Cinco Vidas escrita por Anna Carolina00


Capítulo 7
Alto mar - parte 3




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Um grupo havia se reunido na cabine do capitão Nelson naquela  manhã. Um grupo, não um trio, o que claramente indicava a presença de mais alguém além de Nick, Charlie e Elle: Isaac. O cozinheiro havia ajudado Charlie na noite passada sem ter a menor noção do que se passava, afinal, era um bom amigo  e nada soava mais natural para Isaac do que ajudar um amigo em qualquer circunstância. Esse também era o motivo do porquê o moreno estava naquela reunião, ainda que não soubesse nada dos sereianos e qualquer outra pessoa naquela circunstância teria ficado assustado descobrindo algo chocante assim … Mas não Isaac.

—Proteção.

Foi o que respondeu ao ser questionado do porquê de estar ali. Sem nem pensar duas vezes, quando Charlie lhe pediu para manter uma distância segura de Nick no meio daquela conversa maluca, ele apenas concordou sorrindo como se o sol reluzisse através de seu sorriso.

Mesmo a contragosto, Nick continuou a explicar para Elle (e Isaac), o que Harry tinha planos de fazer, alterando a rota atual para uma ruína  de sereianos cheia de tesouros.

—Desculpe, Nick -Elle  quem respondeu- Mas ainda não entendi porque é tão ruim irmos navegar para uma possível ruína dos povos submersos… Na verdade, isso seria fantástico para meus estudos!

Nick olhou para Charlie, ainda que tivesse vontade de desviar o olhar. Era o tritão quem deveria decidir revelar seus segredos se assim o desejasse. E assim o fez, depois de respirar fundo:

—...O problema é que não são apenas ruínas, Elle. Aquela é a entrada para um reino submerso cheio de sereias e tritões.

—...Como…Como você sabe disso? Isso é…

—Incrível! -  Isaac terminou sua frase empolgado. - Imagine poder conhecer sereias de verdade!? Devem ser seres maravilhosos! 

—Isaac… Você já conhece um tritão…

O cozinheiro ficou confuso por um segundo olhando para Charlie e então exclamou radiante enquanto o abraçava :

—Tudo faz sentido! É por isso que você vive sumindo na hora do jantar e não parece gostar do meu ensopado de peixe…Você é um tritão , Charlie! 

—Na verdade não gosto do seu ensopado por causa do alho… Mas sim, Isaac. Eu sou um tritão.

Sua última frase foi dita olhando para Nick como se esperasse algum comentário sobre a natureza da palavra. Por um segundo, esqueceram do vexame da noite passada de Nick abandonando o moreno depois do beijo. Ao se lembrarem do ocorrido, deixaram de se olhar mais uma vez.

—Charlie…Isso é esplêndido! Já li teorias sobre sereianos vivendo entre humanos usando magia…Mas nem nos meus maiores sonhos eu cogitei conhecer um. É uma honra inestimável!! Tenho tantas perguntas! 

Foi Nick quem interrompeu o navegador:

—Temos problemas maiores agora, Ell. Harry está irremediável quanto a ir para a passagem que leva a Casa de Charlie e precisamos fazer alguma coisa. Não dá para simplesmente fechar a passagem…

—Na verdade, Nick, é possível. Ainda não contei tudo sobre mim. Eu …- Como ousam fazer uma reunião dessas sem minha presença?!

A porta da cabine do capitão foi aberta explosivamente revelando uma imediata usando chapéu imponente como todo capitão deveria ter

—Explique-se, meu irmão, como tive de ser avisada pelo capitão mauricinho que vocês planejavam mudar a rota e você nem mesmo me chamou para a reunião! 

—Darcy…. Você pilota O NAVIO! Não pode largar o leme assim para uma reuniãozinha!

—Oh… Isso faz sentido…Então: votação para transferirem essa reuniãozinha lá para cima: alguém contra? Ninguém! Perfeito! Venham todos antes que o navio comece a dar voltas!

Tão rápido apareceu, a loira saiu pela porta torcendo para que os demais a acompanhassem para não ficar de fora de toda a diversão. O grupo se olhava como se esperassem alguém se posicionar sobre a ideia de ir para a cabine e contar a Darcy o segredo de Charlie. Nick confiava na irmã e isso era suficiente para o tritão confiar, mas ele não tinha coragem de dizer isso tão abertamente.

—Vamos então? Eu adoraria ver como funciona o navio! Nunca vi alguém pilotando o leme pessoalmente.

Com a sincera e ingênua constatação de Isaac, todos concordaram em seguir para cima e tratar do assunto com cuidado.

 

Enquanto subiam, Isaac foi na frente empolgado, seguido de Elle. Nick e Charlie estavam lado a lado, próximos o suficiente para sussurrar sem serem ouvidos.

—Eu posso fechar a passagem, Nick… Harry não vai parar até conseguir chegar lá.

—Nossa melhor chance é ele chegar ao local e não encontrar nada.

—Exato.

Charlie sorriu vendo a sintonia dos dois. Nick sorriu por conseguir falar com Charlie novamente. Ouvir "Nick" de seus lábios é realmente aconchegante!

 

Ao lado de Darcy estava Harry, já com o mapa das ruínas em mãos lhe mostrando o que poderia ser o caminho. Assim que a irmã viu Charlie, lhe perguntou segurando a risada.

—Agora acreditamos em sereias, Nick? Costumávamos ir atrás de tesouros de humanos com a Nellie!

—Receio que sim, Darcy. Elle pode te explicar melhor como funciona o mapa para traçar o caminho.

Harry olhou com desconfiança:

—Como  pode ter tanta certeza que seu amigo sabe interpretar o mapa, capitão?

Nick ficou vermelho com a pergunta, mas o navegador respondeu em seguida:

—Eu estudo esse tipo de linguagem há anos, capitão Greene. Pela descrição do Nick, imagino que seus problemas aconteceram porque o mapa é baseado em um navegador que está nadando dentro do mar, não sobre as águas. As cartas náuticas mudam e os trechos de terras são maiores, como um recorde ao redor da Terra. - sob o olhar surpreso de Harry, Elle estendeu a mão  - Deixe-me ver o mapa, sim?

Harry tinha receio de entregar o mapa, então olhou para Nick que respondeu:

—Estamos indo para lá, capitão. Nosso navegador precisa olhar no mapa para traçar a rota, certo?

—Estamos indo mesmo? 

Elle questionou.

—Sim, Elliot. Foi o que decidimos, certo?

—Oh, claro…

 

Enquanto Harry estava por perto, todos agiam como se estivessem empolgados com o tesouro das sereias. Logo o "capitão " desistira de participar da parte matemática, informou que o mapa continuaria com ele até que fosse necessário planejar o resto do caminho e continuou andando pelo navio dando ordens como se fosse seu reino particular. Seme ele por perto, puderam contar a imediata e Darcy, é claro, quase surtou ao ouvir que Charlie era um tritão, mas conseguiu se conter por estar literalmente no ponto mais visto do navio e o tritão concordou em mostrar sua verdadeira forma a eles. Não gostava da sensação de ser exposto como uma anomalia a ser observada, mas com todos dispostos a lhe ajudar a lidar com a situação…Não poderia dizer não.

—Nós realmente vamos para a entrada do reino submerso, Nick?

—Sim, Elle. Charlie disse que consegue fechá-lo… Só precisamos de uma distração quando estivermos próximos. 

— Mais uma apresentação como a do Charlie?

Isaac sugeriu empolgado e seu amigo negou, apesar de gostar de como se sentira naquele momento. Era quase possível ver as engrenagens na mente de Charlie circulando, então o moreno sorriu e falou:

—Uma caça ao tesouro, em terra. Aqui - comentou apontando em um aglomerado de terras próximo  ao que imaginavam ser a região descrita pelo mapa de Harry - Eu não me lembro como saí da passagem e cheguei a essa ilha, mas posso garantir que está cheia de tesouros enterrados. Eu mesmo guardei alguns espólios lá. Podemos convencer Harry a ficar lá por um tempo. Enquanto isso, com o mapa eu posso conseguir chegar lá primeiro e… Fechar o caminho.

Todos concordaram empolgados, apenas Nick percebeu uma expressão tristonha em Charlie ao falar do que havia acontecido. O loiro gostaria de falar com ele, mas aparentemente, as próximas noites seriam utilizadas para o plano e o mapa. Elle parecia estar sempre presente com Charlie, assim como Isaac. 

Em parte, esse contato sempre com mais pessoas ajudava a não criarem uma situação desconfortável, mas por outro… Sentia falta de falar com Charlie sozinho. Ainda não teve oportunidade de pedir desculpas.  

Aquela seria a última reunião antes de alcançarem a ilha. A última chance de Nick falar com o tritão  antes de começarem a explorar a ilha enquanto Charlie  nadaria até a passagem. Darcy e Isaac conseguiram um barril de rum da reserva do navio para comemorarem a calmaria do mar vermelho até ali, uma pausa bem vinda no percurso. Como se lesse a mente do irmão, Darcy ofereceu a cabine que dividia com Elle para o evento, deixando que Nick pudesse seguir Charlie quando o mesmo recusou participar da bebedeira.

Assim, Nick encontrou Charlie sentado no chão do segundo porão olhando o mar com nostalgia. 

—Por que continua  entre os humanos, Charlie? 

Ele percebeu, pensou tritão.

—Você já sabe a resposta, certo? Eu não consigo voltar... Nem se quisesse. O mar estava tão turbulento, fui carregado sem ter noção de para onde ia. Nossa chalupa foi destruída e…

—Nossa?

—Eu não estava sozinho. Saí de Casa com Tao, meu melhor amigo. Conseguimos consertar um pequeno navio que passou pela fenda e decidimos tentar nos aventurarmos pelo mundo humano enquanto ainda podíamos, mas foi um desastre…Tornados, ventos terríveis… Assim que saímos na superfície o navio se quebrou e só me lembro de acordar na ilha. Tao havia desaparecido. Torço que ele tenha voltado para Casa, mas… É provável que não.

Sentado ao seu lado, Nick tinha vontade de lhe abraçar, mas respeitava o espaço proposto pelo tritão.

—Pelo menos… Agora você vai poder voltar, certo? Imagino que sinta falta de casa, sua família…

O moreno sorriu tristonho.

—Minha família é um pouco mais complicada do que imagina, Nick. Eu tenho certas responsabilidades…Administrativas… Com o mar. 

— Você é um príncipe dos mares ou algo assim?! - apesar do tom de piada do loiro, ao olhar para Charlie, percebeu que sua constatação não era tão absurda assim - Isso é… Sério?!

—Só do mar vermelho, mas sim. Eu devia fechar a passagem como todas as demais foram fechadas por meus irmãos, mas… Eu queria conhecer vocês! Eu desobedeci às ordens dos meus pais e agora estou preso aqui. Punição irônica, acho. Poseidon tem um belo senso de humor.

—Poseidon é real ?! Você já o viu!?

—Você já viu seu Deus, Nick? 

Depois de um rápido silêncio, o capitão mudou de assunto.

—Sente falta deles? Sua família…

— Todos os dias.

—Se arrepende de ter… vindo?

Pensando por um segundo, o moreno respondeu.

—Não. Ou eu jamais teria conhecido como é andar na areia, ver o pôr-do-sol, as comidas, as aventuras, as pessoas… Você, Nick. Valeu a pena conhecer você. - Charlie o olhava com carinho, ansiando receber o mesmo olhar de volta. Suas mãos formigavam torcendo que Nick as segurasse, mas o loiro permanecia confuso, como se travasse uma batalha interna - Diga que não estou delirando, Nick… Eu não estou inventando essa sensação… Você também a tem. Por favor…

—É complicado. Para mim. Sempre achei que estávamos destinados a encontrar um grande amor na vida e… Eu já encontrei o meu. Já o perdi, Charlie. Não sei se consigo sentir isso de novo e então perder mais uma vez.

Ouvindo isso, sem responder, Charlie levanta a escotilha de vidro e começa a tirar cada peça de roupa de costas para Nick. Seu rosto queimava de constrangimento, mas sabia que aquela seria sua última oportunidade que teriam de estar a sós. Vendo-o sentando com pernas dentro da água, Nick sentia um misto de adrenalina e ansiedade, de imaginar seu corpo em contato com o alto mar daquela forma. As maravilhas que se escondiam sobre as águas abaixo, o risco e a curiosidade lhe enchiam de empolgação.

Naquele momento, Charlie retira sua última peça, um colar feito de uma pequena concha esverdeada. Seu corpo passa a se transformar em detalhes. Anteriormente, Charlie apenas mergulhou e voltou já  transformado entregando as roupas molhadas. Agora… Era visível sua pele ganhando camadas de escamas, pequenas fendas para respirar, um brilho verde cintilante cobrindo todo seu corpo. Da cintura para baixo, suas pernas foram cobertas com um longa cauda colorida como uma aurora boreal. 

Acompanhar de perto aquela transformação poderia aterrorizar qualquer outro humano, mas não o capitão Nicholas. Ele apenas se sentia fascinado por aquela aparência, como se Charlie fosse um anjo do mar…Enviado por Poseidon. 

—Essa concha também funcionaria para você, se desejar… Se tiver coragem de nadar como uma verdadeira criatura do oceano…

Charlie lhe olha uma última vez, sorrindo, como se o chamasse para se juntar a ele no mergulho. Então se deixou ser levado pelas águas tranquilas sob seus pés.

Nick enfim desiste de dar razão a sua racionalidade, retira suas peças de roupa o mais rápido que pôde e se coloca pela metade dentro d'água. Com o colar em mãos, olha uma última vez para seu navio e deseja com todo o seu coração que consiga nadar como Charlie, viver como Charlie. Colocando o colar, sente seu corpo se aquecer e mudanças se espalham por toda a pele. Respirando profundamente, fecha os olhos e ouve seu coração palpitar. Nicholas se deixa ser levado pelo desejo imensurável de mergulhar e seu corpo afunda na imensidão do alto mar.

—Oi.

—Oi.

 Charlie sorria como se já soubesse que  Nick aceitaria o desafio, o loiro se movia com a cauda como se por toda sua vida fosse acostumado a nadar assim, como se estivesse destinado a viver assim. Vendo-o em sua forma completa coberto pela água salgada, Nick se sentia ainda mais atraído pelo tritão. Nadavam próximos, quase roçando suas caudas, girando como se dançassem enquanto olhavam os corais e toda a vida marinha.

—Como fico na forma de um tritão?

—Você está perfeito, Nick. 

Aproveitando o que lhe restava de coragem, confessou:

—Você beija bem, Charlie…

—O quê?!

O loiro aproxima seus corpos, o suficiente para poder sussurrar para o tritão a sua frente:

—Eu não tive coragem de te responder aquela hora… Mas desde aquele momento, eu já gostava de você. Já desejava você… Eu amo gostar de você, Charlie Spring.

Sem mais conversa, a declaração foi selada por um beijo apaixonado  sob as águas do mar vermelho.

 

* * *



Observando a maresia da noite, o velho marujo Lange teve a impressão de ver uma movimentação incomum nas águas. A princípio pensara ser águas vivas, mas o colorido logo ganhou forma e, por mais absurdo que parecesse, sua forma parecia ligeiramente humana. Antes que perdesse de vista, o timoneiro gritou para que chamassem o capitão Harry no convés. Certamente seria recompensado por encontrar o que parecia ser uma sereia de verdade.

 


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