Invisible Strings escrita por RKVERSO


Capítulo 1
Parte 1


Notas iniciais do capítulo

I used to think I would meet somebody there



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Ele está aqui. Outra vez. Esse belo estranho de cabelo castanho que pareço encontrar com cada vez mais frequência, e apenas aqui. Agora posso me lembrar de todas as vezes que nos encontramos dessa forma, de cada memória formada com ele, todas as tentativas de me lembrar de tudo depois, mas o ciclo se repete outra vez.

Alto, o som do alarme me traz à consciência com agressividade. Sonhei com ele mais uma noite, e mais uma noite não consegui me lembrar do sonho, até quando serei torturada com isso?

No caminho para o trabalho, apesar de o sol brilhar no céu, gotas de chuva marcam o algodão de minha camisa. Não consigo parar de balançar as pernas, impaciente enquanto o motorista faz seu caminho pelo Washington Square Park, passando academia de arte da NYU, finalmente chegando à 7ª Avenida. E depois de uns dois sinais vermelhos e um cheiro de café e de donuts da padaria da esquina, ele faz um pit stop, o que em Nova York claramente significa “não vou estacionar pra você, pode descer aqui”.

Resisto fazer uma parada na popular Tino’s Cheesecake e apresso o passo ao máximo para chegar ao prédio. A pequena empresa onde trabalho fica no mesmo prédio de um museu de design gráfico, o que poderia ser melhor do que isso para servir como sede de uma editora em ascensão?

A secretária me lembra de contatar os escritores mencionado na reunião da semana passada. Mando mensagens para o nome principal, esperando sua resposta para marcar uma entrevista. Bom, é uma entrevista disfarçada de conversa. Como gerente do time de aquisição, time esse composto por um total de quatro pessoas — eu inclusa — sou a responsável por conquistar, atrair e adquirir novos nomes para a casa.

“Tino’s Cheesecake às 14h00?” – a resposta vibra em meu telefone.

Um já foi, só faltam quatro.

#

Entro na cafeteria varrendo o estabelecimento com os olhos, ninguém que pareça estar esperando alguém. Me sentindo totalmente irresponsável por nem ao menos pesquisar o nome do cara online pra ter uma ideia de como se parece, faço meu caminho em direção ao balcão.

1 donut

1 matcha latte – o mesmo de sempre.

O sino da porta anuncia a entrada de mais um cliente, uma espiada e meu corpo paralisa. Os fios castanhos de seu cabelo refletem a luz do sol, deixando-os mais claros ainda. Me viro para frente rapidamente, sentindo minha sanidade escapar pelos meus dedos, mas quando torno a encará-lo seus olhos azuis escuros estão alguns passos mais próximos dos meus. Sua expressão demonstra o mesmo choque que certamente carimba meu rosto, seria possível?

#

— Boa tarde, você... é Mallory Riley? – Tyler questiona, sua voz quase falhando pela surpresa em ver aquele rosto.

— Mallory! – grita um dos baristas, com o pedido da mulher, e quando seu rosto busca a fonte do grito, concede a confirmação de que Tyler precisava.

— Um segundo – Mallory diz, ainda balançada.

Mallory, o rosto tem um nome.

— Gostaria de sentar? – oferece a editora, suas mãos agarradas ao copo para evitar que tremessem, mas isso não impedia sua mente de divagar.

— Eu gostaria sim, obrigado – assim, ambos se sentam, frente a frente. Por quase um minuto inteiro, observam as formas de seus rostos, absorvendo cada detalhe de uma pessoa que pensavam não existir.

— Bom, senhor...?

— Hawkins. Tyler Hawkins – ele acrescenta, parecendo despertar de seu transe.

— Senhor Hawkins – Mallory saboreia o nome em seus lábios, pigarreando em seguida. – Quando vimos as proporções de sua última obra, minha equipe e eu não pudemos deixar de notar sua relevância no mercado.

— Ah, obrigado – sua voz expressa incredulidade.

— Sabemos que se publicar conosco pode consolidar sua carreira, seria seu terceiro best-seller, e como estamos criando um selo infanto-juvenil...

— Me desculpe, eu te conheço?

— Ahm...

— Me desculpe. Eu sinto muito por interromper, mas eu tenho essa impressão de que...

— Quer fazer algum pedido? – Mallory o impede de desenvolver o assunto – Fica por conta da editora, então fique à vontade.

— Claro...ahm... – perplexo, Tyler se levanta e vai até o balcão. Mallory suspira, assim que o vê a uma distância segura.

Ela morde o lábio e belisca o dorso da mão, amedrontada com a possibilidade de não estar distinguindo realidade de sonho.

— Vão entregar o pedido aqui. Você está bem?

— Hm? – Mallory parece retornar à realidade – Ah, sim, só... me distraí, desculpa.

— Eu acompanho o trabalho da sua editora, e fico lisonjeado pela procura de vocês, de verdade. Mas não consigo ver meu trabalho com vocês, não sei se combina.

— Sim, foi o que pensei, o nosso público normalmente é outro. Mas queremos incluir o seu público na carteira de clientes, e digamos que você seria nossa carta na manga. Sabíamos que não toparia publicar com a editora, por isso criamos um selo, especialmente para seus trabalhos.

— Parece interessante – responde Tyler, enquanto seu pedido é entregue a ele.

— Podemos falar de números mais tarde, o que quero é tirar suas dúvidas, e resolver qualquer possível impedimento, para que possamos fechar contrato. Sr. Hawkins...

— Tyler. Por favor, me chame de Tyler.

— Tyler. Eu acredito fortemente, com o meu conhecimento de mercado, que você vai ser um dos nomes principais da casa. Se pensar um pouco no assunto, vai chegar à mesma conclusão.

— Qual é a pegadinha? – Tyler está quase convencido de que aquilo é um sonho, mais ainda pelo fato de Mallory estar sentada em sua frente.

— Precisamos que escreva algo novo. Sua voz é única, suas mensagens são extremamente bem aceitas pelo público, desde os pais até as crianças. Mas achamos que com uma ambientação contemporânea, as crianças se identificariam mais com as suas histórias.

— É o seguinte... Mallory, certo? – ele finge ter esquecido o nome do rosto de seus sonhos. Ela assente, tensa – Eu vou pensar no que vi hoj- no que ouvi hoje, quero dizer. Posso te dar uma resposta mais tarde.

— Claro, eu vou te dar tempo pra pensar – ela se levanta, e vai até o balcão, fechando a conta de ambos.

Ele a observa à distância, encantado por tudo nela. Seus olhos, sua voz, seu cabelo, parece tão real. É tão real, que só pode ser verdade!

— Quando precisar falar comigo, já tem o meu número. Obrigada por me encontrar aqui Sr. Hawkins.

— Tchau, Mallory – responde reflexivo, enquanto a mulher de seus sonhos sai em direção à porta.

#

O que quer que estivesse sonhando antes, não tenho a mínima ideia do que seja agora, um som persistente e grave me chama. É como um instrumento, como um violoncelo ao pé do meu ouvido.

De volta à realidade, abro os olhos, ouvido o som de meu celular tocando. Não é um despertador, porque não é um piano, é um violoncelo. Mas quem me ligaria no meio da madrugada? E será que já é madrugada?

02h22

É definitivamente madrugada, mas a minha confusão só aumenta ao ler o nome de Tyler Hawkins no identificador de chamadas. Ele.

“Mallory” – sua voz é quase como um sussurro do outro lado da linha.

“Tyler” – ecoo.

“Eu sonhei com você” – e finalmente, aí está. Em poucos segundos, quatro palavras simples conseguem trazer alívio à sua mente. Talvez seus sonhos não configurem loucura no fim das contas.

“Tyler” – eu começo, no que ele parece pensar que seja um protesto, porque antes que eu possa elaborar qualquer coisa ele pergunta.

“Você se lembra do 11 de setembro?”

“Sim, mas...”

“Eu estava lá” – há uma pausa, que eu não tento preencher porque o que eu suspeito que ele tenha passado merece uma pausa. Merece diversas pausas, na verdade, de quanto tempo ele achar que precisa. – “Eu estava deixando o prédio, quando... aconteceu. Enquanto eu estava soterrado, aguardando socorro, eu vi você. Nos meus sonhos eu te vi. Eram seus olhos, esse mesmo cabelo, o mesmo desenho da boca. Eu sei que era você”

O tom de Tyler mudou de assombrado para algo parecido com obstinação. Ele estava disposto a lutar por aquilo, a insistir naquela ideia até que eu entendesse que era possível, porque aconteceu com ele. Acontece, comigo. Então digo a única coisa que gostaria de ouvir em seu lugar.

“Eu acredito em você”

“O quê?”

“Eu acredito em você, Tyler Hawkins. Vamos nos encontrar”

“Ahm... Quando?”

“Agora mesmo”

“Onde?”

“Você conhece o Chumley’s?”

“Tá brincando? Eu sou escritor!” – responde em um tom doce de ironia, o que me faz sentir um dejavu, como se eu já tivesse observado que sarcasmo soa gentil na voz dele, como se de fato essa fosse uma das minhas coisas favoritas em Tyler Hawkins.

#

Não posso evitar. Quando minha mente não consegue processar o que meus olhos estão me mostrando, minhas mãos precisam tocá-lo. As mãos de Tyler parecem se atrair às minhas, como algo magnético, assim como um mesmo magnetismo direciona nossos olhares um ao outro.

─ Sabe... – eu começo, fechando os olhos, sentindo seu toque pela primeira vez – Há três anos atrás eu fui infectada...

─ COVID? – questiona, um certo cuidado tardio toma sua voz.

─ Sou uma das sobreviventes. Eu passei uma semana em coma induzido, me agarrando à vida com o maior afinco que pude, mas nos breves momentos em que eu não sabia distinguir se estava viva ou morta, era você que eu via – revelo, elevando o olhar para encontrar a reação em seu rosto.

─ Ah... Mallory – ele sussurra, como se o som de meu nome trouxesse conforto à ele.

Talvez a mesma sensação que eu sinto, algo que não sabemos nomear, mas grita dentro de nós, clamando um pelo outro. A sensação de conhecer alguém que não conhece, de reencontrar algo que nunca perdeu, reviver uma situação nunca antes vivida.

Tyler Hawkins é real, e eu me lembro do nome, me lembro do som de sua voz, de seu sarcasmo doce e da forma como ele me toca.

─ O que isso significa?

─ Nunca saberemos... – ele responde, e assim que as palavras saem de sua boca eu sei que são tão certas como o frio no inverno.

─ Você... quer entrar ou...? – ofereço, e só agora ele parece se dar conta de há quanto tempo estamos conversando do lado de fora do restaurante.

O Chumley’s é um restaurante histórico, que está em NYC a décadas. Um daqueles lugares onde escritores não publicados recitam suas poesias, leem seus contos e trechos de seus livros.

Quando deixamos o frio vento da madrugada nova iorquina, a primeira coisa que Tyler faz é admirar as paredes. Já encontrei muitos escritores aqui, era onde eles queriam fechar seus contratos, e quando seus livros eram publicados, a parede da qual Tyler não tira os olhos, era onde eles pregavam as capas de suas primeiras obras.

Reconheço a capa de um de seus primeiros livros: O menino que não aprendeu a brincar. Era sobre um menino que vivia sozinho em seu enorme planeta, e nunca teve contato com outra criança, com nada diferente. A real mensagem do livro é sobre respeitar a individualidade de cada pessoa, foi o livro que fez com que a editora soubesse da existência dele.

─ Vamos sentar ali – ele afirma, apontando para a mesa de dois lugares próxima à capa de seu livro.

O relógio em seu pulso marcava 5h45, provavelmente o sol já nasce porta a fora. E esse foi o começo do dia em que de fato conheci Tyler Hawkins.


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Notas finais do capítulo

PARTE 2 EM BREVE!



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