O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 6
Primeiro Beijo - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Ooi, pessoas!
Já vamos de parte 2! E essa tá bem intrigante... o que será que Anelise fez no passado?

Boa leitura! ♡



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Jardins – 20:56 hrs

 

Era uma primavera seca, com pouca flora, repleta de folhagens. O céu encontrava-se quase sempre nublado e escuro, mas, à noite, o tempo se transformava como em um processo de metamorfose.

 

Nos corredores parcialmente iluminados que davam para o salão principal, Anelise buscava pacientemente pelo dançarino. Caminhou em direção aos quartos, que não eram muito longe, e aguardou por algum sinal de sua presença. Quando passou por uma enorme janela de cortinas esvoaçantes, o luar iluminou todo o seu lindo vestido branco e lhe trouxe memórias não muito distantes da primeira vez que o viu, ali, admirando a lua graciosa no céu límpido e banhado pelas estrelas. Estava calmo, sereno, parecia estar esperando por ela, como se soubesse que ela viria ao seu encontro, como se soubesse que era questão de tempo até encontrá-la de novo.

 

Anelise suspirou e deixou os corredores após um bom tempo de espera, percebeu que não o encontraria se permanecesse ali. Seguiu em direção aos jardins, último ponto em que haviam passado antes daquele momento se dissolver em sonhos, e desejou às estrelas para que ele estivesse perambulando entre as sebes, aguardando por ela. Passeou pelo caminho de pedras, admirou cada arbusto, cada árvore florida, cada canteiro de rosas brancas. Segurou a saia de seu vestido para que o alvo do tecido não manchasse com o gramado da terra, e seguiu em direção a um lindo e espaçoso banco de arabescos.

Sentou-se e o aguardou, mas ele parecia ter partido. Temia que estivesse longe, que tivesse ido embora. Segurou a rosa que ele havia lhe presenteado e fungou mais uma vez as suas pétalas, sentiu o seu perfume doce e inebriante, fechou os olhos e imaginou onde ele poderia estar naquele momento.

 

Contudo, ouviu um barulho. Conteve as emoções, até cogitou esboçar um sorriso, mas preferiu abrir os olhos e buscar a direção daquele ruído, precisava se certificar de suas suspeitas. Era um chacoalhar de águas, alguém estava no chafariz. Em passos delicados, espreitou por trás das árvores e contemplou, enfim, aquele cujo seu coração almejava.

Era ele. Vestes em preto e prata, os cabelos escuros, a pele clara. O peito ataviado de joias em prata, pedra por pedra, formavam a sua soberania, exceto por um lindo relógio de bolso dourado, preso à cintura, que não parecia pertencer ao meio. Suas mãos, antes cobertas por luvas negras, agora estavam despidas, ele estava as banhando nas cristalinas águas da fonte. Anelise suspirou, perdeu o medo, lentamente saiu de seu esconderijo e seguiu em direção ao homem que parecia apreensivo a princípio, porém relaxou os músculos quando viu de quem se tratava.

 

Viu um discreto sorriso se formar em seus lábios vermelhos. Sem delongas, sem pudor, levou o rosto ao seu peito e o abraçou.

 

Ele custou a reagir, mas não a deixou sem uma resposta. Entrelaçou os braços em seu corpo e a aqueceu com o seu abraço. O céu, ainda limpo, parecia um tanto mais radiante quando as nuvens ainda presentes se dissiparam e deram espaço para outras mais estrelas cintilantes habitarem o véu negro da noite. A ruiva sorriu e sentiu seu coração palpitar forte quando os lábios daquele homem tocaram o topo de sua cabeça, entre aquele terno abraço acolhedor.

 

Ela lentamente se afastou.

 

— Eu tenho uma surpresa pra você também…

 

Disse-lhe, em seguida fez um sinal e pediu para que ele a seguisse. Pôs a rosa vermelha nos cabelos ruivos, presos firmemente por um coque, e pôs-se a caminhar em sua frente. O bailarino calçou as luvas e a seguiu sem questionar, deixou-a ir adiante e contemplou-a de longe, aproximando-se aos poucos como uma presa precavida. Partiram em direção à sebe, ao final daquele labirinto de folhagens, e, ali, Anelise virou-se em sua direção.

 

Sem dizer uma palavra, levou as mãos para trás do vestido e desatou fita por fita. O bailarino ainda possuía aquela máscara a ofuscar suas expressões, mas a ruiva conseguiu pescar o momento em que seus olhos escuros desceram em direção ao decote que lhe escondia muitas surpresas. Ela sorriu, tinha-o na palma da mão. O moreno cruzou os braços e olhou com um pouco mais de vontade, mantendo suas expressões neutras e enigmáticas, até que, enfim, ela soltou o último lacinho e pôs aquele vestido abaixo. O tecido de cor branca como a pureza resvalou até o chão e deu espaço ao voluptuoso vermelho intenso de um belíssimo traje de balé. Ver o body justo em vermelho e prata, o tutu gracioso, as meias a cobrir-lhe as belas pernas, as sapatilhas vermelhas de lacinho e todo o resto que adornava o seu frágil e delicado corpo surpreendeu o artista, mesmo que tenha suspeitado das intenções da menina.

 

Por fim ela mordeu os lábios, parecia nervosa.

 

— Você pode dançar comigo?

 

Pediu, baixinho. O homem discretamente sorriu, como se esperasse que ela soubesse a resposta. Estendeu-lhe a mão e aguardou que ela o seguisse nos passos. Naquele momento, apenas os astros no céu seriam a sua plateia, e a natureza, o seu palco.

 

A melodia veio naturalmente em suas mentes. Anelise treinou arduamente nos últimos meses, seus pés retornaram a se acostumar com as sapatilhas de ponta, e ela tratou de iniciar com esse passo.

 

Com as pontas dos pés arrebitadas, afastou-se. Ele a buscou, trouxe-a de volta. Tímida, mas decidida, ela fica. Como uma bailarina de porcelana em uma pequena caixa de música, ela gira. São piruetas leves, auxiliadas pelo seu companheiro. O bailarino estava acostumado em ter a atenção para si, contudo, naquela noite, queria enfatizar os movimentos dela, queria vê-la dar o seu melhor. Segurou-a por uma das mãos e a deixou usar-lhe como seu suporte. Ela iniciou o plié, era um 32 fouettés. Não sabia se era a presença de seu amado, mas conseguiu concretizar o passo com maestria, uma vez que era um dos movimentos mais complexos a aprender e praticar. Deixando-se levar pela música imaginária de O Lago dos Cisnes, a pequena Odette girou mais uma vez, e mais uma, e mais uma, até enfim deixar-se levar pelos braços do seu príncipe e finalizar aquele momento.

 

Os astros pareciam felizes, pois iluminaram ainda mais os corpos daquele casal. Anelise lentamente abaixou o olhar e voltou a encostar a fronte no peito daquele homem, que levou uma mão ao seu rostinho de porcelana e levantou com todo o cuidado do mundo.

Ele se aproximou. Ela, com receio, recuou.

 

— Meu nome é Anelise.

 

Disse-lhe. Esperava que ele falasse alguma coisa, que dissesse o seu nome, mas o homem apenas olhou em seus olhos e arqueou a sobrancelha. Ela não viu suas expressões, a máscara ainda lhe impedia de acessá-lo.

 

Tornou a falar.

 

— Eu… achei gostaria de saber disso… antes de… fazer o que ia fazer.

 

Custou reagir, mas retornou à sua intenção inicial. Ainda sem dizer uma palavra, se aproximou, conseguiu selar discretamente os seus lábios nos dela, porém a ruiva recuou mais uma vez.

 

— Eu não sei beijar! Eu… eu não sei…

 

Anelise voltou a fitar o chão, envergonhada, mas o homem não parecia abalado, parecia já esperar por aquilo. Segurou sua mão, acariciou os seus dedos frágeis e os levou até o próprio corpo. A ruiva tocou o seu abdome e se lembrou da primeira vez que havia o feito, do arrepio que havia sentido, do medo que inundou seu coração por breves instantes e em como aquele homem conseguiu desaparecer com todas aquelas preocupações quando a fez seguir em frente. Ela voltou a fitar os seus olhos brilhantes, o viu se aproximar, sabia que era a hora.

 

Fechou os olhos e deixou que a boca dele preenchesse a sua, que os lábios dele roçassem em sua pele e que o seu toque lhe provocasse mais daqueles arrepios ligeiros. Anelise buscou acompanhar os seus movimentos, buscou distrair-se com os carinhos que recebia de suas mãos, buscou desfrutar o máximo possível do gosto daquele beijo. Tinha muitos medos em seu coração, mas, naquele momento, todos se esvaíram. Ele era o seu cavaleiro negro, ele lhe trazia um pouco mais de coragem, ela não queria que aquela noite terminasse tão cedo.

 

Levou as mãos ao seu corpo e deslizou as unhas pelo seu peitoral protegido pelo áspero do traje teatral. Já o moreno, acariciou o maxilar e as orelhas da menina enquanto desfrutava do toque macio de seus lábios finos e explorava cada canto quente de sua boca. Uma de suas mãos subiu até as madeixas cor de fogo dela, acariciou o seu coque, fincou os dedos em seus fios e os puxou delicadamente à medida que os arrepios que trocavam se tornavam mais e mais presentes. As mechas onduladas da garota se dispersaram para fora de seu adorno e, em um movimento involuntário do artista, soltaram-se quando puxou aquele enfeite consigo.

 

Anelise lentamente se afastou dele, arfando em paixão. Seu peito subia e descia, seus lábios estavam manchados pelo vermelho do batom de seu amado e sua boca estava sutilmente entreaberta, buscando o ar como podia. Junto a isso, os seus lindos cabelos ondulados e alaranjados caíram por sob seus ombros, realçando ainda mais a beleza natural que possuía. Anelise agora estava em sua plena forma.

 

— Bailarino…

 

Murmurou, faria uma última tentativa, perguntaria o seu nome. Levou o olhar ao seu e o contemplou admirando o enfeite de cabelo em sua mão, as sobrancelhas arqueadas, o semblante distante. Todavia, quando ele retirou a máscara e lhe devolveu o olhar, notou aquelas íris escuras acentuarem e o puro pavor tomar conta de todo seu rosto. Ela titubeou, pela primeira vez teve medo.

 

Em um rápido gesto, o dançarino segurou delicadamente a sua mão e a levou consigo para de volta aos corredores. Seus movimentos eram tão delicados, teatrais e precisos que ela jurou ter retornado à dança. O seguiu na ponta dos pés, a cintura torneada pendia para trás, num sinal de recusa, mas os dedos de sua mão aninhavam-se aos dele, suplicando para que a levasse consigo.

 

Saíram do labirinto, atravessaram o caminho de pedras polidas e seguiram à iluminação artificial mais próxima: um poste que iluminava uma das entradas do jardim. Deixou-a lá, deu uma boa olhada em seu rosto e enfim se interessou em conhecer aquela mulher em todos os seus pormenores.

 

Admirou cada canto de sua face: os traços de porcelana, os lábios finos, rosados e infantis, as bochechas coradas, o olhar meigo e azulado, as leves sardas no rosto, as sardas! Aquelas cujo luar ofuscava. Todos estes detalhes lhe pareciam mais claros na mente, mas nada se comparava àqueles cabelos rebeldes, bagunçados, cor de fogo, que se espalhavam pelas costas e pelos ombros da garota, sem nenhuma ordem ou simetria. Os cabelos eram a identidade de uma mulher, e foi por causa deles que a lembrança de uma pessoa especial veio em seus pensamentos.

 

— Helena…

 

Anelise arregalou os olhos ao ouvir a sua voz pela primeira vez. Era uma voz doce, sussurrante, quase agênera. Não identificou claramente o seu tom, ele sussurrou como se estivesse guardando um segredo, e algo lhe dizia que o moreno não estava disposto a repetir.

 

— Quem é…

 

Antes que pudesse perguntar, ele lhe desferiu um olhar assustado e fugiu. Anelise custou a reagir, apenas percebeu que precisava fazer alguma coisa quando o seu amado já estava longe, atravessando os corredores para a saída principal.

 

— Espere!

 

Temendo que ele pudesse contar alguma coisa do que houve entre eles, o seguiu. Antes, retornou para buscar o seu vestido branco, não podia ser vista com aqueles trajes de dançarina, e aquilo custou perdê-lo de vista. Tentou alcançá-lo no portão principal, mas, antes que pudesse chegar ao lado de fora da casa, ouviu um grito assombrado de uma mulher ecoar pelos quatro cantos. Algo muito tenebroso estava acontecendo naquele lugar.

 

Voltou para o salão de festas, porém, logo nos corredores, se deparou com Thomas Garth.

 

— Barão Ortega está morto!


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

— Quem era o velho?

— Um hiptone… um hinopte… um hipoterapeuta.

— Ah, um hipnoterapeuta. Você tá com algum problema, irmã?

— Eu… ontem foi horrível.

Sofia suspirou e se jogou na cama, relaxando o seu corpo. Anelise se sentou na beira e ficou a observando.

— Eu não consegui dormir nem um segundinho… Mamãe achou melhor contratar um pra mim, mas ele só pôde começar as sessões agora, pela manhã.

[...]

Anelise arqueou a sobrancelha.

— Falando nisso, é curioso… O que um hipnoterapeuta faz, na verdade?

— Eu nem sei. Ele só me pediu pra deitar e ficou fazendo umas perguntas… Foi relaxante, mas depois eu acordei e, não sei como, me senti um pouco mais calma.

A ruiva ponderou sobre aquilo.

— Sofi… você acha que ele poderia… não sei… acessar os meus sonhos?

A menina franziu o cenho.

— Por que você quer isso?

— Se lembra que eu sempre estou sonhando com uma casa no inverno e um quebra-cabeça? Depois da noite passada, eu estou desconfiando de algumas coisas do meu passado.



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