Frank & Carrie - O Normal da Vida Anormal escrita por L R Rodrigues


Capítulo 7
Concorrência Desleal




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Caminhando por uma calçada após estacionar seu sedã prata na esquina, Frank olhou no seu relógio de pulso quanto ainda havia de tempo restante do seu intervalo. Uma empolgação brotou dentro dele ao conferir que possuía mais uma hora disponível. 

— Ah, tá ótimo, é tempo de sobra pra aparar a crina. — disse ele que logo se encaminhou a barbearia proxina dali, cuja propriedade pertencia a um amigo que desde muitos anos lhe prestava serviço com muita boa vontade e eficiência. O detetive atravessou a rua, avistando o local que ostentava o famigerado poste de barbeiro girando com as clássicas listas brancas, azuis e vermelhas como chamariz para a clientela. Frank parou bem em frente a porta de vidro, logo movendo a maçaneta — Vou entrando...

— Mas veja só, se não é meu cliente favorito. — disse o barbeiro, um homem negro, careca e de estatura mediana com olhos grandes como destaque de seu rosto amigável — Bem-vindo de volta, agente Montgrow. Pronto pra mais uma tosada nessas laterais que você nunca impede de encher? 

— Ô se tô. E aí, Steven? Tudo em cima? — perguntou Frank, entrando. 

— Claro, especialmente a conta de luz. Vai sentando aí e não repara na bagunça do Fígaro, esse danadinho andou comendo uns tufos que eu esqueci de varrer. — disse Steven dando uma encarada de lado no seu cão da raça Beagle que abaixou a cabeça com olhar tristonho diante de uma pequena poça de vômito esverdeado com uns fios de cabelo emaranhados — Você devia passar a língua e cuspir fora no lixo. 

Frank achou graça sentando-se na cadeira giratória. 

— Essa foi a primeira vez que ouvi você assumindo que sou seu cliente favorito. De tantos que você tem, eu não acho que mereço essa honraria. — disse o detetive mexendo no cabelo olhando-se no espelho.

— Honestamente, como meu amigo de longa data você tem mérito de ser considerado. — disse Steven sacudindo a capa preta de corte — Ainda mais no contexto atual. 

— Tem minha curiosidade agora. Dá pra ser mais específico? 

— Eu não gostaria nada de desabafar isso pra qualquer cliente. Na verdade, não contei a ninguém até então. Mas sendo você... eu me abro uma exceção. — declarou Steven pondo a capa envolta de Frank, abotoando atrás do pescoço — A situação tem piorado nos últimos dias. Eu tô enrolando, né? OK, não quero torrar sua paciência, sei que teu recreio tá quase acabando  

— Olha, pra dizer a verdade, eu nem viria aqui. — disparou Frank que fez Steven se inclinar para ele de um lado e olha-lo com estranheza. 

— Não pensou inicialmente em vir? — perguntou o barbeiro, levantando uma sobrancelha. 

— Ei, não fica chateado, tá? Acontece que eu ia dar uma passadinha na lanchonete fazer uma boquinha, mas daí lembrei que eu tô devendo um trato no visual pra namorada se agradar no próximo encontro. 

— Como é que é? Dá pra repetir a última frase? 

— Exatamente o que você ouviu. — disse Frank dando um sorriso brincalhão — Domado está o leão. 

— Rapaz, já era a hora hein. O tempo certo chega pra todos, nunca é tarde pra dividir sentimentos. Já tem pensado em dividir o mesmo teto? — perguntou Steven colocando um pente na máquina de raspar. 

— A gente não discutiu os planos maiores ainda. Se ela quiser casório, só se for cerimônia ao ar livre. No que depender de mim, é na catedral da cidade e ponto final. Foi lá onde meus pais trocaram as alianças e quero deixá-los orgulhosos. 

— No frigir dos ovos, se prepara pro caso dela impor uma condição irrecusável. Ocorreu assim entre mim e a Tasha. A patroa é quem domina o jogo, irmão. — afirmou Steven, ligando a máquina de raspar. 

— A conversa sobre vida amorosa tá boa, mas temos que voltar pra questão desse lance que você tá passando sobre o salão. Disse que sou a exceção, né? Desembucha pra mim que... sei lá, posso te ajudar em alguma coisa. 

— Pior que você pode, mas eu não recomendaria. Tá bom, do começo: Eu venho enfrentando um rival. Chegou todo cheio da pompa, não dando satisfação a ninguém da vizinhança. — contou Steven, iniciando o corte com a maquininha que zumbia e vibrava — O sortudo abocanhou a oferta do ex-dono da papelaria e resolveu transformar numa versão refinada do meu espacinho humilde. Cobra baratinho no corte social, mas o olho da cara pelo degradê. Nos dois primeiros dias, esse novato pegou uma fatia gorda da minha freguesia e se vangloriou quando me fez uma visitinha casual, tudo a base do mais puro deboche. 

— E começou a te importunar e foi expulso? 

— Não, ele incrivelmente me sugeriu uma parceria. Sabe esses implantes capilares que vem fazendo o maior sucesso entre os calvos frustrados? O cara negociou com uma fornecedora que ele diz ser credenciada, mas quanto a isso tenho minhas dúvidas. Eu recusei porque queria manter meu serviço convencional sem apelar. 

— Entendi qual é a treta. A sociedade que ele te propôs era apenas uma opção, lógico. 

— Com certeza. Penso até em lançar uma promoção: parabéns, você é o cliente número 5 do dia, portanto tem direito a desconto especial. 

— Eu sou o número cinco? — indagou Frank. 

— Você é, mas... eu não lancei a promoção ainda. 

— Ah, que pena. — disse Frank, ávido por saber mais acerca desse barreiro concorrente — Você já deu um pulo no salão do trapaceiro do implante? 

— Vou se ele tiver a decência de me convidar. Na verdade, é mais fácil ele me querer como empregado. Já pensou? Fechar meu negócio pra aderir à concorrência? Nem por um milhão. — disse Steven terminando de raspar as laterais do cabelo de Frank — Meus princípios são inegociáveis. Não quero receber por colar cabelo sintético em detrimento do meu paraíso simples e tradicional. Seria humilhante. O que vejo de caras saindo de lá felizes da vida por cabelinho postiço não tá escrito.

— Vai dizer que você não ia considerar? — perguntou Frank com um sorrisinho irônico. 

— Eu até iria se estivesse infeliz com a cabeça pelada, mas não com ele. — revelou Steven, naquele instante borrifando água na parte superior do cabelo de Frank — Não quero me passar por neurótico, mas aquele cara esconde algo bem cabeludo. Ficou sabendo dos casos de coceira epidêmica?

Frank vasculhou na memória alguma notícia a respeito. 

— Não ando acompanhando muito os jornais, tô tão focado nos meus casos que mal bato o olho nas notícias. Sobre esse negócio aí de coceira, lembro de ver algo bem vago. Por que epidêmica? Tá sendo transmitida de pessoa pra pessoa? 

— Por que muita gente tá sendo afetada de forma que pareça uma doença, só que não é bem assim. É uma coceira tão infernal no cabelo que parece ter sido obra de piolhos carnívoros. O último caso registrado foi de um cara que coçou tanto a ponto de querer arrancar o próprio cérebro, mas a caixa craniana é o limite. — disse Steven preparando uma tesoura. 

— Então você tá associando isso ao seu mais novo concorrente em relação aos tais implantes? 

— Era o que eu ia dizer. Quer ler um jornal? Eu nem abri pra olhar as tirinhas hoje cedo. 

— Me dá um aí. — pediu Frank, cada vez mais intrigado com essa história que adquiria um aspecto perturbador. Steven entregou o jornal ao detetive que foi folheando enquanto passava os olhos nas manchetes — Achei, tá bem aqui. Parece tão perturbador que nem sequer botam em destaque. Consta que um homem chamado Christopher McAdams foi vítima de um surto de coceira intensa no couro cabeludo com início na noite do dia 13.

— Treze foi... ahn... 

— Quarta-feira passada. — relembrou Frank. 

— Ah, verdade. Minha cabeça anda tão fatigada de problemas que recai até na memória. Imaginei que tivesse sido sexta, sabe... o dia dos azarados. Mas e então, o que mais diz? 

— O cara deu essa entrevista exclusiva anteontem, só que ontem mesmo o acharam morto no apartamento onde ele vivia com a cabeça toda carcomida, parece que um rato mutante foi roendo, roendo e roendo até encher a pança. E veja só, pra eliminar de vez a teoria de coincidência, ele relatou ter passado por um implante capilar sem revelar nomes. A imprensa bem que tentou quebrar esse voto de sigilo dele, mas já era tarde demais, o sujeito tava com o pé na cova. Ele passou por um exame que colheu uma amostra e disso se concluiu que o cabelo implantado estava contaminado com uma bactéria carnívora altamente contagiosa. Já pensou? Nova pandemia com uma merda dessas? 

— Deus nos defenda. — disse Steven passando a tesoura habilmente nos fios grisalhos de cima.

— Temos um caso gravíssimo aqui de crime biológico. Eu tinha que ser designado pra investigar e colocar os tubarões dessa empresa atrás das grades. 

— E quanto ao mestre cabeleireiro que me afrontou? 

— Benefício da dúvida, Steven. — disse Frank fechando o jornal — Não dá pra cravar que ele tivesse conhecimento prévio do implante adulterado. O papel dele, no máximo, é prestar depoimento sem algema. 

— Se ele estivesse consciente de ser uma vítima de golpe, por que o salão está fechado? — questionou Steven olhando para a fachada do estabelecimento do concorrente no outro lado da rua — Quem não deve não teme, certo? 

Frank virou o rosto para a sua esquerda, visualizando pela grande janela quadrada. Daquela distância podia-se ver a placa virada para "fechado". 

— Vai ver fechou pra ir almoçar, não? 

— Frank, se liga, nós abrimos no mesmo horário. Está fechado desde hoje cedo. Não pôs a cara pra fora. Tinha não sei quantos clientes esperando, batendo na porta, daí eu me intrometi dizendo que ele havia dado uma saidinha. 

— Não se aproveitou disso pra induzir o pessoal a vir aqui, né? 

— Eu aceitei um pequeno trato com ele: um não fisga o cliente do outro em caso de fechamento. 

— Olha, isso tá ficando sinistro. Mas ainda bem que os receptores do implante estão isolados, pelo menos enquanto ainda estão vivos pra contar. Só que não querem denunciar o salão. Ninguém conhece a empresa e devem achar que o cara não é conivente.

— Mas eu acho e se eu fosse você, iria até lá como um bom agente federal. Queria ver se não saía com o rabo entre as pernas sob ameaça de prisão por desacato. — opinou Steven mostrando-se revoltado. 

— Talvez ele não esteja lá dentro. — disse Frank olhando com suspeita para o local — E se tiver sido sequestrado na calada da noite? Alguém dessa empresa agiu com represália, ele pode ter ameaçado botar a boca no trombone. A mídia não tá repercutindo tanto pelo número baixo de casos. 

Steven finalizava o corte passando uma navalha na parte de baixo e nas costeletas, logo em seguida usando um pincel para remover os fios pequeninos no pescoço. Por fim, desabotoou a capa.

— Voilá. Outra vez cinco anos mais jovem. — disse o barbeiro removendo a capa para Frank levantar-se. 

— Steven, eu vou recorrer ao meu superior no DPDC pra cobrir esse caso, pedir uma transferência pra mim, acho que minha posição de agente prioritário me dá carta branca pra solicitar sem ser negado. 

— Quer um conselho de amigo, Frank? — perguntou Steven sacudindo a capa — Não embarca nessa. Quem se importa se o maluco fugiu ou não? Se é culpado ou não? A polícia tá de olho nos graúdos que forneceram a porcaria infectada. Ele tá protegido com a hipótese do golpe. 

— Cara, eu não tô preocupado apenas com o seu concorrente da pesada, mas com os remetentes do presente de grego. Além das vítimas também, claro. Eu não posso deixar essa passar. Não tem porque eu ficar de fora. — declarou Frank pentendo o cabelo com um pente de bolso. 

— Só dei uma sugestão. Eu acho que esse cara merece ser ouvido. Se eu descobrisse algo, colaboraria sem titubear. Culpado ou inocente, ele deve se apresentar. Um carro da polícia veio hoje de manhã. Nem sinal de vida. Isso depõe a favor dele?

— Lógico que não, mas isso não anula a ideia de que ele sofreu uma rasteira. — disse Frank retirando uma nota da carteira — Quinze dólares, né?

— Como sempre, meu chapa. — disse Steven recebendo o dinheiro — Bom te rever hoje, Frank. E boa sorte com a tua mina. 

Frank ergueu sua direita, batendo na de Steven num toque amigável e apertaram-nas. 

— Vou indo nessa, amigo. — disse o detetive andando em direção a porta — Falou, Steven, até a próxima. 

— Até a próxima. Ah, boa sorte também se for pedir pra cuidar desse abacaxi desgraçado. — disse Steven despedindo-se e logo fechando a porta. A expressão do barbeiro alterou-se levemente. Uma face séria que pouco expunha. Dirigiu-se até uma escada que descia a um porão cuja luz tremeluzente foi acesa após ligado o interruptor velho e sem protetor. 

Stevem encarou o seu cativo com olhos desdenhosos enquanto descia os últimos degraus. Um homem de meia idade com cabelos grisalhos penteados muito bem para o lado estava amarrado numa cadeira sem braços, a boca exprimindo somente gemidos por conta da fita adesiva cinza tapando. O barbeiro se colocou diante de uma mesa com uma caixa branca. 

— Como esse mundo dá voltas, né? O seu negócio já era graças a sua inocência. Mas sabe o que é pior do que isso? É a ganância. Ela vem com um preço que não cabe no bolso. — disse ele que baixou os olhos para a caixa — Olha o que temos aqui. Uma das suas figurinhas auto-colantes. Que tal uma experiência pra vermos se esse nosso inimigo unicelular faz um estrago tão grande quanto a imprensa vem divulgando? A vantagem é que... nessa rua só haverá espaço pra um barbeiro profissional reinar, meu amigo. Mas antes... — disse Steven mostrando uma navalha e aproximando-se do dono do salão rival que havia sequestrado como exatamente Frank supôs —... vamos fazer uma raspadinha. — falou com um sorriso se alargando de modo assustador e insano. 

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