Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 15
Alleine zu zweit




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Agnetha tinha estabelecido, desde muito tempo atrás, quando optou por desenvolver a nobre arte da cura como sua linha mágica, que trataria  todas as criaturas — humanas, noturnas, lupinas ou o quê quer que seja — de maneira justa e complacente, fosse o que fosse.  E era o que tinha feito nos últimos 400 anos. 

Tão longo sendo este tempo, a bruxa não era desconhecida de pequenas hordas de soldados esbaforidos, carregando um dos seus, ferido, adentrar seus domínios com pressa. Devido a abrangência da guarda real, o mesmo acontecia com certa frequência. E pela comoção que ecoava pelo corredor central, sabia que este seria mais um desses dias. 

Agnetha levantou-se, levemente alarmada, criando uma pequena pétala de rosa de uma cor tão escura quanto vinho com a ponta do dedo, marcando o livro que até então estava lendo. Inspirou o ar levemente, tentando decifrar as criaturas que corriam ao seu encontro.

Vampiros ,lupinos e serpentes. Rien de nouveau. 

A bruxa era especialmente boa em discernir as fragrâncias que cada tipo de criatura exalava, e aqueles cheiros eram os mais comuns por todo o reino. 

Provavelmente, seria algum tipo de treinamento que deu errado, ou descuido nas horas de patrulha. Lembrava-se com certo desagrado da vez que um dos recrutas vampiros conseguiu a proeza de empalar-se em um galho de carpino particularmente grosso, após se defender de um ataque com um salto. Foi um dia memorável, afinal, vampiros não se davam muito bem com estacas.

Verdade seja dita, ninguém se dá bem com estacas. 

Agnetha mal tinha terminado de relembrar o ocorrido quando, finalmente, se viu em companhia do pequeno grupo. Tratavam-se, realmente, de alguns soldados de seu marido, mas não estavam sozinhos: Pavel, Adrik e Verrun traziam em seus braços seu genro, Devrim, em condições muito menos do que ideais. 

 — Onde o colocamos? — perguntou Pavel, seus olhos fendados como de cobra cintilando com a luz das lâmpadas que iluminavam o local. Agnetha apontou  levemente uma das macas vazias, ainda tentando entender como o rapaz, que morava a alguns países de distância, se encontrava ali, desacordado. 

—  Ele está inconsciente faz um tempo — Adrik comentou, —  perto de uma hora. Desmaiou um pouco antes de Etrigan sair das masmorras. Perdeu bastante sangue, também.

— Entendo —  A bruxa, em um estalo, tornou a agir, recuperando alguns frascos de um armário próximo, seguido por uma pequena bolsa de sangue, de um pequeno frigobar, sua curiosidade ainda a incomodando:

— Me perdoem a falta de modos mas, como exatamente ele veio parar aqui?

— Nós trouxemos ele da Grécia —  Foi a vez de Verrun falar, sem nenhuma emoção aparente em suas feições lupinas. — Mihnea desmaiou ele com uma machadada na nuca. Depois o trouxemos de carro até aqui. Vlad que pediu.

— Sinceramente, não achei que ele fosse sobreviver à viagem — Pavel completou.

— Mas sobreviveu. E precisa de ajuda —  Adrik retrucou seco, focado em colocar seu irmão em uma posição confortável, levando em consideração todas as suas lesões. 

Adrik e Devrim não se pareciam em absolutamente nada. Os cabelos  crespos cor de fogo e o rosto sardento do mais velho eram o oposto de seu irmão escritor, cujos cabelos escuros e pele cor de canela tinham sido constantes alvos de piada sobre uma falsa paternidade na infância. Uma questão de ironia do destino: Adrik, sendo primogênito e sucessor de seu pai no pequeno reino humano no qual nasceram, tinha todos os traços de sua mãe, mesmo que não compartilhasse do mesmo temperamento dócil. Sucessão que, de fato, nunca aconteceu: A família Stavros teve seu território invadido pelo Clã Draculesti, seus bens saqueados e suas crianças tomadas para que fossem criadas da maneira de Vlad. O resto, era história. 

Assim que Devrim foi posicionado dignamente na maca, Agnetha se pôs a trabalhar. Ordenou a Pavel e Verrun  que saíssem, e instruiu Adrik que pegasse alguns panos e mais alguns frascos do armário. Logo em seguida, tratou de cortar a camisa e o par de calças que seu genro vestia, de maneira a avaliar a gravidade dos ferimentos. As queimaduras tinham cores vivas e pareciam muito dolorosas, mas nenhuma necessitava de atenção imediata. Focou seu olhar, então, na lesão na nuca do rapaz, que era mais urgente.

Agradecendo a Adrik por cumprir com suas ordens, a bruxa tomou em uma das mãos um dos panos brancos, untou-o com o líquido de um dos frascos mais escuros e desenhou alguns símbolos utilizando a ponta do dedo indicador, que parecia queimar o tecido. Em seguida, murmurou algumas palavras e posicionou o objeto diretamente sob o corte, que logo tingiu a malha branca de vermelho.

— Lamento, querido. Isso vai doer um bocado. —  Agnetha murmurou. Não que Devrim estivesse consciente do que acontecia, mas provavelmente estaria em alguns segundos.

 — Ignis remedia!

E assim que o encantamento escapou de seus lábios, chamas esverdeadas tomaram conta de sua mão e, consequentemente, do tecido ensanguentado, fazendo com que Devrim não só acordasse como gritasse, tendo seus movimentos cancelados pela outra mão da bruxa. 

Alguns segundos agonizantes se passaram, e o escritor grunhiu quando as chamas cessaram de queimar. Antes que pudesse se situar, Adrik já estava posicionado a seu lado, segurando sua mão menos queimada.

Tesó? —  Adrik tentou, recebendo outro grunhido de Devrim como resposta, enquanto Agnetha preparava um segundo pano da mesma maneira do primeiro. O escritor encontrava-se em um estado semi-acordado, engolindo algumas vezes em uma tentativa de encontrar conforto. 

— Dói — foi tudo o que conseguiu murmurar, alguns segundos passados, depois de muito esforço. O homem ruivo não respondeu, momentaneamente concentrado em Agnetha, que estava posicionando o novo pano branco sob uma queimadura particularmente feia. Ao perceber que a bruxa iria usar as chamas verdes novamente, tentou acalmar seu irmão mais novo, preparando-o para o quê viria:

— Eu sei que dói, tesó. Mas é necessário. Já já vai passar, está bem?

Devrim grunhiu novamente.

E gritou, quando as palavras encantadas novamente saíram da boca de Agnetha. 

Depois de muitos panos e gritos, Devrim parecia relativamente melhor. Tinha aberto os olhos, que mesmo embaçados e vermelhos, tinham deixado os presentes satisfeitos, e as feridas começavam a cicatrizar. 

Terminando a primeira parte do tratamento, a mulher misturou os ingredientes que tinha pego primeiro primeiro pego em uma pequena vasilha junto com sangue, criando uma espécie de pomada, que trouxe um pouco mais de alívio ao rapaz que sofria. O escritor, cansado demais para agradecer ou maldizer qualquer um, ao perceber o final da sessão tortuosa de primeiros-socorros, encolheu-se, em uma tentativa de amenizar o frio que ainda o perseguia, o que não passou despercebido pela bruxa matriarca do clã Draculesti.

— Sente frio, querido? — A bruxa perguntou, intrigada, recebendo um pequeno aceno afirmativo de cabeça como resposta. Os vampiros não sentiam frio; Agnetha tinha certeza disso. Ao menos, não vampiros normais. Já os Ghouls, por outro lado…

Uma das coisas que muitos não entendiam sobre os vampiros nível IV era que estes estavam em um estado de hipotermia permanente, e era por isso que buscavam se alimentar de maneira demasiada; o calor que o sangue produzia quando entrava no corpo era equivalente a sentar-se frente a uma lareira em uma casa morna: delicioso e acolhedor. 

Agnetha achou melhor não comentar com o rapaz, limitando-se a colocar sob ele alguns dos cobertores que tinha disponíveis para seus pacientes. Não faria bem nenhum para sua recuperação saber deste detalhe. 

Mas a bruxa estaria mentindo se dissesse que não estava preocupada.


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