Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 26
Capítulo 26 – Cabo de guerra




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            Meu sono acidental cessou quando a luz forte do dormitório foi acesa e o barulho de sinos ecoou por toda a sala. Eu me assustei, e imediatamente me sentei na cama, temendo ter perdido a oportunidade de fugir. Quando saí da cama, porém, vi Fred e os demais com olheiras, semblante cansado e um olhar frustrado, e percebi que o plano de fuga falhou.

            Velma: Por que não me acordaram?

            Fred: Porque não foi preciso… Li e Flim Flam não apareceram.

            A notícia me causou pânico, e para piorar, o barulho do cofre se enchendo de dinheiro me causou arrepios. Ao olhar ao redor, vi cerca de 20 corpos no chão sendo retirados pelos guardas. A quantidade de sangue no local era tão grande que sujava as botas dos mascarados e formava pegadas vermelhas por toda a parte. Ao redor também havia pedaços de madeira e de metal, que foram retirados das camas e modelados como facas e lanças.

            Wang: E porque houve uma grande batalha de gangues aqui durante a madrugada. Você teve sorte de não ter presenciado.

            Velma: Talvez seja por isso que Li e Flim Flam não vieram, não? Eles sabiam que muitos estavam acordados e…

            O olhar desolado de Fred não contribuiu para a minha teoria, e então eu me calei.  Percebi que todos estavam aflitos sobre as possibilidades que podiam ter acontecido aos nossos amigos.

            Velma: É isso mesmo, gente, visivelmente o calmante falhou, então eles decidiram adiar e não tiveram oportunidade de nos avisar…

            Fred suspirou com impaciência e fez um gesto apontando para os demais participantes, que apesar da luz acesa e do barulho de sinos, ainda estavam dormindo. Os poucos que estavam acordados – membros da gangue dos ingleses – pareciam atordoados e sonolentos.

            Fred: Ou visivelmente eles foram descobertos e nós estamos fudidos…

            Velma: Fred, não podemos perder a esperança!

            Fred não respondeu, apenas olhou fixamente nos meus olhos e se calou. Tanto eu, quanto ele sabíamos que o simples fato de eu (a cética pessimista) estar pedindo para que ele (o líder otimista) ter um pouco de esperança era um grande sinal de que não havia esperança nenhuma para se nutrir.  Felizmente, aquela conversa não continuou, no minuto seguinte uma quantidade enorme de guardas invadiu o dormitório e ordenaram que filas fossem formadas para a higiene matinal. Imediatamente, eu chamei Shaggy, Ginevra e Lupe, e nós nos juntamos aos demais.

 No caminho para os banheiros, havia mais guardas do que o normal, mas nenhum sinal de Li e Flim Flam em lugar nenhum. Eu fiquei tão aflita de perceber que em pouco tempo outro jogo começaria que sequer consegui elaborar planos alternativos de fuga durante a nossa saída. Quando cheguei ao dormitório, a mesa do café da manhã já estava posta, e os rapazes já estavam na fila. Percebi que Dmitri, Fred e Andrei estavam na frente, fazendo uma espécie de escolta para Shaggy, para evitar que outra briga ou outra provocação pudesse acontecer. O fato de não termos bebido água na noite anterior fez Lupe e Ginevra correrem imediatamente para a fila, sedentas por alguma bebida. Eu não conseguia sentir outra coisa além de pânico, mesmo assim, eu me juntei a elas, De longe, eu vi os rapazes pegando comida e se afastando da mesa, e respirei aliviada ao ver que aquela seria a primeira refeição que aconteceria sem maiores problemas. Entretanto, quando eu estava prestes a pegar a minha porção de comida, eu ouvi um grito grave e alto, seguido de um estalo metálico forte. Lupe gritou de pavor, e então eu me virei e vi a gangue de ingleses atacando os rapazes. Eles bateram com força em Fred e Shaggy usando barras de ferro, e quando Dmitri foi tentar defendê-los, o homem coreano que sempre provocava Shaggy o atingiu com uma barra de metal, perfurando a sua barriga. Dmitri caiu no chão devido ao ferimento, e a quantidade de sangue que escorreu através de suas mãos nos fez gritar.

Wang e Andrei se aproximaram para defender os amigos, mas como não tinham armas, acabaram gravemente feridos também. A gangue não parava de espancar Fred e os demais, e eu entrei em pânico ao perceber que o objetivo deles era matá-los. Imediatamente, eu, Lupe e Ginevra nos aproximamos e os atacamos como pudemos, arremessando xícaras, copos e travesseiros nos agressores. Outros participantes também apareceram para defender os rapazes, mas logo eram golpeados violentamente e desistiam de lutar. Os golpes de desconhecidos ajudaram Fred a se levantar, e durante a luta, ele conseguiu derrubar Tom, o líder da gangue, e apontar uma barra de ferro para a sua garganta. Lupe e Ginevra imediatamente se aproximaram para chutá-lo e agredi-lo de alguma forma, então eu decidi ajudar Shaggy e Dmitri que ainda estavam apanhando. Eu peguei um pedaço de madeira e juntei todas as forças que tive para atingir as costas do homem que socava o rosto de Dmitri, mas no mesmo momento um grito de dor lancinante ecoou por toda a sala e eu paralisei. Eu me virei instantaneamente, acreditando que um dos homens havia ferido Shaggy ou Fred da mesma maneira que Dmitri fora ferido, mas a cena que vi foi bem pior. Deitado no chão, Shaggy tirou dos bolsos o pedaço de louça que havia pegado na última briga e o usou contra o homem coreano que o agredia. O fragmento afiado produziu um corte profundo no pescoço do homem, e um mar de sangue banhou Shaggy. Segundos depois, o homem caiu no chão ao lado de Shaggy sem vida, e esse gesto interrompeu os ataques violentos da gangue contra Fred e Dmitri. Houve um longo silêncio em seguida, como se todos tivessem congelado por instantes, e o único barulho audível foi o cofre se enchendo de dinheiro novamente. Shaggy gritou de desespero e começou a chorar descontroladamente pelo que fez com o homem que o atacou. Eu e as demais mulheres corremos na direção dele, eu o abracei, tirei o fragmento de louça das mãos dele e chorei junto com ele. Fred pareceu não se abalar com a morte acidental daquele homem, e apenas pegou uma barra de metal e tornou a ameaçar os homens da gangue que o atacaram até que eles se afastassem de nós. Wang e Andrei se aproximaram para acalmar Shaggy e ajudaram-no a se levantar, em seguida, fizeram o mesmo com cada uma de nós. Dmitri estava ferido demais e permaneceu no chão até que Wang e Andrei carregaram-no até uma das camas.

De repente, homens mascarados surgiram no dormitório carregando uma caixa de presentes e levaram o corpo do homem coreano. Shaggy assistiu a tudo chorando copiosamente, desferindo golpes contra a estrutura do beliche e contra si mesmo, odiando-se por ter causado a morte de uma pessoa. Então, todos nós nos aproximamos dele e tentamos acalmá-lo de alguma forma, com palavras e gestos. Fred foi o único que não prestou solidariedade ao amigo, ele parecia imerso em um transe de ódio e permaneceu no centro do dormitório com a barra de ferro nas mãos, como um rebatedor de baseball que espera seu adversário.

Nenhum de nós teve tempo de processar corretamente o acontecimento recente – nem a grande decepção causada pela fuga que não deu certo -, pois cerca de meia hora depois, a porta se abriu novamente e os mascarados formaram a tradicional fila em formato de triângulo. Enquanto eles se posicionavam, meu coração disparou e eu sorri, com a esperança de que Flim Flam apareceria usando a máscara em forma de quadrado. Porém, para a minha surpresa, o líder dos guardas que surgiu com a máscara quadrada era tão alto quanto Fred, e não tinha nem a voz nem as características de Flim Flam. Shaggy olhou para mim desesperado, e o meu próprio desespero confirmou o que estava acontecendo: Flim Flam não estava lá e, certamente, havia sido descoberto. O homem de máscara quadrada apontou a arma para a minha cabeça, e dois guardas de máscaras circulares apontam armas para as cabeças de Fred e Shaggy. Fred resistiu e ameaçou o guarda com a barra de ferro, mas isso apenas fez com que mais três guardas se aproximassem e apontassem suas armas para ele. Eu senti que eles haviam descoberto meu encontro com Flim Flam no dia anterior, por isso apenas fechei meus olhos e esperei pela bala que tiraria a minha vida. Para aumentar o meu desespero, a bala não veio imediatamente. Eu fiquei alguns minutos de olhos fechados, tremendo e temendo pelo meu destino, ouvindo Shaggy chorar descontroladamente. Minutos depois, eu ouvi um terceiro choro surgir perto de mim, e ele era intercalado por gemidos de dor, e também gritos, chutes e golpes dos guardas. Então, eu decidi abrir meus olhos, mesmo sabendo que a imagem que eu veria seria horrível. E de fato foi, mas mesmo lamentável, ela me trouxe o alívio necessário para fazer um sorriso surgir em meus lábios.

Fred: DAPHNE!

Os guardas que carregavam Daphne pelos braços e pernas a jogaram no chão com violência e se afastaram de nós. A queda brusca causou dor no corpo já debilitado de Daphne, e por isso ela não conseguiu se levantar. Logo após, todos os guardas, inclusive o que usava a máscara em forma de quadrado, abaixaram suas armas e se retiraram. Ao perceber que era Daphne, Fred largou a barra de ferro e correu em direção a ela. Daphne sorriu, Fred a pegou nos braços e os dois se abraçaram. Fred analisou as lesões no corpo dela com cuidado e procurou envolvê-la cada vez mais em seus braços, como se o simples fato de abraçá-la e protegê-la fosse fazer todos aqueles ferimentos se curarem. Eu sequer gritei o nome da minha amiga, apenas joguei meu corpo em direção ao dela e a abracei com força.

Velma: EU NÃO ACREDITO, ONTEM MESMO FLIM FLAM ME DISSE QUE VOCÊ ESTAVA MORTA! EU ESTOU TÃO FELIZ DE VER VOCÊ COM VIDA!

Minha emoção foi tão profunda que eu sequer medi minhas palavras, e só percebi o que havia dito quando Fred parou de checar os ferimentos de Daphne e olhou seriamente para mim, com um olhar de reprovação. Meu gesto fez Daphne gemer de dor. A alegria de vê-la viva não tinha deixado meus olhos verem quão machucada ela estava, e ao perceber o estado delicado dela, eu recuei, levei minhas mãos até a boca e comecei a chorar. Shaggy foi mais cuidadoso e se aproximou dela sorrindo e segurando suas mãos com força, mas ao perceber suas unhas e dedos propositalmente machucados, ele soltou.

Fred: Daph, por favor, me perdoe por aquele dia no hotel! Eu não queria te machucar, eu só queria te proteger, olha, me perdoe por eu não ter te protegido do guardas, nem ter protegido você do Alan aquele dia, me perdoe por tudo que eu fiz, eu… eu… implorei tanto a Deus para você estar viva e  para eu ter mais uma chance de te ver, olha, eu preciso dizer a você que eu finalmente sei o que eu sinto, eu percebi que você é a esperança na minha vida porque todos os dias que você estava desaparecida eu pensava em você e isso me fazia continuar a…

O descontrole verbal e emocional de Fred foi interrompido quando Daphne colocou as duas mãos no rosto dele e sorriu com lágrimas nos olhos. Pela primeira vez na vida, eu o vi chorar, e Daphne enxugou suas lágrimas com cuidado para não tocar nos ferimentos causados pela briga.

Daphne: Freddie, você não precisa dizer nada, eu sempre soube!  Você sempre me mostrou o que sente… sempre me protegeu da sua forma, sempre cuidou de mim acima de tudo… me desculpe se eu exigi palavras de você, querido…

Fred: Você não tem que se desculpar pelos meus erros! Você merece saber com todas as palavras que eu amo muito você! E merece saber que eu preciso passar o resto dos meus dias com você, porque eu…

A confissão de Fred foi emocionante e verdadeira, mas soou de extremo mau-gosto naquele momento, pois estávamos muito machucados, rodeados de assassinos, presos em um jogo mortal e com os dias contados. Aparentemente, eles também perceberam que tinham pouco tempo de vida, e se envolveram em um abraço apertado entre lágrimas. Shaggy não resistiu à cena e me abraçou com um braço e abraçou os dois com o outro, e assim ficamos por um tempo, aproveitando o pouco tempo que nos restava.

***

Daphne: Oh meu Deus, Freddie, o que fizeram com você?

Ao se soltar do abraço, a mancha de sangue que a orelha de Fred deixou nos ombros de Daphne a assustou. Ela limpou o sangue com a gola da camiseta e ao olhar ao redor, ela viu o estado de Shaggy e se assustou novamente.

Daphne: Meu Deus, o que fizeram com todos vocês? Estão sangrando!

Velma: Jogamos dois jogos mortais desde que chegamos aqui. As pessoas que não conseguiram vencer os desafios foram executadas…

Shaggy: E, tipo, o resto é resultado de brigas. Toda vez que alguém morre, aquele cofre se enche de dinheiro, então as pessoas daqui não têm muito respeito à vida.

Daphne: Oh, Freddie, você não merece passar por isso! Nenhum de vocês merece! É tudo culpa minha! Eu não devia ter acreditado em Mayberry!

Daphne imediatamente tentou estancar um dos ferimentos de Fred com as mãos, mas sequer conseguir se levantar. Ao vê-la mais de perto, percebi que ela estava bem mais machucada do que os rapazes que apanharam da gangue. Ela tinha hematomas no rosto e o sangue em sua cabeça se confundia com o vermelho de seus cabelos. Ela vestia um agasalho verde como o nosso, e ele estava sujo de sangue fresco. Daphne não tinha um casaco verde com um número branco, ela apenas usava uma camiseta branca sem mangas, o que deixava evidente as marcas roxas de esganadura em seu pescoço, mordidas em seus ombros e marcas de cordas amarradas com força em seus punhos.

Fred: Muito menos você, Daph… e nada disso é sua culpa, nem culpa de ninguém, é culpa dos VIPs.

Shaggy: Tipo,mé melhor estar assim do que morrer de maneira banal e cruel como aquelas pessoas morreram!

Velma: E é melhor vê-la assim do que imaginar que você teve o mesmo fim que Steven Applegate! Eu desmoronei quando soube da sua morte, mas eu tive que fingir que tudo estava bem para continuar e…

Eu tentei continuar a justificar o meu ato para que Fred não ficasse zangado comigo, mas um nó na minha garganta me impediu. De repente, todas as emoções dolorosas que eu tive que reprimir no dia anterior vieram à tona, e eu comecei a chorar. Para a minha surpresa, Fred foi o primeiro a me confortar, e em seguida Shaggy e Daphne fizeram o mesmo.

Daphne: Todos acham que eu estou morta, inclusive os meus pais. Naquele dia, eles me levaram do hotel durante a noite e me deixaram presa no quarto principal. Como eles espalharam evidências da minha presença na cena do crime de Steven, Delilah acreditou quando viu todo aquele sangue. Alan forjou a minha morte para fazer papai concordar em entregar as ações de Applegate Bank e Blake Bank aos VIPs, mas ao invés de me matar ele me… ele… e os VIPs… eles me… me mantiveram…

A simples ideia do que havia acontecido fez lágrimas correrem descontroladamente pelo rosto de Daphne, e ela não conseguiu concluir o que estava falando. Fred a envolveu nos braços como se estivesse protegendo-a das próprias palavras e sentimentos, e esperou que ela continuasse a falar, mas ela não conseguiu. Os ferimentos que ela tinha no corpo diziam claramente o que havia acontecido, então nós apenas a abraçamos com cuidado e respeitamos o silêncio dela.

Daphne: Eu estava trancada no quarto do Alan há dias, e na noite passada Flim Flam me achou enquanto invadiu o local para roubar as chaves do iate de um dos VIPs…

Velma: Peraí, o quarto do Alan é o mesmo quarto do Front Man que Flim Flam havia mencionado?

Daphne: Alan é o Front Man, Velma. Ele foi nomeado por Oh Il-Nam, o dono da Liberty. Foi ele que organizou esse jogo, e tem organizado jogos desse tipo há alguns anos por puro sadismo. Todos os anos, ele reúne seus amigos bilionários em uma festa luxuosa, apostam fortunas em vidas inocentes e se divertem com mortes violentas. Ele sabia de tudo desde o começo! Ele planejou tudo, conseguiu as ações de papai e Steven, conseguiu fazer o jogo acontecer normalmente esse ano e conseguirá se livrar de todos que o investigaram…

Fred: ELE NÃO VAI SE LIVRAR DE NÓS! Nós vamos sobreviver! Eu vou tirar você daqui, Daph, eu prometo! Eu prometo a todos vocês!

Daphne apenas sorriu com lágrimas nos olhos, tocou o rosto machucado de Fred, e ao perceber os ferimentos, ela chorou mais ainda. Ele beijou as mãos dela, e isso fez com que ela se levantasse um pouco para alcançar os lábios dele e deixasse um beijo rápido.

Velma: Então Flim Flam te libertou ontem à noite quando tentou roubar as chaves do iate?

Daphne: Sim! Conseguimos fugir e estávamos indo bem, mas creio que o envenenamento de vários guardas e de três dos VIPs fez Alan desconfiar de um infiltrado. Quando Li me levou até o iate para me esconder de Alan, fomos pegos, e é por isso que eles não puderam vir buscar vocês. Eu não sei o que aconteceu a Flim Flam, mas o agente Li foi capturado pelos guardas e…

Daphne novamente parou de falar, provavelmente porque não conseguiu mencionar os horrores que passaram. O desespero de Fred ao ouvir aquilo e vê-la naquele estado era visível. Novamente, ele a abraçou com força e começou a checar os ferimentos dela e acariciá-los, como se aquela ação pudesse curá-los. Ao perceber a aflição que ele sentia, ela segurou suas mãos e o impediu de continuar. Ao ficar de mãos dadas com Daphne, Fred se acalmou um pouco, apesar de seu olhar ainda transparecer ódio.

Shaggy: Tipo, nós não vimos o Flim Flam em lugar nenhum hoje de manhã, então eu acho que já era…

Daphne: Bem, eu e o agente Li também não o vimos em lugar nenhum. Aparentemente, os VIPs sabem que há um infiltrado aqui, mas não sabem exatamente quem é… então, eu creio que ele tem uma chance de se salvar…

Wang: Ele conseguiu entrar aqui como um infiltrado e envenenar até mesmo os VIPs, eu tenho certeza que ele será vitorioso mais uma vez…

Ao terminar de falar, Wang se aproximou de Daphne, apertou a mão dela e sorriu, demonstrando estar feliz de vê-la novamente. O gesto dele fez com que os demais também se aproximassem para vê-la, e Daphne se sentou para cumprimentá-los. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Fred a abraçou como se não conseguisse ficar longe dela, e então a apresentou aos demais.

Fred: Turma, essa é Daphne Blake… meu amor de infância e a esperança da minha vida…

***

            Após apresentações breves, Fred cuidou de carregar Daphne até uma das camas e eu os segui. Shaggy veio logo atrás de mim, andou devagar propositalmente e fez sinal para que eu fizesse o mesmo, pois queria me dizer algo longe de Daphne e Fred.

            Shaggy: Velma, tipo, se a Daphne está aqui bastante machucada e você tinha dito que ela estava bem em NY, significa que o Scooby…

            Velma: Norville, eu sinto muito pelo que disse ontem, eu precisei mentir para ajudar você e Fred… tudo o que Flim Flam sabe é que Scooby fugiu durante o tiroteio naquela noite… mas, bem, ele é um cão policial, tenho certeza que ele está bem em Seul, alguém deve tê-lo adotado! E assim que nós sairmos daqui, nós vamos encontr…

            Shaggy: Você quer dizer, tipo, SE nós sairmos daqui, né?

            Shaggy não disse mais nada, apenas fez um gesto para eu me calar e se afastou de mim com lágrimas nos olhos. Eu o segurei pelo pulso, mas ele se soltou e correu para uma das camas, onde ficou em posição fetal. No momento em que eu me aproximei dele, a porta se abriu novamente, os guardas trouxeram o agente Li para dentro e arremessaram o corpo ensanguentado dele no centro da sala. Daphne gritou e tentou correr em direção a ele, mas sequer conseguiu se levantar da cama. Então, Wang, Shaggy, Fred e os russos foram ao encontro de Li e o carregaram até uma cama. Ele estava tão machucado que não abria os olhos, e os hematomas em sua cabeça me fizeram crer que ele estava inconsciente. Daphne se aproximou mancando e tentou aferir os pulsos dele enquanto cada um de nós buscava alternativas para ajudá-lo, mas não sabíamos como.

            Velma: O que vamos fazer? Precisamos tirá-lo daqui!

            Andrei: Certamente! Mas não podemos fugir agora, seremos pegos!

            Velma: Fred, e agora? Pense rápido!

            Minha súplica desesperada fez Fred olhar fixamente para a grade da tubulação de ar. No momento em que ele ia correr em direção a ela, Wang o impediu.

            Wang: Infelizmente, o melhor que podemos fazer nesse momento é pensar como sobreviveremos ao próximo jogo.

            A frieza de Wang nos fez cair na real e perceber que outro jogo começaria em breve e ainda estávamos ali. Fred foi o único que não se deixou abater com a descoberta.

            Fred: Temos que tentar sair daqui, Daphne e Li não podem jogar! Se o jogo começar e eles não se levantarem, eles serão assassinados!

            Wang: Fugir agora fará com que todos nós sejamos assassinados. Além do mais, como carregaremos Daphne e Li pelos dutos de ar?

            Fred só desistiu quando percebeu que Daphne não conseguiria fugir. Então, ele entrou no mesmo transe de desespero que estávamos: com o coração e a mente desesperadamente procurando uma solução, mas com o corpo imóvel, sem saber exatamente o que fazer. Eu confesso que fiquei tão aflita que comecei a elaborar planos macabros, como: quantas pessoas cada um de nós conseguiria assassinar até que atingíssemos a maioria necessária para desistir dor jogos. Ou: de quantas formas seria possível matar um guarda usando barras de ferro, pedaços de madeira e um pedaço de louça. Desisti de ambos quando tateei os meus bolsos e percebi que eu mal conseguia segurar o fragmento de louça que Shaggy havia usado contra aquele homem, por isso comecei a olhar ao redor em busca de outros locais de fuga e…

            Velma: Jinkies!

            A minha exclamação fez meus amigos olharem para mim com esperança, pois sabiam que eu havia descoberto algo. Os demais também olharam para mim, provavelmente por não saber o significado de “jinkies”.

            Velma: O próximo jogo é cabo de guerra!

            Fred: Como você sabe?

            Velma: Olhe para as paredes! Os jogos estão desenhados nelas e sequer tínhamos percebido!

            Eu apontei discretamente para o desenho de bonecos brincando de cabo de guerra que estava logo após o desenho de bonecos carregando as formas dos biscoitos que tivemos que destacar no dia anterior. Antes do desenho das formas, havia também uma ilustração do jogo que jogamos no primeiro dia com aquela boneca, e isso comprovou a minha teoria. Todos sorriram com a revelação, Fred e Shaggy me abraçaram e me elogiaram pela descoberta.

            Ginevra: Bem, comparando com o porte físico dos demais participantes, eu acho que já ganhamos. Somos mais jovens, mais atléticos e aparentemente mais saudáveis que todos nessa sala…

            O sorriso de Fred terminou quando Ginevra disse “mais saudáveis”, e imediatamente ele se lembrou do estado de saúde de Daphne e Li. Daphne percebeu a preocupação no rosto de Fred, por isso segurou suas mãos e sorriu.

            Daphne: Eu vou ficar bem, Freddie. Eu estava bem pior quando fugi daquele quarto, tenho certeza que conseguirei puxar uma corda… e tenho certeza que Li acordará a qualquer momento, ele é muito forte, afinal, se recuperou rápido de um tiro e de uma cirurgia.

            Fred: O problema não é apenas ser ou não seu capaz de puxar uma corda, Daph. O grande problema é conseguir vencer. Apesar de sabermos qual será o jogo, não sabemos exatamente os tipos de armadilhas letais que eles podem colocar nele… eles podem atirar em nós durante o desafio ou coisas do tipo…

            Fred deixou claro que não estava preocupado apenas com o estado físico de Daphne, ele simplesmente não queria que ela jogasse e, portanto, corresse o risco de morrer. Daphne apenas sorriu confiante e beijou as mãos dele.

            Daphne: Nós não sabemos, mas Fred Jones entende de armadilhas, então eu acho que ficaremos bem…

            O incentivo de Daphne fez Fred sorrir, mas a pequena alegria foi interrompida pelo barulho do megafone ditando instruções e convocando todos para o próximo jogo. Nós nos olhamos aflitos, pois sabíamos que Li não conseguiria jogar, e Daphne tinha poucas chances de vencer. Para piorar, guardas armados apareceram no dormitório e cercaram a multidão como cães pastores. O medo me deixou tão desorientada que Fred teve que me mostrar a direção em que a fila estava se formando, e eu me juntei aos demais enquanto ele ajudava Daphne a se levantar. Eu continuei a olhar diversas vezes para trás para certificar que Fred, Wang e os outros rapazes estavam ajudando Li. Na última vez que olhei, os rostos desolados deles revelaram uma notícia triste que eu não queria ver, por isso fechei os olhos. Porém, mesmo sem a visão, a verdade encontrou outro sentido meu para me avisar que Li não tinha sobrevivido aos ferimentos: o barulho mórbido de notas caindo dentro daquele maldito cofre.

***

            Durante a caminhada silenciosa até as instalações do próximo jogo, a única coisa que se ouvia era o choro de Daphne. O medo era tão palpável que nenhum de nós – exceto Daphne – conseguiu transparecer o luto pela perda do agente Li. Eu, que sempre me acostumei a ver Fred cheio de coragem liderando os demais, perdi minhas esperanças ao vê-lo aterrorizado, apesar de eu saber que aquele temor era pela vida de Daphne, e não pela vida dele. Quando chegamos um galpão industrial pouco iluminado, eu estremeci. Por um momento, pensei que minha suposição sobre o cabo de guerra estava errada, mas voltei a reconsiderá-la quando os guardas ordenaram que formássemos grupos de dez pessoas. Como éramos nove, um homem loiro, pálido e magro se aproximou de nós e pediu para se juntar ao grupo. Ele se apresentou como Mathias Fels e disse que era de Berlim. Apesar de ter um porte físico muito parecido com o de Shaggy, ele era mais alto e mais forte que os demais participantes (exceto os ingleses), e por isso ele foi aceito. Quando os grupos de dez pessoas foram formados, cada grupo recebeu um número, e eu me surpreendi quando percebi que havia apenas dez grupos – ou seja, mais de trezentas pessoas já haviam sido brutalmente assassinadas desde o início dos jogos. A demora dos guardas em dar novas instruções deixou todos nervosos, e inevitavelmente eu comecei a analisar cada um dos grupos e compará-los com o meu. Percebi que tínhamos vantagens sobre todos os grupos, exceto pelo grupo dos ingleses, composto apenas por homens jovens, de porte atlético e sem nenhum ferido.

            Shaggy: Tipo, a gente não pode pegar os britânicos de jeito nenhum! Tipo, não é machismo, etarismo, gordofobia, nem nada, mas aquele grupo tá parecendo o time do Liverpool e nós só temos o Wang, o Fred e o Andrei para segurar a barra… tipo, olha só para mim, eu mal consigo segurar o Scooby-Doo na coleira e ele tem menos que 60kg, nem fudendo que eu vou derrubar esses caras!

            O comentário de Shaggy foi duro, mas era a realidade. Com duas top models, uma professora de meia idade, um soldado ferido, um maconheiro (e a sua versão alemã) e uma sedentária que sente dor nos braços só de carregar um livro com mais de mil páginas (eu), seria quase impossível sobreviver. Porém, na ausência de atributos físicos, nos restava apenas usar a criatividade para vencer.

            Velma: Que se foda o time do Liverpool e esses desgraçados, não vamos vencer usando a força, vamos vencer usando a resistência! Vamos usar a ciência e distribuir os pesos de maneira estratégica, assim poderemos evitar que eles nos puxem… e quando eles se cansarem de tanto puxar, nós puxaremos seus corpos exaustos e venceremos!

            Minha ideia gerou pequenos sorrisos de esperança em meu grupo, e todos concordaram, menos Fred, que tinha seu próprio plano.

            Fred: Ou então podemos negociar… trocamos a informação privilegiada de que o próximo jogo será cabo de guerra por uma trégua…

            Shaggy: Negociar com aqueles filhos da puta? Nem fudendo! Tipo, eu quero vê-los carregados pelos guardas dentro de caixas de presente!

            Fred: E eu quero isso tanto quanto você, Shags, mas nós dois sabemos que não podemos entrar em confronto nesse momento…

            Inevitavelmente, Fred olhou para Daphne, e eu e Shaggy entendemos o motivo da preocupação.

Shaggy: Tipo, não vai funcionar, Jones! Se o nosso time tiver que enfrentar o time deles, apenas um dos times terá que vencer! Se os guardas virem que não estamos jogando para valer, com certeza eles atirarão em nós!

Fred: Exatamente! Por isso temos que negociar para que nossos times não se enfrentem… se pegarmos outros oponentes, os dois times vencerão…

Shaggy suspirou com irritação e cedeu, e os demais não se opuseram à ideia de negociar com a gangue. Fred caminhou até Tom e, ao contrário do que ele pensava, a conversa entre eles durou menos de um minuto. O ódio nos olhos de Fred dizia claramente que o acordo não foi aceito, mesmo assim, Shaggy insistiu em perguntar.

Shaggy: E aí? Tipo, o que ele falou?

Fred: Ele disse que o único acordo aceitável entre nossos times é: quando ele fizer meu sangue e o seu escorrer pela arena, a Daphne será dele…

Shaggy: Tipo, eu avisei, porra! Não tem como negociar com esses filhos da puta!

Velma: E agora, o que faremos?

Fred: Vamos fazer o sangue deles escorrer pela arena…

***

            Com os times formados, os guardas nos conduziram até corredores numerados e ordenaram que formássemos uma fila no corredor que tinha o número do nosso grupo. Nós nos olhamos e Wang sinalizou que, possivelmente, a ordem da fila seria a ordem do cabo de guerra, então os rapazes foram para frente e deixaram as posições finais para as mulheres.

            Velma: Esperem!

            Quando olhei no fundo do galpão, eu vi duas plataformas metálicas altíssimas na escuridão. Nelas havia cordas em cada um dos lados, eu meu coração disparou só de imaginar que aquele seria o palco do cabo de guerra.

            Velma: Vejam aquilo!

            Meu aviso chamou a atenção de todos os presentes, e todos se assustaram quando viram que o jogo ocorreria a uma altura equivalente a um prédio de dez andares. Eu notei que Tom e os demais homens da gangue tinham um semblante assustado e ressentido – provavelmente porque perceberam que Fred dizia a verdade -, e olhavam para nós com preocupação.

            Shaggy: Tipo, eles tão de brincadeira que a porra do jogo vai ser lá em cima! E se a gente cair?

            A pergunta de Shaggy não foi retórica, mas se tornou retórica a partir do momento em que percebemos que o objetivo do jogo era, literalmente, derrubar o outro time daquela altura. Instintivamente, Ginevra e Lupe caminharam até o fim da fila, e Daphne tentou disfarçar o medo, mas lágrimas não paravam de surgir em seus olhos.

            Fred: Hey,fica calma… ninguém vai mover um passo desse grupo e nós vamos vencer… eu vou ficar na frente e não vou deixar você cair…

            Shaggy: Tipo, fica à vontade de ficar aí na frente, Fred, eu tô indo para trás junto com as garotas!

            Daphne riu da atitude de Shaggy e enxugou as lágrimas, enquanto Fred o segurou pelo pulso e o impediu de ir para o final da fila. Wang o pegou pelo outro pulso e fez um gesto para os rapazes irem para o começo da fila.

            Velma: Esperem! Essa ordem pode funcionar para os times mais fracos, mas se jogarmos contra os ingleses não vai funcionar. Se eles derrubarem Fred ou Andrei, eu e as garotas não conseguiremos resistir aqui atrás. Precisamos distribuir nossos pesos e forças…

            Wang: Velma tem razão. Vamos intercalar pessoas de maior peso e força com pessoas mais fracas e mais leves… assim, conseguiremos não apenas resistir como também puxar os adversários de maneira mais eficaz.

            Velma: Certo… vamos organizar os pesos… Ginevra, quando você pesa?

            Ginevra: Eu não sei como funcionam as coisas nos Estados Unidos, mas eu acho que existe um consenso internacional de que nenhuma mulher no universo gosta de responder essa pergunta…

            Velma: Ginevra!

            Ginevra: Ok, 80 kg! Sem julgamentos, seus gordofóbicos!

            Eu revirei os olhos e sorri, e nós passamos os minutos seguintes decidindo qual seria a melhor formação daquela fila mortal. Por consenso – físico e científico – decidimos que Andrei, o mais pesado de todos e um dos mais fortes, ficaria no fim da fila. Na frente dele, ficariam Mathias e Shaggy, bem mais leves, porém, fortes, altos, ágeis, e com braços e pernas mais longos. Na frente deles, ficaria Dmitri, também forte e pesado, porém, gravemente ferido; e na frente de Dmitri, Lupe, que apesar de ser bem leve, era atlética e muito forte. Na frente dela, ficou Ginevra, pesada e alta, e em seguida Wang, baixo, porém, forte e com preparo militar. Daphne inicialmente foi colocada perto de Shaggy e Mathias, mas se recusou a ficar longe de Fred, então os primeiros da fila foram Daphne, eu, e Fred, o mais forte de todos, ficou na frente. Não tivemos tempo de revisar ou repensar nossa ordem estratégica, pois dois mascarados sortearam dois números, e os dois grupos foram convocados. Por sorte, nenhum dos dois números era o número de nosso time, mas um deles era o número do time dos ingleses.  Os dois grupos, então, foram encaminhados para o fim do galpão e desapareceram na escuridão. Imediatamente, holofotes se acenderam em direção às plataformas, e em poucos minutos, vimos cada um dos times de um dos lados das plataformas, com algemas presas à corda e a uma corrente que ligava cada um dos membros do grupo. A ansiedade que tomou conta de mim quase tirou os meus sentidos, mas ao olhar ao redor, eu percebi que todos estavam tão apavorados quanto eu.

 De repente, um tiro determinou o início do jogo, e cada um dos grupos começou a puxar a corda para o seu lado. Como havíamos previsto, os ingleses eram imbatíveis, em menos de trinta segundos eles conseguiram arrastar todas as dez pessoas do time oposto para fora da plataforma e elas ficaram penduradas pela corda e pelas algemas. Daphne gritou de aflição ao vê-los prestes a cair, mas um segundo depois, uma guilhotina cortou a corda que os prendia e os dez despencaram daquela altura, encontrando a morte no solo. Os gritos de horror e os choros desesperados dos times que aguardavam o sorteio se misturaram às comemorações patéticas de Tom e dos demais em cima da plataforma, de modo que a única coisa realmente audível era o medo. Daphne abraçou Fred com força e eu senti minhas mãos gelarem quando vi um dos guardas colocar a mão dentro da caixa e sortear um número. Desta vez, o grupo sorteado era composto pelas pessoas que operaram Li no dia anterior, inclusive o médico que me auxiliou com a tradução. E infelizmente, o outro grupo sorteado era o nosso.

***

            O caminho até o elevador foi mais longo que parecia. Enquanto eu caminhava, eu ouvi orações de diferentes religiões em diversas línguas, e me arrependi profundamente por nunca ter aprendido a rezar. Eu tentei, em vão, entrar em contato com algum Deus que eu não acreditava para lhe pedir misericórdia, mas a violência dos guardas ao nos algemar na corda e nos jogar no elevador foi tão grande que eu percebi que misericórdia não existia naquele lugar. 

Velma: Não se esqueçam! Assim que o jogo começar, joguem seus corpos para trás e resistam. Quando eles se cansarem de puxar, vamos puxá-los de uma vez.

Eu nunca participei de nenhum time de esportes na escola, mas de alguma forma eu achei que poderia fingir ser uma treinadora que conduziria o time à vitória. Todos concordaram, entretanto, o clima predominante não era de vitória. Havia uma espécie de luto no ar que me assustava muito. Daphne e Fred permaneceram de mãos dadas durante a subida, e disseram em cinco minutos todos os “Eu te Amo”´s que eles não disseram um ao outro nos últimos dez anos. Lupe também segurou a mão de Dmitri, e assim eles ficaram até o elevador parar e nos depararmos com uma plataforma que parecia o telhado de um prédio.

            Wang: Fiquem tranquilos. Aqueles corpos magros terão que puxar mais de 650kg. E temos uns 300kg de músculos que puxarão nossos adversários com facilidade.

            A frase de Wang não nos motivou, pois a altura da plataforma foi o suficiente para nos desarmar. Minhas pernas tremiam tanto que eu duvidei que eu conseguiria exercer qualquer tipo de força com elas. Mesmo assim, eu me posicionei logo atrás de Fred e desejei boa sorte a todos os meus amigos. Quando o tiro determinou o início do jogo, nós nos jogamos para trás conforme havíamos combinado, e o esforço no rosto de nossos oponentes demonstrou que meu plano funcionou… mas não previu a estratégia do time oposto.

 Logo após o esforço inicial, as dez pessoas do outro time deram um passo para frente simultaneamente enquanto ainda puxávamos a corda com toda a nossa força, e isso nos desequilibrou. O corpo de Fred veio em minha direção bruscamente e ele se apoiou em mim para não cair. Ao tentar escapar, eu joguei meu corpo para trás e empurrei Daphne, que torceu o tornozelo e caiu sentada. Essa ação causou um efeito dominó nos demais, e todos caíram sentados na plataforma. Daphne gritou de dor, e Fred imediatamente se desconcentrou e olhou para trás para tentar ajudá-la. No exato momento em que ele fez isso, o time adversário puxou a corda com toda a força e os pés de Fred saíram da plataforma. Daphne e eu gritamos e tentamos puxar Fred com toda a nossa força, mas o peso do corpo dele suspenso nos puxava cada vez mais em direção ao abismo. Eu ouvi Shaggy e os rapazes gritarem de desespero, e senti a corda sendo puxada para trás, porém, o esforço deles parecia inútil. O time adversário, então, puxou a corda de maneira brusca e rápida por várias vezes para tentar me derrubar também. A cada golpe, eu era puxada até uma de minhas pernas saírem da plataforma, e Daphne me puxava de volta com toda a força dela, até seus pés escorregarem e a lesão no tornozelo fazê-la cair. Fred tentava voltar de todas as formas, mas seus esforços só o faziam afundar mais no abismo.

Enquanto eu lutava para manter meus pés no limite da plataforma, o time adversário deu outro passo para frente, e dessa vez eu me desequilibrei totalmente. Meu tronco caiu na plataforma, mas minhas pernas perderam o apoio e ficaram no ar. Sem poder usar os pés para resistir, eu me arrastei desesperadamente para trás, e Daphne largou a corda por um momento para me ajudar a voltar. N mesmo momento, time oposto novamente começou sua manobra de puxar a corda de maneira rápida e brusca, e isso me fez ficar presa na plataforma apenas com as mãos. Felizmente, os rapazes no final da fila usaram a mesma estratégia e começaram a puxar a corda para trás em movimentos rápidos. Com uma força milagrosa, os rapazes conseguiram puxar a corda de tal forma que o peso de Fred não mais nos puxava para frente, e quando isso aconteceu, Daphne conseguiu me puxar até eu conseguir voltar para a plataforma.

Nos segundos seguintes, apenas resistimos. Nenhuma força parecia ser capaz de fazer Fred voltar, e no momento em que o peso dele começou a nos puxar para frente novamente, ele desistiu de voltar para a plataforma e olhou diretamente para mim.

Fred: Velma, corte a corda! Eu sei que você ainda tem pedaço de louça!

Como estava usando toda a minha energia para puxar a maldita corda, eu sequer respondi, mas ao ver meus pés escorregando constantemente em direção ao fim da plataforma, Fred começou a gritar raivosamente para eu romper a corda e livrar o resto do grupo do mesmo fim de ele teria. Daphne começou a chorar atrás de mim, e entre as súplicas dela para eu não desistir de Fred e os gritos dos rapazes no fim da fila para eu não fazer aquilo, o mais baixo instinto de sobrevivência fez uma de minhas mãos soltar a corda e tatear os bolsos em busca da faca improvisada. Daphne imediatamente puxou o meu braço para eu não conseguir alcançar o fundo do bolso, e nós lutamos enquanto Shaggy gritava meu nome descontroladamente. Porém, mesmo com tantas súplicas, eu fui a pior pessoa do universo e continuei a procurar a louça quebrada. Quando eu finalmente consegui pegar, os rapazes do fundo da fila deram um passo à frente, isso me desequilibrou e me fez cair de joelhos, e Daphne caiu nas minhas costas. Felizmente, a ação também derrubou o time adversário e os desconcentrou, fazendo-os perder suas posições e soltar a corda por instantes. No mesmo momento, eu me levantei, e os rapazes deram vários puxões rápidos e bruscos que conseguiram fazer os pés de Fred voltarem ao chão.

 No momento em que Fred se equilibrou novamente na plataforma, o primeiro homem do time oposto se levantou, então bastou que Fred puxasse a corda com força para que ele caísse no abismo. Com um dos integrantes pendurados, o resto do grupo não teve condições de resistir por muito tempo. Também não conseguiram mais se beneficiar da técnica de dar um passo à frente para nos derrubar, pois Fred estava alerta e determinado a vencer. Aos poucos, derrubamos cada uma daquelas pessoas, e a cada vez que isso acontecia, eu pedia perdão a elas silenciosamente por fazer aquilo. Quando o último integrante restou na plataforma, eu já estava esgotada de tanto puxar. Minhas mãos estavam sangrando devido ao atrito com a corda e todos meus músculos doíam, mas a sensação mais dolorosa foi ver aquele corpo despencar e logo em seguida a guilhotina determinar o fim daquelas vidas.

Daphne pulou em cima de Fred e o abraçou com uma força descomunal. Aparentemente, nenhum deles ficou zangado comigo, porque logo em seguida eles me abraçaram, e segundos depois, Shaggy chegou correndo e se juntou ao nosso abraço. Quando as toneladas de adrenalina se dissiparam, o alívio que eu senti me fez ficar apática, tão apática que eu não senti nada ao assistir as disputas restantes. A única coisa que me chocou foi a frieza dos guardas. E, também, perceber que eu posso ser tão fria e assassina quanto eles.

***

Quando voltamos ao dormitório, a mesa já estava servida, mas a comida disponível era pouco nutritiva e a água não era o suficiente. A exaustão causada pelo exercício excessivo fez com que poucos se motivassem a ir imediatamente para a fila do jantar, e um deles era Shaggy. Felizmente, ninguém implicou com ele durante a refeição dessa vez, nem mesmo quando Daphne e eu cedemos nossas porções de legumes crus a ele. Quando o jantar encerrou, meu coração se encheu de esperança de encontrar Flim Flam durante a visita às salas de banho. Eu avisei Fred, Daphne e Shaggy para ficarem alertas a uma possibilidade de fuga, porém, no momento em que as filas se formaram, percebi que Lupe, Ginevra, Wang e os russos haviam se rendido ao cansaço e já estavam dormindo.

Infelizmente, Daphne e eu não vimos Flim Flam nos corredores durante a higiene noturna. Também não tivemos oportunidade de escapar, visto que havia mais guardas nos escoltando. Quando voltamos aos dormitórios, o rosto desolado dos rapazes confirmou que o mesmo havia acontecido com eles. Mesmo assim, Fred insistiu.

Fred: Vamos esperar até a madrugada, pode ser que Flim Flam apareça…

Shaggy: Tipo, se eu conseguir manter meus olhos abertos por mais de vinte minutos depois que as luzes apagarem, eu espero…

Fred: Se ele não aparecer, eu sairei pelos dutos e irei buscar ajuda. Não podemos mais ficar nem mais um minuto aqui, o próximo jogo pode ser ainda pior!

Daphne: Frederick Jones, você não vai a lugar nenhum! Você não tem chance de lutar sozinho contra tantos guardas, veja o que aconteceu com o agente Li e Flim Flam!

Fred: Eles não irão me encontrar, Daph! Eu preciso fazer alguma coisa!

Daphne: Freddie, alguma coisa precisa ser feita, mas não por você… por favor! Eu quase te perdi hoje, e eu nunca mais quero passar por isso! Não podemos nos separar agora!

A súplica de Daphne fez Fred hesitar. Ele, então, olhou para mim e para Shaggy, esperando nossos conselhos sobre o que ele deveria fazer.

Velma: Daphne tem razão, o que quer que façamos, precisamos fazer juntos, não temos chance sozinhos lá fora. Além disso, sabemos que os próximos jogos serão versões psicopatas e diabólicas dos jogos representados na parede, então podemos usar nosso tempo para nos organizar e vencer… ou pelo menos, vencer o suficiente para conseguirmos ser a maioria e desistir…

Fred: Sabemos os jogos, mas não exatamente como eles serão jogados! O jogo de hoje é a prova de que os imprevistos importam tanto quanto o tipo do jogo…

Shaggy: É, mas, tipo, lá fora tem uns quatrocentos imprevistos mascarados com fuzis cheios de balas, sem falar os VIPs… então é melhor a gente ficar por aqui de boa e fazer umas brincadeirinhas… sem falar que aqui tem comida, tipo, o jantar foi uma merda, mas os pãezinhos são uma delícia! E aqui também tem brincadeiras com comida, já pensou se o jogo de bolinhas de gude for feito com bolinhas de chocolate?

Fred não se opôs, mas seu rosto demonstrava que ele estava contrariado. Daphne, então, segurou as mãos dele e o olhou nos olhos.

Daphne: Eu não vou deixar você ir, Freddie, de jeito nenhum! Eu não quero ficar sem você, entendeu?

Fred cedeu momentaneamente aos apelos de Daphne e a abraçou com ternura, mas a expressão em seu rosto mostrava que ele ainda considerava um plano de fuga. Os guardas anunciaram que apagariam as luzes em poucos minutos. Shaggy fez um barulho com a garganta e olhou para mim, sinalizando para que deixássemos os dois sozinhos, mas eu permaneci ali quando ele saiu. Entre os vários sentimentos horríveis que me atormentavam, havia um que eu podia resolver: a culpa. Por isso, quando o abraço entre os dois terminou, eu segurei o pulso de Fred e o encarei.

Velma: Eu preciso pedir perdão para você, capitão…

Fred: Por quê?

Velma: Porque eu sou uma péssima amiga e uma péssima subordinada.  Eu menti para você ontem, hoje eu quase cortei aquela corda e…

Fred: …e agora está tudo bem.

Velma: Não, não está tudo bem, eu menti sobre uma coisa séria e eu me sinto horrível por isso… se alguém que eu amo morresse e você fingisse que essa pessoa está viva, eu jamais te perdoaria por ter me enganado…

Fred: Por que você não me perdoaria?

Velma: Por você me dar uma esperança ilusória de…

Fred: Velma, eu te perdôo por você se importar comigo a ponto de me dar a esperança ilusória que salvou a minha vida. É isso que você precisa ouvir para esquecer tudo isso?

Era exatamente isso, mas de alguma forma, eu ainda me sentia a pior pessoa do mundo. Eu me sentia tão imunda quanto aqueles guardas, mesmo sabendo que meu crime era infinitamente menor que o deles. De repente, um dilúvio de emoções confusas caiu sobre mim, e eu comecei a chorar sem motivo.

Velma: Fred, eu… ia… eu ia cortar aquela corda!

Daphne e Fred me abraçaram, mas o apoio deles não tornou minhas emoções mais leves. Eu enxuguei minhas lágrimas como pude e tentei ao máximo controlar o choro.

Fred: Você é uma excelente amiga, Velma, você fez o necessário para salvar a minha vida. E você é uma excelente subordinada, porque ia fazer exatamente o que eu lhe pedi sem questionar minha ordem.

Fred deu um tapinha nas minhas costas e Daphne acariciou meu cabelo para me consolar, e aos poucos, o choro cedeu. Fred sinalizou que as luzes se apagariam em breve, e por isso, deveríamos escolher nossas camas. Como no dia anterior, nós nos alojamos perto da tubulação de ar, e Shaggy nos seguiu. Percebi que tanto Shaggy, quanto Fred tinham pedaços de madeira nas mãos, provavelmente por temerem as brigas noturnas. Enquanto Daphne escolhia uma cama, Fred sorriu, segurou uma de suas mãos e a impediu.

Fred: Aonde você pensa que vai? Eu nunca mais vou deixar você ficar longe de mim!

Daphne sorriu timidamente, mas Fred continuou olhando para ela, segurando a sua mão e puxando-a em direção à cama dele. Então, Daphne percebeu que ele estava falando sério e cedeu.

Daphne: Ok, eu vou ficar aqui apenas para te impedir de executar o plano que todos nós te impedimos de fazer. Fique sabendo que eu também não vou deixar você fugir sozinho por aquela tubulação e correr riscos, eu fui clara?

Fred: Parece um bom trato… e parece que você me conhece bem mais do que eu imaginava…

Os dois riram e Daphne se acomodou nos braços de Fred logo após ele se deitar. Eu estava indecisa sobre qual cama escolher, mas quando as luzes se apagaram, eu pulei na primeira cama disponível. Apesar da exaustão e do medo, eu não consegui dormir imediatamente. Por mais que eu tivesse boas chances de sobreviver aos próximos jogos, eu me sentia como uma condenada na véspera da execução. Minha mente não parava de pensar na minha família e nos momentos felizes de minha vida, e as imagens que surgiam em minha cabeça pareciam uma despedida mórbida. Percebi que Daphne, Fred e Shaggy também estavam inquietos e não conseguiam dormir, e o silêncio deles me fez pensar que eles estavam enfrentando os mesmos dilemas existenciais que eu.

 Daphne: Freddie… se acontecer alguma coisa amanhã, eu amo você, tá? E eu amo vocês também, Velma e Shags.

Shaggy respondeu um “eu amo vocês” com a voz embargada. Eu consegui disfarçar a emoção e responder normalmente, mas acabei evidenciando meu choro quando solucei. 

Fred: Eu te amo, Daph, mas não vai acontecer nada amanhã. É só um jogo de bolinhas.

Daphne: Mas se acontecer, diga aos meus pais que…

Fred: Não vai acontecer! Nós vamos vencer! A única coisa que eu vou dizer aos seus pais é que eu amo você e quero…

Daphne: Freddie, deixe-me falar! Se eu morrer, você tem…

Fred: A única coisa que você tem que pensar nesse momento é a resposta que você vai me dar quando eu te pedir em casamento, ok? Nada além disso. Nós vamos vencer e vamos sair daqui! Nada de ruim vai acontecer com nenhum de nós!

Daphne riu ao ouvir aquilo, mas os soluços demonstraram que ela estava chorando. O otimismo falso de Fred cessou por um momento e ele a encheu de beijos, como se cada um deles pudesse aliviar aquela angústia.

Daphne: Eu espero que você esteja certo e que nós estejamos bem longe daqui quando você propuser… porque, neste momento, é irônico e sádico demais dizer “até que a morte nos separe”…

Fred: Nós estaremos, é uma promessa. E eu espero que você pense em outra resposta, porque nem a morte vai conseguir nos separar daqui para frente.

Mais barulhos de beijos surgiram logo em seguida, e minutos depois, o silêncio absoluto no dormitório mostrou que Daphne e Fred haviam adormecido. Apesar dos esforços, eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Inevitavelmente, eu me mexia na cama procurando uma posição mais confortável que me fizesse relaxar, mas a ansiedade fazia aquele colchão parecer uma cama de pregos. Cerca de uma hora depois, eu desisti de dormir, sentei-me na cama e encarei a tubulação de ar. As ideias que surgiram na minha cabeça me fizeram estremecer, mas eu me convenci que estaria menos segura dentro daquele dormitório. Quando minhas mãos inconsequentes retiraram aquela grade e me conduziram por aquele túnel, meu coração doeu ao ser separado dos meus amigos. Mesmo assim eu continuei, pois sabia que se eu permanecesse ali sem fazer nada, a morte poderia nos separar para sempre.


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