A Música Que Nos Une escrita por Aline Lupin


Capítulo 11
Capítulo 10




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— Ei, Ann – Uma voz doce e masculina a despertou.

Ela abriu os olhos e pode ver o rosto de Thomas. A barba por fazer e os cabelos escuros bagunçados, mas de uma forma que o deixava muito atraente. Seus olhos a fitaram com carinho. Ela o abraçou com força, sentindo o peito inflar de saudades.

Ele havia voltado para ela? Por Deus, que ele tenha voltado, ela pensou com o peito dolorido.

— Ei, calma amor – ele pediu se afastando – Eu estou aqui. Não precisa me sufocar.

— Como...por que me deixou? – ela perguntou, agoniada, tocando o rosto dele.

Ele franziu o cenho.

Ela notou que estava em outro quarto, um quarto com uma cama de dossel. E que sua barriga estava consideravelmente grande. Ela se lembrava daquele quarto. Era a casa que ele havia alugado, com as apostas que havia ganhado. Era um sonho?, pensou confusa.

— Eu nunca deixei você, querida. Eu fui à cozinha, só isso – ele disse, rindo e a fitando com preocupação depois – Está tudo bem, meu amor? Por que está triste?

Ele passou o dedo indicador sobre a maçã do rosto dela. Ela estava chorando?

— Querida, está me assustando – ele disse, com a voz tremula – Meu amor, fale comigo.

— Ah, me desculpe – ela disse, com a voz embargada – É que estou tão feliz de te ver. Eu senti sua falta.

Ele riu, com um sorriso travesso, beijando a testa dela e abraçando. Eles ficaram assim até que ele afastou o rosto e a fitou com um olhar terno.

— Sabe que eu sinto sua falta sempre que me afasto? – ele disse. Ela se lembrava daquela conversa. Era antes de tudo ruir na vida deles. Ela apenas assentiu, como fizera antes e sorrira radiante – Sabe que tudo vai dar certo, não sabe?

Aquela parte ele não havia dito para ela. Ele não a fitava com tanta intensidade e certeza. Isso não fazia parte da lembrança.

— Eu não sei, Thomas. Tudo saiu fora do controle – ela disse, amargurada -Você se foi.

Ela, naquele momento, tinha certeza que estava conversando com ele. Como se ele estivesse ali com ela, depois de tanto tempo. Deus, foram dois anos longos e solitários. Como era bom vê-lo novamente. Mas, como ainda doía seu peito por ele ter sumido, sem nunca ter dito adeus.

— Eu não me fui. Eu sempre estive aqui, Anne – ele disse, com convicção, tocando o rosto dela – É só você que não vê. Eu sempre estou do seu lado, fazendo com que tudo dê certo. E agora finalmente parece que as coisas estão dando certo. A sorte virou, meu amor. Você é uma mulher de sorte.

Ela franziu o cenho, sem entender o que ele disse.

— O que quer dizer? – perguntou ela, se recostando na cama.

— Eu disse que você é uma mulher de sorte, meu amor – ele disse, com carinho, beijando sua testa e se levantando da cama – E que você vai entender que está no caminho certo. Eu espero, pois é muito teimosa.

Ele se afastou e Anne tentou se levantar, mas algo a prendia. Ela tentou se mexer, mas não conseguia mover os braços e as pernas.

— Thomas, volte, por favor – ela suplicou.

Não podia perde-lo de novo. Não iria suportar mais a solidão. Ela só teve tempo de vê-lo abrir a porta.

— Não posso amor, não posso mais – ele dissera, fechando a porta do quarto.

— Thomas! – ela gritou, em desespero.

***

— Thomas!

Ela acordou, sobressaltada, sentindo o peito oprimido, o coração acelerado. Não sabia quanto tempo estava clamando por ele e se encontrou em um abraço apertado. Alguém a acalentava. Ela se afastou, assustada e pode ver Henry.

— O que...houve? – ela perguntou, tentando se soltar do abraço dele.

Ele se afastou, se levantando. O dia ainda não havia clareado e ela não conseguia vê-lo muito bem devido a penumbra. Ela se ajeitou na cama, puxando o cobertor, se sentindo exposta.

— Eu ouvi você gritando e pensei que havia um ladrão – ele respondeu, parecendo desconfortável – E cheguei no seu quarto e qual não foi minha surpresa de vê-la se debatendo e chamando alguém. Eu tentei acordá-la, mas você não acordou. Eu fiquei sem saber o que fazer. Me desculpe ter invadido seu espaço.

Ela engoliu seco. Se sentia despedaçada por dentro. Ver Thomas, depois de dois anos, em um sonho, era algo estranho e agridoce. Ela se lembrava da casa em que estava. Aquela lembrança remetia ao passado, quando tudo estava bem. Mas, não era toda a lembrança fielmente. Ele parecia ter falado com ela. Como se ainda se preocupasse com ela. Apesar daquela sensação de que ele estivesse por perto, sabia que era seu anseio de vê-lo de volta. 

— Eu sinto muito por isso – ela disse, envergonhada – Eu nunca grito em sonhos. Eu mal tenho pesadelos.

— Não se desculpe – ele disse, sentando-se na ponta da cama, fazendo o colchão afundar – Você não tem culpa de gritar em um sonho. É natural. Erik quase frequentemente tem pesadelos e acorda gritando. Mas, desde que você chegou, ele está mais calmo. O que acho algo misterioso.

Eles ficaram em silêncio por um tempo. E ela pensou que ele havia partido. Tanto que um leve torpor confundia seus sentidos e ela estava prestes a dormir mais uma vez. Pensou que ele tivesse saído, quando o escutou perguntar:

— Quem é Thomas?

Sua voz não parecia acusadora. Só curiosa. Ela piscou algumas vezes, tentando afastar as brumas dos seus olhos, esfregando-os com os punhos fechados. Bocejou e ficou ruborizada. Era inapropriado ele estar ali. Deveria sair, ao ver que não havia mais perigo a vida dela. É o que etiqueta exigia. Mas, Henry não agia como um cavalheiro normal. Ele era diferente. Era um homem que se preocupava com seus criados. Era alguém que se preocupava com uma criança maltrapilha, que não era dele. Ele era um herói romântico. Mas, de carne e osso. E isso a assustava muito. As pessoas não eram boas. Elas eram interesseiras e cruéis. Mas, deveria haver exceções. Se ela nunca fora interesseira e má, haveria alguém como ela. E havia pessoas que passaram por sua vida, a tratando com respeito. E todos eles eram criados, pessoas de classe baixa, os invisíveis.

O fato estranho era que Henry não agia como um aristocrata, pois, sendo filho de um lorde, não deveria ser tão amável e gentil. Deveria enxergar todos com soberba e mostrar o quanto seu sangue era azul e que estava bem distante do círculo mais pobres. Mas, ele não era assim. E isso não parecia real. Ele não poderia ser real. Mas, era.

— Eu...er...- ela tentou responder, sentindo seu coração bater mais forte. Ficara muito tempo em silêncio, mas poderia responder com uma meia verdade. Só que seria pior, pois, ele não gostava de mentiras. Ele havia lhe dito isso.

— Ele é seu irmão? – ele incentivou.

— Não – ela negou.

— Então? - Ele era muito insistente e parecia difícil de fazê-lo esquecer o assunto.

— Por que está interessado? – ela rebateu.

Ele soltou um muxoxo. E isso a fez querer rir. Ele estava muito curioso. E se ele soubesse, não ficaria satisfeito. Ela não fora casada, de fato. Era uma mulher arruinada.

— Porque eu quero saber mais de você, Anne. Me deixe ser seu amigo – ele pediu, pegando a mão dela – Me deixe saber o que aconteceu contigo. Me deixe...ah... - ele soltou um suspiro irritado. Parecia surpreso consigo mesmo - Eu só preciso saber.

Ela hesitou, segurando a mão dele. Sentindo seu calor. Sentindo seus dedos envolverem o dela. Sentindo sua proximidade inquietante. Ela poderia confiar?

— Ele foi alguém importante para mim – ela respondeu, tentando ocultar o máximo possível seu passado. Não era mentir, mas omitir. Era bem diferente.

— Ele era seu noivo? – ele perguntou, indiferente. Ela poderia jurar que havia uma nota de ciúme em sua voz.

— Não – ela negou, simplesmente.

— Não? – ele repetiu – Então, o que ele era?

— Henry – ela soltou um muxoxo – Por que não esquece isso?

— Porque eu sou curioso – Ele se aproximou mais dela, no colchão. Ela havia se acostumado com a pouca luz e podia discernir suas feições e ele parecia sorrir – Conte para mim. Somos amigos, não somos?

— Hmf...- Ela não sabia como negar a ele o que pedia. Estava perdida se tentasse dizer não. Parecia típico dele tentar fazê-la dizer sim – Henry, se eu contar, você promete que não me julgara?

— É claro. Mas, é algo grave demais? Você matou alguém, Anne? – ele perguntou, em tom sombrio, mas havia nota de diversão em sua voz – Você o matou?

Ela riu e ele a acompanhou. Sua risada era grave e amável.

— Não, seu tolo. Mas, e se tivesse? – ela provocou.

— Eu teria que mandar prende-la. Apesar que iria perder uma ótima governanta – ele parecia reconsiderar sua resposta – Acho que eu iria escondê-la, talvez. Pela amizade e por você ser tão competente com Erik. Acho que eu poderia perdoá-la.

Ela soltou uma gargalhada.

— Henry, como pode ser tão humorado? Eu não consigo entender isso.

— Eu também não, Anne. Eu simplesmente fico perto de você e sinto essa alegria. Eu nunca me senti tão vivo, Anne – ele respondeu, como se não acreditasse em sua própria resposta. Parecia confuso – Você trás alegria, Anne. E sorte. Eu me sinto um homem mais abençoado por tê-la em minha vida. Parece que tudo está correndo bem. Até em minhas pesquisas, em meu trabalho. Com Erik...isso é incrível.

Ela engoliu seco, se sentindo estranha. Thomas sempre dizia isso. Que ela era sua sorte. Que ele era abençoado de tê-la encontrado. E não queria ser a sorte de ninguém. Não existia isso. Sorte, destino, o que fosse. O que acontecia na vida das pessoas era devido as escolhas delas. As reações que recebiam de volta era somente reflexo das próprias ações. 

— Anne, me diga quem é ele. Eu prometo não a julgar. Palavra de cavalheiro – ele insistiu.

— Ó, muito bem – ela aquiesceu – Ele era meu amante.

O silêncio se fez ensurdecedor. Ela sentiu que ele parecia digerir a informação. Esse era problema com ela. Não sabia preparar o terreno. Mas, por que adoçar a realidade? Ela não poderia mentir. Não para ele. Henry ofereceu amizade e ela não iria recusar. Não iria contar mentiras para ele, para magoá-lo e perder sua confiança.

— Isso...é...- ele parecia estarrecido e soltou a mão dela – Anne, ele nunca a assumiu? Foi desonroso com você?

— Ele pretendia fazer isso, mas nunca houve tempo – ela tentou justificar. Mas, não havia justificativa. Thomas sempre dizia que em breve eles se casariam. Mas, então, ele havia desaparecido. Apesar disso, ela não iria manchar a memória dele. O amava muito – E bem, ele nunca mais voltou, Henry. E eu precisei me virar sozinha.

Henry parecia ter soltado o ar que prendia, pois respirava com força.

— Vai me mandar embora? – ela perguntou, em tom defensivo. Talvez, não precisasse ter contado tudo. A reação dele não estava sendo de fato boa – Se sim, por favor, me dê um tempo para me organizar...

— Não – ele negou, com um tom soturno – Não. Eu jamais faria isso...é que...isso...nenhum homem deveria fazer tal coisa. Eu não posso julgar, pois meu primo teve tantas amantes e eu nunca fiquei chocado com isso. Mas, você, Anne, eu sinto que você merece mais que isso. Não ser uma amante, mas ser uma esposa. Eu queria matar Thomas agora. Eu poderia estrangulá-lo por deixá-la sozinha. É um bastardo!

Ouvir aquilo a aqueceu por dentro. Ele se importava com ela, não estava a julgando. Apenas estava chateado por ela.

— Está tudo bem. Tudo já passou. Eu consegui viver e estou bem – ela lhe garantiu.

— Quão bem, Anne? Você deveria ter uma segurança, um marido para cuidar de você. Não deveria estar sozinha no mundo, Anne – ele parecia transtornando.

— Ei, Henry. Eu sou uma mulher adulta. E muitas mulheres trabalham e ganham a vida, assim como eu. E você não se preocupa com elas, se preocupa? – ela tentou trazê-lo a razão com seu argumento.

— Eu...não...maldição! – ele praguejou e a fez rir – Não ria, Anne. Isso é sério para mim.

— Ó, me perdoe – ela disse, irônica.

— Anne, você é muito insolente – ele disse, no mesmo tom. Ele suspirou em seguida – Eu só não sei por que estou me preocupando. Mas, você é importante para mim. Eu não gostaria de vê-la sozinha. Como foi lidar com isso, com o desaparecimento de Thomas?

— Horrível. Foi desesperador – ela respondeu, lembrando-se da casa em East End. Da fome e frio. De implorar para Klyne ajudá-la. Da proposta dele, de como teve que se deitar com ele, depois que seu filho nasceu e morreu. De como Klyne a tocava. Ele não era cruel. Apenas parecia avido em tê-la. Era um amante amoroso e gentil. Mas, ela não o amava. E sentiu suja por se vender daquela maneira. Então, ela pediu que ele conseguisse um emprego para ela, qualquer coisa. E ele conseguira. Ela era uma governanta graças a ele. Ela devia tudo a ele. Parecia ter vendido a alma ao próprio diabo, pensou com ironia – Eu precisei me acostumar com isso, Henry. Eu tive ajuda para conseguir um emprego. Não foi tão ruim assim.

E não fora, mas o fato de ter que dever para Klyne e ter entregado seu corpo a ele fora humilhante. Fora algo que precisou fazer, para sobreviver. Era só isso que dizia a si mesma. E ele havia dito que seriam amigos, apenas. E foram, por meio das cartas. Ele parecia amável e gentil. Só que não era e isso ele demonstrou no momento que ela não precisou mais da proteção dele. Ele parecia irritado de perdê-la. Ela só não entendia o que ele queria com ela. Se a via como um troféu. Sempre que Thomas o levava para casa deles, Robert a fitava com um olhar intenso, como se a cobiçasse. E sempre a elogiava, dizendo o quanto era bonita e espirituosa. E quando se deitou com ele, ele a abraçou com tanta força. Parecia que não queria deixá-la partir. Ele repetia em seu ouvido que ela era dele. Que seria somente dele. E aquilo a assustou. Ela não queria pertencer a ninguém, muito menos pertencer a ele. Um arrepio percorreu sua espinha e ela se abraçou. Henry se aproximou, parecendo saber o que ela sentia e sentou-se ao seu lado, puxando-a para um abraço. Ela se aconchegou em seu peito, sentindo segurança. Ele era bom, não era Robert. Não queria a aprisionar. Ele apenas queria estar com ela. E Anne não poderia negar, ela queria estar com Henry.

— Eu sinto muito – ele disse, beijando seus cabelos – Não precisa mais ter medo, Anne. Eu vou estar aqui. Vou ajudá-la. Você nunca estará sozinha.

— Obrigada – ela sussurrou, abraçando-o com força.

Ela sentiu o coração dele bater mais forte e sua respiração ficar entrecortada. O mesmo acontecia com ela. Não conseguia respirar direito perto dele. E se viu suspirar, como se o toque dele tivesse esse efeito. De deixá-la sem ar e em expectativa. Mas, o que ela esperava? Ela sabia a resposta. Queria seu beijo. Queria ser dele. Assim como quis ser de Thomas. E isso a assustava. Ela deu poder a Thomas e ele a deixou, a despedaçou por dentro. Não poderia confiar, não agora que havia se recuperado. Se acostumado com a solidão.

— Anne – Henry disse, com a voz rouca, puxando o queixo dela para ele – Anne, meu amor.

Ela sentiu que ele iria beijá-la de novo. Precisava pará-lo. Tinha que fazer isso, mas quando os lábios macios deles encostaram nos dela, ela perdeu a razão. Era a emoção controlando sua mente. Bagunçado a lógica que ela tinha montando para si mesma. Nunca entregar o controle de si para ninguém. Nunca sentir a paixão tomar seu coração e fugir ao menor sinal de que isso estivesse acontecendo. Mas, lá estava ela deixando que ele a envolvesse com seus braços e dissesse coisas bonitas. O quanto era ela linda e desejável.

Ele beijou o pescoço dela, fazendo uma trilha em sua pele com seus lábios. Puxou-a para seu colo, envolveu sua nuca e sua cintura com suas mãos. E beijou se colo sobre o tecido da camisola.

— Anne...você é linda – ele sussurrou – Eu te desejo.

Ela deixou que ele a beijasse, que a tomasse em seus braços, mas não podia, precisava resistir.

— Não, Henry – ela disse, com a voz rouca. O desejo estava contido nela e não havia convicção em sua voz – Pare, por favor.

Ele não parou. Continuou beijando seu pescoço e tocando seu seio.

— Henry – ela pediu, empurrando-o pelo ombro.

Ele parou, com a respiração ruidosa, mas ainda com ela em seu colo, segurando sua cintura. Era difícil saber o que ele estava pensando. Seu rosto estava mergulhado em sombras.

— Você não me quer? – ele perguntou, com a voz rouca – Só me diga que não me quer e eu a deixarei.

— Er...eu...- ela hesitou – Eu não acho que isso seja apropriado. Eu sou sua governanta.

Ele suspirou, parecendo entender.

— Eu sei...eu...não sou um canalha, Anne – ele tentou se justificar – Eu não estou me aproveitando de você, eu juro.

Ele parecia relutante e a soltou. Ela saiu do seu colo, ficando de pé e ajeitando a camisola. Abraçou seu próprio corpo, sentindo frio. Sentia falta do corpo dele, do seu calor. Mas, fizera o que era certo. Apesar disso, por que seu coração e seu corpo diziam que não era o certo?

— Desculpe-me – ele pediu. Ela percebeu que ele se levantou da cama – Eu estou agindo como um homem sem honra. Como um libertino. É só...eu não consigo pensar com você por perto. Eu apenas sinto vontade de tê-la em minha cama – ela ficou ruborizada e soltou um muxoxo – Vê como eu estou tolo? Dizendo coisas que não deveria...- ele soltou o ar. Mergulharam em um silêncio desconsertante – Anne, por favor, diga alguma coisa.

— O que quer que eu diga? – ela perguntou. Ainda se sentia perdida. Não sabia o que falar – Eu nem sei o que dizer, senhor...eu...

— Já passamos das formalidades, Anne – ele disse, com um tom revoltado, se aproximando dela e a puxando para si. Ela ofegou pela proximidade – Por favor, diga-me que estou errado. Que não sente nada por mim. Pode me bater, se preferir. Mas, se você não me parar, eu acho que não irei conseguir fazer isso. Eu a quero, Anne. Mais do que já quis qualquer coisa.

Ela sentiu o ar faltar em seus pulmões. Já tinha ouvido aquilo antes. De dois homens diferentes. Thomas e Klyne. E agora Henry. Mas, era diferente quando ele dizia isso a ela. Não havia só luxuria em sua frase. Ele parecia cuidadoso. Como se desejasse protegê-la do mundo. Como se realmente se importasse com ela. E ela estava tão sozinha e perdida. Queria alguém que a amasse. E queria que fosse Henry. Mas, ela estava sonhando alto. Ele nunca se casaria com ela. Onde estava com a cabeça de pensar que o segundo filho de um visconde casaria com ela? Poderia não ser o herdeiro, mas ele não iria descer no seu nível social. Ninguém em sã consciência faria isso. 

— Henry...eu...- ela tentou dizer, mas as palavras estavam entaladas em sua garganta. Estava tudo represado. Ela não queria negar que o queria – Eu acho melhor nós...É melhor você sair. Isso não está certo...

Ele se afastou, parecendo relutante.

— Não me quer, é isso? – ele perguntou, magoado.

— Eu...é claro que quero – ela respondeu, irritada. Ele parecia estar jogando com ela e isso estava a deixando além do limite de suas forças – Se não quisesse, não estaria aqui no meu quarto. E isso é muito inapropriado, Henry. Muito errado.

— É engraçado como me repreende, Anne. Você teve um amante – ele acusou e isso a feriu muito. Ela abriu a boca para protestar, mas não sabia o que dizer. Queria dizer coisas feias a ele – Parece que estou fazendo algo errado, mas você já fez coisas erradas. E se recusa a ser minha. Já foi de outro homem e não quer me pertencer. Isso está me deixando...

— Saia! – ela gritou, apontando para porta – Saia, já!

Ele retesou.

— Desculpe-me...eu sou um idiota...- ele disse, com a voz dolorida. Parecia arrependido, mas ela não queria ficar perto dele. Não mais. Estava ferida por suas palavras.

— Sim, você é. Agora saia! – ela disse, com a voz estridente e se aproximando dele, tentando demonstrar toda sua indignação – E amanhã mesmo eu irei embora. Preciso que me dê uma carta de recomendação...

— Não – ele negou.

— Não? Como assim não? – ela esbravejou – Vai me dar, pois eu fiz um trabalho ótimo. Eu tirei Erik do ostracismo. Ele está quase falando perfeitamente. Eu mereço isso!

Ele riu, sem humor.

— Eu sou apenas isso para você, Anne? – Ela franziu o cenho, sem entender – Eu sou apenas o homem que lhe deu um emprego, que lhe deu uma oportunidade? É isso?

— Você...- ela tentou dizer, mas nem sabia mais por que estavam brigando.

— Não precisa se explicar. Eu já entendi. Eu sei que não sou nada para você – ele se afastou indo até a porta.

Ela agarrou-o pelo pulso, fazendo-o parar.

— O que quer dizer? Você está tentando fazer me sentir culpada? O senhor veio até que aqui, no meu quarto. Me beijou. Fez coisas comigo... que... Argh! – ela o soltou, com raiva, sem saber como expor seus argumentos. Estava sem raciocínio e sua mente fervia – O senhor está errado. Não eu. Sou eu quem sofrera as consequências. Não o senhor. Sou eu que poderei engravidar e me ver em perigo. E ter minha reputação arruinada, mais do que já está. E eu não quero ser sua amante. Então, você vai me dar essa carta e eu vou embora da sua vida!

Ela despejou as palavras em cima dele com tanta rapidez, que mal conseguia respirar.

— Você vai ficar – ele disse, se virando para ela, com raiva – Você vai ficar e não vai a nenhum lugar Anne. Eu...maldição Anne! Você não vai embora. Não agora!

— Por quê? – ela perguntou, sem entender. Por que ele queria que ela ficasse?

Ele ficou em silêncio. Era horrível não poder ver seu rosto direito. Queria ver o que ele estava pensando, o que ele quis dizer. Sem poder ver seus olhos, não poderia entender. Mas, sua respiração era entrecortada. Era óbvio que estava irritado.

— Por quê? – ela insistiu.

— Porque sim – ele respondeu, raivoso – Porque eu quero e você vai ficar. Nem tente fugir, pois eu vou encontrá-la, onde for.

Ele saiu do quarto, batendo a porta com força, a assustando no processo. Ela procurou a cama, sentando-se. Se sentia entorpecida, de repente. Eram informações demais. Na verdade, ela desabou no colchão, pois suas pernas bambeavam. Ela não conseguia entender por que ele parecia tão intenso e raivoso. Parecia que tinha feito algo errado, mas o que? Ela só estava se protegendo. Ele deveria entender que ela era a parte vulneral daquela relação. Ele deveria deixá-la partir. Mas, ela não queria, de fato. Gostava da casa, dos criados, de Erik. E gostava daquele homem que parecia gentil como o mar calmo e uma tormenta em dias chuvosos. Ele iria afogá-la, com aquela intensidade. Com aquele desejo. Ela morreria em breve. E iria se sentir vazia, quando ele partisse. E não, ela não poderia permitir que seu coração se apaixonasse pela loucura que ele representava. Nem por sua doçura. Não poderia. Mas, já era tarde para negar. Já havia acontecido. Seu cheiro estava em sua pele, nos travesseiros e na roupa de cama, quando ela se deitou. Estava por toda parte.

Ela se levantou e escancarou a janela, sentindo o ar frio entrar. Iria congelar, mas era disso que precisava. Retesar as emoções. Voltar ao controle, ao centro de si mesma. Nenhum homem teria poder sobre ela. Nenhum.

 


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