Depois do Crepúsculo escrita por FSMatos


Capítulo 9
Capítulo Nove


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! ♥



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O som do vento frio era o único barulho audível naquele ambiente escuro e gélido. Não sabia para qual direção estávamos correndo, mas em algum momento estávamos em queda livre de novo, descendo mais fundo. Eram minutos curtos, porém, intermináveis. Grades foram arrastadas e fechadas. Trancas postas no lugar. A escuridão era absoluta na maior parte do tempo. - Até que eu vi uma pequena luminosidade amarelada ao longe, lançada em uma parede, uma curva. Nos aproximamos em poucos segundos e pude ver a origem daquela luz: ali, depois da curva em pedras úmidas, estava uma pequena cela. Haviam dois beliches limpos, os colchões cobertos por lençóis brancos. O teto era baixo e de pedra maciça. As grades eram de ferro reforçado, cada barra da largura do meu braço. Haviam duas velas grossas acesas. Sobre um dos colchões, Natalie estava deitada e semiconsciente. Ela choramingava, tentando virar para o outro lado, mas a dor a limitava. Tentei me desvencilhar dos braços do vampiro que tinha me carregado até ali e ele colaborou sem pestanejar. Corri novamente para Natalie, segurando-a firmemente.

— Shh… - murmurei quando ela se assustou com o meu toque. Senti que ela tremia um pouco, provavelmente por causa do frio. Tanto a respiração dela quanto a minha soltavam nuvens de vapor de água condensados no ar. A grade atrás de nós se fechou com um click metálico. - Sou eu.

Seu rosto de sofrimento se retorceu e ela abriu os olhos. Ela ainda parecia um pouco desorientada, mas me reconheceu. No exato momento em que seus olhos focaram em mim, lágrimas começaram a escorrer deles. Inúmeras delas.

— Bella… está doendo! - gemeu, pondo a mão sobre onde as costelas estavam quebradas. O esforço para falar a deixou ofegante. - Está doendo muito. E… está tão frio…

— Eu sei. - sussurrei, olhando ao redor. Não havia lençóis com os quais eu poderia cobrir. Ainda tínhamos nossas capas, mas o frio ali era invernal e os tecidos de cetim eram finos demais para conseguir aquecê-la por completo. Também não havia sinal de outras pessoas por perto; os vampiros haviam se retirado. Por enquanto. - Se apoie em mim. - falei para ela, passando os braços em redor dela, tentando não pressionar o lugar machucado. Ela fez o mesmo ao redor do meu pescoço e eu a ergui, colocando-a próximo a parede, abrindo um espaço para que eu pudesse deitar com ela. Cobri nós duas até a cabeça. Coloquei suas mãos geladas em meu pescoço para que ficassem quentes. - Não se mexa. - Instrui-a.

— O-okay. - concordou, mexendo os ombros, tentando se acomodar.

Ficamos imóveis por alguns minutos, deixando que nossas respirações por baixo do tecido aquecessem os nossos rostos. Natalie ficou tanto tempo em silêncio que achei que estivesse dormindo.

— O que… - Ela parecia tentar definir o que tinha ocorrido lá em cima, no castelo. - O que eles são? - Ela estremeceu outra vez, agora de medo.

Permaneci calada, ponderado. Aquela altura ela com certeza percebeu as anormalidades: a força descomunal, as peles pálidas e duras, os olhos vermelhos como sangue. Mas faria sentido explicar para ela o que eles eram? Dizer a ela que eu sabia sobre a existência deles? Isso poderia deixá-la mais assustada, talvez até enojada de mim.

Ela entendeu que eu escondia alguma coisa por trás daquele silêncio. Natalie tirou os dedos do meu pescoço e tocou o meu rosto, bem no alto da minha bochecha esquerda.

— Quando você olha o vazio assim, - sussurrou. - é quando você está se preparando para contar uma mentira. - Seu tom de voz era de mágoa. - Por que você tem que mentir tanto e o tempo todo?

— Não sei se entenderia. - confessei, resignada.

— Já não entendo as coisas muito bem. - Ela riu, uma risada histérica acompanhada de um soluço de choro. - Estávamos felizes, aproveitando a nossa viagem… e de repente… - Ela parou, parecendo se engasgar com as próprias palavras. Natalie tossiu, e o movimento fez ela urrar de dor e se retorcer. Eu a segurei para que permanecesse debaixo das cobertas improvisadas. Não queria que ela tivesse outro colapso, ainda mais um causado por hipotermia. - Só acho - murmurou quando recuperou o fôlego. - que isso não é um pesadelo horrível ou uma alucinação. - Ela assentiu, convicta de que não estava ficando maluca. - Lá em cima, você parecia tão sob controle, como se já tivesse vivenciado algo parecido.

Senti um frio na espinha. Por um breve segundo eu me perguntei se Edward chegou a sentir algo parecido quando viu que era observadora demais.

— Você estava desacordada.

— Não, eu estava olhando para você, Isabella. - Mesmo na penumbra, seus olhos cintilavam. Era o olhar da determinação dela, algo que aparecia sempre que ela sentia diante de uma verdade que continuava sendo negada. - Você olhava aquelas coisas nos olhos. Você tentou se colocar entre mim e eles. - Os professores costumavam perder a paciência com ela nesses momentos. Eu apenas sorria e desconversava. - Por quê?

Eu poderia repetir o ciclo, deixá-la de fora. Mas ela não estava mais de fora, certo? Tínhamos caído no covil de seres mitológicos e estávamos correndo risco de vida, talvez já estivéssemos condenadas. No fundo, eu me sentia um pouco culpada por isso. Como eu poderia ter esquecido das histórias? Estava tão inerte em minha própria dor assim ao ponto de não recordar? - Se eu não tivesse bloqueado quase tudo, talvez eu tivesse feito ela mudar de ideia, talvez falando para irmos em outro momento por conta própria, sem precisar depender de uma “guia turística”.

— Não é algo que uma amiga faria? - Minha voz não tinha vida.

— Não uma amiga comum. - afirmou. - E você, Bella, nunca foi comum. Por isso que passei a amar você.

Eu ri, um riso sincero.

— Eu também amo você.

— Você é a minha irmã querida. - choramingou, puxando uma mecha do meu cabelo. - Não gosto que você minta para mim.

Assenti.

— Prometo que não farei mais isso.

— Então, fale.

Respirei fundo.

— Tudo bem. - murmurei, jogando a toalha e me rendendo. - Mas preciso que me ouça com atenção. Tudo que vou contar vai parecer um grande absurdo e uma mentira. E vou entender se não quiser acreditar.



Não percebi quando adormeci. Meu corpo, sobrecarregado pelo estresse, se rendeu à exaustão. - Foi um sono pesado e sem sonhos. Levei um tempo para despertar. Ainda estava na mesma minúscula cama com Natalie. Ela dormia profundamente, o rosto machucado estava sereno e bem perto do meu.

Natie era uma boa ouvinte. Quando eu contei a ela tudo o que sabia e tudo o que vivi em meus breves anos em Forks, ela não duvidou. Ela se emocionou com a minha ilusória história de amor e chorou de tristeza quando falei do abandono. Estremeceu de medo quando expliquei a verdadeira origem da cicatriz em minha mão. Ela riu das minhas loucuras inconsequentes e me olhou com compaixão quando tive que tomar decisões difíceis. - Não mencionei nomes (não era pertinente), mas me abrir para ela foi um alívio. Quando expliquei sobre o pouco que sabia sobre os Volturi, ela apenas assentiu, como se não tivesse nada a comentar. Dormiu primeiro do que eu. Pensei em permanecer acordada e vigilante, mas em algum momento o cansaço me venceu.

Enquanto a olhava dormir, o som sutil da grade sendo aberta fez o meu corpo tencionar completamente. Tirei a capa do meu rosto para ver quem era. Felizmente, as velas ainda estavam acesas e eu pude ver a figura parada na porta.

— Sinto muito se eu a assustei, Srta. Isabella. - Aro se dirigiu ao outro beliche e se sentou na cama de baixo. Ele estava sem o seu manto, apenas um suéter marrom e calças pretas e sapatos fechados, também pretos, e o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo. Ainda que estivesse usando um estilo mais casual, sua elegância e leveza permaneciam os mesmos. - Era para eu ter vindo mais cedo, mas a cidade fica um caos neste dia do ano. - Ele sorriu como se estivesse pedindo desculpas. - Vejo que a sua amiga está descansando. - Ele claramente tentava soar cordial, mas seus olhos vermelhos e opacos não ajudavam.

Eu me sentei lentamente para não acordar Natalie, colocando os meus pés no chão gelado. Em nenhum momento tirei os olhos de Aro.

Ele sorriu diante da minha cautela.

— Não estou acostumado a dialogar com vocês, humanos. - Ele parecia pesaroso. - Normalmente, vocês nos descobrem e vêm até nós, pedindo favores. Na verdade, um único favor: ser o que nós somos e se juntar a guarda.

Não pude evitar a careta de repulsa. Era inconcebível pensar que alguém iria querer fazer parte daquilo, daquela matança louca.

— Você acha que nós somos monstros. - afirmou. - Você chamaria um leão de monstro por matar uma zebra?

— Não sei do que eu posso chamá-los. - Minha voz saiu em um sopro.

Seus olhos acinzentados se estreitaram até se tornarem fendas.

— Humanos como você conseguem mentir melhor. - zombou. - E é um alívio que seja tão transparente, Srta. Isabella. Uma pequena compensação pela frustração de me deparar com sua mente muda. - Ele riu. Entretanto, seu rosto ficou sério de novo. - Em nenhum momento vocês duas ficaram sozinhas  aqui embaixo. Vocês podem não ter visto, mas Félix ficou do lado de fora para impedir qualquer tentativa vã de fuga, e para monitorar o estado de saúde de Natalie. Demitri não foi nem um pouco gentil com ela. - suspirou.

A pequena cela, antes fria como um frigorífico, de repente ficou mais gelada.

— O quê?

— E Félix me disse que a senhorita encontrou um dos nossos. E que ele tinha falado sobre nós. Ou melhor dizendo, que você descobriu tudo por si mesma. - Seus olhos transmitiam fascinação. - Diga-me: o que disse para sua amiga foi verdade ou inventou que deduziu os sinais por acaso apenas para encobri-lo?

— Eu não inventei nada. - Meu corpo tremia.

Aro pareceu acreditar em mim.

— Compreendo. - Ele assentiu. - E, desde então, tem mantido o segredo, sem nunca vacilar? Exceto desta vez, é claro! - Aro apontou para minha amiga adormecida.

— Eu não quebrei a minha promessa. - Por mais assustada que estivesse, a acusação dele me deixava irritada também. - Se eu falei a verdade para Natie… é para que ela saiba o que irá matá-la.

Os olhos de Aro piscaram duas vezes.

— Matar? - perguntou, confuso. E depois gargalhou. - Minha querida, ninguém falou sobre tirar a vida de vocês. - Ele soava como um pai carinhoso tendo uma conversa séria com a filha. - Só um tolo desperdiçaria tamanha oportunidade de ouro: você, Isabella, com a sua mente impenetrável, e Natalie com o seu poder de atração avassalador… - Aro estava em êxtase. - Ouso dizer que o universo foi o arquiteto deste encontro tão perfeito.

Minha mente girava. Se ele não estava ali para tirar as nossas vidas…

— Não. - A palavra saiu automaticamente da minha boca, sem que eu pudesse pensar duas vezes antes de dizê-la.

Aro ergueu uma de suas sobrancelhas.

— Eu não fiz nenhuma oferta para ser recusada, minha querida. - ronronou. - Está tão nervosa assim? Já disse: nenhum das duas irá morrer. Não é o meu desejo. - assegurou-me. - Mas, é claro, isso não atenua a minha curiosidade: qual é o nome do vampiro que a abandonou sem ter lhe tornado sua parceira?

Engoli em seco.

— Por que quer saber? - Minha voz falhou no final.

— Curiosidade. - repetiu. - Ele parecia demonstrar afeto genuíno por você, já que não se comportou como incubus e a salvou de um destino cruel. Geralmente, as vítimas não sobrevivem por muito tempo, muito menos saem ilesas. - refletiu. - Um vampiro misericordioso. Não existem muitos assim.

Atrás de mim, Natalie se mexeu. Ainda dormindo, ela gemeu de dor e então relaxou. Deveria estar exausta.

— Mas isso não importa, certo? - murmurou Aro, olhando para Natalie. - Ele já se foi há muito tempo. Talvez nem lembre de você.

Doeu.

— Provavelmente. - concordei.

Aro percebeu que tinha colocado a mão na ferida.

— Não leve para o lado pessoal. - Ele soava cheio de compaixão. - Vampiros se distraem facilmente. Alguns levam séculos para achar alguém com quem valha a pena dividir a existência. Se esta não foi você… bem, paciência.

— Claro. - Meus olhos estavam cheios d'água. Ainda sim, não desviei.

Aro sorriu de novo.

— Corajosa. - Ele parecia aprovar. - Posso fazer a minha oferta, senhorita? - Seu rosto se retorceu, divertindo-se.

Assenti.

— No nosso mundo, os vampiros têm que seguir leis. Leis que garantem a nossa segurança e nossa existência plena. Veja bem, os humanos não têm um predador natural; ou melhor, é o que eles pensam, e é bom que permaneçam assim. O seu antigo amante vive sob estas leis, e ele as violou assim que permitiu que suas deduções fossem confirmadas. Seria meu dever mandar batedores atrás dele, e ainda que eu não pudesse ver a sua mente, haveria outras maneiras de encontrá-lo. Se era um vampiro que convivia entre humanos, com certeza há registros dele em algum lugar. O sistema de informações dos humanos está cada vez mais moderno. Tem sido útil até para nós. - Ele sorria abertamente. - Mas isso seria cruel da minha parte, ferir alguém que você ama tanto. Se quero ter você ao meu lado, é meu dever ganhar a sua confiança, sua lealdade. Então, esta é a minha oferta para você: aceite fazer parte disto, desta casa, e o passado errante de seu amante será esquecido.

Minha mente girava vertiginosamente.

— Isso é chantagem. - arfei. Ele estava ameaçando perseguir Edward, perseguir toda a família dele, e tudo por terem se aberto para mim, se exposto, exposto o mundos dos vampiros.

Aro fez uma careta de desaprovação.

— Não. Isso é uma troca justa.

Estremeci.

— E Natalie? - Segurei outro tremor. - Ela não terá uma oferta?

— Tenho certeza de que, não machucando você, ela irá aceitar de bom grado. - assegurou-me. Ele se levantou do colchão e caminhou até mim. Seus dedos frios e de textura esquisita tocaram o meu rosto. Só após meio segundo foi que percebi que ele tentava ler meus pensamentos de novo. Sua expressão era uma estranha mistura de frustração e alegria. - Marcus pode não ter conseguido ler os seus laços, mas os pensamentos dela não são falsos  com relação a você. Ela a seguirá sempre.

— Está exagerando. - Dei de ombros, tentando me afastar. Não tinha espaço suficiente.

— Conheço mais a mente dos seres pensantes do que imagina, cara Bella. Não deveria me subestimar.



*EDWARD*

O relógio no painel do carro marcava exatamente vinte e três horas e trinta minutos. A estrada noturna estava livre, então pude pisar no acelerador com firmeza. O velocímetro marca 180 km/h e subindo. 

Alice teve outra visão, e eu quase arranquei o volante do pequeno Porsche vermelho: Aro tinha decidido fazer a oferta. Não que elas tivessem muitas alternativas depois do que presenciaram no torreão. Ainda sim, Aro gostava daquela teatralidade. Fazia dele um sádico mais perigoso do que os comuns. Se pudesse associá-lo a um animal, Aro era uma serpente: elegante, formosa e de fala mansa. Mas cruel o suficiente para te derrubar em um único bote. - Não havia uma resposta de Bella. Ela nem cogitava ser tão desejada por Aro.

Depois que alguns minutos já tinham se passado, enfim, vimos a cidade, repousando sobre uma colina antiga.

Vá para leste. Não podemos ficar tão próximos da entrada da cidade, senão vão nos ver. A mente de Alice também estava a mil. E ia e vinha pelo labirinto dos esgotos, tentando descobrir possíveis obstáculos. Aro tinha dispensado o guarda que havia permanecido vigiando a cela em que Bella estava. Queria ter uma conversa franca com ela e esperava uma reação positiva. Mais uma vez, era uma visão incompleta pois dependia da decisão de Bella.

Saí da estrada. O carro derrapou um pouco sobre a terra solta e seca, mas consegui manter o controle da direção. Demos a volta na cidade até onde Alice tinha visto ser seguro e saímos do carro.

— Quase lá…! - cantarolou Alice, beirando a histeria. Porém, ela não falava de nós: Aro estava descendo aos esgotos naquele exato momento, pegando um atalho direto de dentro do castelo. Em menos de cinco minutos estaria com elas.

Subimos e entramos em silêncio. A rua ali estava deserta, exceto por algumas casas em volta, mas ninguém havia notado a nossa presença. Quando coloquei a mão por dentro da abertura do esgoto na calçada indicada, a grade estava trancada, selada por um cadeado antigo. Fechei a minha mão em volta dele, esmagando-o. Depois arrastei a grade e disse para Alice descer primeiro. Ela o fez, aterrissando silenciosamente poucos segundos depois. A descida deveria ter por volta de uns dezoito metros de profundidade. Com a mão esquerda me pendurei em um vão por dentro e usei a direita para colocar a grade de volta no lugar, para não chamar atenção, antes de me soltar na escuridão.

Assim que estava com Alice novamente, ela passou a correr, me guiando para onde ela tinha visto aquela outra abertura, que levava mais para baixo da cidade. Nos mantivemos alertas o tempo inteiro, procurando sinais de movimentação. - O caminho estava livre.

— Para uma cidade que se gaba pela segurança, - ouvi Alice comentar. - invadir não é tão difícil. - Ela parou em frente a abertura. - Outra grade. - E abaixou, rompendo a fechadura e arrastando metal.

Mais uma queda livre, esta de dez metros. Ali também não havia iluminação. Em vez de um esgoto antigo, assemelhava-se a minas antigas, cujo teto, as paredes e o chão eram feitos de pedras maciças de, no mínimo, meia tonelada cada, cortadas e encaixadas cirurgicamente. Vazava um pouco de água pelo teto, mas logo penetrava os vãos no solo, desaparecendo. - O local onde havíamos caído era uma minúscula sala arredondada. Dela saiam dois caminhos, mas nada se podia ouvir ou farejar. Alice virou à nossa direita. Corremos como loucos, mas mantendo o máximo de silêncio. Aro era o único vampiro, além de nós, ali embaixo. Um verdadeiro predador em seu covil: relaxado, sem nenhum sentimento de possível conflito ou de invasão.

Vi quando fizemos a décima quinta curva e uma pequenina luz surgiu. Era a luz que Alice tinha visto em sua visão, o local onde elas estavam presas. Aro estava com elas naquele momento. Eu podia ouvir seus pensamentos. - Eu já tinha olhado Bella mais velha através das visões de Alice, mas vê-la assim, ao vivo, pelos olhos atentos do líder dos Volturi, fez meu coração gélido envolver-se em uma corrente elétrica, como se ele pudesse voltar a pulsar. - Ela estava diferente. Os cabelos estavam maiores, mais escuros. O rosto tinha perdido parte da jovialidade da adolescência. Ela estava mais séria, mais ereta, como se não tivesse mais medo de se posicionar; tinha perdido sua timidez. Somente os seus olhos continuavam os mesmos, aquele doce castanho cor de chocolate, tão expressivos e intensos. Eles transmitiam medo e determinação. Usava um vestido vermelho justo, porém sem exageros e pequenos saltos (se não fosse pelo momento, vê-la usando sapatos assim teria feito eu rir). Bella mantinha uma posição defensiva, com os braços alongados para os lados e as mãos apoiadas no colchão do beliche em que estava sentada, criando uma barreira física entre Aro e sua amiga que dormia atrás de si. - Ela estava linda, mais do que eu poderia suportar. Eu podia sentir o cheiro dela pelos pensamentos deles, e eu fiquei extasiado, não de sede, mas de desejo. Desejando protegê-la e amá-la, ter ela em meus braços outra vez.

Àquela distância eu também já podia sentir os cheiros e ouvir as respirações. Alice estava tensa pela visão que teve assim que descemos pela abertura na rua: a pergunta tinha sido feita (não havia nem mesmo se passado um segundo desde que avistamos a claridade) e uma oferta tinha sido dada: uma troca equivalente. Uma vida pela outra. Alguém havia o alertado sobre a confissão sigilosa de Bella à amiga, e sobre o seu conhecimento acerca do nosso mundo. Aro havia nos ameaçado de perseguição e morte, todos da nossa família. - Aquilo me deixou atordoado por breves segundos, pois sabíamos da possibilidade de não ser um blefe. Uma nova negativa o deixaria furioso. Ele poderia ser bem mesquinho e vingativo quando contrariado (Carlisle nos alertou). Nós impulsionamos para correr mais rápido, mas assim que demos a segunda passada, Alice se conteve, ficando quinze metros para atrás. Eu também paralisei, não sei se pela nova visão de Alice ou pelos berros de dor que se seguiram uma batida de coração depois. Gritos conhecidos que remetiam a uma época cuja linha tênue entre as lembranças sólidas e as encobertas por lama foi traçada para mim e para muitos outros.

Bella havia cedido às ameaças. Com os olhos marejados, ela aceitou o que lhe era imposto. - Meio segundo depois, os gritos se intensificaram. A outra garota havia se juntado a tortura.

Eu não tinha coragem de me mexer. Era uma pedra estática em meio ao chão mole: incapaz de me mover, incapaz de ser movido. Apenas mantive os olhos focados na direção de onde vinha os sons, sentindo cada pedacinho meu que ainda estava inteiro sendo despedaçado por completo.

Aro saiu da cela, prendendo a respiração. Mesmo que estivesse alimentando, o cheiro de sangue era forte demais para ele. Ele temia em matar as duas. Estava de olhos fechados e não nos viu quando fez a curva e parou no início do corredor, na direção da luz das velas. Entretanto, de repente, seus olhos leitosos abriram e eles olharam para nós, assombrados e surpreendidos. Eles se conectaram com os meus, e por mais que nunca tenhamos nos visto na vida, um lampejo de compreensão passou por sua mente. Era pura intuição, mas Aro não era do tipo que ignorava a sua.

Senti Alice me puxar com força, me movendo alguns poucos centímetros. Ela soluçava, em prantos. Estava tendo mais uma visão; nela a escuridão chegava para ela. Aro chamaria seus soldados e eles não seriam misericordiosos. Alice não estava pronta para isso. Ela temia por mim, pela loucura que desencadearia em Jasper, por Bella que sofria da pior maneira, por toda nossa família.

Eu sinto muito, Edward. Precisamos ir embora! Por favor! Não faz isso. Ela me via lutar. Lutar até a morte, também. Nós não podemos fazer nada por ela agora. Por favor, me perdoe. Por favor, vamos embora. Por favor por favor por favor por favor por favor…

Não sei como consegui me mover. Em algum momento meus pés estavam se mexendo, seguindo uma figura baixinha e muito assustada. Sua mente era um turbilhão de possibilidades. Minha mente estava em branco, ausente de pensamentos coerentes. Em meus ouvidos, apenas o eco daqueles gritos.

Alice precisou me empurrar para dentro do carro - Como tínhamos chegado ao carro? - e assumir o volante. Um alarme sonoro soou, mas foi sobreposto pelo som do relógio, cujo os sinos anunciavam a chegada da meia-noite.


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Notas finais do capítulo

E aqui terminamos a primeira fase dessa história.
Sei que alguns ficarão decepcionados, mas decepções fazem parte da vida. Que existência tediosa seria se tudo fosse do nosso jeito "perfeito"...
Enfim, logo teremos continuação (daqui para semana que vem). Não esqueçam de comentar as opiniões (sinceras!) de vocês. Elas são um ótimo incentivo para eu continuar escrevendo.

Muito obrigada pelo apoio de vocês!



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