Desabando em meu próprio destino escrita por Arisusagi


Capítulo 5
Capítulo 5 - Ninguém tirará isso de mim 


Notas iniciais do capítulo

Título tirado da música Bronze Saishuushou



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Ver a reação de sua mãe à notícia foi o chacoalhão que acordou Kaito do sonho estranho em que estava mergulhado naqueles primeiros dias. 

O expressão de desespero que ela fez quando o viu, a forma como cobriu a boca com as mãos para abafar o grito assustado, o olhar fixo e temeroso que ela mantinha de longe, enquanto Gakupo calmamente a explicava o que havia acontecido — ou melhor, uma versão adaptada dos fatos. Aquilo tudo fez Kaito se sentir despedaçado. 

Foi aí que ele percebeu as consequências de ter aceitado a proposta de Gakupo.

Passado o susto inicial, sua mãe se sentou junto a ele na beira da cama. Como se tentasse tranquilizá-lo, ela segurou suas mãos, mas as soltou imediatamente quando sentiu que estavam geladas como as de um morto. 

— Então… Vocês foram atacados? — Ela perguntou com lágrimas ainda correndo pelo rosto.

Kaito hesitou. Da porta do quarto, Gakupo o olhava de forma quase ameaçadora.

— Sim… Foi muito rápido… Estávamos dormindo quando aconteceu. 

Ela soluçou, apertando o lenço branco que segurava contra o nariz e a boca. Sem perceber, Kaito também começou a chorar.

— Desculpa, mãe… — Desesperado, ele queria abraçá-la, mas sabia que a temperatura de seu corpo só a deixaria mais abalada. — Não consegui me defender.

— Não foi culpa sua, Kaito. — Ela disse com a voz trêmula. — Não foi…

Kaito queria muito poder dizer alguma coisa para confortá-la, mas não fazia ideia do que dizer. Nem mesmo o “pelo menos estou vivo” que repetia para si mesmo com tanta frequência nesses últimos dias parecia apropriado.  

Gakupo ainda os observava, agora com um certo ar de pena. Era difícil ver alegria daquela mãe, tão feliz com o casamento da filha mais velha, ser arruinada pela terrível notícia de que seu filho não era mais humano.

Kaito não queria nem imaginar qual seria a reação de suas irmãs quando soubessem. Elas ainda ficariam mais alguns dias na cidade, organizando a casa de Meiko, então ele teria algum tempo para se recompor e se preparar para dar a notícia a elas. 

A mãe de Kaito voltou para a cidade no dia seguinte, abalada demais para ficar perto do filho. Na semana que seguiu esta ocasião, Kaito mal saiu da cama. O peso de suas decisões finalmente havia caído em seus ombros, e estava o sufocando cada vez mais. Mesmo que os sintomas da tuberculose não o afetassem mais, ele se sentia terrivelmente cansado. Aquele corpo o causava um tremendo estranhamento, quase como se não fosse mais seu, e ver seu próprio rosto assim tão pálido no reflexo do espelho o fazia entrar em pânico. 

Gakupo, por outro lado, já estava empenhado em começar sua nova vida como vampiro. A primeira coisa que ele fez foi voltar para casa do pai para dá-lo a notícia pessoalmente. 

O Barão, apesar de ainda não acreditar totalmente na história, estava um pouco aliviado agora que tinha uma desculpa para ignorar a existência do filho. Ele aceitou imediatamente a proposta de deixar que os dois continuassem morando na casa de veraneio, e ainda se dispôs a arcar com todas as despesas para a estadia dos dois lá. 

Gakupo voltou na mesma noite, empolgado, falando sem parar sobre os planos que tinha para o futuro. E essa animação toda só fazia Kaito se sentir ainda mais culpado. 

Não teria sido melhor ter continuado humano, mesmo que acabasse morto pela doença? Essa era uma pergunta que ele fazia para si mesmo repetidas vezes, sem nunca encontrar uma resposta.

 

No primeiro mês, Gakupo ficou muito ocupado trazendo todos os seus pertences e fazendo todos os arranjos na nova casa. Kaito estava muito grato por isso, pois não estava muito disposto a passar o tempo com ele. Mesmo que não quisesse reconhecer, no fundo ele sentia raiva de tudo aquilo. 

Kaiko voltou para lá pouco tempo depois, a mando de Gakupo, que não queria deixar Kaito sozinho.  A presença dela estava melhorando seu ânimo aos poucos. Ela não reagiu com tristeza nem com estranhamento à notícia, talvez por já estar sabendo através de sua mãe. 

Nas primeiras horas da noite, quando Kaito acabava de acordar e Kaiko ainda estava se preparando para se deitar, os dois conversavam sobre os mais variados assuntos. Kaiko o contava o que havia feito durante o dia, mostrando-o os bordados e os desenhos que havia feito, além de oferecê-lo bolos, tortas e biscoitos que assava especialmente para ele.  

Kaito comia tudo com gosto, mesmo que não sentisse mais fome da forma como sentia antes. A fome que ele sentia agora era, na verdade, uma sede que só se saciava com sangue. Surgia a cada dois ou três dias, e era bastante incômoda, mas era satisfeita com uma quantidade bem pequena de sangue. Apesar de ainda achar tudo aquilo muito estranho, talvez até um tanto macabro, ele estava grato por não precisar beber sangue com tanta frequência quanto imaginou. 

A casa foi pouco a pouco se enchendo com mobília e outros objetos, e foi se tornando mais aconchegante. Era uma casa de pedra antiga, que fora construída pelo avô de Gakupo. Tinha, ao todo, cinco quartos, além de outras quatro salas de estar. A cozinha era ampla, com um enorme balcão de mármore que a atravessava de um lado ao outro. Além disso, havia um poço ao lado de fora, um estábulo e um galinheiro, e uma outra construção menor que servia para abrigar criados. 

Kaito começou a montar uma horta no quintal dos fundos, e até ajudou Gakupo a reorganizar os móveis da casa. Ser capaz de realizar todo aquele esforço físico sem nunca sentir nem um pouco de fadiga nem falta de ar era muito revigorante. 

Mesmo que se vissem por poucas horas todos os dias, a presença de Kaiko o animou o bastante para fazê-lo voltar a uma rotina normal, em vez de passar o tempo todo na cama. 

Apesar de a presença de Gakupo ainda ser um tanto intimidadora, eles estavam em bons termos. Ele não passava tanto tempo assim em casa, ainda ocupado trazendo todos os seus pertences da casa do pai em longas viagens noturnas. 

Parecia que as coisas estavam se ajeitando, e Kaito estava pouco a pouco se acostumando com sua nova vida. Entretanto, ainda havia uma única preocupação que insistia em assombrá-lo a todo momento, e era quanto a o que seria do seu futuro dali pra frente. 

Quando ficou doente, toda e qualquer visão de futuro que Kaito tinha desapareceu, por mais vaga que fosse. Agora, ele tinha uma eternidade para trilhar dali pra frente, e não fazia ideia de como sua vida seria. Que profissão ele teria se não podia sair de casa durante o dia? 

 

 

Meiko só foi vê-lo pessoalmente mais de dois meses depois da transformação. Ela parecia animada, e o abraçou apertado quando o viu. Kaito a segurou, confuso, sentindo aquele corpo tão quente junto ao seu, gelado. Ele não sabia que ela viria visitá-lo. 

Ela cumprimentou Gakupo da mesma forma, enérgica, bagunçando-lhe os cabelos, e também abraçou Kaiko apertado. Ao lado dela, Tonio, seu marido, parecia receoso. 

E quando Kaito ficou a sós com ela, passeando pelos jardins, o receio de Meiko também apareceu.

— Kaito… O que está achando de tudo isso?

Mesmo que o frio não mais o incomodasse, os pelos de sua nuca eriçaram. 

— Bem… Eu… — O olhar consternado de sua irmã o deixou sem palavras. Ele engoliu seco, olhando para o chão.

De repente, vieram as memórias de quando sua mãe soube da notícia, e ele sentiu os olhos arderem com as lágrimas que tentavam escapar. Será que Meiko também estava desolada daquela forma? Será que ela também o achava um monstro?

Diante dele, ela parecia reticente, talvez até confusa, olhando-o fixamente como se o analisasse. 

— Você… — Ela se interrompeu, balançando a cabeça como se negasse algo a si mesma. — Bem, é como sempre digo, temos que ver o lado bom das coisas, não é mesmo? Você não está mais doente, e é só isso que importa.

Meiko sorriu e ficou nas pontas dos pés para bagunçar os cabelos de seu irmãozinho. 

— Sim… Pelo menos ainda estou vivo. — Kaito sorriu fraco 

— Esse é o espírito! Não podemos desanimar! — Ela deu um tapa nas costas dele e se virou, voltando para dentro da casa. — Venha! Tenho muito para te contar.

As duas noites que Meiko passou junto com eles foram tremendamente estranhas. Um clima pesado caía sobre todos, e Tonio parecia estar incomodado o tempo todo. Ele insistiu em ir embora depois da primeira noite, mas acabou cedendo aos pedidos da mulher. Kaito sentia certa culpa por fazer seu cunhado se sentir assim tão desconfortável, entretanto, sabia que não podia fazer nada quanto a isso. A aparência sobrenatural de ambos não era exatamente amigável, e Gakupo estava extremamente intimidador.

Até mesmo Kaiko havia notado aquela diferença. O garoto tão tímido, inseguro e chorão de antes desapareceu, e agora Gakupo estava tomado por uma confiança imensa que chegava ao ponto de ser assustadora. 

Kaito estava assustado com essa mudança em Gakupo. Quando estavam a sós, ele voltava a ser carinhoso como antes, com as mesmas carícias, beijos e juras infantis de amor. Era reconfortante vê-lo assim, de certa forma, sem todo aquele desespero e melancolia que assolavam sua expressão constantemente nos últimos anos. Entretanto, havia algo perturbador na forma prepotente e estóica que ele assumia na presença de outras pessoas. 

 


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