Problemáticos escrita por Ghostwriter


Capítulo 2
Lar doce lar


Notas iniciais do capítulo

Voltei com a continuação da história, espero que gostem!



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Na rodoviária, eu procurei por Hugo, meu irmão. Revisei no celular o itinerário e as plataformas, as saídas e os pontos de referência. Era engraçado estar perdida na minha própria cidade outra vez. Mãos geladas e ossudas apertaram as minhas costelas com força e eu soltei um grito.

— Que absurdo, você está muito mais alta do que eu lembrava! - Era Hugo.

— Absurdo é você chegar do nada e quase quebrar as costelas alheias, seu ridículo!

Rimos e nos abraçamos. Agora com os devidos cumprimentos, Hugo pegou uma das pesadas malas cheias de cacarecos que eu levava e a empurrou na direção de uma das saídas.

— Misericórdia! O que você tá levando? Desmontou a casa e trouxe os tijolos na mala? - Reclamou ele.

— Eu trouxe tudo que tinha lá. Vai por mim, a tia Verônica não vai deixar eu voltar se ela puder evitar e tudo que eu tenho ela age como se estivesse infectado por algum tipo de espírito ruim, então se eu deixasse pra trás ela ia jogar fora. - Expliquei.

Um táxi nos esperava do lado de fora da rodoviária. O céu escurecia rapidamente com o fim do dia e a chegada da chuva. Colocamos as malas no porta-malas e em nossos colos, enquanto o taxista preocupado olhava para o amontoado de malas, bolsas e mochilas sem fim no banco de trás.

— Estão de mudança é? - O taxista puxou conversa.

— Sim, senhor! - Hugo deu trela. - Minha irmã vai vir morar comigo!

— Mulheres! Até as mais novas são cheias de tralha né?! Boa sorte aí pra você moço! - E soltou uma gargalhada. - As verdadeiras malas são elas mesmas!

Lancei a Hugo um olhar confuso e ele em troca me lançou um olhar constrangido, como se arrependido de ter entrado na conversa. Ninguém disse mais nada depois disso e a viagem silenciosa durou mais 40 minutos. Pelo vidro eu podia ver a chuva caindo em diferentes partes da cidade, sendo que ainda não tinha começado a chover sobre nós até que estávamos a 5 minutos de casa. O pior toró das últimas semanas parecia ter se decidido em cair em cima de nós, o que me impedia de ver as ruas, vagamente familiares e ao mesmo tempo tão estranhas, quase como um sonho. O taxista parou em frente a uma casa e Hugo e eu nos entreolhamos, já que o pensamento de descer na chuva forte com tantas malas não era o mais encorajador.

— Bom, eu vou descer e buscar um guarda-chuva e já busco você. - Disse ele pagando o taxista. Depois abriu a porta e saiu para o meio do aguaceiro.

O taxista parecia querer fazer mais alguma piada sobre as malas e as mulheres outra vez, mas um feixe de luz caiu uns 20 metros de onde nós estávamos estacionados, fazendo nós dois pularmos nos nossos assentos. Hugo surgiu do meio da água com um grande guarda-chuva e começou a pegar as malas do porta-malas e correr para a direção da casa. A casa parecia diferente, mas realmente não dá pra julgar direito uma coisa que você mal pode ver por entre as grossas gotas da chuva forte. A porta do meu lado se abriu e um Hugo ensopado estendeu as mãos para pegar as malas restantes. O taxista pareceu horrorizado de ver os braços molhados de Hugo se estenderem sobre os bancos de couro do carro e parecia torcer pra que saíssemos logo dali. E saímos. Em meio a chuva Hugo me conduziu pra dentro da casa quente e seca. Exceto que parecia termos entrado na casa errada. As paredes estavam em lugares completamente diferentes das minhas memórias.

— Você reformou a casa? - Perguntei, ofegante por causa da corrida da rua para a casa. 

— Ah, sim… Sobre isso… - Hugo torcia a barra da camiseta. - Essa não é a casa que você lembra. Nós estamos na casa de um amigo da minha família.

— Nós vamos passar a noite? - Estava confusa. Não via sentido em vir para a casa de outra pessoa para passar uma noite só, especialmente com todas as malas, mas talvez a casa estivesse em reformas ou alguma coisa do tipo.

— Nós vamos morar aqui por um tempo indeterminado. - Ele respondeu pegando as malas do chão e começando a andar por um corredor. - Vem, vamos levar isso tudo pro seu quarto. 

Curiosa, confusa e ensopada em todas as partes que o guarda-chuva não cobriu, eu o segui. A casa era totalmente diferente da “minha”. Parecia mais nova, mais moderna. O corredor de entrada dava numa sala de estar à direita e à esquerda numa sala de jantar com uma mesa redonda e cadeiras, à frente uma escada levava para o andar de cima. Hugo subiu os degraus, seus sapatos deixando as marcas cinzas sujas nos degraus.

— Eu devia ter tirado os sapatos… Bom, depois eu limpo tudo isso. - Ele murmurou.

A escada dava numa sala rodeada por cinco portas, os quartos pareciam dispostos em formato de “U” ao redor da escada e da sala. Hugo se dirigiu à porta do meio e a abriu. Dentro do quarto, uma grande janela dava para o que, no borrão, da chuva parecia ser um jardim ou quintal, uma cama de solteiro, um guarda-roupa grande de madeira, uma escrivaninha também de madeira e uma mesa de cabeceira nos aguardavam. Hugo me olhou esperançoso.

— Espero que você goste! Eu mesmo escolhi e comprei… - Ele colocou as malas no chão. - Eu vou buscar o resto das malas.

Fiquei no quarto, absorvendo tudo aquilo. “Não estou mesmo na minha casa”. Descobri que uma tensão que eu não sabia que estava lá se levantou do meu corpo. Voltar pra uma casa com tantas memórias assim de uma vez parecia mais aterrorizante do que eu tinha pensando até estar naquele quarto que não era o meu, com móveis que não eram meus e uma janela enorme com uma vista que não era a minha. Soltei um suspiro aliviado. Um quarto novo parecia um lugar digno de uma tentativa de vida nova. Olhei em volta, o quarto era espaçoso e o guarda-roupa parecia grande o suficiente pra que eu pudesse guardar minhas coisas e ainda sobraria um pouco pra eu trazer mais bagunças pra lá. Parando pra pensar, Hugo tinha acertado em cheio o meu gosto.

— Menina, você precisa rever o que você trouxe aqui hein! Não é possível! Quanta coisa uma pessoa pode precisar? - Ele chegou com as malas restantes, pendendo para o lado com o peso.

— Obrigada! - Sorri. - Eu gostei muito. Até que você parece ser um bom decorador de interiores.

Hugo deixou as malas no chão com um grunhido e saiu atrás de um pano para limpar as pegadas do chão e ir tomar um banho. Comecei a desfazer as malas e a ocupar o guarda-roupa. As roupas eu pendurei na arara e guardei em algumas gavetas. Os lençóis e toalhas eu guardei nas gavetas restantes. Os nichos e prateleiras eu enchi com cosméticos (cremes, perfumes, desodorantes, absorventes e os poucos itens de maquiagem que eu tinha). Os itens pesados, da mala que meu irmão tanta reclamava, meus itens de cerâmica, minhas argilas, meus instrumentos e algumas esculturas e um pote feito como presente para Hugo, embrulhado em quantidades absurdas de jornal e papel bolha, encheram a mesa de cabeceira e uma parte da escrivaninha. Os documentos, cadernos, anotações, desenhos e diários foram parar nas gavetas da escrivaninha e nas partes restantes do guarda roupa. As malas foram enfiadas umas dentro das outras e jogadas por cima do guarda-roupa. Olhei em volta. Definitivamente ainda estava caótico, as roupas ainda precisavam ser dobradas de maneira decente, os papéis estavam saindo da escrivaninha, como um pedido de socorro da gaveta lotada. Sentei no chão e separei a muda de roupas para um banho. Meu irmão apareceu com cheiro de lavanda e uma toalha enrolada nos cabelos negros e me indicou o banheiro. Depois do banho dormi como uma pedra, resistindo até mesmo às tentativas de Hugo de me fazer descer para o jantar.

Já morando na casa nova há uns 5 dias, num domingo à noite eu perguntei a Hugo sobre a casa, como diabos ele tinha ido parar lá e não na casa da família.

— A resposta curta é que eu tenho 22 anos e acabei de me formar e começar a trabalhar. Não tenho condição nenhuma de manter aquela casa. Um amigo da minha mãe, o dono dessa casa, passa a maior parte do ano fora e se compadeceu de um pobre jovem falido e me deixou ficar aqui, pagando só as contas praticamente. Eu conversei com ele antes de poder trazer você pra cá e ele deu o ok. O quarto que você está usando era só um depósito de bagunça mesmo e ele ficou feliz que eu me livrei de várias coisas pra ele. - Hugo disse, olhando para mim, desviando os olhos do seu notebook, em que ele escrevia um relatório para o trabalho. - De qualquer forma, a casa está lá e você pode morar lá quando for maior de idade.

— Hum, entendi… - Pensar que a casa existia e estava lá era um consolo e um medo ao mesmo tempo. Pelo menos não teria que pensar nela por mais uns 2 anos ainda. “As vantagens de ser menor de idade finalmente aparecendo”. — Outra coisa, como eu faço pra chegar na escola amanhã?


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Notas finais do capítulo

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