Orgulho e Preconceito - Perdida no século XVIII escrita por Aline Lupin


Capítulo 20
Capítulo 20




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A rotina de Lizzy era pesada, devido a cuidar de duas crianças cheias de energia e que eram curiosas. Lizzy havia pensado em várias atividades para elas aquela semana. Pintar, desenhar, escrever em francês e inglês, além das aulas normais de línguas. E para Mary bordar e para Jonathan até mesmo brincar com espadas de madeira. Os Gardiner não pareciam questionar os métodos de ensino de Lizzy, o que era ótimo, pois ela apenas estava reproduzindo o que teve na sua própria educação. Tirando bordar, pois não era algo que ela tivesse aprendido para ser uma esposa, mas aprendeu para passar o tempo, quando sua mãe havia ensinado ela e Jane a fazer isso. A única coisa que Lizzy realmente não sabia fazer era tocar o piano. E ela agradecia aos céus por aquela família não ter um na casa.

Quase no fim da semana, Lizzy pediu aos Gardiner a permissão para levar as crianças a Hyde Park, afinal, uma criança não aprendia apenas com a mente, mas com o corpo. Todo aprendizado e desenvolvimento de uma criança eram através do próprio corpo. E Lizzy sabia disso. Ela propôs que as crianças um jogo de ping pong ao ar livre. Quando chegaram ao parque, ela procurou um local afastado, para não atrapalhar as pessoas. Até mesmo convocou a senhora Gardiner para jogar, pois ela estava acompanhando naquele dia. Jonathan em algum momento havia acertado com força a bola de ping pong com a raquete, fazendo o objeto voar por entre as árvores. Lizzy se dispôs a procurar e saiu correndo em disparado.

Ela procurou por entre as árvores, passando por entre cavalheiros e damas, procurando a bolinha branca e pequena. Foi quando viu Alexander a segurando, com um sorriso presunçoso no rosto. Ele estava trajado como um cavalheiro, aquela tarde, com botas de montaria e casaco negro, até os joelhos. Lizzy não pode deixar de sorrir ao vê-lo.

— Eu achei que não veria mais você – ela disse, contente, se aproximando.

Ele estendeu a bolinha para ela, que a pegou, colocando no bolso da saia.

— Eu não deveria, mas ainda há algumas coisas para ajustar por aqui – ele olhou para ela com os olhos estreitos e cruzando o braço – Está estragando tudo, não sabe?

— Eu, estragando? O que estou fazendo de errado? – ela perguntou, ofendida e arrependida por estar feliz em vê-lo.

— Ora, você sabe muito bem do que estou falando – ele respondeu, com um olhar repreensivo – Está na hora de abrir seus olhos. Por que não aceitou o pedido do Sr. Darcy?

— Você só pode estar louco – ela murmurou, mas pensar nele deixou-a ruborizada. Aquele pedido de casamento inesperado e ao mesmo tempo ela ficou confusa sobre seus próprios sentimentos. Ela desejava voltar para casa, mas o pedido de Darcy deixou-a abalada em suas convicções. Ela poderia realmente aceitar o pedido e ficar ali para sempre, mas ao mesmo tempo, temia ficar.

— Você sabe que não, Lizzie. Por que precisa ser tão teimosa assim? – ele inquiriu, soltando um suspiro desalentado – Enfim, eu não vi somente para isso. Estou com Jane Austen no parque.

— Você não está falando sério – ela disse descrente. Seria coincidência demais ver a autora por ali – Está mesmo com ela? – ela não resistiu em perguntar.

— Sim – ele assentiu, sorrindo de repente, fazendo com que sua cicatriz no rosto esticasse – Quer falar com ela?

— Sim! – ela aceitou – Mas, primeiro preciso avisar a Sra. Gardiner.

— É claro, eu ficarei aqui esperando.

Lizzy correu para avisar a Sra. Gardiner que havia encontrado uma conhecida e perguntou se as crianças e ela queriam vir junto.

— Ah, não querida Elizabeth, vá à senhorita. Eu estarei aqui esperando – ela respondeu.

— Você prometeu que ficaria conosco – Mary disse, com os olhos magoados.

— Eu prometo que volto Mary. Aguarde-me mais um pouquinho – Lizzy pediu.

Depois que convenceu Mary a esperar, fazendo com que Jonathan continuasse o jogo com ela, Lizzy correu para onde encontrara Alexander. Ele já estava conversando com Jane Austen, vindo em direção a ela. Lizzy a cumprimentou com muito entusiasmo, o que causou espanto na futura escritora. Alexander introduziu um assunto sobre os trabalhos de Jane e sua vontade de publicar seus trabalhos. Lizzy estava entusiasmada de discutir aquele assunto com ela. Nunca imaginou que iria conhecer aquela mulher tão de perto. Ela era sua heroína.

— A senhorita escreve? – Jane perguntou, carregando sua sombrinha na mão.

O dia estava claro, com poucas nuvens. Era muito inspirador.

— Não muito, senhorita Austen – Lizzy respondeu – Na verdade, eu gosto de ensinar. Não sou uma pessoa que tenha qualquer criatividade ou imaginação para escrever. Mas, gosto de fazer pesquisas, principalmente, ler textos antigos e analisar as estruturas gramaticais da época – Os olhos dela brilhavam, enquanto falava.

— É mesmo? Interessante, senhorita. Tem um gosto peculiar. Enquanto algumas damas preferem se preparar para o casamento, aprendendo a costurar, bordar, tocar o piano, pintar e saber gerenciar uma casa, a senhorita gosta de textos antigos. Fascinante – Não havia sombra de ironia na sua voz. Contudo, Lizzy percebeu que não se portava como uma jovem em idade de casamento. Ela deveria tomar cuidado na forma de se expressar na frente daquelas pessoas. Mas, percebeu que com Jane Austen, ela podia ser ela mesma.

Depois de um tempo de conversa, Jane alegou que precisava partir, mas prometeu que ela e Lizzy ainda iriam trocar cartas. Lizzy passou seu endereço para Jane e as duas se despediram.

— Qual foi o motivo para você me apresentar a minha escritora favorita? – Lizzy perguntou a Alexander, desconfiada das ações dele.

— Tudo há seu tempo, Lizzy. Continue sua amizade com ela. Austen é bem séria, mas também, sabe conversar, não acha?

— Devo concordar que sim. Não sei qual é o motivo para isso, mas agradeço a você. E agradeceria mais se você me levasse novo para casa.

— Vou enlouquecer com você, sabia?

Alexander se afastou um pouco dela na trilha, olhando-a com os olhos humorados, apesar de suas palavras demonstrarem irritação.

— E eu também vou – ela disse, cruzando os braços – Pois, quem alterou meu destino foi você.

— Ok, vamos parar aqui por hoje, antes que fique pior nossa discussão – Alexander sugeriu – Vá agora para os Gardiner, você tem uma visita.

Ele deu meia-volta e foi se afastando dela.

— Ei, Alexander, quem é a pessoa? – ela perguntou e não estava surpresa por ele saber que havia alguém que iria vê-la. Ele devia prever o futuro também.

Ele virou a cabeça por cima do ombro e respondeu:

— Vá até lá e descubra. Até mais!

Lizzy fitou as costas dele, ainda sem entender o motivo para tanto mistério e caminhou de volta para onde havia deixado os Gardiner. Então, ela se deparou realmente com uma surpresa. Alexander não erra uma previsão.

Darcy estava conversando com a Sra. Gardiner, enquanto Georgiana brincava com as crianças. Quando Lizzy viu Darcy parado, com os braços cruzados, o coração dela disparou. Não imaginava vê-lo tão cedo. Ela realmente iria fazer uma visita a ele, para dizer que desejaria ao menos manter a amizade entre os dois. Não queria perder o contato. Estimava muito Darcy, mas começava a se perguntar se era muito mais do que estima o que sentia, pois se sentia quente por dentro e seu coração batia forte dentro do seu peito. Além de a boca estar seca.

Ele parecia ter sentido a presença dela, pois virou a cabeça em direção a ela. Seu olhar era solene, mas ela pode ver um pequeno sorriso se esboçar no rosto de feições severas dele. Quando ele apenas sorria, seu semblante suavizava. Ela pode notar que seus cabelos negros estavam reluzindo contra a luz do sol, deixando-os com reflexos azulados. Ele segurava o cartola na mão esquerda e parecia à vontade com a Sra. Gardiner.

— Lizzie – ela escutou a voz suave de Georgiana.

A jovem de cabelos dourados vinha em sua direção, com um vestido de musselina branco.

— Georgie, é muito bom te ver – Lizzy disse, sorrindo.

As duas tocaram as mãos, como se não tivessem se visto há anos, mas fazia apenas alguns dias que não se viam.

— Como é bom vê-la, Lizzie. Eu sei que está sempre trabalhando, então fomos até a casa do Gardiner para descobrir que vocês estavam no parque.

— Eu tive uma ideia para distrair as crianças. Veja como eles interagem bem juntos – Lizzy indicou as duas crianças que riam e jogavam ping e pong. A cada tacada que Mary não rebatia, ela fazia Jonathan buscar a bolinha. Ele reclamava, mas acabava buscando para a irmã – E é a primeira vez que vejo os dois irmãos colaborando um com o outro. Normalmente estão sempre implicando um com o outro.

Darcy e a Sra. Gardiner se aproximaram delas. Lizzy sentiu o coração disparar ao vê-lo se aproximando. Ele parou em frente a ela, com um olhar sério, como em todos os momentos em que se viram, mas seus olhos estavam ansiosos, como se procurassem algo.

— Boa tarde senhorita Bennet – ele cumprimentou, fazendo uma leve reverência.

— Boa tarde, senhor Darcy – ela respondeu, corando.

Ainda se lembrava do pedido dele, mas não sabia o que fazer. Começava a entender algo que Alexander deixara claro, nas entrelinhas. Ela tinha uma missão ali. Talvez, sua missão fosse com a família Darcy. Ou mais especificamente, com o próprio Darcy. Porém, se recusava a acreditar que fosse para casar com ele. Como poderia voltar para casa, se casasse com ele? Jamais deixaria seu marido para voltar ao seu tempo. Por isso, não poderia ser isso. Não, de jeito nenhum.

— Como tem passado essa semana? – ele perguntou, enquanto a Sra. Gardiner se afastava deles, indo em direção a Georgiana.

Elas iam se afastando, como se estivessem segredando alguma coisa. E Lizzy a observou de canto de olho. Elas estavam aprontando alguma coisa. Lizzy não era tola. Ela voltou seu olhar para Darcy, que parecia ter feito uma pergunta e esperava uma resposta. Estava com as mãos para trás, entrelaçadas nas costas. E seu olhar era expectante.

— Desculpe-me, o que disse? – ela perguntou.

— Perguntei a senhorita como tem passado essa semana – ele repetiu a pergunta, de forma paciente.

— Ah, eu...não há nada de novo, não é? Aqui é tão calmo, silencioso...- E não havia novidades. De fato, viver em uma Londres de quase três séculos atrás era tão estranho e monótono. Não havia barulho de carros, não havia boates, não havia festas até as duas da manhã, não havia pubs, não havia cerveja, não havia o cinema, não havia...Internet, celular...tudo isso fazia falta para Lizzy. Mas, ao mesmo tempo, ela sentia-se mais calma e tranquila ali. Não havia constantes cobranças, pressão para atingir metas dentro do trabalho, não havia pressa para ler um livro e corrigir os erros ortográficos e gramaticais. Aquelas pessoas não sabiam, mas viviam perto da natureza, com tempo de sobra para aproveitar seu dia.

— Bom, e por que acredita que não há nada de novo nos seus dias? – ele perguntou.

Os dois começaram a caminhar lado a lado, se afastando das crianças, da Sra. Gardiner e de Georgiana.

— Eu diria que a monotonia dos dias não trás nada de novo. Afinal, eu já aprendi tudo que poderia como governanta. Talvez, não o piano. Eu realmente não sei tocar e se a Sra. Gardiner me pedisse isso, sabemos que eu seria um desastre completo – ela riu, com entusiasmo. Darcy, parecendo contagiado, deu uma risada baixa e grave – E realmente, essa lentidão, esse lugar me faz pensar em um autor que li uma vez. Que fala sobre o tempo e a vida. E isso me faz pensar que o tempo está muito relacionado com o cotidiano das pessoas. Se aqui tivesse alguma forma de facilitar, torna tudo mais fácil, eficiente, com certeza seriamos acumulados de mais informações e mais tarefas para executar, pois a tempo de sobra para ser eficiente e produtivo. Mas, se tudo é demorado, então se tem mais tempo para outras coisas. Se tem mais tempo para a vida e para pensar. É claro que se vemos da perspectiva de uma pessoa que não está nas classes mais baixas, infelizmente. Pois, afinal, essas pessoas trabalham muito mais do que 10 horas por dia, não é assim?

Ele a fitou de soslaio, parecendo surpreso.

— Pois, aqui não há leis para os trabalhadores – ela continuou discorrendo sobre o assunto, sem notar o olhar espantado dele – E sabe? É isso que falta aqui. Um sindicato, para que se possam melhorar as condições de trabalho...

— Nós passamos da monotonia dos dias, para o tempo e para as leis de trabalho? – Darcy perguntou, em tom jocoso – Senhorita tem pensamentos muito peculiares.

Ela piscou algumas vezes, sentindo-se envergonhada. Havia falado demais. Esse era seu problema.

— Eu...er...eu acredito que deveria se pensar assim, afinal, eu sou uma pessoa que trabalhar – ela tentou sustentar seu argumento – Então, deveria pensar nisso, é claro.

— Nunca pensei muito sobre isso – ele confidenciou – Nem no tempo que gasto com minha vida ou se aqueles que trabalham para mim trabalham além do necessário. De fato, sempre pensei nas condições deles, mas não tão profundamente.

— Então, fiz o senhor pensar, não fiz? – ela perguntou, de forma presunçosa.

Foi então que ela percebeu que estava de frente para o lago Serpentine. Há uns bons passos distantes de onde estavam.

— Realmente me fez pensar. A senhorita tem um pensamento filosófico sobre a vida.

Ele a fitava, dessa vez com um olhar intenso. Lizzy não sabia se ele tinha ouvido a maior parte do seu pensamento moderno, voltado para o marxismo. Sentiu a boca seca, enquanto observava seus olhos azuis e intensos, como duas pedras preciosas.

— Devemos...devemos voltar – ela tentou cortar o que quer que estivesse acontecendo entre os dois, naquele instante.

Darcy assentiu, parecendo atordoado.

— Escute, senhorita...eu sei que recusou meu pedido de casamento...mas, eu ainda não desisti – ele disse, com a voz baixa.

Ela desviou o olhar dele, observando o lago. Era bem mais seguro assim.

— Eu não acredito que seja uma boa ideia, senhor – ela argumentou – Afinal, eu já lhe expliquei as implicações de se casar com uma mulher da minha classe social. Que não tem família e fortuna. Seria um escândalo.

— Acredito que sim – ele concordou – Mas, se quer a verdade, eu não estou me importando com qualquer escândalo que vier. Eu não preciso prestar contas a ninguém. Apenas estou correndo atrás da minha felicidade.

Ela virou a cabeça, para notar que ele estava ao lado dela, muito perto. O fitou, surpresa. Ele poderia estar tão apaixonado por ela? Lizzy se sentiu mal por isso. Por ele, pois em algum momento, ela voltaria para casa. E dessa vez, percebeu estranhamente que não queria ir.

— Acredita que a felicidade esteja em uma pessoa, senhor Darcy? – ela perguntou com cuidado.

— Acredito que a felicidade pode ser alcançada se estamos do lado das pessoas que amamos – ele respondeu, de forma sincera.

Ele acredita que a felicidade esta no fato de estar ao lado das pessoas que ama? Ele me ama? Ah, não, não! Lizzy pensava de forma rápida, frenética. Ela não queria ter envolvido tanto ele. Não assim. Ele não merecia sofrer quando ela partisse. A não ser que...

— O senhor não percebe que confiar a felicidade nos outros é um erro fatal? E que essas pessoas podem vir a machuca-lo no futuro? Não deliberadamente, mas sem querer? Talvez, não atendendo suas expectativas? Pois, não nascemos para agradar os outros, nem para cumprir suas exigências. Podemos fazer isso por um tempo, ou não fazer. Ou deixar de fazer. Enfim, há infinitas possibilidades.

Ele esboçou um pequeno sorriso.

— Esses pequenos momentos, senhorita – ele tomou a palavra, com a voz mais suave – São meus momentos de felicidade. Conversar com a senhorita é para mim uma maneira de encontrar felicidade. E a senhorita nunca faz o que quero. Não me surpreende, pois se fizesse, não seria a senhorita que conheço tão bem. E que admiro tanto. E sobre seu questionamento quanto à felicidade estar ligada aos outros, bom, tem razão. E algum momento eu posso realmente me chatear com aqueles que amo, mas sempre vou lembrar-me dos bons momentos que passamos juntos. E é isso que importa. É essa minha felicidade.

Lizzy não estava surpreendida pelos argumentos dele. Ele era ótimo em defender seu ponto de vista e era isso que apreciava tanto nele. Aquele homem realmente a estava envolvendo. Nunca se sentiu tão interessada por um homem em toda sua vida.

— Bom, o senhor conseguiu me deixar sem palavras – ela confessou, rindo. Então, se abaixou no chão e pegou uma pedra lisa. Olhou para o objeto, que era gelado e úmido no contato com sua pele e atirou no largo, fazendo com que ele deslizasse pela água, quicando três vezes.

Ao que parecia, Darcy teve a mesma ideia e conseguiu atirar a sua pedra mais distante possível, quicando cinco vezes.

— Ora, mas o senhor é ótimo nisso – ela parabenizou – Mas, preciso desafiá-lo a uma revanche.

— Gostaria de vê-la tentar – ele provocou, com um sorrisinho pequeno.

Então, foi ali que ela percebeu que estava perdida. Aquele olhar dele nunca mais seria esquecido por ela. Nem aquela conversa.

*

A tarde foi tão agradável, que nem Lizzy, nem as crianças desejavam ir embora. Fora realmente complicado fazer com que Mary e Jonathan obedecessem, para ir embora para casa. Jonathan também quis se reunir ao lado de Darcy e Lizzy no lago, por alguns instantes. Afinal, ele adorava atirar pedras contra o lago. Tudo era surpreendente. A Sra. Gardiner e a senhorita Georgiana estavam perplexas, pois elas nunca imaginaram que o Sr. Darcy fosse atirar pedras em um lago. Não era algo que ele faria. Mas, ao que parecia, Lizzy o envolvera de tal modo, que ele estava sorrindo, rindo e se divertindo ao lado da dama. Aquilo de fato era surpreendente. E não passou despercebido pelas pessoas que por ali passavam. Logo aquele evento seria comentado em todas as casas de família importante. Poderiam até mesmo fazer uma manchete no jornal:

“Extra, extra: O famoso e ilustríssimo Sr. Darcy brinca as margens do lago Serpentine ao lado de uma dama peculiar e desconhecida, ler tudo sobre esse encontro na página 3”.

A brincadeira havia terminado, após perceberem que estava tarde e Jonathan havia tentado explorar os limites entre o gramado e o lago, pisando dentro da água. Lizzy não teria se importado, se não fosse pela Sra. Gardiner, que ralhou com filho. Disse veemente que ele não tinha modos e estava a envergonhando. Lizzy apenas levou o garoto consigo. E foi então, que percebeu que Mary estava tentando subir em uma árvore. Ao que parecia, era mais impróprio ainda fazer isso em publico. E Lizzy começava a se irritar com isso. Regras de etiqueta era realmente um estorvo. Não deveriam ser aplicadas as crianças, que deveriam explorar o ambiente e conhecer tudo ao seu redor. Infelizmente, ela mal conseguiu se despedir de Darcy e Georgiana, ao tentar conter as crianças e fazê-las entender que era necessário partir, antes que a Sra. Gardiner os colocasse de castigo pelo mau comportamento. Que na verdade, Lizzy sabia que não era. Afinal, ela fazia as mesmas coisas e seus pais apenas a incentivavam a explorar a natureza.

Ao embarcar na carruagem, havia uma Mary chorosa, por ter sido repreendida pela mãe. E um Jonathan emburrado, com as pernas e sapatos molhados, olhando para a janela. E a Sra. Gardiner apenas estava com os lábios franzidos, parecendo muito irritada, enquanto Lizzy não sabia onde esconder-se. Poderia fazer como um avestruz e enfiar a cabeça de baixo da terra. Talvez, saísse quando tudo estivesse mais calmo.

Contudo, Lizzy teve a ideia de contornar a situação toda e ajudou Jonathan a se trocar, colocar roupas limpas e disse a ele que como era um cavalheiro, não deveria entrar na água, não na frente de todos.

— Não devo mesmo? – ele perguntou, mal humorado – Mas, eu faço isso quando meu pai vai pescar.

— Mas, o lugar onde seu pai vai pescar não é distante? Longe da cidade? – ela tentou argumentar.

— Bem...é sim – ele respondeu.

— Então, deve fazer isso longe das pessoas, Jonathan. E como é um cavalheiro, vai pedir desculpas a sua mãe e prometer se comportar.

O menino parecia relutante, mas fez o que ela pediu. Afinal, Lizzy prometeu mais balas de açúcar. E realmente deu resultado. A Sra. Gardiner estava mais calma dentro de casa. Quanto a Mary, Lizzy resolveu tudo com uma boa conversa. Explicando sobre o que uma dama poderia ou não fazer. Mas, que ela poderia subir em árvores quando ninguém estivesse olhando. Apenas deveria saber que era algo impróprio. Lizzy sabia que estava fazendo tudo errado, mas não conseguia aprisionar o espirito daquelas crianças.

Apesar disso, ela sabia muito bem que as crianças naquele século não eram enxergadas de fato como crianças. Elas não tinham uma infância reconhecida ainda pela sociedade. Se as crianças pobres trabalhavam, as mais ricas tinham tudo, mas precisavam se adequar as regras de etiqueta e crescer rapidamente. Para, então, se tornarem adultas e assumirem suas funções na sociedade. Mary, com certeza, teria de arranjar um casamento vantajoso para a família. Jonathan teria de estudar, com certeza, na mesma área que o pai, sendo advogado ou encontrar outro ofício. Como eles não tinham fortuna era melhor ter casamentos vantajosos, para trazer sustendo a família. E aquele sistema iria se perpetuar, de forma parecida, até que os tempos realmente mudassem e os conceitos sobre família, além dos costumes e hábitos se alterassem devido à marcha do progresso humano e de ideias progressistas. Lizzy sabia que enquanto não houvesse mudanças, ela não deveria atrapalhar na educação daquelas crianças, mas se recusava a ser dura com eles. Não seria como os outros. Ela não iria aprisionar seu próprio espirito livre.

*

No dia seguinte, Lizzy acordou cedo, preparada para mais um dia. Ao descer para o café da manhã, com a família Gardiner, a ela foi entregue uma carta.

— Veja, é o selo dos Darcy – a Sra. Gardiner comentou – Jonathan, postura na mesa, por favor. Coluna reta, querido. Você também, Mary.

Lizzy ignorou a conversa a mesa e rompeu o selo de vela vermelha e abriu a carta. Era uma carta de Georgiana, convidando-a para passar duas semanas no campo, em Pemberley, no condado de Derbyshire. Haveria um baile na semana seguinte e ela queria que Lizzy estivesse presente como sua amiga estimada. Lizzy ficou comovida. Mas, infelizmente não poderia aceitar.

— O que houve, querida? – a Sra. Gardiner perguntou.

— Ó, nada – ela respondeu, deixando a carta sobre a mesa.

— Deixe-me ver isso – a Sra. Gardiner alcançou a carta, do outro lado da mesa.

— Querida, não se deve ler as correspondências dos outros – o Sr. Gardiner a repreendeu.

— Ora, é minha querida Elizabeth. É quase outra filha para mim – ela argumentou.

Lizzy se sentiu ainda pior. A família Gardiner a tratava como se fosse da própria família. Como ficariam quando ela fosse embora? Passou pela mente dela de talvez nunca voltar e ficar ali com eles. Nunca mais veria Meredith, Joshua ou Jane, sua irmã. Mas, também, não sabia se suportaria ficar sem ver Darcy, Georgiana e família Gardiner. Até mesmo o Sr. Bingley fazia falta.

— Ora, eles estão a convidado para um baile! – a Sra. Gardiner disse, entusiasmada – Que maravilhoso.

— Bom, é maravilhoso, mas eu tenho meus deveres – Lizzy disse, tomando seu chá preto. Depois passou geleia de amora na torrada.

— Ora, mas você deve ir – a Sra. Gardiner disse – Deve ir e se divertir. Quem sabe, não encontra um marido e se casa querida? Um bom casamento, é o que você merece.

— Ora, Sra. Gardiner e meu trabalho? Vai ficar sem governanta – Lizzy argumentou pasma pela ideia daquela mulher. Afinal, ela era a governanta. A Sra. Gardiner não deveria querer se livrar dela.

— Ora, é a governanta dos meus filhos, mas considero você mais parte dessa família, querida.

Lizzy sentiu os olhos pinicarem. Ela estava comovida pela gentileza daquela mulher. Fazia tanto tempo que não tinha uma presença maternal, que se sentiu emotiva com as palavras dela.

— Se não for, ela vai nos fazer arrasta-la até Derbyshire. E eu não quero Elizabeth – o Sr. Gardiner tomou a palavra e deu um sorriso para Lizzy.

Ela segurou o riso. Aquele homem era realmente espirituoso. E estava concordando com a ideia maluca da esposa.

— Não devo aceitar, mesmo assim – Lizzy tentou argumentou mais uma vez – É errado. O que as pessoas vão pensar?

— Não se importe com eles. Você é convidada da família Darcy. Ninguém ousara desafia-los dentro da própria casa, Elizabeth – a Sra. Gardiner respondeu, com astucia.

— Ora, muito bem. Eu vou – a jovem se deu por vencida.

— Ah não – Mary e Jonathan disseram em uníssono.

— Ora, deixem-na ir. E vocês vão ficar comigo. E não pense que vão me dobrar facilmente.

— Lizzie não pode nos deixar – Jonathan disse, com os lábios tremulas – A mamãe é muito brava.

— Quem vai contar histórias para mim de noite? – Mary disse do outro lado, sentada ao lado de Lizzy.

Ela olhou diretamente para a Sra. Gardiner. Dizendo com os olhos: “Está vendo só porque não posso ir?”.

— Não me olhe assim. Você que os mimou demais – a Sra. Gardiner disse, arrancando risos do marido.

— Ora, meninos, não sejam estraga prazeres. Elizabeth vai partir e vai voltar em breve, não vai? – o Sr. Gardiner tomou a palavra, olhando para Lizzy.

— Com certeza eu voltarei sim – ela prometeu.

Depois do café, Lizzy enviou um bilhete aceitando o convite para passar as duas semanas em Derbyshire. De tarde, Lizzy recebeu uma resposta de Georgiana, convidando também a família Gardiner para se reunir a eles. O Sr. Gardiner queria recusar, mas sua esposa aceitou por eles.

Lizzy somente esperava que não houvesse mais problemas naquele baile, inclusive, cruzar com Caroline Bingley e ser atacada pela dama. Afinal, ela parecia ser possessiva em relação ao senhor Darcy. Infelizmente, aquela semana não seria tranquila para ela, pois sua relativa paz e da família Darcy seria abalada em breve.  


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