O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 17
Um Passado Indistinto - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo liberado ♡

Finalmente terminei meus trabalhos mais difíceis da faculdade, agr vou ter mais tempo pra responder as notificações pendentes daqui u3u Boa leitura! ♡



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Quando a viu atravessar os portões de cor branca, não imaginava que um dia estaria ali, no papel de noivo, esperando-a ser entregue em seus braços.

 

Não imaginava sequer que um dia ela poderia se interessar em casar. Linda, coberta de branco da garganta aos pulsos, enfeitada com o broche da família, acompanhada de um véu translúcido bordado com as suas rosas preferidas, Anelise caminhou pelo tapete de linho e cobalto, trazida por seu pai e seguida por duas damas de companhia, conduzida até o seu noivo que a aguardava no altar. Ele trancou-se em seus sentimentos machucados e esperou pacientemente pela sua garotinha. Havia alguma novidade no que estava usando? Preto, prata, mas ousou trocar os tão tradicionais cravos na lapela pelas Heleanea dos seus jardins. Agora, dizia abertamente que o seu coração era tão somente dela.

Era uma cerimônia reservada, haviam poucos convidados. O líder religioso responsável iniciou o casório e todos se calaram. Michael aguardou pacientemente até que seus olhos alcançassem os dela e, assim, pudesse distrair os pensamentos amargurados na beleza de seu semblante sereno. Desviaram seus olhares para frente, ele ergueu a vela, recitou os seus votos com sua linguagem silenciosa e, por fim, lhe pôs a aliança matrimonial. Sem mais comemorações, beijou-lhe a fronte e deu por fim àquele suntuoso evento.

 

Algumas horas depois, ficaram a sós.

Sem convidados, sem regras, sem pais e mães vigiando, ele a levou em seus braços e adentrou com cuidado em sua propriedade. Seguiram em direção ao quarto, Anelise estava cansada e repousava a cabeça em seu ombro, mas o coração agitado não a permitia dormir, pois sabia o que viria a seguir. Subiram as escadas em passos calmos, ele ainda a trazia em seu colo, e chegaram aos seus aposentos. Michael a colocou com cuidado na cama, a deixou buscar uma posição confortável nos lençóis, em seguida lentamente se afastou e passou a observá-la.

 

— Vai acontecer… não vai?

 

Ele não respondeu de imediato. Embora estivesse nervoso, suas expressões diziam o contrário.

 

— Você quer isso?

 

Mesmo com receio, ela mordeu os lábios e assentiu, queria ver até onde conseguiriam ir. Michael seguiu em frente com a sua permissão, passou a desabotoar botão por botão de seu traje de linho. Anelise não conseguiu desviar o olhar para outra direção, estava encantada pela curiosidade do corpo de um homem e não era de hoje, finalmente poderia vê-lo sem medo.

 

— Você está bem?

 

— Sim…

 

Ele assentiu ao ouvir sua resposta. Quando enfim deixou as peças de lado, Anelise pôde notar os traços grosseiros das mãos de Deus. Onde nela havia curvas, onde nela havia ondas, onde nela havia volume, nele, não havia. As ondas, as curvas, os volumes tinham moradia em áreas diferentes. Não era muito forte, mas ela percebia os seus músculos, as ondas que eles faziam, e como olhar para aqueles detalhes a fazia se sentir protegida. O seu peito era de fato liso como uma tábula, mas tinha o abdome demarcado, pois aquelas mesmas ondas um tanto mais tímidas faziam-se presentes. E ainda, somado a isso, havia a obra de arte que era a sua pele. Alva como um quadro em branco, conseguia identificar os resquícios de sua antiga cor como pequenos fragmentos lançados ao vento. Eram abstratos como a pintura de um artista rebelde, e havia um quê de excitante nessa revolta.

Queria abraçá-lo, sentir o calor daquele corpo tão intrigante, mas não teve reação quando viu os seus dedos repousarem no início da calça. Anelise jogou os lençóis sobre o corpo mais uma vez e encolheu-se em seus medos, não tirou os olhos de suas mãos.

 

Ele, por outro lado, buscou manter a mente fria. Era agora sua mulher e ninguém poderia contrariá-lo. Ninguém, exceto suas memórias. Estava a pouco de desabotoar o que sobrou de suas vestes festivas, quando notou sua pequena Helena nos trejeitos tímidos de Anelise. O puxão que deu no cobertor, a forma como se encolheu no calor, a maneira de levar os lençóis com as duas mãos para perto do rosto, tudo aquilo era dela e ele não podia negar.

 

— Helena…

 

Suas mãos tremeram. Por um instante, questionou-se o que estava fazendo.

 

— O que foi?

 

Ele soltou um suspiro profundo e, o que quer que estivesse planejando fazer, desistiu. Sentou-se na beira da cama e levou as duas mãos ao rosto. Guardou as lágrimas apenas para si, ela não merecia sofrer por suas incapacidades.

 

— Não me peça… por favor, não me peça mais isso… por favor…

 

Anelise engoliu seco, sentiu-se culpada por um segundo. Logo se aproximou e o abraçou por trás, deixou que os seus lábios rosados tocassem o pescoço frio de seu amado.

 

— Não precisa fazer isso se não quiser… Tá tudo bem pra mim, okay?

 

Ela sussurrou, buscando acalmar o seu coração. Ele suspirou novamente e assentiu algumas vezes, um pouco desengonçado. A ruiva o puxou para a cama, descansariam o resto da noite e nada mais. Ele se encolheu como uma criança assustada e Anelise percebeu, naquele instante, um toque infantil em sua personalidade, um medo resguardado, uma fragilidade, a queda da sua máscara de cavalheiro, como se ainda existisse alguma coisa do seu passado, ali, manifestando-se em pequenas nuances.

 

x ----- x

 

Sala da lareira, casa da família Jackson  – 09:36 hrs

 

Após o café da manhã, Anelise foi conduzida por seu amado até um corredor que ainda não havia explorado. Ele segurou suas mãos, cobertas por luvas brancas de algodão, e pediu para que fechasse os olhos. Ela o fez sem hesitar.

Seguiram adiante, subiram as escadas com cuidado, ele a levou até uma sala confortável e ela já conseguia sentir o calor aquecer a sua pele, o laranja da luz invadir o seu olhar sob as pálpebras e o cheiro indiscutível de borralho a pairar timidamente no lugar.

 

— Posso abrir os olhos?

 

— Calma, calma! Só um instante…

 

Ele se desvencilhou. A partir desse ponto, Anelise ouviu alguns ruídos de talheres em movimento e travesseiros macios a arrastar pelo chão. Curiosa, entretanto mantendo-se resistente, aguardou até que ele lhe desse a permissão.

 

— Abra.

 

Ao abrir os olhos, permitiu todo o laranja da sala invadir o seu campo de visão. Era uma confortável sala de descanso: o piso de madeira vermelha coberto por um tapete macio, as janelas fechadas com cortinas grosseiras entreabertas, o aspecto rudimentar da decoração unido às sutilezas da realeza, os vasos e os arabescos das molduras, a lareira acesa e acolhedora, os quadros sobre as estações do ano, tudo parecia dialogar entre si. Os olhos azuis da ruiva percorreram por todo o local, buscando cada detalhe e não permitindo escapar coisa alguma, até repousarem em uma bandeja prata com algumas xícaras de chocolate quente e biscoitos.

 

Ele tornou a falar.

 

— Eu deixei tudo como você gostava. Você não queria saber quais eram os nossos passatempos?

 

— Sim, é claro! Acho que lembro desses biscoitos… Cravo e canela, não é?

 

Michael sorriu ao notar que ela havia acertado. Acomodou-se no tapete da sala e a chamou para ficar ao seu lado.

 

— Isso. Eu vou ser sincero, nunca gostei desses biscoitos — ele gargalhou, o que arrancou também a risada da garota, que quase nunca o via rir. — Mas foram os seus favoritos por um bom tempo, até eu conseguir te puxar para o grupo das pessoas que preferem os amanteigados.

 

— Que também parece uma delícia… O que mais nós fazíamos?

 

O homem virou o rosto na direção oposta à dela e buscou um livro que havia deixado por perto. Dos vários que havia ali, ele escolheu especificamente aquele, tinha um lugar especial em suas lembranças.

 

— Ilíada. Lembra disso?

 

Entregou-lhe. Ouvir aquele título fez os olhos dela se iluminarem, e, pelo silêncio no ambiente, aquele livro havia mexido em algo dentro de si.

 

— De Homero…

 

— Helena de Troia.

 

Anelise o fitou quase de imediato. Ele retribuiu o seu olhar, esperando com paciência que se recordasse.

 

— A mulher mais bela de todo o mundo. Você dizia que era ela… você gostava dos desenhos dela. Lembro que sempre me pedia para ler as partes em que ela aparecia. E, bom, eu maquiava nos momentos impróprios.

 

Ele deixou uma risada baixa escapar, enquanto folheava o livro no colo da ruiva. Ela voltou a olhar para as figuras, muitas estavam ali, nas suas memórias, mas não lhe diziam nada.

 

— Tudo o que me recordo é que esses desenhos me fazem sentir frio.

 

— Estava muito frio naquela época. Eu te cobria com mantos quentes e ficava à mercê. Às vezes, quando foi possível, dividimos as cobertas.

 

Ela sorriu, imaginando cada um daqueles detalhes em tempo real.

 

— Obrigada por ter me protegido tanto. Isso é muito adorável…

 

— Se eu pudesse, naquela época, teria feito mais pela pessoa que me aqueceu no frio da minha infância.

 

Disse-lhe, cedeu ao conforto daquela sala e lentamente deixou o corpo descansar no tapete macio e felpudo. Anelise ponderou sobre o que ouviu antes de acompanhá-lo no mesmo ato, havia uma palavra-chave nessa frase que passou a martelar em sua cabeça.

 

— Você também cantava algumas músicas pra mim, não era? Porque, senão, é uma pena… Sua voz é muito bonita.

 

Ele divagou em responder, enquanto contemplava o teto rústico e levava as mãos para trás da cabeça, mas alguma coisa em suas palavras lhe arrancou um sorriso genuíno.

 

— Você gostava de "À Luz do Luar".

 

— Ah, essa eu lembro! — ela sorriu de canto a canto. — A cantiga francesa. Mas qual criança não gostava?

 

Ele consentiu em silêncio, não se esforçou para seguir aquela conversa. Anelise percebeu aquilo e não estava disposta a jogar o seu jogo.

 

— Bom… mas eu lembro de uma outra. Uma sobre infância. Eu sei que você também se recorda…

 

Michael escolheu não dizer uma palavra sequer, o que já estava começando a incomodá-la. Anelise suspirou.

 

— Me desculpe. Imagino que deva significar algo ruim pra você, mas eu só… queria entender. Quando você cantou para mim pela primeira vez, levou todas as minhas lágrimas. Eu não entendo como isso foi possível. Me senti anestesiada, como se… — ela custou a prosseguir, refletindo sobre o que estava falando. Desviou os olhos dos dele por alguns instantes, que de qualquer maneira já não a contemplavam, absortos em seu próprio mundo — como se essa melodia estivesse lá… nos bons e nos maus momentos.

 

Nada ainda saiu de sua boca. Estava preso em seus devaneios e não percebeu quando aquelas palavras tiveram o seu fim, pois sempre retornavam para sua mente em um ciclo infindável de recordações.

 

Seus lábios se entreabriram, custou para dizer alguma coisa, precisava de coragem.

 

"As pessoas dizem que eu não sou normal

Por amar coisas tão elementares

Tem sido o meu destino tentar compensar

A infância… que eu nunca tive"

 

Ouvir aquela melodia mais uma vez levou embora quaisquer reações que ela poderia ter. Anelise sentiu um arrepio gélido, de dentro para fora, e o seu coração inundou com sentimentos de paz. Era o mínimo que conseguia explicar para si mesma, pois não haviam outras palavras para descrever a serenidade que passou a sentir. Ela não entendia como isso funcionava, até seu amado resolver revelar.

 

— Não é apenas uma melodia… É o que eu sou.

 

Ele sussurrou, ainda sem desviar os olhos do teto decorado.

 

— Sempre que você se feria, era essa a canção que eu compus para te fazer sorrir. E sempre dava certo…

 

Ele se levantou mais uma vez, voltou a olhar os seus olhos.

 

— Lembra disso?

 

Anelise suspirou.

 

— Mais ou menos…

 

Aquela resposta, por alguma razão, pareceu satisfazer o homem. Assentiu e voltou a admirar a lareira.

 

— Algumas coisas são difíceis de recordar, mas o que importa é que aconteceram.

 

Após aquela conversa, Anelise ficou em silêncio, convenceu-se de que não havia como estimular mais as suas lembranças do que o que foi feito. Todavia, deixou os suspiros cansados e desanimados de lado, pegou um daqueles biscoitos com gostinho de infância e os saboreou, mas a cereja do bolo daquele momento foi o beijinho que recebeu, na bochecha, pelo homem do seu coração.

 

— Está pronta para avisar aos seus pais?

 

— Hum? Ah! — ela engoliu o pedaço do doce em um segundo. — Logo, vou me atrasar! Não posso perder o almoço com meus pais!

 

Rapidamente se levantou e foi auxiliada pelo amado, que a conduziu para fora da sala.

 

— Você é eufórica, hein, mocinha?

 

Ele gargalhou, o que fez a menina o acompanhar.

 

— Ah, e o que você esperava, hum? É hoje que teremos aquela conversa! Eu preciso contar pra eles…

 

— Tem certeza que não quer que eu vá com você? Nós decidimos isso juntos…

 

Anelise mordeu os lábios, apreensiva.

 

— Eu sei, mas… nosso casamento já é algo difícil para eles aceitarem totalmente. Acho melhor eu mesma ter essa conversa, eu sei lidar com eles, talvez os consiga tranquilizar.

 

Ele concordou.

 

— Confio em você. Além do mais… é o que estávamos planejando desde o começo. Quanto antes pudermos honrar esse sonho, melhor.

 

Anelise sorriu ao ouvir todo seu apoio e o abraçou assim que ele a deixou na frente de casa. Uma carruagem já a aguardava. Ela logo tratou de beijar os seus lábios uma última vez antes de se despedir e seguir em direção ao que a levaria até sua antiga casa, a mansão dos Marlborough.

Agora casada, talvez não lhe custasse muito avisar aos pais sobre o que estavam planejando, afinal, ela também possui a permissão do próprio marido, mas havia outra coisa naquela visita que poderia pôr um fim àqueles planos, e este problema estava a um relógio de distância.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

— O que foi, papai?

Tentou decifrar suas expressões, mas o homem parecia tranquilo, embora seus ombros tensionados passasse a mensagem de que algo o preocupava. [...]

— Isso é seu?

Ele abriu a gaveta de um gaveteiro que havia ali e lhe mostrou o relógio de prata com correntes brilhantes. [...]

— Sim! Deixei com Sofia, mas essa menina costuma perder as coisas por aí. Ai, ai… Onde o achou?

— Ela o deixou cair. Por sorte, não quebrou — disse, agora virando-se completamente para ela. — Anelise, com quem conseguiu esse relógio?

— É do Michael. Sinceramente não era nem pra estar comigo, eu esqueci de devolver.

[...]

— Não… Digo… Você viu as iniciais que há nesse relógio?

Ela o pôs na palma da própria mão e fechou a sua face, observando as duas letrinhas rebuscadas que notara desde a primeira vez que viu aquele objeto.

— Sim. Isso não é a marca dele?

— Hamish Casanova, um ítalo-escocês, dono de um promissor comércio de jóias. Me preocupou encontrar um objeto dele em sua posse, você certamente não o conhecia. Ele morreu há muitos anos.

Aquelas palavras foram suficientes para atiçar a curiosidade da ruiva, que, aos poucos, aceitava aquelas informações com bastante confusão.

— Como assim?

— Anelise, ele foi assassinado. [...]



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