Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 25
Capítulo 25 – Colmeia de sangue




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805218/chapter/25

 

            As luzes brancas da sala acenderam logo após um barulho de sinos ecoar por todo o ambiente, e elas eram tão fortes que se tornou impossível continuar dormindo. Eu abri os meus olhos, mas não consegui mover o meu corpo, pois ele ainda estava pesado devido à adrenalina e aos esforços do dia anterior. A primeira visão que tive foi a grande porta se abrindo e meia dúzia de mascarados vermelhos entrando na sala, carregando as mulheres que haviam sido levadas na noite anterior. Todas elas pareciam machucadas e estavam com cara de choro, e eu estremeci só de imaginar o motivo delas estarem assim. Quando eu me levantei, todos os meus amigos já estavam acordados, aparentemente, nenhum deles conseguiu dormir bem. Apenas Lupe ainda estava deitada em sua cama, com os olhos cheios de lágrimas e os braços ao redor dos ombros, como se estivesse abraçando a si mesma. Eu senti pena de vê-la tão assustada, mas não consegui consolá-la, afinal, eu não conseguia sequer lidar com meus próprios sentimentos. Fred e os demais estavam reunidos em um canto da sala, e eu me aproximei deles para ouvir o que estavam planejando.

            Andrei: Os guardas não nos acompanham dentro dos banheiros, nem nos momentos de higiene, então acredito que será o momento ideal para uma fuga…

            Shaggy: Tipo, há dutos de ar nos banheiros, eu chequei… podemos fugir através deles…

            Wang: Eu, você, Velma e as duas mulheres certamente podemos, Shaggy, mas Fred, os russos e a velha não cabem nos dutos, e nós não podemos deixá-los para trás…

            Fred: Isso não é um problema. Se vocês têm uma chance de fugir, devem tentar… nós despistaremos os guardas e os demais participantes para que vocês consigam, e depois pensaremos em uma forma de fugir com Milagros…

            Velma: NÃO!

            A minha intervenção repentina assustou meus amigos e todos olharam para mim.

            Velma: Não podemos nos separar dessa vez, Fred…

            Fred: Não temos escolha, Velma, não sabemos o que o próximo jogo nos reserva e não podemos ficar aqui para descobrir!

            Velma: Erros são fatais aqui, Fred…

            Fred: E erros são fatais nos jogos também, a única diferença é que na fuga vocês terão uma chance de conseguir sair daqui!

            Eu abri a boca para responder, mas Andrei segurou o meu ombro e o de Fred com força, e o gesto dele nos calou. Sem dizer uma palavra, ele fez um gesto com a cabeça em direção a um homem loiro de sotaque irlandês que nos observava atentamente, e nós dois entendemos que ele compreendia o idioma inglês e estava ouvindo nossos planos de fuga. Em seguida, Wang sinalizou para nós nos separarmos, e voltamos para as nossas camas. Ao chegar a minha cama, Lupe ainda estava em posição fetal, e percebi que ela estava chorando e tremendo muito. Novamente, senti compaixão de vê-la naquela situação, e desta vez tentei consolá-la de alguma forma.

            Velma: Ei, fique calma… nós vamos dar um jeito de fugir… daqui a pouco os guardas nos levarão aos banheiros e podemos escapar pelos dutos de ar…

            Mesmo sabendo que poucas pessoas compreendiam o idioma espanhol naquele lugar, eu cochichei. A notícia teve efeito tão positivo na garota que ela se sentou imediatamente na cama e me olhou com surpresa. Eu estava indo em direção a Ginevra para avisá-la sobre o plano quando os guardas anunciaram algo no megafone que eu não consegui compreender muito bem. Eu olhei em direção a Wang, desejando que ele traduzisse o que foi dito, mas ele apenas mexeu os lábios silenciosamente e disse “é agora”.

***

            O fato de não termos elaborado um plano de fuga me deixou nervosa, e tudo o que fiz foi reunir as três mulheres e procurar um lugar na fila que nos conduziria aos banheiros para a higiene matinal. Lupe me olhou assertivamente, sinalizando que estava pronta para tentar a fuga, mas não tive tempo nem oportunidade de explicar o que faríamos para Ginevra e Milagros. Percebi que Shaggy estava igualmente ansioso, pois ele caminhou em direção a Wang e ficou se mexendo no próprio lugar. Fred era o único com semblante confiante e nos desejou boa sorte antes de se juntar aos russos no final da fila dos homens. Ao deixar a sala, fomos conduzidos novamente através dos labirintos de escadas até chegar aos banheiros, mas para a nossa surpresa, quando entramos havia guardas por toda a parte, apontando armas para nós. Eu entendi que, de alguma forma, os guardas haviam descoberto nossas intenções de fuga, e isso me deixou mais ansiosa ainda. Ginevra e Milagros migraram normalmente em direção às pias para a higiene matinal, e antes de fazer o mesmo, Lupe arregalou os olhos e olhou para mim com desespero, desejando orientações sobre o que ela deveria fazer. Eu abaixei os olhos e não consegui olhar de volta para ela, pois temi que qualquer comunicação entre nós fizesse aqueles fuzis dispararem. Tudo o que fiz foi ignorar o desespero – o meu e o dela – e caminhar até uma das pias para que a água fria em meu rosto tivesse o efeito mágico de me fazer despertar daquele pesadelo.

            Quando a fila das mulheres encontrou novamente a fila dos homens durante a volta ao salão, percebi no olhar frustrado de Shaggy que guardas também haviam frustrado a tentativa de fuga no banheiro masculino. Quando entramos no salão, os sorrisos debochados dos ingleses mostraram que eles haviam denunciado nossas intenções. Fred havia perdido seu olhar confiante, e estava com tanta raiva que era possível vê-la transbordando em seu olhar. Irracionalmente, ele caminhou em direção aos ingleses – provavelmente com a intenção de agredi-los, mas logo Dmitri e Andrei o impediram.

            Lupe: E agora? O que faremos?

            A pergunta angustiada de Lupe veio acompanhada de lágrimas que desceram pelo rosto dela. Felizmente, eu não precisei responder aquela pergunta difícil pois a grande porta se abriu e os mascarados começaram a servir os alimentos da manhã. Shaggy lambeu os lábios e fez um gesto de aproximação da mesa, mas seu corpo se conteve por medo de que os episódios cruéis do dia anterior se repetissem. Ao invés de se juntar a todos na fila do café da manhã, Shaggy se sentou em sua cama e observou a fila com um olhar vazio. Meu coração doeu de perceber que ele estava tão assustado que o medo que ele sentia era ainda maior do que a sua enorme fome. Solidariamente, eu me aproximei e o puxei pela mão, e assim ficamos juntos até chegar a nossa vez de pegar a comida.

Como uma criança pequena, Shaggy olhou para mim esperando orientação sobre o que deveria fazer, e eu sinalizei para que ele pegasse sua porção. Ele obedeceu e consumiu tudo o que pegou antes que pudéssemos nos afastar da mesa. Eu percebi que ele ainda estava com fome por ficar constantemente cobiçando o meu pão e minha xícara de café, mas o medo o intimidava a ponto de ele não conseguir esboçar nenhuma reação. Depois de dois goles de café e duas pequenas mordidas na fatia de pão, eu entreguei minhas sobras para ele. O resto de pão foi engolido em uma só mordida, já o café demorou um pouco mais para ser consumido porque estava quente.

A quantidade extra de alimento causou um pequeno sorriso no lábio de Shaggy, mas foi logo foi interrompido por um estalo brusco e violento em sua direção, que o fez cair sentado no chão. Um barulho de louça quebrando chamou a atenção de todos os presentes, inclusive a minha, e eu sequer entendi o que havia acontecido. Quando uma xícara atingiu a minha orelha esquerda, eu percebi que o mesmo homem coreano que havia brigado com Shaggy no dia anterior estava disposto a brigar novamente. O homem coreano se aproximou de maneira ameaçadora, e logo atrás dele, os ingleses surgiram com suas louças em punho. Os guardas não se manifestaram após o ataque, pelo contrário, eles pareciam satisfeitos de ver a briga começar, e naquele momento eu entendi que as louças do café eram propositais, para que um participante ferisse o outro. Fred correu em nossa direção, pronto para atacar todos eles, mas antes que ele pudesse iniciar outra briga, Shaggy o segurou pelo pulso e o impediu. Foi preciso que Wang e os russos impedissem Fred de continuar, pois ele estava tão determinado a acabar com o homem que nos atingiu que as tentativas de apaziguamento de Shaggy não foram suficientes. Eu tateei a minha orelha e afastei a mão quando senti dor. Ao olhar para os meus dedos, percebi que havia sangue, e que a xícara havia feito um corte grande logo atrás da minha orelha. Além da dor, da raiva e da tristeza, um zumbido insuportável me enlouqueceu ainda mais. A única coisa que manteve minha razão intacta foi a necessidade de ajudar Shaggy, que tinha um grande corte aberto na testa, sangrava muito e fazia um esforço enorme para não cair em lágrimas. Ginevra veio em nossa direção com um pedaço de lençol em mãos e fizemos uma compressa improvisada no ferimento de Shaggy. Em seguida, senti uma mão apertar o meu próprio ferimento, e ao olhar para trás, vi Lupe limpando meu sangue com um pedaço de lençol. Shaggy não conseguiu se segurar e caiu em lágrimas, e o desespero dele divertiu os homens que o atacaram. Aquilo enfureceu Fred ainda mais, mas ao invés de atacar os homens e começar outra briga, ele fez o contrário do que os guardas esperavam: apenas se aproximou e ajudou Shaggy a se levantar. Em seguida, Ginevra e Lupe fizeram o mesmo comigo, e nós voltamos para as nossas camas. Em meio aos deboches de seus oponentes, Shaggy se distanciou um pouco do nosso grupo, abaixou-se e pegou um pedaço afiado do prato que havia se quebrado em sua cabeça.

***

            A grande porta se abriu e os mascarados começaram a retirar a mesa, a louça e os alimentos. Meu coração acelerou de imaginar que, a qualquer momento, outro jogo macabro começaria, e poderíamos não ter tanta sorte desta vez. Eu me aproximei da cama onde Shaggy e Fred estavam sentados, pensando que Fred nos daria instruções sobre como proceder, mas os dois permaneceram em silêncio, perdidos em seus próprios sentimentos. De repente, a porta se abriu novamente e vários mascarados armados se posicionaram em fila, formando um triângulo. Na ponta desse triângulo, havia um mascarado muito baixo com o símbolo de quadrado em sua máscara. Este homem começou a gritar coisas em idioma coreano e a apontar sua arma para alguns participantes. No mesmo momento, Shaggy e Wang se olharam surpresos, e um pequeno sorriso surgiu no canto da boca de Shaggy. Cerca de cinco pessoas de características asiáticas se apresentaram após o chamado do mascarado, e para a minha surpresa, ele também apontou sua arma para mim e deu algumas ordens em coreano. A convocação fez meu coração disparar e eu senti minhas pernas falharem. Lupe levou as mãos à boca de surpresa e seus olhos se encheram de lágrimas, o que fez com que meus olhos ficassem marejados também. Ao ver minha inércia, o mascarado insistiu de maneira mais ríspida e alguns homens apontaram seus fuzis para a minha cabeça, então eu me levantei e me apresentei imediatamente. Apesar do medo e da tristeza, Ginevra e Lupe não me impediram de continuar, o único que me segurou pelo pulso foi Fred, e logo em seguida ele se colocou na minha frente. Os mascarados, então, apontaram suas armas para a cabeça de Fred, e o homem de máscara quadrada se irritou e começou a gritar. Fred certamente não entendeu nenhuma palavra, mas se preparou para lutar para impedir que eles me levassem. Imediatamente, Shaggy se aproximou e soltou as mãos de Fred do meu pulso, sinalizando para que ele me deixasse ir.

            Shaggy: Fred, tipo, deixa ela ir…

            Fred empurrou Shaggy com violência e insistiu em me segurar, mesmo assim, dois homens mascarados seguraram meus dois braços e me escoltaram para fora do dormitório junto com as demais pessoas convocadas. Fred resistiu às tentativas de Shaggy e insistiu em correr atrás de mim, mas a porta foi fechada e ele foi impedido pelos guardas. Ao passar pela porta, eu comecei a chorar de desespero por temer o destino que me aguardava. Confesso que também chorei de raiva, por Shaggy ter desistido de mim mesmo depois de todo o apoio que dei a ele.

Fomos conduzidos pelos guardas através de corredores estreitos e coloridos e escadarias intermináveis, até que chegarmos a uma espécie de porão escuro que parecia um necrotério. Nas paredes, havia gavetas onde corpos eram mantidos. Havia também dezenas de caixões em forma de caixa de presente, mesas de autópsia, instrumentos cirúrgicos e alguns incineradores de corpos. Aquela imagem me fez lembrar sobre a descoberta do tráfico de órgãos, e eu chorei ainda mais ao concluir que estava prestes a ser vítima daquele tipo de crime. Para a minha surpresa, quando eu e os cinco outros participantes entramos na sala, apenas o homem com a máscara de quadrado nos seguiu. Assim que ele entrou, ele dispensou os demais mascarados, se apoderou de um fuzil e trancou a porta. Logo em seguida, ele caminhou até uma das mesas de autópsia e descobriu o corpo de um homem deitado de barriga para baixo, e eu estremeci ao me aproximar e perceber que se tratava do agente Li, baleado no último jogo.

O susto que tomei ao reconhecê-lo foi evidente, e percebi que os demais participantes também ficaram chocados. O mascarado, no entanto, ignorou nossas reações e despejou uma porção de instrumentos cirúrgicos e medicamentos na mesa que estava em nossa frente, e em seguida continuou a ditar ordens em coreano e a apontar o fuzil para nossas cabeças. Obviamente, eu não consegui compreender as ordens, mas os demais participantes acataram e logo começaram a realizar procedimentos cirúrgicos no corpo do agente Li. O horror de estar presenciando o início de uma retirada de órgãos se misturou com o imenso pavor que senti por não compreender as ordens que eu deveria seguir, e essa mistura de sentimentos me fez congelar. Ao perceber meu desespero e minhas mãos tremendo, um dos participantes cochichou em inglês que eu deveria preparar medicação anestésica para uma cirurgia de retirada de uma bala. A revelação me causou outra surpresa, e eu olhei fixamente para o mascarado, duvidando daquela ordem. O homem de máscara apenas bateu em minha testa com a ponta de sua arma e novamente ditou ordens em coreano em tom ameaçador. Eu ergui as minhas mãos e baixei meus olhos para evitar que ele atirasse em mim, no momento em que fiz isso, eu percebi que as costelas do agente Li estavam se movendo lentamente e ele estava respirando. Temendo por minha vida, o mesmo homem que havia cochichado as ordens para mim me entregou a medicação com as mãos trêmulas e começou a separar instrumentos cirúrgicos. As outras quatro pessoas – duas mulheres e dois homens- prepararam o soro e realizaram a assepsia do local.

Velma: Mas eu não…

sou médica”, foi o que eu quis dizer, mas não consegui completar, pois senti medo de que isso pudesse causar a minha morte. Sem dizer uma palavra, o mascarado encostou a arma na minha testa e ficou olhando fixamente para mim. Neste momento, o homem que havia me ajudado sinalizou quais medicações eu deveria escolher, suas mãos tremiam tanto que ele sequer conseguia segurar os frascos. Então, eu analisei as dosagens e preparei as seringas com base no conhecimento que eu tinha sobre farmacologia. Em poucos minutos, o homem que me ajudou iniciou o procedimento cirúrgico, e eu e os demais o ajudamos da maneira que pudemos. Não sei dizer quanto tempo a cirurgia durou porque qualquer segundo sob a mira de uma arma parece uma eternidade, mas quando ela finalmente terminou, o homem mascarado dispensou rispidamente os demais e me manteve na mira de sua arma. A enorme tensão que senti apenas fez com que eu fechasse meus olhos com força e esperasse pelo pior. Felizmente, ao invés de um tiro, eu ouvi uma voz conhecida chamando pelo meu nome.

Flim Flam: Velma, rápido, temos pouco tempo!

Quando eu abri os olhos, Flim Flam havia tirado a máscara, e a primeira reação que tive foi abraçá-lo com força.

Velma: Eu estou tão feliz de vê-lo por aqui e com vida!

Flim Flam.retribuiu o abraço rapidamente e logo se soltou dos meus braços.

Flim Flam: Pois é, por pouco tempo! A qualquer momento eu posso ser desmascarado pelos meus subordinados…

Velma: Como conseguiu enganar tantos guardas?

Flim Flam: Depois que você foi pega, eu segui os carros até a balsa. Um mascarado me achou, mas, por sorte, eu me livrei dele e consegui pegar as roupas e uma máscara em forma de círculo. Usei esse disfarce até ontem, quando atirei em Li e o trouxe até aqui. Hoje de manhã, eu me livrei do líder dos guardas que usava máscara essa máscara em forma de quadrado, e usei as roupas dele para trazer você e alguns médicos para ajudar o Li… se ele sobreviver, eu o ajudarei a fugir e buscar ajuda…

Velma: Por que você mesmo não foge e chama por ajuda? Não podemos arriscar nossas esperanças em alguém ferido!

Flim Flam: Porque é impossível! Se você acha que as coisas são insanas na arena, você não imagina como são nos bastidores… Shaggy estava certo, Squid Game é mesmo um reality show mortal em que bilionários apostam em pessoas feito cavalos e se divertem vendo-as sofrer e morrer de maneira violenta…

Velma: Os VIPS?

Flim Flam: Sim! E todo o dinheiro que você vê cair dentro daquele cofrinho após uma morte é uma fração dos 38 milhões que vocês haviam descoberto na investigação da Liberty… enfim, estamos isolados em uma ilha, e eu não faço ideia se é mesmo Silmido porque não há qualquer tipo de meio de comunicação por aqui… apenas o Front Man possui um telefone fixo e um celular com acesso a internet, mas eu não tive coragem de usar, pois sei que está grampeado…

Velma: Front Man?

Flim Flam: Sim, é um homem com máscara e vestes pretas que lidera os jogos, recebe os VIPS e cuida das apostas! Também há milhares de soldados aqui, todos dispostos a obedecer cegamente ao Front Man… para que uma fuga dê certo, é preciso que alguém trabalhe duro despistando todos eles…

Velma: Então despiste os guardas e nos ajude a fugir! Existem dutos de ar nos banheiros, só precisamos que os guardas fiquem longe! Use sua autoridade perante os guardas!

Flim Flam: Uma fuga de participantes não será bem sucedida. Os VIPs apostam dinheiro em vocês, ganham e perdem fortunas se vocês passam nos jogos ou perdem suas vidas, então certamente eles sentiriam falta se vocês sumissem de repente. Além disso, eu preciso voltar a usar a máscara em forma de círculo o mais rápido possível! Eles não são burros, em breve a minha altura e a minha falta de treinamento irão denunciar que eu sou um infiltrado, e se eu for pego, nenhum de nós terá uma chance…

Velma: Flim Flam, por favor, não podemos passar por outro jogo! Não sabemos se teremos tanta sorte dessa vez, eu não posso perder meus amigos! Não podemos ficar mais nem um segundo naquele lugar! Alguns homens estão machucando Shaggy…

Flim Flam: Velma, vocês têm que passar pelo próximo jogo! É o tempo necessário para Li se reestabelecer minimamente e para eu conseguir envenenar mais guardas durante as refeições, quem sabe até eu consiga envenenar uns VIPs… com dois infiltrados e menos guardas vivos, temos mais chance de conseguir sair daqui em segurança!

Velma: Nós sequer compreendemos o idioma coreano! Muitas pessoas estão morrendo simplesmente por não entenderem as regras, ou por nunca terem jogado um jogo infantil de uma cultura estrangeira! E se não entendermos as regras do próximo jogo? E se for o tal do Squid Game, que nunca jogamos? E se Wang morrer, quem traduzirá as instruções?

Flim Flam: Essa é a outra razão pela qual você está aqui, trago spoilers! O próximo jogo aparentemente será muito simples, envolve um dalgona candy, ou ppopgi, como chamam em coreano… é um pequeno biscoito circular coreano servido em um palito, é feito de açúcar e decorado com desenhos, geralmente usando moldes de estrelas, foguetes, coisas desse tipo… era um doce muito popular uns 40 anos atrás, e as pessoas geralmente tentam comer a parte redonda em volta do desenho sem quebrar o desenho… então, eu acho que, basicamente, é isso que você deverão fazer durante o próximo desafio…

Velma: E como você tem tanta certeza? E se for outro jogo, como Squid Game, que eu não faço ideia do que se trata?

Flim Flam: Eu tenho certeza porque estive cozinhando dalgonas desde às 4 horas da manhã, e se elas não foram servidas no café da manhã, certamente servirão para algo durante o próximo jogo… fique  tranquila, Squid Game é o último jogo, o mais aguardado pelos VIPs, e se tudo der certo nas próximas 24 horas, chamaremos ajuda e ninguém precisará jogá-lo…

Eu tentei argumentar que eu sequer fazia ideia do que era uma dalgona e esse fato me fazia ter menos chance de sobrevivência que os participantes coreanos, mas não tive tempo, pois Flim Flam logo colocou a máscara de volta e começou a encenar novamente seu papel de mascarado, apontando a arma em minha direção. Aparentemente, ele percebeu a minha insegurança, e me aconselhou antes de abrir a porta.

Flim Flam: Avise Shaggy, ele saberá exatamente o que fazer e todos ficarão a salvo. Eu tentarei ficar por perto durante os jogos, e entrarei em contato assim que possível. Boa sorte. E mande lembranças aos demais.

Flim Flam começou a gritar algumas coisas em coreano que eu não compreendi bem, e apontou a arma para a minha cabeça. Então, ele começou a destravar a porta, mas antes que ele pudesse abrir, eu o impedi.

Velma: Espera! Alguma notícia de Daphne e Scooby?… Shaggy e Fred certamente irão perguntar…

O silêncio breve de Flim Flam me machucou mais do que qualquer violência sádica que eu vivi ou presenciei naquele lugar. Ele, então, tirou a máscara e suspirou antes de começar a falar.

Flim Flam: Bem… Scooby fugiu naquela noite e não tive mais notícias dele… bem, você sabe… ele é um cachorro… qualquer coisa pode ter acontecido a ele, desde uma adoção até algo muito pior… e…

Flim Flam engoliu as palavras e ficou hesitante em continuar.

Velma: E…?

Flim Flam: …e ontem à noite, eu ouvi uma conversa entre dois VIPs com o Front Man, e eles se gabavam pela morte de Steven Applegate e por ter convencido George a abrir mão das ações de Blake Bank e Applegate Bank…

Velma: Ótimo! Eles negociaram a liberdade de Daphne com George Blake?

Flim Flam suspirou novamente antes de responder e isso me machucou ainda mais.

Flim Flam: Bem… eles… se gabaram… de ter feito com ela… o mesmo que fizeram com Steven… e George… cedeu… e negociou para conseguir ter… ao menos… o corpo da filha de volta…

As palavras pausadas de Flim Flam me atingiram como uma bala, minhas pernas ficaram fracas de repente, e eu caí sentada no chão, com os olhos inundados de lágrimas. Flim Flam me puxou de volta imediatamente e me colocou em pé. Apesar da atitude ríspida e do semblante sério, ele também estava chorando e lágrimas corriam pelos olhos dele de maneira mais rápida que as minhas.

Flim Flam: Levante-se! Não é hora para isso! Você tem mais de 300 vidas para salvar, inclusive a sua!

Apesar de destruída, eu continuei em pé, e Flim Flam voltou a vestir a máscara. Em seguida, ele apontou a arma para a minha cabeça e voltou a destrancar a porta. Antes de sair, ele novamente gritou ordens em coreano para compor seu papel de líder dos guardas, e em seguida, ele me aconselhou.

Flim Flam: Não conte o que sabe a Fred e Shaggy. Se você disser, eles ficarão arrasados, desistirão de lutar e podem perder a vida no próximo jogo. Diga a eles que os dois foram resgatados e estão bem, depois que sairmos daqui eu me responsabilizo pela mentira. Você é muito inteligente, saberá como proceder.

Eu acenei com a cabeça e fiz um gesto para enxugar minhas lágrimas e me recompor, mas Flim Flam me impediu.

Flim Flam: Deixe o rosto vermelho e as lágrimas. Parecerá mais realista para os outros guardas. E peço desculpas pelas próximas ações que terei que fazer.

Eu concordei, e assim que a porta se abriu, Flim Flam chutou as minhas costas com violência e me arremessou para fora. Eu caí contra a parede do corredor e logo em seguida me levantei, seguindo intuitivamente os gritos dele em coreano. Ele me escoltou por corredores diferentes dessa vez, e neles haviam portas que davam para uma grande cozinha industrial, onde eu pude ver centenas de biscoitos redondos com formas de guarda-chuva, círculo, triângulo e estrela em pequenas formas metálicas, e vários mascarados mexendo panelas grandes cheias de açúcar derretido.

Quando Flim Flam finalmente me arremessou contra o salão, Fred foi o primeiro a me receber com um abraço apertado e desesperado. Ele não estava chorando, mas eu pude sentir naquele abraço toda a tristeza e o desespero que ele sentia por eu ter sido levada.

Velma: Fred, calma, está tudo bem.

Fred, então, começou a tocar meus braços, ombros e cabeça, como se estivesse conferindo se eu estava ferida e se algo ruim tinha acontecido comigo. Nesse mesmo momento, Shaggy me abraçou com tanta força que me ergueu até a sua altura, e logo em seguida os demais também me cumprimentaram com alegria. No caminho de volta para os beliches, eu enxuguei minhas lágrimas, engoli minhas emoções e ensaiei em minha mente as mentiras que eu teria que dizer. Assim que a emoção do reencontro se dissipou e eu finalmente fiquei a sós com Fred e Shaggy, eu comecei a falar em voz baixa.

Velma: O homem que me levou era Flim Flam disfarçado…

Shaggy: Eu sabia! Eu reconheci aquele anão na hora!

Velma: Shhh! Fique quieto e deixe-me continuar! Ele nos levou até Li, que estava ferido em uma maca… aparentemente, os participantes que foram escolhidos são médicos, e eles operaram Li… Flim Flam pediu para jogarmos o próximo jogo, para que ele e Li tenham tempo de formular um plano de fuga. De acordo com ele, o jogo será muito simples, eles nos darão biscoitos com diversas formas e nós só teremos que destacar o desenho sem quebrar…

Shaggy arregalou os olhos e abriu um largo sorriso ao ouvir sobre os biscoitos, ele insinuou que diria “Dalgona!” em voz alta e com alegria, mas sua razão impediu de mencionar o nome do doce em voz alta. Eu apenas acenei com a cabeça, confirmando que aquele era mesmo o nome do biscoito, então ele explodiu de alegria e começou a comemorar.

Velma: Então, por favor, tenham muito cuidado, prestem muita atenção e não quebrem o maldito biscoito! Assim que o próximo jogo acabar, iniciaremos o plano de fuga. Vamos divulgar os detalhes do jogo aos demais, assim mais pessoas conseguirão sobreviver… Flim Flam também disse que os VIPs estão…

Fred: E a Daphne? Ele sabe algo sobre ela?

A pergunta de Fred foi mais violenta que a xícara que cortou a minha cabeça, e inevitavelmente um mar de lágrimas se formou em meus olhos. Eu desviei o olhar e mesmo assim ele continuou esperando uma resposta. Felizmente, a alegria repentina de Shaggy distraiu Fred e me deu algum tempo para formular uma boa resposta.

Velma: Sim! Era exatamente o que eu ia dizer em seguida… ele disse que os VIPs estão na ilha, e ouviu uma conversa em que eles diziam que a Interpol arruinou parte do plano deles e resgatou a Daphne e o Scooby-Doo em Seul…

Shaggy: SCOOBY-DOO!

Dessa vez, Shaggy não conseguiu segurar sua emoção e disse o nome de seu melhor amigo em voz alta, sorrindo muito. Fred também não conseguiu se conter, sorriu de volta para Shaggy e os dois comemoraram. A interrupção me permitiu elaborar um pouco melhor a minha mentira, mas a alegria de ambos me feriu.

Velma: …e os levou de volta para NY junto aos Blakes. A Interpol já sabe de tudo e já está formulando um plano para acabar com os VIPs. Por isso, temos que ser fortes e vencer o próximo desafio. E levar o maior número de pessoas conosco. Esse mistério acaba hoje à noite!

Os dois comemoraram e se abraçaram de alegria, e logo em seguida me envolveram no abraço e bagunçaram o meu cabelo. Eu aproveitei para derramar algumas lágrimas, que eles acreditaram serem lágrimas de emoção.

Shaggy: Tipo, essa notícia foi o melhor remédio, eu nem sinto mais a dor do corte!

Enquanto os dois se mobilizavam para avisar os demais, eu os observei de longe e me senti a pior pessoa do mundo. Secretamente, eu pedi perdão aos meus amigos por administrar aquele placebo cruel que não curaria suas dores, mas salvaria suas vidas.

***

            O megafone anunciou o início do segundo jogo e um grande portão do lado direito do dormitório se abriu. A multidão logo formou uma fila, e eu procurei manter todos juntos. Mesmo tendo avisado sobre o segundo jogo, percebi que meus amigos estavam tensos, pois ninguém ali – exceto, talvez, Shaggy e Wang – sabia exatamente o que era um dalgona candy. Quando chegamos ao salão e várias pilhas de latas nos aguardavam em uma mesa, eu suspirei aliviada por certificar que Flim Flam estava mesmo certo. Os instrutores começaram a explicar as regras e Wang nos informou que deveríamos escolher uma das formas que estavam desenhadas na parede: um guarda-chuva, uma estrela, um círculo ou um triângulo. No mesmo momento, todos olharam para mim aguardando orientações.

            Velma: Vamos ter que destacar a figura, então eu acho mais seguro que todos escolham o triângulo, pois ele não tem partes arredondadas e assim fica mais fácil de…

            Shaggy: Olha só que bonitinho, turma, tipo, é um guarda-chuva!

            Shaggy interrompeu meus sussurros para mostrar com alegria a forma de seu biscoito, e eu estremeci por perceber que ele havia escolhido a pior das formas. Aparentemente, ele ficou tão empolgado com a ideia de comer um doce que ignorou minhas orientações e se juntou à fila o mais rápido possível. Percebi que Fred ficou tão apreensivo quanto eu, mas antes que pudesse dar um sermão, Shaggy nos mostrou o guarda-chuva intacto com um enorme sorriso no rosto e começou a lamber os dedos. O gesto dele novamente nos deixou apreensivos, pois se o objetivo não fosse destacar a forma, ele seria o primeiro a morrer. Por sorte, assim que todos nós pegamos nossos biscoitos em forma de triângulo, o megafone começou a explicar instruções e Wang confirmou que o desafio seria mesmo conseguir destacar o desenho sem quebrar o biscoito.

            Wang: Shaggy é o primeiro a vencer!

            Shaggy sorriu ao ouvir a boa notícia, mas manteve um olhar canino em nossos biscoitos. Fred ergueu a mão que Shaggy segurava o biscoito em forma de guarda-chuva para mostrar aos guardas que ele havia conseguido completar o desafio (obviamente, ele fez isso para evitar que Shaggy comesse o pequeno guarda-chuva antes de ser declarado um vencedor, e também para evitar que ele fosse morto por comer os biscoitos de outras pessoas). Mesmo sendo o primeiro a completar o jogo, os guardas não o levaram e Shaggy permaneceu ao nosso lado, cobiçando as sobras de dalgona candy que produziríamos. Wang mostrou que havia uma agulha nas latas, e que ela poderia ser usada para destacar os desenhos. Mesmo sendo uma tarefa mais fácil do que correr uma arena sob a mira de uma boneca sniper, eu estremeci de pensar que minha vida dependia daquele biscoito.

Fred foi o primeiro a começar, e eu fiquei tensa de perceber que ele mal conseguia segurar uma agulha. Suas mãos grandes e descoordenadas falhavam a todo momento e produziam migalhas pequenas de dalgona candy, mas mesmo assim ele persistia em raspar uma linha reta em um dos lados do triângulo. Eu fiquei nervosa de observá-lo, por isso logo abri a minha lata de biscoito, peguei cuidadosamente a agulha e… percebi que não conseguia enxergar com nitidez as linhas da figura. Eu tentei aproximar e afastar a pequena lata de meus olhos diversas vezes para fazer com que meus olhos míopes achassem um ângulo melhor, mesmo assim, as linhas finas que delimitavam o triângulo permaneciam borradas. Fred notou meu desespero e parou de raspar por um segundo. Wang fez um barulho com a garganta para nos avisar que havíamos perdido mais de um minuto, e nos encorajou a continuar. De repente, um estalo metálico chamou minha atenção, e ao virar a cabeça, eu percebi Lupe com lágrimas nos olhos por ter quebrado uma parte do biscoito fora do triângulo.

Lupe: Eu não vou conseguir! É muito quebradiço, eu… eu vou quebrar  o triângulo!

Wang: Fique calma, o triângulo está intacto, raspe com cuidado até as linhas cederem.

O conselho de Wang não impediu Lupe de cair em lágrimas, e quando me dei conta, mais um minuto havia se passado e eu sequer havia começado. Eu tentei manter minhas mãos trêmulas firmes e estreitei meus olhos ao máximo para enxergar um dos lados, e então comecei a fazer pequenos furos no biscoito. Em seguida, fui interrompida por um estalo metálico alto e um pedaço grande de biscoito voando na minha cara, ao olhar para o lado, Fred sorriu sem jeito e mostrou que havia conseguido destacar um lado do seu triângulo (e também entortar a agulha e cravar uma linha na lata). Shaggy caçou o pedaço de biscoito de Fred como um goleiro de futebol, no mesmo momento, Wang, Dmitri e Andrei levantaram suas mãos com triângulos perfeitos. Eu comecei a furar o dalgona com mais rapidez, mas minha pressa só me fez conseguir destacar um pedaço de biscoito que deixou uma grande borda ao redor da linha do triângulo. Shaggy olhou para mim com reprovação e colocou a mão na testa, demonstrando estar indignado com a minha estupidez.

Shaggy: Tipo, ninguém falou que vocês precisam usar essa agulha! Essa porra é feita de açúcar, é só comer!

 Ginevra e eu nos olhamos e ela se aproximou de mim com seu triângulo com os três lados cheios de bordas irregulares.

Ginevra: Que se foda, eu vou morder essa merda!

O desabafo de Ginevra motivou outros participantes que também estavam com dificuldades de destacar formas perfeitas sem bordas, inclusive eu. Após consegui destacar perfeitamente um lado do triângulo, o barulho do primeiro tiro contra um participante que havia quebrado sua estrela me assustou, e minha mordida produziu no biscoito uma quebra tão irregular que me deixou com medo de continuar. Desta vez, Shaggy deu um tapa forte na própria testa, deixando bem claro o seu nervosismo ao assistir tanta estupidez, mesmo assim, ele se conteve e não disse uma palavra.

Shaggy, Tipo, não é pra morder, seu animais, é só lamber! Usem a língua para derreter as linhas!

Muitos seguiram o conselho de Shaggy. Eu tentei lamber o próximo lado da figura, mas logo parei quando percebi que minha saliva também estava derretendo uma das pontas do triângulo. O avanço das execuções fez Lupe perder o controle e desatar a chorar, e eu quase fiz o mesmo. Fred permanecia inabalável, concentrado em raspar linhas com excesso de força e falta de coordenação motora. Entre tiros ao meu redor, eu consegui me livrar de mais uma parte do meu biscoito, ainda que ela deixasse bordas no triângulo. Shaggy se aproximou da sobra do meu biscoito mastigando, e para a minha surpresa, Ginevra levantou a mão aos guardas para mostrar seu triângulo perfeito. Eu olhei para ela indignada, e ela disfarçadamente apontou para Shaggy, sinalizando para que eu entregasse meu biscoito a ele. Eu hesitei, mas imediatamente Lupe entregou seu biscoito quase intacto a Shaggy, e em menos de cinco segundos, ele deu a ela o triângulo perfeito que salvou a sua vida. Diante daquela cena, diversos participantes se aproximaram discretamente de Shaggy, e ele salvou todos eles ao destacar biscoitos de todas as formas. Sem eu precisar pedir, Shaggy pegou a lata de minhas mãos e finalizou meu trabalho, deixando o pequeno triângulo equilátero no centro do recipiente. Fred não se permitiu ser salvo, ao invés disso, ele incentivou Shaggy a ajudar outros participantes que estavam com mais dificuldades que ele, e continuou concentrado em raspar linhas com a agulha. Shaggy concordou, e disse que voltaria para ajudá-lo no minuto final caso ele não conseguisse se salvar antes disso.

Um dos membros da gangue de ingleses – um dos homens que discursou no dia anterior contra Fred e Daniel – se irritou de ver tantas vidas sendo salvas e fez um movimento brusco para alertar os guardas. O barulho nos assustou e chamou a atenção dos guardas, que se aproximaram de Shaggy para verificar o que estava acontecendo. Fred imediatamente interrompeu o que estava fazendo e se aproximou de Shaggy para defendê-lo, então eu, Ginevra e Lupe fizemos o mesmo. De repente, um tiro em nossa direção me fez gritar e fechar os olhos. Senti respingos de sangue atingirem meus óculos e meu rosto, e o imenso horror que aquela sensação causou me fez prender a respiração. Felizmente, quando eu abri os olhos novamente, todos meus amigos estavam vivos, e o tal homem inglês havia sido morto. Aparentemente, ao produzir o movimento brusco que alertou o guarda contra Shaggy, ele quebrou o próprio biscoito sem querer e pagou com sua vida. Ao invés de causar comoção, a morte do inglês despertou a ira de sua gangue contra Shaggy. Mesmo não sendo um aliado, a morte daquele homem me fez chorar. Até mesmo Fred ficou abalado e permaneceu imóvel por alguns segundos, sem se importar que o relógio marcava menos de 50 segundos para o fim do desafio. Com uma força e uma sensatez impressionantes, Shaggy fez o papel de líder e continuou a ajudar outros participantes como podia, o primeiro que ele salvou foi Fred ao terminar de destacar as bordas que restavam. Porém, ao tentar ajudar Milagros, Shaggy recebeu um forte tapa na cara, seguido de algumas palavras incompreensíveis em idioma espanhol. Aparentemente, ela queria comer o próprio biscoito e se irritou quando Shaggy mordeu um pedaço. O ato novamente chamou a atenção dos guardas, e desta vez eles apontaram armas para a cabeça de Shaggy. Eu segurei a mão de Fred com força, temendo o que poderia acontecer ao nosso amigo. Imediatamente, Fred se aproximou dos guardas com os braços levantados, mostrando-se inofensivo e pedindo calma. As armas permaneceram em direção à testa de Shaggy, e segundos depois um tiro final ecoou pela sala, sujando novamente nossas roupas com respingos de sangue. Tudo o que consegui fazer foi levar minhas mãos ao rosto e chorar descontroladamente, certa de que havia perdido mais um amigo de infância. No entanto, pouco tempo depois, senti Fred e Shaggy me abraçarem com força e me consolarem de alguma forma. Supresa, eu abri meus olhos, enxuguei minhas lágrimas e me deparei com a imagem horrível da pobre Milagros morta, ainda segurando seu biscoito. O tempo do desafio havia se esgotado e restava apenas uma pequena parte de doce aderida ao lado de seu triângulo, por isso ela perdeu a vida. A cena final de Milagros sem vida instaurou um luto coletivo em todos nós, e ninguém conseguiu comemorar a vitória quando os guardas declararam o fim de mais um jogo. Voltamos ao dormitório em silêncio, torturados por nossos sentimentos, e cada um se encaminhou à própria cama sem precisar dar maiores explicações. A tristeza, o medo, o excesso de adrenalina e a culpa imediatamente pesaram sobre os meus olhos, e eu adormeci no alívio tolo de ter sobrevivido mais uma vez. Não consegui sonhar nem descansar, apenas consegui ignorar por algumas horas a realidade dura de que vidas foram perdidas por migalhas de biscoitos.

***

            Eu acordei de meu transe existencial com Ginevra tocando meu braço insistentemente, me chamando para a higiene noturna. Tanto ela, quanto Lupe tinham olhos e rosto inchados de tanto chorar. A recente perda de Milagros e a presença de uma quantidade anormal de guardas no dormitório, nos corredores e até mesmo dentro das cabines de banho me desestimularam a nutrir esperanças de fuga durante a visita aos banheiros. Entretanto, ao voltar ao dormitório depois da higiene, percebi um homem baixo de máscara em forma de quadrado me espreitando. Eu me afastei da fila por um segundo, e logo em seguida, ele me puxou violentamente para uma sala e apontou a arma para a minha cabeça. O mascarado chutou a porta com violência, e assim que ela se fechou, eu vi o agente Li sair debaixo de uma cama de solteiro, e eu sorri por vê-lo recuperado.

            Flim Flam: Consegui me livrar de uns 40 mascarados com veneno de rato, mas creio que eles estão suspeitando de algo e colocaram mais guardas… por isso, temos que sair essa noite! Quando as luzes se apagarem, não durmam. Coloquei sedativos na água para fazer todos os demais dormirem, não bebam de jeito nenhum. Ocupem as camas do fundo, na parte de cima dos beliches, e fiquem alerta, Li e eu chegaremos pela tubulação de ar. Descobri que há um iate na parte sul da ilha, e as chaves estão na sala do Front Man. Daqui a pouco, aquele verme e alguns VIPs estarão engolindo champanhe envenenado e nós pegaremos o que for necessário. Agora vá e avise os demais. E fiquem alerta!

Eu fui chutada da sala com a mesma violência que fui puxada, e felizmente, havia tantas pessoas e guardas nos corredores que eu consegui me juntar à fila sem que ninguém percebesse. Ao chegar ao dormitório, a comida estava servida, e eu logo avisei meus amigos sobre os planos de fuga e o cuidado que eles deveriam ter com a água. Impressionantemente, Shaggy se recusou a ir para a fila e pegar alguma comida. Ao invés de se arriscar em outra provocação feita pela gangue, ele preferiu ficar em sua própria cama comendo as sobras de dalgona candy que ele havia guardado em seus bolsos. Fred e os demais já estavam na fila quando eu e as garotas chegamos, e a esperança de uma fuga bem sucedida amenizou um pouco os horrores que presenciamos há algumas horas. Quando terminei minha refeição, Shaggy dormia como um bebê em sua cama, com um enorme sorriso no rosto, causado pela abundância de açúcar. Fred riu ao ver a cena – confesso que eu ri um pouco também -, mas percebi que o motivo do sorriso dele não era simplesmente Shaggy dormindo de forma engraçada. Antes que eu pudesse lhe perguntar qualquer coisa, uma revelação estragou qualquer tipo de sentimento bom que brotava com muito esforço em meu coração.

Fred: Velma, eu finalmente sei o que eu vou falar para ela…

A frase me embrulhou o estômago e fez algumas lágrimas se acumularem nos meus olhos, mesmo assim, eu fingi não sentir nada. E também fingi não saber sobre o que ele estava falando.

Velma: Falar para quem?

Fred: Para a Daphne.

Meu coração acelerou ao ouvir a confirmação daquilo que eu temia. Eu tive que coçar um olho para limpar clandestinamente uma lágrima que já estava prestes a escorrer, e então continuei fingindo não saber o que estava acontecendo.

Velma: Fred, neste momento, você deveria se preocupar em caber dentro de um tubo de ar! É só o que importa agora! Nós nem sabemos se sobreviveremos a esta fuga! Você vai ter uma eternidade inteira para…

A palavra eternidade imediatamente soou de extremo mau gosto, e eu me calei devido ao imenso aperto que envolveu meu peito. Eu tentei buscar alternativas, mas não encontrei palavras adequadas nem boas mentiras para prosseguir.

Velma: Olha Fred, não é momento de sonhar agora, ok? Estamos vivendo algo excepcional, e creio que você deve se preparar para qualquer tipo de situação que…

Fred: Sabe, eu nunca fui bom em definir o que eu sinto… principalmente o que eu sinto por ela, porque é algo tão diferente… confesso que eu nunca achei que era amor… pelo menos não “amor” do jeito que eu conhecia, ou do jeito que as pessoas acham que o amor deve ser… meu sentimento sempre foi algo mais complexo do que um simples lance de casal… mas agora eu sei exatamente o que é…

A interrupção e o fato de Fred ter me ignorado totalmente me deixou extremamente irritada, e esse sentimento aliado com a tristeza me fez explodir.

Velma: FREDERICK JONES, NÓS ESTAMOS SOB A MIRA DE FUZIS! SOMOS VÍTIMAS DE UMA MÁFIA QUE PÕE MEDO ATÉ NO FBI! NÃO É HORA DE FALAR SOBRE AMOR!

Fred: Não estou falando de amor. Amor é… sei lá… banal, idiota, momentâneo. É físico demais, limitado demais… meus pais se amaram um dia e agora se odeiam… eu amei minhas noivas e hoje nem as reconheceria na rua… eu estou falando de algo mais forte. Algo eterno, entende? Estou falando de esperança… a Daphne é a esperança na minha vida. Hoje, durante o jogo, a única coisa que me fazia continuar raspar aquela merda até conseguir destacar a porra do triângulo é a ideia de que ela existe e faz parte da minha vida… é a certeza de que eu preciso dela e ela precisa de mim, então é preciso continuar… por ela, tudo vale a pena, até mesmo jogos mortais sob a mira de fuzis… entende? É isso, finalmente entendi que a Daphne é a minha esperança…

“E a sua esperança está morta”, foi a verdade que fui obrigada a engolir em um soluço forte involuntário que se apoderou de mim quando desabei em lágrimas. Fred sorriu e me confortou de alguma forma, sem sequer saber o real motivo de minhas lágrimas.

Velma: Desculpe, estou super emotiva nos últimos dias… mas isso é lindo, Fred… e eu tenho certeza que… aonde quer que a Daphne esteja… ela está muito feliz de ouvir isso…

Minha indireta foi mais do que direta, mas Fred estava tão preso na revelação que tivera sobre seus próprios sentimentos que ele sequer percebeu. Ao invés de perguntar o motivo das minhas palavras, ele apenas deu um tapinha nas minhas costas com um sorriso no rosto e sinalizou para que nós migrássemos para as camas do fundo da sala. Chegando lá, os russos e Wang já ocupavam lugares estratégicos, e Fred cuidou de ficar bem em frente à saída da tubulação de ar. Ao contrário do que havíamos pedido, Ginevra e Lupe caíram no sono, e eu permaneci na escuridão juntos com os rapazes. Com o passar das horas, eu lutei contra o sono, o medo, a ansiedade e o peso das minhas pálpebras, que insistiam em fechar. No meio da madrugada, perdi todas as batalhas, adormeci e sonhei apenas com migalhas: de biscoitos, de vidas, de sonhos, de amores e de esperanças, todos destruídos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Scooby Doo: Wicked Game" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.