Já faziam duas semanas desde que Fênix fora nomeada aprendiz de Poça de Folhas, seus colegas de clã já não faziam comentários grossos a seu respeito, Pata de Cinzas e ela estavam cada vez mais próximas, a aprendiz azul cinzenta já estava quase se tornando uma guerreira, com isso, veio também ensinando alguns movimentos de luta para Fênix, por mais que não fosse extremamente necessário, mas ela dizia que era apenas precaução caso uma batalha se travasse entre os clãs.

      Mas o que mais deixava Fênix animada naquele dia era o fato de que já era lua cheia, ou seja, haveria uma assembleia, e como aprendiz de curandeira, a gata negra queria muito participar dessa antiga tradição, até porque desde que Poça de Folhas fosse na reunião, então ela teria que ir também.

       Estava sentada ao lado de Pata de Cinzas quando Estrela de Fogo subiu e na pedra para um anúncio, ela já sabia que era para a convocação daqueles que iriam para a assembleia.

—Estrela de Fogo: Como todos sabem, hoje acontecerá uma assembleia, e para ir comigo, quero convocar Listra Cinzenta, Voo de Esquilo, Poça de Folhas, Cauda de Castanha, Garra de Amora Doce, Coração Brilhante, Cauda de Nuvem e Pata de Cinzas. Partiremos em breve.

    Estrela de Fogo desceu da pedra e dirigiu-se diretamente até Pelo Gris, logo começaram a falar de algo que Fênix não deu muita atenção, já que estava mais focada no fato de que ficaria sozinha com outros gatos que não eram tão próximos dela enquanto sua melhor amiga, mentora, líder e outros colegas de clã que já a aceitavam iriam para o encontro que ela tanto queria participar.

—Pata de Cinzas: Bom, acho que ficarei entediada na assembleia de novo. (Falou em um lamento).

—Fênix: E eu ficarei sozinha aqui, entediada também. (Falou no mesmo tom).

—Pata de Cinzas: Pelo menos, não estará completamente sozinha, pelo jeito, Pelo Gris vai ficar no acampamento também.

—Fênix: E daí? Eu não preciso da companhia dele. (Falou tentando esconder que realmente estava com raiva dele).

—Pata de Cinzas: Se você diz. (Disse se deitando de costas na grama). Enfim, ainda temos um tempo antes de eu sair para a assembleia, quer fazer alguma coisa?

—Fênix: Na verdade, eu quero ir perguntar a Estrela de Fogo o porquê de ele não ter me convocado. (Se deita ao lado dela). Mas isso pode esperar, porque no momento eu quero treinar meus movimentos de luta.

—Pata de Cinzas: De novo? Já treinamos bastante hoje. (Falou com um sorriso leve).

—Fênix: Poça de Folhas me disse uma vez que nunca devemos deixar para amanhã o que podemos fazer hoje. (Miou animada).

—Pata de Cinzas: Como consegue lembrar de tudo que sua mentora lhe diz? Eu mal consigo lembrar do que Cauda de Nuvem me ensina. (Falou rindo).

—Fênix: Bom... (Se deitou de lado, virada para a amiga). Ao contrário de você, eu presto atenção nas aulas.

    Pata de Cinzas não conteve a risada, deu uma patada na orelha da gata negra e saiu correndo pelo acampamento, sendo seguida pela amiga sem demora, ambas corriam a toda velocidade, passando por dentre os gatos mais velhos, até Fênix conseguir derrubar a outra aprendiz ao pular em cima dela de prendê-la de barriga para baixo no chão.

    A aprendiz azulada revidou dando impulso para trás e empurrando a outra com as costas, estava prestes a dar outro golpe, mas foram interrompidas por uma voz familiar:

—Estrela de Fogo: Pata de Cinzas, vamos lá, está na hora de irmos. (Gritou).

—Pata de Cinzas: Certo, já estou indo. (Falou enquanto sua amiga se levantava, então se virou para ela). Você vai ficar bem, Fênix?

—Fênix: Não se preocupe, ficarei bem. (Falou calma).

     Ambas se despediram com um toque de narizes e se afastaram, mas Fênix ainda pretendia falar com o líder. Trotou até ele antes que ele pudesse sair do acampamento:

—Fênix: Estrela de Fogo, eu realmente gostaria de ir com vocês.

—Estrela de Fogo: Sei que sim, mas não quero te levar por enquanto. Você acabou de se juntar a nós, quero que se acostume com o Clã do Trovão primeiro, depois te apresentarei aos outros clãs. Lembra do que eu te disse uma vez? Tudo acontece no tempo certo. (Falou calmo e paciente, como sempre).

—Fênix: Certo, Estrela de Fogo. (Respondeu desanimada).

—Estrela de Fogo: Mas não se preocupe, deixei Pelo Gris como responsável pelo acampamento até voltarmos. Você vai ficar bem sob a supervisão dele. (Comentou tentando confortá-la).

—Fênix: Mas eu não quero ficar aqui com ele, porque... (Pausou antes de falar, porque prometeu a Pelo Gris que não diria nada sobre sua participação no plano de Geada de Falcão, mas sentia que era muito errado esconder isso) Porque ele... (Interrompida).

—Tempestade de Areia: Estrela de Fogo, temos que ir, desse jeito seremos os últimos a chegar. (Gritou).

—Estrela de Fogo: Eu já vou, só um minuto. (Ele se volta para a aprendiz). Eu sei que você pode fazer isso, Pelo Gris pode ser chato as vezes, mas não precisa se preocupar com isso, afinal, ele gosta de você. (Falou dando uma piscadela para a aprendiz).

       Fênix abriu a boca para contrariá-lo, mas não queria atrasar Estrela de Fogo mais ainda, então, apenas abaixou a cabeça e concordou com um resmungo. Assim, Estrela de Fogo saiu do acampamento.

         A jovem não estava com vontade de se enturmar com seus outros companheiro, não depois de uma informação dessas, por mais que ela não soubesse se deveria levar à sério ou não, será que Voo de Esquilo não era mais a gata que o guerreiro cinzento amava?

        No entanto, não pretendia falar sobre isso com Pelo Gris, não agora que as coisas estavam finalmente dando certo em sua vida, não queria arriscar, tinha medo, até porque ninguém nunca a amou de verdade em toda a sua vida, então por que alguém nutriria sentimentos amorosos por ela? Quem seria louco o bastante para se apaixonar pela filha do assassino mais frio e cruel que já existiu? Além disso, Pelo Gris era muito mais velho do que ela.

         Estava voltando para a toca dos curandeiros quando foi chamada por uma voz que Fênix preferia não ter reconhecido:

— Fênix, precisamos conversar! (Afirmou enquanto trotava em sua direção).

—Fênix: Não temos nada para conversar, Pelo Gris. (Disse firme enquanto voltava ao seu caminho).

—Pelo Gris: Você sabe do que estou falando. (Miou entrando em sua frente).

         Fênix teria protestado se Pelo Gris não tivesse a agarrado pelo cangote e a puxado para dentro da toca dos curandeiros, onde ele a lançou para dentro com toda a força e a encurralou na parede.

—Pelo Gris: Você está me ignorando há alguns dias e eu te entendo, mas você não entende os meus motivos.

—Fênix: Eu entendo perfeitamente, sei que você nunca superou o fato de Voo de Esquilo ter de abandonado, sei porque a própria me contou detalhe por detalhe.

—Pelo Gris: Voo de Esquilo quis te contar? (Questionou surpreendido).

—Fênix: Não, eu que insisti até que ela me contasse. Eu precisava te entender melhor.

—Pelo Gris: Então entende o porquê de eu ter feito que fiz.

—Fênix: Por que está fazendo isso? (Aumentou o tom de voz).

—Pelo Gris: Não, é claro que não entendeu. (Falou mais para si mesmo do que para a aprendiz). Gatos de gente não servem para nada mesmo. (Afirmou em um insulto).

—Fênix: Não me refiro à armadilha! Estou de falando de agora! Por que está me tratando desse jeito?

—Pelo Gris: Porque você está me ignorando! E, de alguma forma que eu não consigo explicar, isso me incomoda! E muito! E eu odeio me incomodar com algo que eu não quero me importar! (Afirmou com raiva).

—Fênix: Você é doente, só pode ser. Acho que está tomando sol demais na moela. (Falou assumindo posição de defesa).

—Pelo Gris: Eu não precisava de você na minha vida! Nunca precisei! Não sei o que há de errado comigo. (Lamentou).

—Fênix: Pelo Gris, isso já está me irritando, eu não quero lutar com você, mas você não me dará escolha se não sair daqui agora! (Falou fria). Tenho treinado movimentos de batalha com Pata de Cinzas, sei o que estou falando!

—Pelo Gris: Você não pode derramar sangue nessas ervas medicinais ou creio que Poça de Folhas ficará brava. (Falou meio zombando).

—Fênix: E é por isso que você sairá agora dessa toca, ou Poça de Folhas terá o que falar pra você também! E acredito que Estrela de Fogo, Garra de Amora Doce, Nuvem de Avenca e Pata de Cinzas também, e não queremos arrumar uma discussão desnecessária, estou certa, Pelo Gris? (Falou em alerta).

        Pelo Gris não deu resposta e fechou a cara, sabia que a mais nova estava certa, não podia simplesmente forçá-la a explicar algo que nem ele mesmo conseguia saber o que era, então se virou e saiu da toca aos trotes acelerados, quase correndo, enquanto Fênix se remoía de raiva por tudo o que foi dito ali, principalmente por não entender o que exatamente aconteceu.

     Então caminhou até a boca da toca, observou o acampamento, no momento, mais vazio do que estava acostumada, mas teve tempo de ver Pelo Gris entrando na toca dos guerreiros, suspirou profundamente, começando a andar pela clareira, logo passando para trotes para então se tornar uma corrida.

     Correu velozmente para fora do acampamento, sem um rumo certo, apenas corria desviando das árvores e moitas em seu caminho, o vento meio frio do começo da estação sem folhas batendo contra seu focinho a trouxe um certo conforto, lembrar-se de que aquela floresta era a sua casa agora lhe passava segurança e um motivo para sorrir.

      Foi até onde suas patas permitiram, se jogando na grama assim que parou, na verdade até se arrependeu um pouco de ter saído sem decorar o caminho que fez ao longo de sua corrida, olhou em volta e apenas viu as árvores muito parecidas umas com as outras em sua frente, com certeza voltar seria um desafio. Era hora de finalmente usar o que Estrela de Fogo lhe ensinou em seu pouco tempo de treinamento.

      Empinou o nariz e sugou o ar, esperando que o vento trouxesse algum cheiro familiar que ela pudesse usar para chegar no acampamento, mas acabou encontrando o odor de uma presa, só não soube identificar que tipo de presa era, mas isso não importava, talvez se levasse comida fosse perdoada por ter saído sem destino no meio da noite.

      A jovem aprendiz rastejou até a moita na qual farejava a presa, seus olhos afiados estavam fixos nos leves movimentos que o roedor fazia ao mastigar, expos as garras e abriu a boca, e saltou sobre o pequeno corpo de um rato, ele tentou desviar, mas Fênix o agarrou com as garras e fincou suas presas nele, logo se levantou com o corpo do roedor na boca. Agora sim, começou a achar que realmente deveria estar no treinamento de guerreira e não de curandeira.

     Depois de um tempo andando, pensou em parar para comer a presa que caçou, mas sabia que se o fizesse, estaria quebrando uma regra, já que nenhum gato deve comer uma presa em uma patrulha de caça, então, continuou a caminhar, mas sabia que nunca encontraria o caminho de volta durante a noite, estava exausta, quase tropeçando sob as próprias patas, até que ouviu alguém chamar seu nome.

      Fênix reconheceu a voz e foi em sua direção correndo, logo sentiu o cheiro de gatos do seu clã, corria cada vez mais rápido, não aguentava mais ficar no frio da noite. Até que esbarrou em Cauda de Nuvem:

—Fênix, onde você estava? Voltamos ao acampamento e Pelo Gris disse que você não estava lá. (Falou meio desesperado).

—Fênix: Desculpe, eu tive alguns problemas e me perdi. (Fala meio envergonhada). Mas cacei um rato, olha. (Falou empurrando o roedor com uma pata).

—Cauda de Nuvem: Venha, vamos voltar, Estrela de Fogo está morrendo de preocupação. (Disse ignorando a mais nova).

      Ambos voltaram ao acampamento, todos os guerreiros estavam acordados e sentados no centro da clareira, cochichando sobre alguma coisa, Estrela de Fogo estava andando de um lado para o outro, aparentando estar nervoso e agitado, assim que viu Fênix, correu em sua direção com uma expressão indefinida, parecia bravo, assustado e aliviado ao mesmo tempo.

—Estrela de Fogo: Fênix, eu disse para ficar no acampamento com Pelo Gris! Eu sei que vocês não tem se dado muito bem ultimamente, mas eu te dei uma ordem direta e você não obedeceu. (Falou alto e bravo).

        Fênix nunca tinha ouvido Estrela de Fogo falar nesse tom com ela antes, ficou com medo de levar uma punição severa por isso, por mais que tivesse se perdido, ela devia ter prestado mais atenção em para onde estava indo. No entanto, Estrela de Fogo abaixou a cabeça para a pequena aprendiz e deu-lhe algumas lambidas na testa.

—Estrela de Fogo: Vejo que caçou alguma coisa. (Falou mais calmo).

—Fênix: Sim, é só um rato, mas já é alguma coisa. (Comentou meio envergonhada).

—Estrela de Fogo: Pelo menos você trouxe algo para a nossa pilha de presas. (Falou antes de desmanchar um leve sorriso). Mas acho que vou ter que tomar uma providência.

—Fênix: Como assim? (Falou engolindo em seco).

—Estrela de Fogo: Como castigo por ter me desobedecido, você não vai mais poder sair para a floresta e nem andar sozinha pelo acampamento, vai andar apenas acompanhada de Poça de Folhas ou outro gato que ela solicitar. E tenho visto que você e Pata de Cinzas estão treinando movimentos de luta juntas, mas você não vai ser uma guerreira, Fênix, então eu não vou mais permitir que isso continue.

      Fênix abaixou a cabeça, o que mais temia aconteceu, acabou sendo punida, e não adiantaria dizer que se perdeu, pois achariam que estaria mentindo e sua punição poderia ser intensificada. Ao levantar o olhar, viu Pata de Cinzas vindo correndo em sua direção, a aprendiz cinza pulou sobre a amiga, derrubando-a, dando-lhe lambidas na testa e aconchegando a cabeça abaixo de seu queixo.

—Pata de Cinzas: Fênix, nunca mais me assuste assim! Todo achamos que tinha sido capturada! (Falou rápido em um misto de raiva e alívio).

—Fênix: Desculpa, o que? Acho que não entendi, por que acharam que eu tinha sido capturada? (Questionou sem entender nada).

—Cauda de Nuvem: Tivemos uma pequena discussão com o Clã do Rio quando Estrela de Fogo contou sobre o que Geada de Falcão fez, Estrela de Leopardo nos ameaçou dizendo que seu clã nunca tentaria nada tão baixo assim e que se insitíssimos ela começaria uma guerra conosco e quando Pelo Gris disse que tinha te perdido, achamos que os guerreiros de Estrela de Leopardo tinham te capturado. (Explicou sem dar muita importância).

—Estrela de Fogo: Todos estão acordados porque tiveram medo de serem atacados enquanto dormiam, já que não tínhamos certeza se haviam mesmo guerreiros do Clã do Rio em nosso território, mas te achamos e é isso que importa.

—Cauda de Nuvem: E suponho que você não topou com ninguém além dessas presas.

—Fênix: Você está certo, mas e quanto à Pelo Gris?

       Fênix ouviu o guerreiro cinzento se aproximar chamando-a com um tom de preocupação.

—Pelo Gris: Fênix! Achei que nunca mais te veria.

       A jovem hesitou por um segundo, ainda não queria falar com ele, mas também não queria começar uma discussão na frente de seu líder e todo o Clã do Trovão, então respondeu com uma voz seca:

—Eu estou bem, Pelo Gris. Você deveria prestar mais atenção em seus companheiros de clã ou coisas assim podem se repetir.

—Estrela de Fogo: Ela tem razão. Pelo Gris, não percebeu que tinha alguém faltando no acampamento? Você era responsável por eles, confiei a vida dos seus próprios colegas de clã à você e é assim que me retribui?! (Falou firme, tentando não perder o controle do que dizia).

—Pelo Gris: Desculpe, Estrela de Fogo, eu deveria ter prestado mais atenção.

—Estrela de Fogo: Por isso, você será punido também, se juntará a Fênix em suas tarefas com os anciões. Assim ambos terão tempo de resolver seus problemas internos. Podem começar amanhã. (Falou se retirando).

        Fênix ficou satisfeita por não receber toda a culpa, mas aborrecida por ter que ficar a companhia de Pelo Gris. Ela não queria nem olhá-lo na cara, e muito menos trabalhar com ele, ainda mais depois da discussão estranha que tiveram naquela noite.