Lua Negra - EPOV de Lua Nova escrita por rkpattinson


Capítulo 6
Capítulo 5 - Lacunas


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem voltou com mais um capítulo?!
Vocês são incríveis, obrigada por tudo!



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PELA SEGUNDA VEZ NA VIDA, MORRI.

Senti cada membro, órgão e tecido do meu corpo doer. A cada passo que dava na direção oposta ao local que a deixei, sentia a linha invisível que estávamos amarrados a me puxar. 

 

Tinha certeza que a qualquer momento eu seria rasgado ao meio. Dilacerado sem piedade. Pensei que o fogo queimaria de dentro para fora se continuasse olhando para ela. Me enganei. Ele estava aqui, crescendo e crescendo, imortal. O destino não o deixaria morrer. Queria ser apenas pedaços jogados no meio da floresta. Não ligaria se me pusessem em uma fogueira. Um fogo externo doeria menor. Não importava mais. 

 

Eu era nada

 

Quando já estava distante o suficiente, dei meia volta e corri sentido a casa de Bella. 

Não fazia nem três minutos que a deixara e parecia uma eternidade. Quem sabe como será daqui uma hora, um dia, um mês… anos. Balancei a cabeça violentamente, tentando esquecer aquela previsão. Sim, seria meu futuro e eu não precisaria de poderes para adivinhar. 

 

Passando ao lado de onde ela estava, no meio das árvores — silenciosa —, Bella permanecia em pé. Estática. O peito subia e descia em uma velocidade que nunca vi antes. Desviei os olhos dela e acelerei. Ela voltaria logo para casa. Estava logo atrás dela. Tudo ficaria bem. 

 

Escalei a árvore ao lado da janela do quarto dela. Prometi que essa seria a última vez. Um monstro condenado a um purgatório constante. 

 

Penetrei o calor do quarto, memorizando todas caraterísticas. A cor das paredes, a textura do piso, a cama gentilmente organizada, os livros sobrepostos na mesa ao lado da cabeceira, o casaco jogado na cadeira, a câmera desligada sob a mesa e, no chão, o álbum de fotos.

 

Abri o álbum, deparando-me com as lembranças de Bella. Eu estava na primeira página. Pálido, alheio à toda confusão que provocaria. Logo abaixo, a legenda marcava o dia que merecia a melhor das comemorações e não teve. 

 

Suspirei. 

 

Desfrutei do cheiro do xampu de morango que invadiu meu nariz, despropositadamente. E, aos poucos, com cautela, desloquei a foto presa por cantoneiras de metal. Precisava ser como se eu não existisse, repeti mentalmente.

 

Assim como essa, tirei todas as fotos que estava presente, apagando qualquer lembrança do meu rosto. Algumas tinham legendas longas, outras apenas datas e meu nome. Estava enojado quando terminei de folhear o álbum. Como Bella podia um dia ter me amado? Minha imagem era… sem vida. Um completo antônimo de vitalidade. Minha frieza fugia das dimensões da fotografia. 

 

Coloquei o álbum no mesmo lugar de antes e continuei a andar pelo quarto. Recolhi o CD que dei a Bella de dentro do CD play. Antes de terminar, abri as gavetas e agendas — sem me atentar ao que tinha escrito ali — à procura da passagem. Me senti sujo por invadir sua privacidade. Queria que Bella visitasse sua mãe, sabia que a faria bem. Mas viajar sozinha, com duas passagens em mãos, não parecia uma boa forma de me esquecer. Essa seria uma viagem para nós dois. Não iria mais me meter. 

 

Tirei as fotos do bolso da calça, unindo-as ao que roubei do quarto de Bella. Queria jogar tudo fora, assim como a roupa que eu vestia — carregada do cheiro dela — ou minhas próprias memórias. Sentia-me um lixo. Um traidor. Uma farsa. Seria a única vez fazendo algo certo. Dessa vez eu teria palavra e coragem suficiente para nunca voltar e não ser o mentiroso que estava sendo. Mas, de uma forma ou de outra, também queria manter Bella comigo. Queria deixar com ela uma parte de mim. 

 

Trilhei todos possíveis lugares para esconder as lembranças. Nada foi o bastante. Precisava estar aqui, bem ao lado dela. Pelo tempo que ela decidisse ficar, eu estaria aqui de alguma forma. 

 

Todas as vezes que entrei no quarto de Bella, notei certas partes do piso em falso. Nada perigoso, a madeira apenas havia começado a soltar. Sabia que aquela era a mesma casa em que Bella nasceu e não parecia ter passado por grandes reformas. 

 

Ao andar, fazia um barulho baixo demais para humanos e inevitável para coisas como eu. Passava despercebido, praticamente não existia. Estava aqui em algum lugar. Andei rapidamente, de um lado para o outro, até ouvir um crac sutil abaixo dos pés. Esse seria nosso abrigo.

 

Abaixei-me, apoiando um dos joelhos no chão. Cutuquei a peça de madeira que ameaçava saltar no piso. Com um pouco de precisão, ainda sem deixar marcas, levantei o assoalho que procurava. Logo abaixo existia apenas poeira e escuridão. Enfiei nossas coisas e encaixei a madeira de volta. Levantei para olhar. Parecia igualmente plano. Só eu saberia do esconderijo, só eu saberia o conteúdo escondido. De alguma forma, ela também me teria por perto.

 

Esperava que Bella nunca achasse isso. Quem sabe seus netos ao visitarem a casa, um dia no futuro, encontrassem e ela não lembrasse do meu nome.

 

Apressadamente, peguei uma folha sem linhas na escrivaninha. Escrevi um bilhete objetivo para Charlie. Dei a ele a localização exata de onde deixara Bella. Usei uma caligrafia diferente da minha e, sem reconhecer, ele jogaria fora esse papel. Tudo estava no lugar quando pousei um bilhete na mesa da cozinha para Charlie. 

 

— Encontre-a, Charlie. — murmurei. Queria que minha voz permanecesse no ambiente até que ele chegasse. 

 

Por favor, traga para casa. 

 

O cheiro dela vinha da mesma direção de antes. Não tinha voltado para frente de casa, então conferi a rua. Estava vazia. Saí rápido pela porta da frente, quase invisível, saltando para dentro do carro. Manobrei o Volvo e arranquei. Não liguei que o vizinho da esquina escutasse.

 

Eu precisava fugir.

 

O cheiro de Bella me acompanhou para dentro do carro. Eu sabia que não tinha falhado ao invadir a casa dela. Não trouxe comigo nenhum objeto. Nem nada

 

A memória de um vampiro é uma cova forrada por cimento. Empatada de deixar qualquer conteúdo vazar. Eram lembranças sentenciadas a ficar pela eternidade. Sem prazos e validade, durariam imagens límpidas e recentes. 

 

Estava certo e feliz por saber que nunca a esqueceria. Entretanto, sentir seu cheiro, tão vívido, fresco e próximo, era um presente que eu não merecia. Mas aceitaria. 

 

Olhei ao meu redor e então percebi a camisa que estava vestido. O cheiro dela estava impregnado no tecido, assim como ela estava em minha vida. Sem merecer, tinha uma parte dela comigo também.

 

Embrenhado na estrada de terra após o final da rua de asfalto, eu não conseguia mais avistar o carro estacionado. Teria chegado mais rápido sem ele, mas não podia deixá-lo à vista de Bella. Meus pés já conheciam o terreno irregular quando comecei a correr. 

 

Já tinha percorrido alguns quilômetros quando avistei a claridade. Um pouco mais de verde e eu estava lá. Havia pouco sol atravessando as copas. A lembrança sensorial me atingiu. Podia escutar a voz de Bella chamar meu nome claramente. O riacho do outro lado e os insetos se agitavam. 

 

Caminhei até o centro, onde — um dia — tive lembranças melhores. 

 

Lembrei de quando trouxe Bella pela primeira vez à campina. Naquela época do ano haviam muitas flores silvestres, adocicando o calor. Ela apreciava tudo ao nosso redor. Reverente. Tranquila e curiosa. 

 

Foi neste mesmo lugar que eu mostrei minha verdadeira casca. Naquele tempo, tinha certeza que nunca faria algo mais difícil do que aquilo. Parecia que o destino tinha uma forma irônica de surpreender. 

 

Surgir em direção à luz do sol na frente de uma humana parecia fácil. Poderia trocar o presente por várias repetições da minha revelação à Bella. Me revelaria para escola inteira se isso fosse garantia de que eu não seria um perigo para Bella e que, assim como nossas famílias, estaria segura. 

 

Flexione os braços, encarando meus palmos abertos para cima. O sol estava fraco, mas os raios atingiam minha pele doente mesmo assim. Estava brilhando — como sempre. Era nítido o motivo que devia distância à Bella. Eu merecia seu ódio e desprezo. 

 

Apertei os olhos. O escuro era mais confortável.

 

Bella me deu muito em pouco tempo. Surgiu como luzes no fim do túnel, permitindo que eu saboreasse o impossível: amar. Permitiu que eu fizesse algo de bom em toda minha existência repulsiva.

 

Enquanto estava de olhos fechados, o som do coração de Bella ressurgiu em minha mente. O som do sangue atravessando as cavidades tão rapidamente. O movimento do peito enquanto respirava, comandando sua expressão ofegante. O calor presente nos olhos e na pele. Os olhos castanhos e vigorosos. Tudo nela me lembrava o quão viva ela estava. O quão vivo eu estava. Eram lembranças muito, muito boas. 

 

Se eu me concentrasse um pouco mais, poderia sentir sua presença. 

 

A recordação vil do cheiro de sangue dela me despertou. Esse era um dos motivos por que eu não pude ficar. Para que pudesse viver. Bella tinha poucas chances ao meu lado. Se não eu, outro poderia fazer pior. Não culparia minha família pela nossa natureza. Bella merecia uma vida

 

Abri os olhos e lá estava, a pele faiscante de um monstro. Um milhão de prismas refletiam meu eu. Mesmo enxergando tudo ao meu redor, sem ela, tudo voltou a ser escuro e frio. 

 

Senti meus joelhos tocarem a grama com força. Meu corpo se projetou para frente sem que eu pudesse controlar. Eu tinha perdido tudo. Meu coração encolheu, espalhando uma dor aguda pelo corpo inteiro. Isso era possível? Choquei a palma da mão contra o peito. Bati outras duas vezes e parei, percebendo que nunca sentiria a dor que merecia. Não deixei a mão escapar do peito.

 

O tempo que estive ao seu lado, nada mudou em meu corpo, em minha aparência. Mas, ainda sim, renasci. Estive vivo como nunca antes. Então, esse seria meu fim. A ironia não me abandonaria tão fácil.

 

Voltaria a sentir as emoções de um humano como tantas vezes desejei. Minha pele não brilharia, sentiria o calor me bronzear, a fome iria me irritar, meu corpo pediria contato do dela e sentiria dor. Eu merecia sentir. Dor física. E condenado, iria morrer. Minha cabeça parecia explodir quando senti — fartas de veneno — as veias pulsar por todo o corpo. 

 

— Bella… — sussurrei tão baixo. Somente alguns ouvidos poderiam me escutar. 

 

Não só por dentro, mas mentalmente estava quebrado. Repeti o mantra em minha cabeça: Bella merecia uma vida.

 

Estava perdendo o equilíbrio. Sem conseguir segurar o peso do corpo, apoiei a mão pendurada no chão. Percebi que estava com os dedos cavados na pele sensível da palma antes de me amparar. Quisera ser humano e eu estaria sangrando. Senti a textura do gramado sob minha pele endurecida. Os filamentos da grama escaparam entre os dedos quando fechei a mão em punho. 

 

Era destinado a perder tudo, a deixar tudo escapar. 

 

Eu era como um monte de areia. Fracionado em grãos invisíveis. Os restos espalhados entre outros grãos. Parecia uma analogia patética, mas era assim que me sentia. Eu já não era o mesmo desde Bella Swan. Estava rasgado, despedaçado, e as lembranças que ela deixou em mim, se misturavam, nos unindo. Mesmo que eu tentasse, seria impossível separar grão por grão. 

 

Respirei pausada e profundamente. 

 

Essa era a última vez que eu estaria na campina. Estava batizada como nossa e eu não poderia voltar. Com dificuldades, levantei. Deixei as mãos caírem ao lado do corpo. Eu não voltaria. Não até que Bella tivesse seguido sua vida, casado e me esquecido. Não interferiria em sua vida. 

 

Olhei para a imensidão verde esmorecida à minha frente. Era como meu reflexo. Girei o corpo e voltei a correr até o carro. Sem pensar duas vezes, arranquei até chegar à estrada que levava para a saída de Forks. 

 

Travei os punhos no volante e acelerei o quanto pude. 

 

De relance, notei que o velocímetro estourava próximo a 200 km por hora. Não diminui ao notar os sensores de velocidade, reduzindo apenas quando passava próximo a postos policiais. Lidaria com isso depois. Agradeci que a interestadual não estava movimentada. Sabia que não bateria, tinha convicção disso. E mesmo que me chocasse em algo de concreto, continuaria intacto. 

 

Como sempre.

 

* * *

 

A vontade de fugir só me inundava a cada novo quilômetro rodado. As horas, que antes pareciam voar, voltaram a se arrastar. Peguei-me implorando para perder a capacidade de contar e esquecer o tempo. Ainda estava perto demais. 

 

Precisava avisar minha família que a cabeça ainda estava sob o corpo. Era o suficiente para dizer que estava “vivo”. Não queria fingir. Se dissesse que estava bem, inteiro, eu mentiria. 

 

Por um momento, me senti pequeno. O quanto dramático eles iriam me achar? Lidei com os julgamos de Rosalie e a preocupação dos outros todo o tempo que estivemos juntos. Mas, pela primeira vez, temia não suportar o olhar de decepção de Carlisle e Esme. Alice se quer me olharia, eu sabia. Não era que eu não os amasse, mas podia lidar com os pensamentos de Emmett e Jasper.  Rosalie continuaria sem me afetar como ela sonhava conseguir. 

 

Sabiam tanto quanto eu que, quando pessoas como nós, encontravam um amor, esse seria seu companheiro por toda eternidade. Eles tinham encontrado os seus e eu também. Mas o meu não podia ser recíproco. Era impossível. 

 

Fui tolo em achar que teria cinco anos ao lado de Bella. Fui tolo por voltar e arriscar a vida dela todas as vezes que estivemos sozinhos. Então, eu seria fraco por não conseguir mais sobreviver? Eles entenderão que deixei tudo que tinha — de bom — com ela

 

Perdi a conta das vezes que precisei parar para abastecer. Não me importei em perguntar onde estava, nem em contar as horas. 

 

Num lapso de tempo, minha vista escureceu e meus ouvidos chiavam. Não conseguia ouvir sequer meus pensamentos. Cego apesar dos olhos abertos e sob silêncio absoluto, guiei o carro apenas olfato apurado. O que estava acontecendo comigo? Se não causasse nenhum acidente, perguntaria a Carlisle se era possível vampiros perderem os sentidos. 

 

Quase me desesperei com a possibilidade.

 

Não conseguir ouvir os próprios pensamentos tinha seus prós e contras. A parte boa, era que eu não precisaria lutar constantemente com as lembranças arquivadas tão profundamente em mim. E a parte ruim, era que eu não conseguiria ouvir o timbre dela mais uma vez. Isso trouxe uma onda de amargura. As lacunas que desenhavam meu coração aumentava cada vez mais com a ausência de Bella. Em dias, seriam cavidades e em breve buracos vazios.

 

Tinham se passado somente cinco segundos, mas devido a velocidade que estava, tinha atravessado um pedaço considerável da estrada. No segundo seguinte, aos poucos, minha visão voltou a clarear e o chiado sumiu. Soltei a respiração agradecido por não existirem vítimas. 

 

Dois segundos depois, um clarão invadiu meu campo de visão. Era grande e forte demais para os olhos humanos, mas eu enxergava todos os detalhes. Seja ágil, Edward, pensei. Puxei a direção do carro para o acostamento e acelerei, atingindo a velocidade rápida como um relâmpago. Senti o pneu direito traseiro suspender por alguns milésimos. Com a mesma intensidade, freei quando já estava fora da pista. Uma buzina de caminhão invadiu minha mente quando o solavanco parou. 

 

Como Alice não previra isso? Por que não me avisaria que eu poderia provocar um acidente? Quando saíra de Forks, ela ainda não havia visto? Ela podia negar-se a prever o futuro de alguém? Bem, parecia que sim. 

 

Observei o movimento das lanternas dos carros iluminarem a I-80*. Inquietas, mexiam-se como os pisca-piscas de natal. Com as mãos ainda no volante, encostei minha testa sobre elas e fechei os olhos. 

 

Talvez tenham se passado horas quando senti o cheiro de sangue humano. Aquilo me despertou da paralisia. A sede estava em mim. Em todas paradas que fiz, não me preocupei em interagir com humanos e com isso ela foi discreta. Mas agora, começava a sentir a garganta queimar. Lembrei dos sintomas que a sede causava em meu corpo e associei os últimos acontecimentos incoerentes a um desvio de atenção fisiológica. 

— Quanto tempo ele está aqui? — perguntou uma voz grossa circulando o carro por trás, enquanto outros passos o acompanharam. 

 

— Não sei, senhor. Cheguei de viagem e notei que nenhum reboque veio buscar o carro. Então me aproximei e notei que ele estava aí. — a segunda voz falou um pouco nervosa — Fazem cinco dias, desde então. 

 

Cinco dias? Pareciam apenas horas. Que bom que um pouco de tempo passou. O planeta Terra tinha trabalho a meu favor.

 

Permaneci na mesma posição, agora fazendo uma respiração humanamente forçada. Queria que eles soubessem que estava vivo, mas não seria o primeiro a começar a falar. Não sabia como minha voz sairia nem se ela estava aqui. 

 

O cheiro de suor se aproximou. Deu dois toques no vidro da porta do carro antes de falar. O barulho ecoou em minha cabeça como enxaqueca. 

 

— Senhor? — disse exigente. — Preciso que saia do carro. 

 

Contei cinco segundos para começar a me mexer. Tempo suficiente para ele pensar em bater novamente no vidro. Dessa vez seus pensamentos eram mais urgentes. Calmamente, cerrando os olhos como quem acaba de acordar, levantei a cabeça. Ousei um longo bocejo e uma cara de espanto enquanto baixava o vidro. 

 

— Policial. — falei assentindo e forjando sonolência. Não tive coragem para incluir um cumprimento formal, pois não sabia que horas eram nem teria tempo de conferir o relógio do carro. 

 

— Está perdido rapaz? — perguntou ele com as mãos na cintura. Ele tinha olhos verdes e algumas rugas se destacavam no canto dos olhos. 

 

— Um pouco senhor. — admiti. Sabia que ele esperava que eu fosse cauteloso com minhas palavras, então falei apenas o necessário. 

 

— Hm. — disse. Ele abaixou a cabeça olhando para dentro do carro e depois voltou a me olhar. — Está indo para onde? 

 

— Nova Iorque. — tirei os olhos dele e olhei para a janela do banco do motorista, lhe dando a expressão mais confusa que consegui — Nunca dirigi nessa direção do país.

 

— Então resolveu dormir no carro, estacionado no acostamento, senhor…? — disse ele, esperando que eu completasse a frase. Ele tinha me pegado. Não seria interessante lhe contar a verdade. “Ei, policial! Estava dirigindo acima da velocidade permitida depois de fugir de uma cidadezinha em Washington por ser um vampiro, então perdi a visão e quase bati contra um caminhão”, patético.

— Cullen. Edward Cullen. — falei e depois olhei para baixo. — O senhor está certo. 

Assenti. Eu não tinha nenhuma desculpa plausível. Não tão rápido, não dessa vez. 

Ele pensou em perguntar sobre os dias que passei parado, mas desistiu quando sentiu a ameaça da minha natureza. Agradeci por isso. 

— Esse carro é seu? — perguntou ele desconfiado depois de um breve silêncio. 

Essa eu quero ver. Pensou o homem com deboche.

— Sim, senhor. — estendi o braço até o porta-luvas, retirando os documentos e lhe entregando. — Minha família e eu estamos nos mudando. — ele queria informações que o fizesse acreditar que eu não era um ladrão de luxo. 

 

Ele conferiu os documentos pelo menos três vezes até acreditar que era o suficiente e que meu rosto impassível era o mesmo da foto. 

 

— Certo. — disse ele devolvendo a papelada. — Esse morador viu seu carro parado e nos chamou. Está com algum problema? — falou apontando para o homem baixo ao seu lado. 

 

— Meu celular quebrou na mudança… — menti — então estou sem comunicação. Não sabia se estava no sentido certo, nem sabia onde estava. Resolvi parar um pouco para descansar. 

 

— Fez bem em não dirigir com sono. — disse o policial. — Você está em Iowa. Mais especificamente próximo de Davenport. 

 

Recalculei a rota de cabeça rapidamente. Ainda me sobravam mais de doze horas de viagem pela frente. Estava na metade do trajeto.

 

— Está no sentido certo, mas ainda está longe. — disse o homem. Dei de ombros.

 

— Obrigado. — respondi. — Preciso voltar para a estrada se quiser chegar em alguns dias. — sorri largamente. Meu rosto doeu com o movimento. Pude sentir o olhar arregalado do segundo homem. Aí estava minha natureza novamente. 

 

— Claro, claro. — disse o policial. — Daqui alguns quilômetros, verá um posto do lado esquerdo. Descanse e se alimente antes de retornar para viagem. — ele apoiou uma das mãos na porta, mantendo o rosto distante enquanto falava — Você sabe, já temos acidentes demais nessa interestadual. 

 

Assenti.

— Obrigado mais uma vez, senhores. 

O policial tirou a mão da porta, liberando-me, deixando que eu fechasse o vidro. Só quando precisei acelerar, percebi que o carro estava desligado. Girei a chave e saí calmamente. Olhei pelo retrovisor central e eles continuam a me olhar. Após a curva, fora dos dois pares de olhos curiosos, acelerei. Ouvi o pneu rasgar no asfalto quando forcei o pedal. 

 

Assim como a sede, a angústia voltou a me perturbar. Dessa vez mais forte. 

 

* I-80 (interestadual 80) é a segunda maior autoestrada dos EUA, que conecta vários estados no sentido leste-oeste do país.  




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Notas finais do capítulo

O que acharaaaam? haha



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