Orgulho e Preconceito - Perdida no século XVIII escrita por Aline Lupin


Capítulo 33
Capítulo 33




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“Você pode viajar no tempo através das lembranças. Você não sai de um espaço físico, mas sua mente viaja através da lembrança, daquele exato momento, como se você estivesse realmente lá. É assim quando nos lembramos de algum evento que marcou nossa vida...”

Lizzy desistiu de ler mais uma página de site que falava sobre o assunto “viagem no tempo”.

“A possibilidade real de uma viagem no tempo é, hoje em dia, praticamente nula do ponto de vista prático...”

Não, não aquilo definitivamente não estava ajudando. Ela quase socou o mouse ao fechar a aba do navegador. Fechou o notebook, sentindo a frustração crescer. Ela tinha uma carta de Darcy, que guardou em um pacote plástico de fichário, apenas para não vê-la se desintegrar. Afinal, com a ação do tempo, o papel já estava frágil. Ela deveria tomar cuidado com aquilo, como se fosse algo sagrado. Por isso, guardou na gaveta da mesinha de cabeceira ao lado da cama. E não mexeu mais. Até mesmo imprimiu cópias, para ter guardada, para o caso de querer ler mais uma vez.

O tour em Pemberley não fora satisfatório. Não havia mais nada que mostrasse indicios do que aconteceu com Darcy. Apenas que ele teve uma vida plena e longa, morrendo sozinho em Pemberley, sem gerar qualquer herdeiro. Ele nunca parou de trabalhar, nunca teve sequer um escandalo, uma amante, um filho ilegitmo, nem ao menos tentou se matar. Morreu de um problema cardiaco. Apoplexia. Foi encontrado em seu escritório, na idade de 45 anos, com algumas anotações sobre viagem no tempo. E isso dilacerou o coração de Lizzy. Ele ainda estava tentando busca-la. Ela preferia muito mais que ele tivesse se casado, ou tido um caso amoroso, do que ficar procurando por ela.  Bom, ela estava mentindo. Ela sofreria de um ciume corrosivo se soubesse que ele foi feliz, mas ao menos, ele merecia ser. Não merecia sofrer e não encontrar a felicidade. Mas, o que se aplicava a ele, não se aplicava a ela.

Já fazia quase três meses que ela estava de volta. E tudo que ela fazia era trabalhar, voltar para casa, cuidar de Boris, comer sorvete, chorar, ler todas as versões de Orgulho e Preconceito, até mesmo fanfics. Ela não fazia tudo na mesma ordem.

Para piorar sua situação, mesmo que ela mergulhasse sua atenção no trabalho, acabava errando nas traduções. Meredith a cobria, mas nem sempre isos era possível. Às vezes alguns erros eram vistos por Brian, que apontava tudo isso em caixa alta, ao enviar mensagens grosseiras por email. Ao menos, pessoalmente nas reuniões, ele não gritava, mas era condescedente com ela. O que a fez tomar uma decisão. Ela estava cansada de trabalhar para aquela editora. Não havia mais sentido em continuar naquele lugar. Nada lhe trazia prazer, nem mesmo o trabalho. Era como se Lizzy fosse apenas uma máquina sem emoções, fazendo o trabalho repetitivo de cada dia. Mas, ela encontrou um modo de sair da sua apatia. E já havia recebido a ligação que precisava. Ela iria tomar uma decisão em breve quanto ao seu trabalho e sair de lá.

“ELIZABETH, VENHA A MINHA MESA AGORA!”

O email de Brian estava claro. Ele devia ter encontrado mais um erro dela nas traduções. Ela não poderia julga-lo por estar bravo. Mas, ele poderia ser um pouco mais educado.

Lizzy levantou da cadeira, com as pernas bambas, mas estava decidida. Puxou um envelope dentro da gaveta dela e rumou para sala do editor chefe. Ele estava sentado de costas para ela, olhando para os janelões. Dali era possível ver o trafego de carros.

Ela esperou que ele se virasse. Sentia seu coração opresso, a garganta seca. Não gostava de como as coisas estavam. Sabia que estava sendo negligente em seu trabalho, mas como poderia lidar com tudo aquilo? Com toda a bagunça que se tornou sua vida, no quesito emocional?  Ela precisava ser sincera e abrir o jogo com Brian.

Então, ele virou cadeira, encarando-a com raiva. O maxilar trincado. Os olhos dardejantes. E toda a coragem dela evaporou. Ele não a convidou para se sentar. Nem ao menos se levantou para falar com ela. Ele ficou sentado em sua cadeira de couro, mirando-a com um olhar penetrante. Ela prendeu o ar, com medo do que viria a seguir.

— Eu não entendo – ele começou a dizer – Eu não compreendo o porquê de você continuar com esses erros. Cada vez que repasso um texto seu, encontro palavras espelhadas, até mesmo faltando letras, Elizabeth. Faltando letras – ele gesticulou com as mãos, depois passou uma mão, pressionando a tempora esquerda – Eu não sei o que você pretende com isso, mas você nunca vai crescer dessa maneira. Nunca vai poder me substituir.

— Eu não quero substitui-lo – ela diz, com a voz fraca, sentindo-se derrotada por sua desatenção.

Ele soltou um suspiro. Então, o rosto dele mostrou o quanto estava cansado. O quanto parecia envelhecido. A barba estava por fazer. Algo que nunca acontecia com Brian. Ele sempre se mostrou diligente em seu trabalho e com sua aparência.

— Eu vi potencial em você, Elizabeth. E não estou sendo ironico – ele fala, como se já tivesse desistido da ideia – Mas, desde que você voltou, parece que se esqueceu de como deve fazer seu trabalho. E eu preciso que o seu trabalho seja cumprido. Se não, nós dois estaremos nos sobrecarregando. Estou cansado disso – ele passou a mão pelos cabelos claros, com um olhar perdido – Eu estava pensando em deixar o cargo com você, enquanto eu me aposento. A diretoria quer uma indicação, para que eu possa sair, mas pelo seu desempenho, eu não vejo que você seja a pessoa ideal.

Isso a deixou com raiva. Ela nunca pediu para ficar no cargo dele. Nunca almejou nada. Apenas entrou para a área editoral, pois queria trabalhar com a edição de livros. Já que nunca se sentiu capaz de escrever um.

— Eu não quero esse cargo, Brian. Na verdade, eu estou me demitindo – Ela colocou a carta que estava carregando na mão, antes de entrar no escritório, sobre a mesa dele.

Brian olhou da carta, para ela, sem entender. Parecia estupefato.

— Eu não quero mais trabalhar para essa empresa. Sinto que não estou bem e preciso descansar – ela diz de forma mais sincera possível - Espero que você consiga encontrar a pessoa ideal para o cargo. Só posso pedir desculpas pelos meus erros, Brian. Eu acho que nunca deveria ter voltado, sabendo que não estava bem.

Ele ficou em silêncio, ainda olhando para ela, como se não entendesse. Lizzy esperou mais alguns instantes para que ele dissesse alguma coisa. Como ele ficou calado e absorto, Lizzy aproveitou para sair da sala dele. Quando chegou a sua mesa, Meredith a parou.

— O que houve? O que o chefe falou? – ela pergunta de forma curiosa.

— Ele me deu uma broca e meu demiti – Lizzy responde, guardando suas coisas sobre a mesa dentro da bolsa. Puxa o porta retrato da sua família, colocando dentro da bolsa. A foto é dela, de Jane e seus pais. Todos felizes, em frente a uma casa de veraneio.

— O que? – Meredith exclama, sem compreender – Está louca?

— Não estou – Lizzy responde, continuando a guardar suas coisas dentro da bolsa – Foi a melhor coisa que fiz na minha vida.

— Mas, como você vai se sustentar, Lizzie? Vai vender seu apartamento? O que você pensa em fazer?

Lizzy dá de ombros.

— Ainda não sei, mas tenho um plano em andamento. Te conto depois. Acho que Brian vai sair a qualquer momento e não quero mais cruzar com ele.

Ela sai do setor, sem deixar que Meredith a alcance e entra no elevador. Recosta na parede de metal, fechando os olhos, sentindo o coração bater forte. Não tinha notado o quanto estava tremendo. Abre os olhos, focando em suas mãos. O enjoo toma conta dela e se sente sufocar. Então, Lizzy olha para o lado. Um rapaz de cabelos escuros está à frente dela, mexendo em seu celular. Usa um blazer cinza, calça social escuro e um sapato de couro preto. Por um momento, ela pensa estar diante de Darcy, pelas semelhantes de estatura e do cabelo volumoso e escuro, mas ele se vira para trás, por um instante e sorri para ela. Então, volta a olhar para frente. Ele não é Darcy. Seu rosto não é nada parecido com o dele. Mas, ela desejava que fosse sim. Que ela pudesse ser abraçada por ele. Que ele pudesse estar ali por ela, na maior decisão que ela tomou em toda sua vida, largar seu emprego, que ela arranjou depois de terminar a faculdade.

— Está tudo bem? – o rapaz que não é Darcy pergunta. Então, as portas para o térreo se abrem.

— Está sim, obrigada – ela responde, saindo pelas portas, seguindo pelo saguão.

Ela está quase perto da saída, das portas giratórias e o rapaz que não é Darcy a acompanha.

— Você parecia prestes a desmaiar lá dentro – ele diz, ao lado dela.

Lizzy empurra as portas giratórias, para imprimir mais distancia daquele homem. Não é o momento ideal para ela ter uma discussão sobre o que aconteceu com ela. Nunca gostou de conversar com pessoas estranhas. Quando consegue sair, puxa o celular e chama um Uber.

— Eu sei que não conhecemos, mas eu sempre vi você aqui no prédio – O rapaz não parece ter desistido dela e ficou ao lado de Lizzy na calçada. O céu está nublado e Lizzy torce para que chova, assim ele poderá sumir para dentro do prédio e ela não vai precisar mais ver ele e seu rosto perfeito. Os olhos dele não são azuis. É de um tom verde musgo. Ele não é Darcy, ela repete para si mesma, mesmo ele tendo cabelos escuros e ter uma aparência tão bonita quanto à dele – Você trabalha para Brian, como editora, não é? Sou Michael Fitzwilliam Adams, diretor de Marketing.

Ele estende a mão para ela, como se fosse aperta a mão dela. Lizzy olha para mão estendida dele e aperta, sem entender. A familiaridade que teve ao vê-lo faz todo o sentido agora com a revelação do nome dele. O que a assusta e a intriga.

— Sou Elizabeth Bennet.

Michael sorri e aperta a mão dela, soltando. Parece profissional. Apenas isso. E ela solta o ar aliviada.

— Eu sei – ele diz, como se já soubesse quem ela é. O que Lizzy acredita ser algo estranho, afinal, nunca cruzou com ele. Sempre que tinha de ir a uma confraternização da empresa, nunca o viu em nenhuma parte. Como ele poderia saber quem ela é – Brian sempre falou da sua competência. O que admiro. Brian é sempre tão metódico, que as pessoas não suportam ficar do lado dele.

Lizzy assente, sem querer se comprometer. Viver com Brian como chefe, era viver com um tirano. E saber que ele estava falando bem dela deixou-a se sentindo mal. Ela queria se desculpar com ele, por tudo.

— Para onde está indo agora? – Michael pergunta – Desculpe, estou sendo mal educado.

— Está tudo bem – Lizzy diz. E realmente fala a sério. Cancela o Uber, pois um pensamento passa por sua mente – Eu iria para casa agora, mas acho que vou tomar um café aqui perto. Você gostaria de ir comigo?

Ele parece surpreso pelo convite e Lizzy quase se arrepende por seu descaramento.

— Desculpe, eu não deveria ter perguntado isso – ela diz mortificada.

Então, ele sorri. Um sorriso semelhante ao de Georgiana. E isso dói profundamente em Lizzy. Com certeza, ele deveria se descendente dela.

— Bom, eu terei uma reunião às quatro horas da tarde. Acho que é possível tomar um café.

*

Lizzy e Michael escolheram uma cafeteria próxima Editora Adams & Fitz. Ela nunca havia percebido, mas o local que trabalhava era da mesma família que a Fitzwilliam. A editora era negócio de família, que começou com Georgiana e Richard Fitzwilliam, no século XIX. Contudo, como na geração de Michael não houve herdeiros homens, a mãe de Michael se casou com um Adams, mantendo seu nome de solteira e passando para a geração seguinte, desde que acompanhasse o sobrenome Adams.

— Então, basicamente minha família mantém as tradições antigas, mas deixaram abertura para o novo, como uma mulher mantendo seu nome de solteira – Michael diz, tomando um gole do seu café – O que é muito inovador para eles.

— Você se dá bem com sua família? – Lizzy pergunta, mexendo no café com a colher, sem de fato tomar. Sua única intenção e drenar cada informação possível que Michael puder compartilhar sobre sua família. Ela só teme falar sobre Darcy. Tem medo do que ele possa responder.

— Sim, eles são incríveis – Michael responde – Meu pai ainda gerencia a editora, como diretor e há outros sócios, é claro. Mas, a editora está na nossa família. É claro que eu quis fugir desse caminho. Eu sempre fui voltado para área de comunicação. Me formei em jornalismo, mas acabei com a área de diretor de marketing da empresa. O que não é ruim. Os negócios estão na família e preciso mantê-los conosco. O que é eu posso confessar ser algo maçante – ele morde os lábios, com um olhar risonho – E você, Elizabeth, o que sua família deixou de legado para você?

Lizzy olha para o lado, pensando no seu pai. Em sua mãe. Duas pessoas boas e que se importavam com suas filhas, até que um acidente de carro tirasse suas vidas Ela engoliu o caroço que se formou em sua garganta e sorriu forçosamente.

— Eu não acho, acho que foi nunca desistir dos sonhos e ser uma pessoa honesta, eu acho – ela remexe no café, sem querer olhar para Michael, que parece analisa-la de forma profunda.

— Parece que há uma grande história por trás disso tudo, Elizabeth. Estou tentado a descobrir.

Lizzy engole a seco, não quero ter aquela conversa com ele. Nem perceber que o modo que ele a olha é de forma totalmente diferente da profissional ou do interesse educado que duas pessoas têm, ao se conhecer.

— Me fale sobre seus antepassados – Lizzy pede.

Ele parece desconsertado e franze o cenho. Mas, começa a falar.

— Bom, já ouviu falar do livro Orgulho e Preconceito? – Lizzy assente – Bom, nada do que está escrito lá é verdade. Eu acho que foi uma falta de noção da minha tataravó pedir para uma escritora escrever sobre a família dela. Georgiana Darcy era minha tataravó ou mais, é claro. Uma geração muito atrás da minha família. Se você já leu o livro, saiba que nosso parente não era tão romântico assim. Fitzwilliam Darcy era um poço de arrogância e jamais se casaria com uma mulher fora do seu circulo social. Particularmente, eu acredito que sejam ideias ultrapassadas.

— E a carta que comprova que ele amava uma mulher fora da sua classe social? – Lizzy pergunta, um pouco irritada com a forma como Michael fala sobre Darcy.

— Poderia ser verdade, Elizabeth, mas por que ele nunca se casou com ela? Isso já demonstra que ele não conseguiu ultrapassar seus próprios preconceitos. Por isso, o final foi de forma tão realista. Elizabeth Bennet, a mulher que ele diz amar, pode não ter morrido de fato em um acidente de carruagem, mas isso já mostrava a impossibilidade de que os dois pudessem ficar juntos e a autora frisou isso. Mesmo que em seus outros livros ela tenha romantizado o amor entre pessoas de classes diferentes. Enfim, são somente conjecturas, é claro.

— Bom, não podemos falar de uma pessoa que nem se encontra aqui para se defender, não acha? Além do mais, com certeza ele deve ter lutado para estar com ela e ultrapassar seus próprios preconceitos – Lizzy não sabia o motivo para estar na defensiva. Respirava profusamente, com raiva de Michael.

Contudo, tudo que ele falou era sobre o conhecimento prévio que ele tinha sobre pessoas daquela época. Que visavam apenas seu status social.

— Tem toda razão – Michael diz, sem parecer abalado. Na verdade, ele relaxa contra o encosto da cadeira e toma mais um gole do seu café – Agora, quero saber mais sobre você, Elizabeth. Eu sei que faz três anos que trabalha na nossa empresa e que aguenta Brian por todo esse tempo. Quero saber mais sobre você. Seus hobbies, o que gosta de fazer.

— Eu não trabalho mais para editora da sua família – ela responde, mesmo não tendo necessidade de ser sincera.

Ele franze o cenho, surpreso.

— Não, mas por que não? – ele pergunta.

— Eu não acho que esteja bem para trabalhar na editora. Venho cometendo erros incessantes nas minhas correções. E tomei uma decisão. Vou escrever livros.

— Você...vai? – ele pergunta, boquiaberto – Uau. Isso é incrível.

Lizzy não sabe se ele esta sendo condescendente ou não.

— E já escolheu a sua editora? Espero que escolha a nossa, afinal, trabalhou conosco tanto tempo. Eu gostaria de ler seu manuscrito.

Lizzy não quer fazer nada disso. A única coisa que passa por sua cabeça e sair daquela cafeteria e nunca mais olhar para trás. E não quer mais ver Michael. Ele em nenhum momento foi grosseiro. E ela não entende o motivo para estar tão irritada com ele.

— Eu não acho que seja uma boa ideia – ela diz – Eu já tenho alguém interessado no livro.

— Nos dê uma chance, Elizabeth. Eu tenho certeza que podemos fazer uma oferta melhor do que estão propondo a você – Michael assume seu lado profissional, focando em conseguir o manuscrito dela, como se ela fosse seu melhor cliente – Pense nisso, Elizabeth. Nossa editora tem nome e peso no mercado editorial. Qual editora você escolheu para lançar seu livro? É uma editora que ira valorizar seu material?

De fato, era uma editora pequena que havia aceitado publicar seu livro. Mas, ela teria que pagar para serem impressos os exemplares, pelo menos uma porcentagem. Era um dinheiro que havia economizado por um longo tempo. E na verdade, ela sentiu que cometeu um erro enorme por pedir as contas da editora, naquele momento. E se os livros não vendessem bem? E se ela não conseguisse pagar suas contas?

Então, ela tomou a decisão de confiar em Michael, mesmo que não pudesse confiar.

*

Uma semana depois, ela recebeu a ligação dele. Michael havia conseguido que seu manuscrito fosse aprovado, sem custos com a edição ou impressão, pelo tempo que ela passou com a editora Adams & Fitz trabalhando. Na verdade, Meredith havia dito que Michael Adams conseguiu que não cobrassem dela nada e era somente isso que estava sendo falado no setor.

— Com certeza, ele esta apaixonado por você – Meredith diz, enquanto as duas se dirigem ao bar para tomar uma cerveja.

— Eu não me importo com isso – Lizzy diz, com acidez, afinal, a única pessoa que persistente em sua mente é Darcy, mesmo que Michael seja parecido com ele.

As duas caminham pelo quarteirão, perto da editora. O dia está frio e já mostra claramente como será o outono, chuvoso e desolador, tão parecido com os sentimentos que habitam o coração de Lizzy.

— Pobre coitado – Meredith diz, rindo – Ele parece realmente gostar de você. Me perguntou se você tem namorado.

— E o que você disse? – Lizzy pergunta, pedindo mentalmente para que Meredith tivesse mentido por ela.

— Que você está solteira, ué.

Lizzy solta o ar pela boca, irritada.

— Eu não quero sair com ele. Não quero sair com ninguém, Meredith.

— Tá, tá. É só dizer que você não quer nada com ele.

— A Lizzy não quer nada com quem? – A voz de Jane soa atrás delas.

Lizzy se vira surpresa por ver sua irmã. Não esperava ter a visita dela aquela semana, mas fica feliz em constatar que Jane resolveu mudar os planos. As duas se abraçam ao se afastar, ela nota que Jane não está sozinha. Está acompanhada de Charles e alguém que ela não esperava ver aquela noite. Michael Adams.

— Oi – ele diz, parecendo ansioso – Pronta para tornar seu livro um sucesso, Elizabeth?

O estômago dela se revira. Lizzy quer isso, pois é seu único modo de se manter no momento. Mas, não sabe se quer manter uma relação com ele. Ela não consegue compreender porque somente ele está entrando em contato com ela. Normalmente seria Brian a fazer isso.

— Sim – Lizzy responde, fracamente.

Ele sorri, de forma calorosa.

— Então, vamos beber para comemorar hoje – Jane diz – Eu vim visitar você, porque estava feliz demais por saber que você saiu da editora, sem ofensas Michael. E pelo livro. Sinceramente, está parecendo uma releitura de Orgulho e Preconceito.

Lizzy riu fracamente. Não parecia, era uma releitura. Mas, ela não diria nada a ninguém. A história girava em torno de um casal, improvável, no período entre século XIX e XX. Apesar de a protagonista ter certa fortuna, se porta de forma escandalosa. E o par romântico dela é sua antítese, por ser sério e contido. A única diferença é que ele é médico. E eles somente se unem devido ao interesse dela por medicina, apesar de ser uma pintora e excelente desenhista. Infelizmente, as coisas entre os dois se torna complicada, ficam trancados em uma biblioteca e são forçados a casar. É desse ponto que acontece a trama.

— Eu não acho que seja – Lizzy disfarça, dando um sorriso – Mas, é bem parecido, não é? A protagonista odeia o seu par romântico.

— Muito Orgulho e Preconceito – Meredith diz, com um sorriso maroto – Não acha Michael?

— Exatamente. Por isso dei atenção ao livro de Elizabeth. É perfeito na medida certa.

O grupo resolve caminhar para o pub, enquanto conversam sobre o livro de Lizzy. Ela se sente desconfortável sobre isso, mas finge não sentir. De fato, acaba se arrependendo por contar a todos seu novo empreendimento. Ela apenas escreveu para não se sentir tão solitária, devido ao fato de ter perdido Darcy e não ver chances de voltar para ele. Não escreveu na intenção de ser famosa. Queria apenas ganhar algum dinheiro com isso e continuar a escrevendo, para se manter. Ou talvez, iria encontrar um emprego, depois que conseguisse colocar sua cabeça no lugar.

Ficar no pub, fingindo que estava tudo bem, não foi algo fácil. Ela tomou algumas cervejas, conversou e até aguentou Michael dar em cima dela, sem o menor pudor. Estava óbvio que ele a desejava. Mas, ele não era Darcy. E ela não se sentia nada animada com suas atenções. Quando saiu da mesa, para ir ao banheiro, Lizzy acreditou estar vendo uma assombração. No balcão, um rapaz de jaqueta de couro estava de costas para ela. Mas, os mesmos cabelos curtos, raspados do lado de Alexander. Ela se aproximou cautelosamente, até que ele virou o rosto. A mesma cicatriz no rosto, do lado da testa ao olho.

— Alexander – ela diz, com a voz tremula, parando ao lado dele, nas cadeiras altas.

— Lizzie – ele a cumprimenta, com um ar jovial, como se fosse bom vê-la. O que a deixa com raiva – Que bom que te encontrei.

— Ah é? – ela pergunta, com ar irritado – O que é que você pensa que fez com a minha vida?

— Eu? Apenas consertei as coisas – ele responde, de forma tranquila.

Nesse momento ela tem vontade de estrangula-lo.

— Não precisa ficar com raiva, Lizzie. Você precisava desse tempo aqui. Com seus amigos, sua irmã. Você precisa ver se esse século é seu lugar – ele explica como se fosse fácil de compreender. Mas, nada estava sendo fácil para ela. Foram os piores três meses de sua vida. Por não ser uma pessoa tão dramática, ela continua a viver, mas existia até aquele momento como uma casca vazia. E ela nunca, nunca mais queria amar alguém. Amar era se ferir. Amar era ter a alma arrancada do corpo e se sentir vazio. Ela nunca mais iria se permitir a ficar tão vulneral. Seria uma casca dura, que nada passaria por ela – Se eu deixasse você lá, sem poder escolher para onde ir, seria errado.

— Eu queria ficar, Alexander. Eu não queria voltar mais! – ela diz entredentes.

— Você disse que queria. E depois, eu percebi que não queria mais. Mas, precisava ter certeza. Na verdade, é algo que acontece com todos que tem essa experiência de voltar no tempo. A fada madrinha responsável por lhe dar os felizes para sempre precisava fazer isso, para que você tenha certeza do que quer. Para que não haja arrependimentos. Porque no momento em que você escolher ficar em qualquer um dos tempos, no passado ou no presente, você não terá mais como reverter a sua escolha. Você nunca mais vai poder voltar ao seu século. E se escolher ficar aqui, nunca mais vai poder voltar ao passado, aonde Darcy se encontra. Mas, eu não podia pedir que você fizesse essa escolha lá, naquele momento. Você precisava rever seus amigos e sua irmã, até seu cachorro, para saber qual seria sua escolha. A escolha que realmente partisse do seu coração.

Ela meditou sobre o que ele disse. Realmente, o que Alexander lhe dissera, fazia todo o sentido. Ele apenas estava lhe dando uma escolha. A escolha de ficar com Darcy ou partir. Se ela tivesse escolhido lá, no século XVIII, ela teria se arrependido, talvez. E estando ali, com seus amigos e sua irmã, ela sabia qual era sua escolha.

— Escuta, Lizzie, eu não tenho muito tempo. Apenas se você quiser voltar, é só enviar uma mensagem para mim, do celular que foi deixado com você. Por favor, me avise se você quer ou não isso. Pense com bastante atenção. No momento que você escolher ir ou ficar aqui, sua escolha não poderá ser mudado. Compreende isso?

Lizzy assente.

— Muito bem garota. Eu espero muito que você seja feliz – ele diz, beijando a testa dela – E viva o presente, quando fizer sua escolha. Nada de ficar chorando por ai. Apenas quero seu final feliz.

Lizzy ri disso.

— Obrigada Alexander – ela diz, puxando a mão dele e apertando – Eu queria matar você, quando eu o visse de novo, mas eu acho que estou grata por tudo.

— Todos querem fazer isso comigo, nas primeiras vezes – ele diz, com humor e sorrindo. Sua cicatriz estica, de forma sinistra, mas como se ele fosse um bad boy. Mas o sorriso dele é sincero – Espero que faça a escolha que seu coração desejar. Nunca se esqueça que é seu futuro que está em jogo.

— Me diga uma coisa, antes de você ir, por favor – ele assente – Como está Darcy? Ele está bem? – Alexander assente e ela solta o ar que solta – Isso é bom...eu...e se eu não voltar, Alexander? Como ele ficara com isso? Ele vai se casar? Vai ser feliz? – Ela não sabia se poderia abandonar Jane. Lizzy era a única pessoa que era sua família. Seria injusto deixa-la sozinha.

— Lizzie, eu não posso falar do futuro dele, apenas do seu, afinal, você era minha missão. O dele é uma incógnita para mim – Lizzy suspira frustrada – Mas, se serve de consolo, Darcy é um homem compenetrado. E não vai desistir de você tão fácil. E você não deveria ter falado sobre o celular, sabia? Você mudou algumas coisas na linha do tempo dele. Não fazia parte da vida dele investir em estudos científicos e pesquisar sobre a viagem no tempo. Nada disso estava programado para ele.

— Eu sinto muito, mas ele acabou vendo o celular na minha mão. E viu que eu tinha desaparecido. O que você queria que eu fizesse?

— Pelo menos, não falasse sobre o celular. Mas, o que está feito está feito. Enfim, decida-se o quanto antes, Lizzie. Eu preciso do celular de volta, ok?

Alexander se levanta da cadeira. Ela faz o mesmo e o acompanha até a saída.

— Para onde você vai? – ela pergunta, pois de fato, não está pronta para se despedir dele.

— Eu vou embora. Tenho alguns assuntos para resolver. Nos vemos em breve, Lizzie – ele diz, lhe dando um sorriso e sai do bar.

Lizzy então percebe que aquele pub era o mesmo que estava quando o conheceu. Sorriu pare si mesma, balançando a cabeça. Então, sente braços em volta do ombro dela.

— Quem era? – Jane pergunta e Lizzy relaxa. Acreditou que fosse algum cara tentando dar em cima dela. Ou pior, Michael.

— Um amigo, Jane. Um bom amigo – Lizzy responde.

— Você estava um tempão conversando com ele. Michael queria levantar da cadeira o tempo inteiro para ver quem era, mas Meredith e Charles seguraram ele.

— Eu não estou gostando disso – Lizzy diz, soltando um suspiro – Ele é pegajoso.

— Eu sei. Mas, ele parece gostar de você, Lizzy. E é mais real do seu Darcy, que nem está aqui agora.

— Eu sei, Jane. Mas, por favor, por favor, tente entender meu lado. Eu amo Darcy. Nunca vou deixar de ama-lo. Não importa que estejamos separados. Ficar com outra pessoa não me fara esquecer ele. E eu teria que gostar dessa pessoa, mas não sinto nada por Michael. Eu mal o conheço. Ele me irrita.

— Bom, dizem que há uma linha tênue entre amar e odiar.

— Por favor, não compare o que sinto por ele com isso. Argh!

Jane gargalha.

— Tá, ok. Agora me diz, quem era o cara que você estava conversando.

— Primeiro me diz como você conheceu Michael.

— Bom, Charles é amigo dele. Então, é por isso que conheço Michael. Agora, desembucha sobre o cara do bar.

— Bom, ele é o cara que me fez viajar no tempo, com o celular.

— Espera, o que? – Jane se afasta, parecendo um pouco ofendida pela resposta. E isso assusta Lizzy que não esperava por essa reação – Aquele cara fez a bagunça na sua vida?

— Não foi uma bagunça. Ele me mostrou que posso ser feliz, Jane – Lizzy protesta, irritada – Ele me mostrou que tenho alguém para amar e que completa meu vazio.

— E eu, Lizzie? Eu não importo para você? Seus amigos não preenchem seu vazio?

Lizzy não estava acreditando no que estava ouvindo. Sua irmã havia mudado drasticamente de atitude, como se desgostasse das suas ações e do que aconteceu em sua vida. Ou estava triste pelo fato de que ela poderia voltar no tempo? Será que era isso? Jane estava se sentindo insegura?

— Jane, você não quer que eu volte, é isso? – Lizzy pergunta com calma, sem tentar transparecer sua irritação e exasperação.

— Eu não...eu não quis dizer isso...talvez...bom, talvez eu não queira que você volte – Jane confessa, passando a mão pelos cabelos escuros – Mas, acho que é injusto. Você parece diferente. Mais contida que antes. Mais calada. Talvez, eu esteja sendo egoísta de impedir que você volte para ele, mas você vai me fazer falta. Eu não sei para quem vou recorrer para pedir conselhos. Eu não sei como vai ser quando eu me casar, sem ter você como madrinha. E eu também não sei o que vou dizer para meus filhos que eles tem uma tia viva, mas que vive em outro século.

— Espera, você está gravida? – Lizzy pergunta atordoada. Então, pensar nisso a faz repensar seus planos. E ela sabe que não pode partir agora. Não quando Jane pode estar grávida e precisando dela.

 - O que? Pff...não. Mas, um dia vou né? – Jane responde e Lizzy sente-se inundar de alivio – Mas, acho que não posso pedir que você fique, Lizzie. Eu não posso impedir que você encontre o homem da sua vida, mesmo ele estando tão distante de mim. Eu queria conhece-lo e saber se ele é digno de você, se é bom.

— Ah Jane, ele é digno. Ele é digno de todo meu coração – Lizzy deixou escapar, comovida – Eu tenho certeza que ele amaria você, como eu te amo. E Georgiana também. Jane, ela é tão amável. Tão gentil. Você amaria os dois. E tenho certeza de que eles amariam você.

Jane assente e abraça Lizzy. O que a toma de surpresa. As duas se abraçam, apenas em silêncio. Talvez, esse seja o ultimo abraço que as duas compartilhem. Lizzy não sabe ainda se vai voltar ou não.

— Promete que se você decidir ir, você me avisa antes? – Jane pede, quando se afasta da irmã.

— Sim, eu prometo Jane. Eu prometo.


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