Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 20
Situações


Notas iniciais do capítulo

Sinto muitíssimo pela demora por esse capítulo. Espero que me perdoem :(
Não desisti da história. Pelo contrário, estou trabalhando muito mais nela do que antes, mas guiar Elaine tem sido difícil. Espero que gostem desse capítulo e semana que vem tem mais, eu prometo.



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— Entenda, Elaine. As pessoas de Blindwood possuem culpa. Elas não são boas pessoas. Elas são o reverso de tudo que você pensa, e isso é pela religião. Diga-me se, no fim, somos culpados, unicamente por seguir o que nos é mostrado como certo? Se você crescesse aqui, entenderia... Esse é um lugar amaldiçoado como você vê e algumas pessoas daqui ainda levam isso como se fosse normal. Tudo que há aqui é o nosso mundo que o que há lá fora é errado. É como se tudo que é o contrário do que existe aqui seja errado. Aquele ser no parque... Ele é daqui, mas decerto que ele nos mataria se tivesse a chance. Veja, você não acha isso estranho? E pensar que algumas pessoas simplesmente morreriam ali por vontade própria, apenas porque isso é o "normal". Se entregariam, apenas porque para elas isso é certo! Essas pessoas são cegas, Elaine. Eu cresci aqui, mas de alguma forma, não me conformo com isso.
— E o que podemos fazer quanto a isso? Digo, não sei ao certo os planos da religião, mas deixar esses seres assim... Já vi alguns deles e sei como são perigosos, como causam o terror. Não acredito que uma pessoa em sã consciência poderia não temer um ser desses.
— Eles não o temem porque estão do mesmo lado. Se eles te protegessem você os sonegaria dessa forma, apenas pela aparência medonha?
Elaine entendeu o que Marco quis dizer. Como alguém de fora, aquele ser lhe causava medo, mas para o padrão daquele lugar ele era algo natural.
Ela precisava descobrir quais são os reais objetivos da religião; quais são os seus planos e além disso, precisa ir atrás de Sarah. Elaine explicou para Marco que Bove está na outra dimensão e estava certa disso pelo espelho quebrado e o sangue no mesmo. Devem ter obrigado a garota a fazer o pequeno ritual para ir até lá. Elaine não sabia muito sobre as regras, mas foi exatamente o que ela fez quando foi: encostou seu sangue no espelho e então foi para aquela dimensão.
Agora ela poderia ir pra lá quando quisesse, como haviam lhe falado, mas não sabia em relação a Marco e tinha medo de o abandonar daquele lado sozinho, onde talvez ele não pudesse se cuidar.
Embora parecesse loucura, mas a única opção, Elaine decidiu que precisava da ajuda de Maria ou do Escrivão. Ao menos de alguém que conhecesse o local.
Ela tinha medo de voltar para a outra dimensão e não saber para onde ir, ou pior, encontrar o Ceifador novamente.
Ir para aquele lugar significaria levar Marco consigo e ela tinha medo de, sem perceber, o largar ali.
De toda forma, Elaine sabia que estava próxima do fim, pois mais do que nunca, agora, a religião estava se movendo mais depressa e saindo das sombras. O sequestro de Sarah Bove não poderia ser atoa e ela temia que algo acontecesse se não ajudasse sua amiga.
Na realidade, mais afundo, Elaine sentia que se não fosse atrás disso nesse momento, todos em Blindwood correriam um grande perigo. Ela sentia algo dentro de si formigar; talvez fosse a adrenalina de apenas imaginar as situações seguintes.
Elaine decidiu que iria até a igreja junto de Marco, mas não poderia ser nesse mundo.
Eles não tinham outra alternativa, então Elaine foi até o banheiro junto de Marco.
— Está se vendo no espelho? O que você vê? Marco, olhe para si! Seu reflexo não lhe assusta? O que você está vendo?
— Meu reflexo sempre me assusta. Às vezes tenho a impressão de que ele não está refletido corretamente, como se não estivesse da maneira certa.
— Se ele está dessa forma agora, concentre-se em ir para o desconhecido e encoste sua mão na de seu reflexo.
Marco escutou as palavras e estranhou um pouco a situação, mas continuou encarando seu reflexo, até que cautelosamente levou sua mão até a do espelho sujo, mas nada ocorreu.
Com o incentivo de Elaine ele tentou novamente, mas nada ocorreu outra vez.
— Elaine, isso está certo?
Elaine balançou a cabeça positivamente e Marco continuou encarando seu reflexo no espelho antes de tentar novamente.
— Veja, e esse sangue que há no espelho? Ele não é necessário?
— Quando fui, não precisei sangrar. Na realidade meu dedo sangrou no momento em que encostei no reflexo. No momento senti uma grande dor, mas logo eu estava do outro lado.
Elaine encostou a mão no ombro de Marco para o consolar. O homem então pegou o canivete que usou para abrir a porta de Sarah Bove e fez um pequeno corte na ponta de seu dedo indicador, encostando-o em seu reflexo e fechando os olhos, mas novamente nada aconteceu.
— Elaine, isso não está funcionando!
Marco retirou o dedo do espelho e se virou abrindo os olhos.
— Veja, tudo está como antes.
Mas quando se virou para o espelho, o que o homem viu foi seu reflexo no espelho de costas para ele, além disso, o espelho estava inteiro, mas no segundo seguinte havia se partido novamente.
Marco deu um passo para trás, assustado, e notou que Elaine não estava ao seu lado como antes. Ele caminhou até o quarto e voltou para o banheiro, então de repente Elaine apareceu.
— Marco! Você conseguiu! Não sei se devo dizer isso, mas bem-vindo ao outro lado.
Os dois saíram do Chariotte em um completo silêncio, mas havia algo diferente da primeira vez que Elaine esteve daquele lado.
As paredes do hotel estavam mofadas, descascadas e o ar fedia, além de parecer mais pesado do que o normal.
As ruas estavam escuras.
Estava de noite e a neblina estava densa o bastante para não conseguir enxergar quase nada a sua frente.
Os dois caminhavam sem saber bem para onde estavam indo, até que deram de frente com um muro de uma rua sem saída. Eles estavam no lugar errado.
Elaine escutou o chiado estranho que já havia escutado outras vezes e Marco também o ouviu. Ela disse para ele que aquilo era como o aviso de um ser maligno próximo, então eles precisavam sair dali rapidamente.
Elaine seguia Marco pelas ruas, já que ele conhecia mais aquele lugar do que ela, até que conseguiram ver as torres da igreja. Elaine queria ir até o escritório do Escrivão, mas quando chegarem próximos do lugar, avistaram duas silhuetas iguais que caminhavam a passos tortos na direção daqueles dois a pouco. Eram dois daquele ser com ataduras, que havia tentado vomitar em Elaine.
O mais próximo de Marco se preparou para vomitar no homem, mas Elaine o avisou antecipadamente, assim ele conseguiu se esquivar daquilo.
— O que é isso?!
Os dois seres caminhavam na direção de cada um deles com seus passos tortos e os corpos balançando na direção do humano a sua frente, como se tivessem escolhido os seus alvos.
Dado a posição, era impossível chegar ao cômodo da igreja sem passar por aqueles seres desagradáveis, então não havia outra escolha.
Eles estavam naquele lugar como se estivessem bloqueando propositalmente a entrada para aquele cômodo, mas Elaine sabia que isso não era possível, pois pensava que os seres não eram tão racionais como pareciam ser.
O primeiro ser se abaixou e correu na direção de Elaine, com o intuito de dar uma cabeçada na mesma, mas acabou passando ao seu lado após uma simples esquiva da mulher.
— Elaine, cuidado!
O segundo ser pulou na direção de Elaine e a derrubou no chão. Após ela cair, ele subiu em cima dela e tremia enquanto parecia encarar ela; ele iria vomitar.
O ataque foi impedido por Marco, que deu um gancho forte de direita no rosto do ser, fazendo com que ele saísse de cima de Elaine.
Marco completou sua sequência com mais dois socos fortes. A cada golpe disparado pelo homem, o monstro dava um passo para trás e continuava tremendo. As laterais de seu corpo se mexiam fazendo um volume que logo sumia rapidamente, como se ali estivessem os braços do ser e ele desesperadamente tentasse se livrar das ataduras, que pareciam elásticas e fortes, dadas as tentativas desesperadas de se livrar daquilo.
Após o último golpe recebido, o monstro urrou de raiva e pulou em cima de Marco, grudando no homem e o agarrando com suas pernas.
Marco tentou usar suas mãos para fazer com que o monstro o soltasse, mas ele continuava apertando seu corpo enquanto gritava e se balançava histericamente.
Marco conseguia ver bem seus olhos costurados e sua pele que parecia carbonizada. Ele conseguiu pegar parte das ataduras do corpo do monstro e tentou puxá-las, mas parecia que as mesmas estavam grudadas no corpo do ser. Quando conseguiu puxar um pouco daquilo, Marco conseguiu ver a pele enrugada do ser e a ação parecia ter machucado o mesmo. Ele tentou morder Marco, que empurrava sua cabeça violentamente para o afastar.
Elaine acertou a cabeça do ser com uma pedra duas vezes para tentar atordoá-lo um pouco e teve sucesso nisso, pois após, ela puxou o mesmo e ele soltou Marco, caindo no chão.
Marco pisou violentamente na barriga do ser, que urrou de dor, então pegou o canivete que ainda carregava e esfaqueou aquele monstro três vezes no peito até que ele parou de se mover.
Embora fosse perigoso, ele era lento e estava debilitado por não possuir braços, ainda assim era muito perigoso.
Distraído, Marco foi atingido nas costas pelo outro ser, que lhe deu uma forte cabeçada, fazendo com que ele caísse no chão, e assim o homem acabou soltando o canivete que segurava.
O monstro gritou de raiva e caiu em cima de Marco, tremendo como o primeiro estava fazendo.
Elaine pegou o canivete no chão e esfaqueou as costas do ser, que parecia não se importar.
— Puxe suas ataduras! – gritou Marco, que usava suas mãos para afastar o rosto daquele ser de perto de si.
O ser estava babando e aquilo queimou as mãos de Marco, que estava sofrendo.
Elaine usou o canivete para rasgar parte da atadura da cabeça daquele ser e as puxou violentamente.
As ataduras desgrudaram de sua cabeça e saíram um pouco como Elaine planejou, e assim ela conseguiu ver um pouco da cabeça queimada daquele monstro horrendo, que urrava enquanto as ataduras eram puxadas.
Ele se virou para Elaine, e isso foi o bastante para que Marco, em um acesso de raiva, afastasse aquele ser e se levantasse, usando toda sua força para o chutar, fazendo com que ele caísse próximo do primeiro.
Marco chutou aquele ser e pisou em seu corpo com a ajuda de Elaine. O ser continuava se contorcendo e tremendo, até que Marco começou a pisar em sua cabeça até aquilo parar de se mover, deixando uma pequena poça de um sangue muito escuro.
Quando tudo terminou e o que restou foi unicamente o silêncio, Marco e Elaine conseguiram ver mais de perto o corpo daqueles dois monstros que estavam inconscientes, talvez até mesmo mortos.
— O que era isso? – Elaine perguntou.
— Eles não possuem nome, apenas são o que são.
— Você já havia enfrentado um antes?
— Sempre fugi deles... Hoje não temos escolha, precisamos enfrentar o que for preciso quando temos algo pelo que lutar. Tenho você comigo, e queremos chegar até Sarah Bove, então precisamos lutar.
— Tem razão... Você está bem? – Elaine se referia as mãos de Marco.
— Sim, estou. – Marco movimentou suas mãos abrindo e fechando as mesmas enquanto sentia um pouco das dores de antes. Suas mãos estavam um pouco queimadas, mas não era algo impossível de aguentar.
Os dois seres novamente começaram a tremer e pareceram entrar no chão ao mesmo tempo em que iam desaparecendo, deixando apenas um rastro de algo escuro como o sangue deles no chão.
Logo os dois se resumiram a apenas manchas no chão, frente Marco e Elaine.
Os seres estavam mortos e desapareceram, virando cinzas.
Após respirar um pouco, Elaine não conseguia deixar de pensar sobre como acabou de presenciar um Marco mais violento do que o normal. Talvez até mesmo uma parte assassina do homem, como se ele tivesse sentido prazer em matar aqueles seres; como se para ele, aquilo não fosse uma coisa ruim, mas ela nada disse sobre isso.
— Elaine, tem certeza de que devemos entrar neste cômodo?
— Marco, apenas quero ver se a passagem ainda está liberada. Se o que o Escrivão me disse é verdade, então ele tem total consciência de tudo que está acontecendo. Ele sabe como as coisas são, Marco, e por isso deve saber o que estão querendo fazer com Sarah.
Mas a porta para aquele cômodo estava trancada e não havia um jeito de destrancá-la ou derrubar a mesma, isso chamaria muita atenção.
Infelizmente para Elaine, não havia outra alternativa a não ser entrar na igreja pela porta da frente. Enquanto subiam os degraus, novamente escutaram o chiado e temeram o que estava vindo, mas uma voz familiar chamou a atenção.
— Faça isso, sua idiota. Entre no território inimigo agora.
Era Maria.
— Maria, o que faz aqui?
— Estou salvando a sua vida, ao que parece. A dos dois, na verdade. Vocês entrarão na igreja? E depois?
— Precisamos salvar Sarah! – Marco respondeu.
— Vocês irão, mas não entrando aí. Me diga, Marco, já viu esses daí fazerem algo rapidamente dessa forma? Acho que raptar a garota foi a coisa mais fora do padrão que eles estavam seguindo nos últimos anos. Eles agem pelas sombras, não é mesmo? Se estamos corretos, então eles não irão fazer nada com Sarah agora; não é o momento ideal. Veja, está de noite e estamos desse lado... Eles irão aparecer logo, então por favor, vamos voltar.
Maria tinha razão. Os monstros poderiam aparecer a qualquer momento, ainda mais nessa dimensão. O mais sensato seria escutar as palavras da garota e sair daquele local.
Elaine disse que seu plano era ver o Escrivão novamente, mas Maria a repreendeu, dizendo que se a porta estava fechada, ela não deveria tentar entrar de outra forma.
O chiado novamente ecoou pelo local e os três decidiram voltar para o Chariotte antes que aparecessem mais monstros. A mão de Marco ainda estava machucada.
Elaine questionou sobre a delegacia, mas Marco disse que eles nada iriam fazer diante da religião. O máximo que poderiam fazer seria prender Elaine ou avisar a religião sobre ela, já que ela que comanda o vale. Eles não tinham muito o que fazer agora.
Assim que Elaine se virou e deu o primeiro passo para sair de perto da igreja, algo mudou.
De repente, ela estava sozinha. Marco e Maria não estavam mais com ela.
A neblina não estava tão densa e não era mais noite. De toda forma, Elaine estava completamente sozinha. Ela procurou pelos dois companheiros mas eles realmente haviam sumido; ela não entendia o que estava acontecendo.
Elaine escutou o som de passos e pelo caminhar, sabia que se tratava de mais monstros vindo em sua direção. Além disso, havia algo a mais, a rua estava mais escura do que o normal e estava suja também.
Elaine correu dali em direção a uma rua próxima para procurar por algum lugar para se esconder, mas nada encontrou a não ser uma marcenaria antiga e abandonada, mas que não estava com a porta trancada.
Para fugir dos monstros, Elaine entrou ali.
A mulher caminhava lentamente, com medo de encontrar algo ou alguém de quem não pudesse se defender, pois agora estava completamente sozinha. Não estava nem ao menos com seu celular para iluminar o local. Nem mesmo a lanterna que havia ganho estava consigo; ela não possuía nada em mãos.
Tudo que iluminava aquele lugar era o pouco de luz que passava pelas tábuas de madeira que estavam na janela, mas que impediam a visualização do que estava do outro lado.
As prateleiras da marcenaria estavam vazias e o pouco que ainda havia por ali estava estragado. As geladeiras e frigoríficos estavam desligados e havia um cartaz estranho na parede, com uma espécie de criança de ponta cabeça e sorrindo, com a mensagem "veja pelo outro lado".
Elaine continuava caminhando naquele lugar tentando chegar ao balcão, que ficava do outro lado do estabelecimento, procurando por algo que pudesse usar como arma. Ela nunca foi de brigar, mas sabia que agora não havia opção, ao menos não contra essas coisas. Ela precisava se defender. Se isso já foi humano ou não, estavam tentando matá-la, e ela precisava se defender disso.
Elaine caminhava carregando consigo uma lata de ervilhas que havia encontrado na segunda prateleira pela qual passou e torcia para não encontrar nada em que precisasse usar aquilo.
Ela caminhou até o balcão e conseguiu passar por ele. Ali, encontrou algo melhor que as ervilhas, era um pequeno pedaço de madeira com um laço vermelho amarrado em uma de suas pontas; essas eram suas novas armas: um pedaço de madeira e ervilhas.
Ela voltou a caminhar fazendo o caminho contrário para sair daquele lugar, já que não havia mais nada de importante, mas foi interrompida.
No terceiro corredor, entre duas prateleiras, algo surgiu das sombras.
Talvez aquilo já estava ali antes e ela simplesmente não havia percebido, mas agora não havia como não notar.
Havia um homem no local, mas ele ainda não havia visto Elaine. A escuridão do local ajudava nisso.
Elaine conseguiu ver através das prateleiras como ele era gordo e estava sem camiseta. Sua pele parecia pegajosa e estava marcada por muitas cicatrizes, além disso, sua cabeça, principalmente na parte da mandíbula, possuía um formato esquisito.
Elaine arremessou a lata de ervilhas por cima da prateleira, na direção do balcão do caixa. O barulho ecoou pelo estabelecimento e aquele ser foi atraído para sua origem, correndo para lá. Elaine aproveitou a situação para sair daquele local, mas antes de fechar a porta, conseguiu escutar o som daquele ser quebrando o caixa.
Desespero. Foi o que ela sentiu nesse momento.
Quando saiu da mercearia, Elaine se sentia desnorteada, sem saber ao certo para onde deveria ir agora. Ao menos ela tinha algo para usar como arma caso algum ser aparecesse próximo dela.
O chiado ainda era presente.
Elaine avistou uma pequena silhueta, que era bem diferente de todos aqueles monstros e demônios de Blindwood.
Enquanto caminhava atrás desta, sorrateiramente duas silhuetas se aproximavam de Elaine. Eram mais daqueles seres que ela havia enfrentado junto de Marco.
Elaine pensou que não poderia enfrentá-los sozinha, então decidiu correr atrás daquela silhueta, que acabou entrando em um beco próximo dali. Para a surpresa de Elaine, havia uma grade no final deste, que a impedia de passar para a próxima rua, e a dona da silhueta não estava ali. Não havia como ela voltar, pois os dois monstros já estavam se aproximando dela com seus passos tortos e lentos, mas Elaine percebeu que sua única saída seria uma das duas portas que haviam naquele beco, uma em cada extremidade deste.
A da esquerda estava trancada, mas a da direita se abriu, revelando para Elaine uma dispensa onde, após atravessar a mesma, a mulher se viu nos fundos de uma espécie de açougue que parecia abandonado. Havia alguma carne podre ali e seu cheiro estava impregnado no ar daquele local. Elaine quis sair dali rapidamente, mas antes de encontrar a saída, encontrou algo que talvez pudesse lhe ser útil. Após atravessar a porta e ir para a parte principal do local, além do balcão, havia uma pequena vitrine com um pedaço de carne pendurado. Essa era a carne podre, e havia uma pequena faca espetada na mesma.
O chão desse lugar estava completamente sujo e haviam muitas moscas ali. O lugar inteiro fedia e esse era um dos poucos lugares onde as portas e janelas não estavam cobertos por tábuas de madeiras, assim Elaine conseguia ver bem o lado de fora. As duas janelas, que estavam uma de cada lado da porta, eram grandes como se fosse uma parede de vidro, e através da do lado direito, era possível ver um daqueles monstros parado, mas este ainda não havia visto Elaine.
Ela respirou fundo e pensou que não deveria fazer movimentos muito bruscos. O nojo que sentia era grande de forma em que foi necessário usar a mão para tampar o nariz, para assim tentar impedir aquele cheiro, mas de nada adiantava. Só assim ela conseguiu se aproximar daquele pedaço de carne, mas a força de apenas uma mão não foi o bastante para retirar a faca dali.
Elaine hesitava pois além do cheiro, também haviam as moscas, elas eram muitas. Ela sentia nojo daquilo.
Para acabar com tudo rápido, ela usou as duas mãos para puxar e teve êxito. Aquela carne estava tão podre que, assim que a faca foi retirada, um pedaço da mesma se definhou e caiu no chão, fazendo com que as moscas saíssem dali aos montes. Agora o cheiro parecia ainda mais forte e Elaine se segurou muito para não vomitar.
Quando conseguiu sair de perto daquilo, Elaine levou um susto. O monstro que estava do lado de fora se jogou contra a janela e quebrou o vidro, caindo dentro daquele lugar. Elaine quase gritou.
Rapidamente o ser se levantou. Seu corpo estava cheio de cortes e sangrava, mas ele se pôs de pé, indo na direção da vitrine, onde Elaine estava.
Ela se afastou dali e foi na direção do balcão, se abaixando no mesmo e segurando a faca de uma forma que pudesse se defender, mas logo percebeu que o monstro não estava atrás dela.
Aquele ser deu cabeçadas e empurrões na vitrine tentando quebrar a mesma, mas não conseguiu nada além de um pequeno trincado. Ele continuou insistindo enquanto Elaine assistia, imóvel, o ser tendo êxito em quebrar aquele vidro sem se importar com os machucados e cortes, e atravessar o mesmo, caindo em cima daquele pedaço de carne e comendo aquilo de uma maneira selvagem. Desde o começo, aquele ser não havia notado Elaine. Ele apenas queria a carne podre.
Elaine aproveitou a chance para sair dali, mas dessa vez ela não aguentou e acabou vomitando assim que se viu livre daquele lugar. Após isso, ela se apressou para sair dali o mais depressa possível, seguindo aquela rua que, para ela, não tinha nada de diferente de todas as outras pelas quais ela já havia passado.
Sorrateiramente um caminho se fez em meio a névoa, como se convidasse Elaine para o seguir. A princípio ela hesitou, mas logo seguiu até que viu novamente aquela silhueta pequena e dessa vez teve uma certeza: Era uma criança.
Elaine a seguiu, pensando ser Maria, e até mesmo chamou pela garota. Mas quando escutou o chamado, a silhueta se assustou e correu, tentando fugir, enquanto Elaine continuava perseguindo-a, até que atravessou uma pequena cerca e chegou em um pequeno campo com algumas árvores pequenas.
Ela tentava olhar em volta mas isso não era possível, pois a neblina era muito densa.
Ao contrário de todo o tempo que passou nesse vale, dessa vez ela não sentia como se estivesse sendo perseguida; ela não sentia a adrenalina da perseguição. Na realidade, Elaine não sentia nada além de uma paz que poderia ser ameaçada a qualquer momento por um daqueles seres de Blindwood. Ela sabia que eles poderiam aparecer a qualquer momento, mas enquanto isso não acontecia, ela se sentia em paz, como se estivesse no céu. Em um céu silencioso.
Elaine caminhou por aquele campo até que começou a escutar passos que seguiam o som dos seus, mas quando parava de se mover, aqueles passos também cessavam. Ela conseguiu discernir o som dos passos em alguns seres que estavam ali. Ela não conseguia saber com precisão quantos eram, mas seguia lentamente, se esgueirando com medo de que, a qualquer momento, um deles pulasse em cima dela.
Quando chegou próxima de uma árvore daquele campo, uma voz ecoou, vindo de suas costas.
— Pare! – Ela dizia. Era uma voz feminina, mas não era Maria.


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