A Blue Criminal escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
Depoimentos




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“Não havia nenhuma pista, estavam atrás dele

E eles acabam nunca sabendo

Quem é suspeito ou o que esperar”

 

Departamento policial de Santa Barbara, Califórnia - 20:40 hrs

 

Luna Gingerhood ligou as luminárias da sala escura que serviam apenas para iluminar os seus suspeitos. Ela, como investigadora profissional, havia sido escalada para resolver o caso 3121, Annie Bittencourt, assassinada a tiros dentro do próprio apartamento, onde Jackson também estava.

 

À mesa, três suspeitos. Luna trabalhava diferente. Resolveu, de primeira, fazer uma acareação. Queria ver como eles se comportavam na frente um do outro antes de chamar cada um para um interrogatório privado.

 

— Muito bem. Nome.

 

Pegou uma das luminárias maleáveis e entortou-a para que sua luz atingisse o rosto de um dos suspeitos. Ele virou o rosto e revirou os olhos.

 

— Prince.

 

— Sobrenome.

 

— Quer meu número também, chuchu?

 

— É melhor não brincar comigo, senhor.

 

Disse a garota, sem abalar-se, cruzando os braços. Ele deu um riso de canto e aquiesceu.

 

— Nelson.

 

— Idade.

 

— Hum… 32.

 

— Não minta pra mim.

 

Ele bufou.

 

— 37. Condição sexual, hétero.

 

— Eu faço as perguntas aqui. Com o que trabalha?

 

— Eu sou cantor, querida. Eu tenho meu negócio na indústria do entretenimento.

 

— Humm… interessante.

 

Ela anotou algo em seu bloquinho de notas. Michael suspirou, o que a fez virar os seus belos olhinhos azuis na direção do homem.

 

— Estou incomodando, senhor?

 

— Quero pegar o táxi das 21:30, só isso.

 

— Hunf, já já falo com você. Senhor Nelson…

 

Ela encarou o homem e fez a famigerada e temida pergunta.

 

— Onde estava na noite de 21 de outubro?

 

Ele não parecia abalado.

 

— Eu estava fazendo um show na boate Moon Park.

 

— Tem álibi?

 

— Pode apostar, querida. O show era de verdade, eu não estava me apresentando pra papai e mamãe.

 

Ela semicerrou os olhos.

 

— O que sabe sobre Annie Bittencourt? Fale a verdade.

 

Quando ouviu o nome da mulher, sua expressão mudou. Prince passou discretamente a mão em seu próprio pescoço, o que fez um de seus brincos enormes tilintar. Aquela reação fez Michael arquear a sobrancelha.

 

— Annie… era minha amante.

 

— Mentiroso!

 

— Opa, eu faço as afirmações aqui! Senhor Jackson, sente-se, por favor!

 

O rapaz de cabelos negros como o ébano bufou, furioso, e retornou para o seu posto.

 

— Prossiga…

 

— Annie era minha amante. Tínhamos um relacionamento aberto. Nós ficávamos quando tínhamos vontade e abertamente saíamos com outras pessoas quando queríamos. Confesso que ela, às vezes, tinha um péssimo gosto…

 

Disse, agora provocando o seu rival. Michael fechou um olhar ameaçador em sua direção.

 

— Okay, certo. Qual a sua relação com o senhor Jackson?

 

— Nós éramos amantes também…

 

Michael o fuzilou com o olhar, e bastou isso para Prince gargalhar.

 

— Nós somos rivais, querida. Somos concorrentes. Ele também faz parte da indústria da música.

 

— Só isso?

 

— Apenas.

 

Luna aquiesceu.

 

— E qual a sua relação com a senhorita Holiday?

 

Ao ouvir aquele nome, todos os olhares da sala recaíram ao terceiro suspeito.

Ou melhor… suspeita.

 

— Nós dormimos algumas vezes…

 

A mulher o encarou, um olhar cheio de intenções, embora sua expressão facial neutra disfarçasse bem. Prince deixou uma risada discreta escapar.

 

— Só isso. Não tenho mais nada com ela.

 

— Hum... Acho que já está bom por hoje.

 

Luna virou-se ao próximo suspeito. Já que estavam falando da senhorita Holiday, nada melhor que continuar por ela.

 

— Pois bem, nome e sobrenome.

 

A mulher suspirou e cobriu-se com o seu casaco felpudo.

 

— Calíope Holiday.

 

— Idade.

 

— 26.

 

— Com o que trabalha?

 

— Eu sou viúva. Recebo a herança do meu marido.

 

— Ah, certo…

 

Ela fez umas anotações, em seguida prosseguiu.

 

— Onde estava no dia 21 de outubro?

 

— Em casa. Tenho como provar, meus empregados estavam comigo, e tive que atender um eletricista nesse dia.

 

— Certo. Conhecia a vítima?

 

— Não.

 

Disse, incisiva e sem dar mais detalhes. Luna arqueou a sobrancelha e prosseguiu.

 

— Okay… qual o seu envolvimento com o senhor Nelson?

 

— Nós temos uma amizade colorida, apenas isso.

 

— Certo. E o seu envolvimento com o senhor Jackson?

 

Calíope não conseguiu deixar de encará-lo ao ouvir o seu nome. Michael não a encarou de volta, seu olhar estava fixo no chão, no vazio daquela sala. Ela suspirou.

 

— Nós éramos amantes.

 

— Esclareça.

 

A mulher suspirou.

 

— Na frente deles? Não, eu me recuso.

 

Luna suspirou e fez mais uma anotação, teria que refazer a pergunta quando a interrogasse individualmente.

 

Por fim, senhor Jackson.

Luna virou a luminária para o homem, que apenas apertou um pouco os olhos ao sentir a luz forte atingir o seu rosto.

 

— Nome e sobrenome.

 

Ele demorou a reagir.

 

— Michael Jackson.

 

— Idade.

 

— 37.

 

— Com o que trabalha?

 

— Sou músico.

 

Ela aquiesceu e anotou.

 

— Onde estava no dia 21 de outubro?

 

Ele suspirou.

 

— No apartamento.

 

— No apartamento da vítima, não é?

 

— Sim… mas não fui eu.

 

— Sim, sim, ainda vamos ver isso. O que estava fazendo lá?

 

— Eu…

 

Ele murmurou, enquanto lentamente balançava a cabeça em negação. Não conseguiu completar a frase, inclinou o corpo para a frente e repousou os cotovelos nas pernas, enquanto as mãos iam ao próprio rosto.

 

— Senhor Jackson, fiz uma pergunta.

 

— Eu a amava. Alguém a matou.

 

Luna suspirou.

 

— Você não quer responder, não é?

 

— Ela me pediu para ir lá. Ela queria me contar alguma coisa.

 

— Ah, sim…

 

Luna anotou, usou até mesmo uma canetinha mais chamativa, era uma informação importantíssima.

 

— Qual a sua relação com Annie Bittencourt?

 

Ele suspirou.

 

— Eu ia pedi-la em casamento.

 

— Oh…

 

No meio de tantas relações superficiais naquela sala, ela havia encontrado alguém disposto a amar. Anotou aquela informação. Não sabia para quê serviria, mas preferiu prevenir.

 

— Qual a sua relação com o senhor Nelson?

 

Michael tentou se recompor e passou a encarar a garota.

 

— Somos concorrentes. Ao menos nisso ele não mentiu.

 

Prince deu ombros.

 

— E qual a sua relação com a senhora Holiday?

 

Indagou, mudou até o tratamento. Sequer lhe passou pela cabeça que aquela mulher podia ser viúva em tão tenra idade.

Ele parecia menos incomodado em responder que sua colega ao lado, mas Luna já havia percebido que algo interligava aquele casal.

 

— Tivemos um caso.

 

Calíope o encarou de canto, mas logo desviou o olhar. Luna daria qualquer coisa para ler os pensamentos dela agora, mas não era hora para esse tipo de brincadeira. A acareação havia encerrado.

 

— Pois bem, fim de papo.

 

— Acabou?

 

Indagou Prince. Luna gargalhou.

 

— Vamos para o round 2 agora, meu "querido''! Quero falar com cada um a sós.

 

x ----- x

 

Escritório da delegada - 21:35 hrs

 

Carla Diaz era uma mulher alta, de cabelos negros curtíssimos, lábios vermelhos e pele clara. Delegada, em suas mãos estava o caso 3121. Estava organizando a documentação dos suspeitos quando sua subordinada, Luna, apareceu em sua sala.

 

— Ufa! Eles são difíceis…

 

— Qual suspeito não é?

 

Carla comentou e separou as pastas para a garota.

 

— Os documentos estão prontos. O que sabe até agora sobre eles?

 

— Ah, nada demais. Vou pra o interrogatório individual agora. Cá entre nós, cada relacionamento fútil, viu? Todo mundo é amante de todo mundo…

 

— Deixa eles serem felizes.

 

Brincou ela mais uma vez, rindo baixinho.

 

— Mais alguma coisa?

 

— Os homens são músicos, a mulher é viúva.

 

Ao ouvir aquelas palavras, Carla sorriu.

 

— Eles disseram isso, é?

 

— Sim. Por quê?

 

Ela riu baixinho e balançou a cabeça negativamente.

 

— Leia essas fichas e faça o seu trabalho. Eu vou te assistir pela janela falsa.

 

x ----- x

 

Sala escura, interrogatório do senhor Nelson - 22:02 hrs

 

— Senhor Prince Nelson…

 

Iniciou a morena, caminhando de um lado para o outro, mantendo os seus grandes olhos azuis nos olhos castanhos claros do homem. Prince não parecia abalado, mas sim aborrecido com o tempo que estava perdendo ali.

 

— Você disse que trabalha como músico, correto?

 

— Sim, meu amor…

 

— E se eu disser que o senhor está mentindo?

 

Ao proferir aquelas palavras, Prince arqueou a sobrancelha, mas não parecia abalado. Ele ajeitou-se na cadeira e voltou a cruzar as pernas.

 

— Eu deveria me importar?

 

Luna se aproximou e jogou algumas papeladas na mesa que os separava. Era uma ficha criminal antiga. Nela havia algumas fotos carcerárias do suspeito segurando uma placa com iniciais e informações relevantes, além de uma descrição da sua aparência e as infrações cometidas.

 

— Nossa, você desenterrou o meu passado. Que medo…

 

Prince esnobou e encarou a mulher, com um sorriso de canto e um olhar tranquilo. Luna semicerrou os olhos.

 

— Nessa ficha diz que o senhor já foi envolvido com gangue, procede?

 

— Hum… é, pelo visto sim.

 

— Procede ou não procede?

 

— Sim, ué! Não está dizendo no seu papelzinho?

 

Ela suspirou, esses suspeitos adoravam debochar da polícia enquanto ainda não podiam ser condenados. Ela teria que lidar com isso.

 

— Okay. Na ficha diz que, na última vez que esteve aqui, você foi indiciado por tentativa de homicídio, mas a vítima retirou a queixa e a investigação precisou ser interrompida.

 

— Sim, sim… ela havia me confundido.

 

— Como você tem certeza?

 

Indagou. Prince suspirou, já estava começando a se incomodar.

 

— Você conhece Love Symbol? Ou Love Si?

 

Ele parecia encurralado. Olhava de maneira incisiva, mas sua expressão era neutra e vazia. Inclinou as costas para relaxar o corpo e cruzou os braços. Silêncio.

 

— Vou ser mais clara. Love Si está sendo procurado pela Interpol, ele ou ela tem uma ficha longa e cansativa de crimes que variam de homicídio, tráfico de pessoas, estelionato, sequestro e uma série de outros atos hediondos. Até uns meses atrás nós não sabíamos se era homem ou mulher, mas a vítima sobrevivente forneceu um retrato falado muito interessante.

 

Luna afastou alguns papéis e mostrou ao homem a cópia do desenho. O personagem da imagem não tinha o mesmo corte de barba e cabelo dele, e estava sem acessórios, mas utilizava um pequeno brinco prata com um símbolo estranho.

 

— Eu percebi que você está utilizando um brinco lindo. Eu percebi, também, que tem um pingente bem miudinho nesse acessório, um pingente de um símbolo que eu desconheço. Não é o símbolo da paz, do rock, da sensibilização, do certo, do errado, do check in, ou algum símbolo de internet. Não é um emoji, não é um caractere, não é uma letra grega… mas está no seu acessório e também está no acessório do desenho.

 

Luna sorriu, crente de que sua suspeita estava correta. Prince suspirou e deu ombros. Mesmo que ela estivesse certa, a investigação havia sido interrompida e ela não podia lhe dar voz de prisão por um crime que havia perdido o seu período de flagrante. Ele havia feito o seu dever de casa.

 

— Uau, essa é toda a sua prova? Pensei que iríamos falar sobre a Annie.

 

— Mas isso tem a ver com a Annie, senhor Nelson. Vou precisar que fique mais um pouco na delegacia, pois a Annie foi morta por um criminoso com o mesmo modus operandi que o senhor Love Si.

 

— Está insinuando que eu sou o Love Si?

 

— Há mais algum suspeito aqui?

 

Prince revirou os olhos.

 

— Está bem. Exijo ligar para o meu advogado. Eu conheço os meus direitos e espero, de verdade, que sejam bem agressivos comigo, porque estou louco para processar o governo e ganhar uma indenização gorda que sairá dos bolsinhos de vocês.

 

Luna sorriu, mesmo com os comentários sarcásticos do homem, ela estava bem confiante de que estava chegando em algum lugar.

 

x ----- x

 

Sala escura, interrogatório da senhora Holiday - 22:43 hrs

 

Prince precisou aguardar em outra sala enquanto Calíope se acomodava em um daqueles bancos da sala vazia. Aconchegou-se em seu enorme casaco de pele e passou a observar a jovem investigadora à sua frente.

 

— Pois bem, senhora Holiday… conte-me sobre sua relação com o senhor Jackson. Conte-me os detalhes que preferiu omitir na acareação.

 

Ela suspirou.

 

— Michael e eu tivemos um relacionamento intenso. Ele queria casar, mas eu não estava preparada. Eu havia perdido meu marido há pouco tempo e não queria me relacionar da mesma forma novamente… não estava pronta.

 

Ela acariciou os próprios braços, como se buscasse conforto.

 

— Se me permite um palpite… acho que ele não aceitou bem a minha decisão. Ele mudou… ficou mais agressivo.

 

Por fim, seus olhos azuis fixaram nos da garota.

 

— Acho que ele tentou usar essa Annie para me fazer ciúmes…

 

Luna arqueou a sobrancelha.

 

— Está dizendo que isso não deu certo e, por esse motivo, ele a descartou?

 

Indagou, e Calíope confirmou. Obviamente Luna não poderia tomar aquela suspeita como absoluta, mas era um bom palpite e ela não poderia ignorar. Puxou seu bloco de notas e fez mais uma anotação.

 

— Se ele estava usando a Annie, você deve tê-lo visto com ela várias vezes, correto?

 

— Sim.

 

— Como era o comportamento deles? A Annie parecia aborrecida ou coagida?

 

Calíope refletiu sobre aquilo.

 

— Hum… parando para pensar, ela sempre parecia triste quando me via. Parecia um pedido de ajuda… ou, talvez, soubesse que estava sendo usada e não estivesse gostando disso.

 

Luna aquiesceu.

 

— Obrigada, senhora Holiday. Certamente seu depoimento auxiliou o nosso trabalho.

 

Calíope sorriu e se retirou da sala assim que foi liberada.

 

x ----- x

 

Sala escura, interrogatório do senhor Jackson - 23:24 hrs

 

Luna estava preparando a papelada que iria utilizar para pressionar o suspeito seguinte, pois, assim como Nelson, o homem também tinha um currículo curioso e, após o depoimento da senhora Holiday, suas suspeitas só aumentaram.

 

Porém, sabia que não podia julgá-lo sem concluir a investigação primeiro e reunir todas as provas, mas algo em seu interior já dizia estar perto do suspeito quando foi até sua sala para confrontá-lo.

 

— Boa noite novamente, senhor Jac…!

 

Viu uma sala vazia, os policiais frenéticos e confusos…

 

Ele havia fugido. Ambos haviam fugido.

Agora, dois dos três suspeitos estavam a caminhar pelas ruas noturnas e desertas da Califórnia, cada um com sua própria parcela de culpa.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Com as mãos nos bolsos, Michael assumia uma postura despreocupada enquanto caminhava pelas ruas desertas de Santa Barbara. Isso porque não eram os marginais nem os policiais que o preocupavam, mas sim pensamentos obscuros.
Seu olhar era vazio, seus olhos negros e profundos perderam o brilho desde aquela fatídica noite, e a situação na delegacia apenas havia o relembrado aquelas cenas dolorosas.



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