobrancelhas, olhando atenciosamente para Marlene.

Estava bem distraída desde que contara tudo às amigas. James tinha o condão de despertar esta característica nela.

— Mensagem. Potter. Encontro. — Resumiu Marlene, revirando os olhos.

— Ah... É claro — Lilian tentou sorrir, para provar que, além de ter entendido a mensagem, achava aquela a melhor ideia do Universo.

— Então manda logo essa mensagem, garota! — A outra garota empurrou o celular para ela.

— Claro — sorriu outra vez, segurando o aparelho.

Fitou a tela escura por uns minutos. Ela refletia o rosto marcado pelo cansaço recente. Os fios ruivos que o emolduravam pareciam ainda mais alinhados no fundo escuro e sem vida que na realidade. Era um rosto com ângulos perfeitos que estava ali; não traduzia em nada o interior da menina que lhe dava vida.

Esta, ao contrário do mármore esculpido de seu reflexo, estava uma bagunça. Um emaranhado de estalactites, escondidas numa caverna misteriosa. Pura confusão. Uma esfinge impenetrável que ruía por dentro frente às dúvidas que, cedo ou trade, chegariam a ela — eram elas as acompanhantes de James.

Séries de “e se” vinham a sua cabeça. Situações e possibilidades. O medo da rejeição; da exposição; do ridículo. Novamente e de novo. Tinha uma imagem a zelar e colunas a equilibrar. A resposta à pergunta que faria poderia mudar tudo.

E se ele já tivesse enjoado dela?

E se ele fosse igualzinho a Sara?

E se a sua história estivesse fadada a ser repetida sempre e sempre, trocando apenas o protagonista? Perdendo constantemente aqueles a quem amava? (Não, não amava James, mas precisava fazer aquela projeção. Para o caso de se apegar.).

— Não seria melhor mandar essa mensagem quando a gente voltar da casa de Alice? — Pressionou o celular na coxa descoberta. — Quer dizer, poderíamos conversar melhor se tivermos mais tempo e eu não precisar dar atenção à equipe.

— Isso é o início de uma paixão, dona Lilian Evans? — Emmeline apertou a bochecha dela sorrindo e Marlene bateu palmas.

Um calor subiu pela face de Lilian e uma parte de seu rosto ficou, ao fim deste processo, vermelho escarlate. Foi uma reação inesperada, para todas ali. Fingiram então que não havia acontecido.

— Acho que já está na hora de ir, não? — Lilian mudou de assunto, para evitar que, apesar do acordo tácito, abordassem sua vergonha.

— Tanto faz — disse Marlene agarrando a mochila rosa chiclete que tanto adorava e saindo do quarto.

Emmeline a seguiu pelas escadas que levariam à sala e onde ficariam esperando até Lilian chegar. A menina ruiva, antes de sair, avisaria a Petúnia e Annie onde estaria indo.

Encontrou a irmã no quarto, estudando. Ela vivia fazendo isso. Sonhava um dia poder entrar em algum curso difícil na Universidade de Oxford e punha o máximo de esforço para que isso ocorresse. Contudo, era relapsa para os próprios padrões algumas vezes. Em tardes de inverno, trocava os livros pelo videogame ou pelos quadrinhos. E, nas noites de verão, preferia passar o tempo fazendo coisas divertidas. No fim, gostava mesmo era de viver. E sonhar. Sonhar muito.

Disse rapidamente que sairia e seguiu atrás de Annie. Desta vez, estava no cinema recém-criado. Era pequeno e não cabia muita gente. Foi uma surpresa encontrá-la fora da biblioteca, lugar onde passava grande parte de seus dias. Contudo, a estupefação foi logo substituída pela compreensão. Na tela, via-se a bela Keira Knightley vestida da Anna Karenina de Tolstoi.

Lilian sorriu antes de interromper a atividade da velha e repetir o mesmo recado dado a Petúnia, com um pouco mais de detalhes. Em seguida, uniu-se a duas de suas melhores amigas e, assim, pôs-se a caminhar rua afora de encontro à casa de Alice.

***

O chão de paralelepípedos da pequena cidade irradiava calor. A planta dos pés suava no contato com o couro das sapatilhas. Era anormal aquela temperatura em pleno início de julho. Mas elas não reclamavam. Os astros estavam conspirando em favor delas, facilitando absolutamente todo o trabalho em se tratando da Copa das Casas.

A brisa inexistente naquele clima seco fez cada uma delas prender, de alguma maneira, o cabelo que caia pelas costas fazendo-as transpirarem excessivamente. Com a perda de água, logo estariam cansadas. E ainda faltava o resto do quarteirão inteiro para atravessarem. Lilian desejava apenas que seu pai não precisasse trabalhar à tarde também.

Por fim, quando parecia a elas que as sandálias seriam rachadas devido à ação do sol, as casas começaram a rarear. Árvores robustas e grandes palmeiras foram aparecendo cada vez mais.  De repente, uma passarela inteira de palmeiras surgiu. Ela continuava até o infinito, como o mar. Era ladeada por moradas enormes, que se pareciam com verdadeiros castelos. Cada uma possuindo uma personalidade. As casas tinham vida. E, apesar disso, não abrigavam gente. Poucas pessoas moravam, de fato, nelas.  Duas ou três. Às vezes cinco para povoar toda uma rua.

Lilian achava isso um absurdo, contudo, as pessoas que ali residiam pagavam caro por aquilo. Algo que tornava o negócio mais ou menos justo. Além disso, uma daquelas casas grandes demais pertencia a Alice, o que seria maravilhoso quando precisassem finalmente ensaiar para o desfile.

Pararam de frente para uma grade cinza que guardava um misto de moradia e mini palácio com referências a um futuro moderno e, simultaneamente, a época de príncipes, princesas e cavaleiros antigos. Um caminhozinho de pedra em meio à grama levava a outro portão, desta vez de madeira. Árvores de médio porte eram encontradas atrás dele, e guardavam a porta de vidro que conduzia ao interior da moradia.

Emmeline, a mais alta das três, tocou o interfone. Uma moça de voz esganiçada atendeu e, depois de alguns minutos, apareceu com uma chave na mão. Ela vestia um vestidinho cor de rosa e os fios estavam presos numa trança longa — a típica doméstica dos filmes de famílias perfeitas. A mulher, que aparentava possuir não mais que vinte e um anos, concedeu-lhes a entrada e seguiu por um caminho diferente do das garotas.

— Atrasadas — Frank disse ao abrir a porta de vidro — Alice tá bem irritada hoje — sussurrou para Emmeline e Lilian.

— Quem tá aí? — perguntou Marlene se escorando na parede externa.

— Alice, eu, Dorcas e mais um bocado de gente.

— Pensei que seriam apenas os líderes — observou Emmeline.

— Marlene está aqui...

— Acontece que a Marlene pode tudo — Marlene empurrou Frank e entrou na casa, com um ar irritado.

Lilian e Emmeline a seguiram, desculpando-se pelo sempre imprevisível comportamento da amiga.

A sala de visitas estava abarrotada de pessoas. Alguém havia colocado uma mesa com tampo de vidro no meio do cômodo, onde se encontravam bandejas, copos e garrafas. Rodeando-a, os dois sofás de couro preto e algumas cadeiras que ninguém sabia o motivo de estarem lá. Três computadores portáteis espalhavam-se pelo lugar e todos os presentes seguravam celulares.

Alice enrugava a testa e Dorcas falava e gesticulava muito. Quando Emmeline entrou na sala, ela deu um pulo da cadeira.

— Por favor, diga que você tem alguma ideia pra esse maldito desfile — ela estava quase chorando de angústia — Só aconteceram brigas desde que chegamos.

— Eu pensei em algumas coisas e Lilian pesquisou algumas músicas — respondeu distraída, buscando algo no meio de pessoas — Onde está Marlene?

— No lugar de sempre: a cozinha.

Emmeline assentiu e sentou-se no chão. Lilian chamou Frank, silenciosamente, e cochichou algo em seu ouvido. Logo, os dois estavam de pé, fitando todos aqueles rostos suados. Todos esperavam que um deles começasse a falar, como se aquilo fosse uma espécie de conselho de guerra. Frank era o comandante, Lilian seu braço direito e o resto, oficiais aguardando instruções.

— Conheço novos nomes da música brasileira. Um cantor de MPB e uma banda de rock. O som não é popular e seria interessante fazer uso da música de um deles. — Lilian parou por instante, mal acreditando que seus colegas ainda prestavam atenção em sua fala. — Cícero é o cantor; Vanguart, a banda. Eu tomei a liberdade de trazer algumas músicas deles e acredito ser uma ideia bem prática, a de criar o enredo de nosso desfile pautado em uma canção de algum deles, já que as letras são legais e, como é em Português, ninguém vai prestar tanta atenção assim.

— Todos concordam com a ideia? — Frank perguntou. Lilian continuava do seu lado, bem nervosa, e quando ninguém discordou, ela conseguiu respirar aliviada.

Eles passaram a tarde tentando decidir qual seria a canção. Tinham dois álbuns inteiros para se debruçarem, mas o voto foi para Vagalumes Cegos, mesmo que nenhum deles conseguisse entender nem a língua e nem as metáforas do lirismo de Cícero Lins.

— Sabe, você podia gravar um stories com essa parte aí da música e marcar o Potter. — Marlene chegou por trás de Lilian, assustando-a.

Do som de Alice, Cícero ia deixando bem claro “fica por aqui, vem cuidar de mim, vamos ver um filme”, enquanto Alice e Frank rodopiavam no ritmo da melodia.

— Muito engraçado. — Lilian tirou o rosto do roteiro que escrevia e encarou a amiga. — Além do mais, ele ia achar que sou louca.

— Então você admite que quer falar com ele, não é?

— O que você quer, Marlene?

— Que você mande logo essa mensagem pra ele igual disse que faria — a menina fez um biquinho, obrigando Lilian a revirar os olhos.

— Ah, tá bom, tá bom! — Lilian pegou o celular, digitou algo e o entregou à amiga. — Satisfeita?

Marlene pegou o celular da amiga e seu sorriso de satisfação estava espalhado por todo o rosto. James havia respondido com outra pergunta. Ir ao parque, discutir Caetano?

Ela só pôde ficar feliz por Potter compartilhar um pouco do gosto que ela nutria por música brasileira.


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