PARADOXO - Seson 3 escrita por Thaís Romes, Sweet rose


Capítulo 5
Capitulo 5 - Injustiça para todos.


Notas iniciais do capítulo

Oi gentes!
Espero que gostem do capítulo novo, está cheinho de Isis!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/803003/chapter/5

CONNOR

Observo enquanto as duas garotas entram no apartamento. Isis estava exatamente como Jason havia descrito, era como observar um robô pré-programado. Ela pendura o casaco no cabideiro ao lado da porta e deixa a bolsa escorrer pelo chão, Mia a recolhe com ar de repreensão e a pendura no lugar correto. Dez segundos, é o tempo que leva para que eu seja finalmente notado.

—Foi por isso que Jason disse para me hidratar.

Isis ainda estava parada perto da porta me olhando insegura do seu próximo passo. Mia era o oposto, o alívio em seu rosto é aparente. Mas não posso julgá-la tem cuidado de Isis e nos informa semanalmente sobre a peste. Então quando ela me viu sentado na poltrona da sua sala, bancando o Don Corleone, tudo o que fez foi acenar em um cumprimento rápido e correr para seu quarto quase em pulinhos.

 -Não falei com Jason hoje –minto sem muito interesse, na verdade estava tentando usar todo o meu treinamento para não explodir antes mesmo dessa conversa começar.

—Alguém falou. – Isis tira o salto e vem caminhando devagar, como se testasse o chão que estava pisando.

Se senta no braço do sofá colocando a maior distância possível entre nós. De todas as pessoas no mundo, Isis Queen certamente é a que melhor me conhece. Sabe o que me fortalece e tem total conhecimento de onde tocar para me atingir. Todo seu rosto agora era resultado do estudo de uma vida, por trás da maquiagem borrada pelo suor estava cuidadosamente estampada a expressão perfeita de desdém. Eu não sou bem-vindo, e ela não quer me ver. Uma arma que sabe usar muito bem para ferir seus oponentes. A pior parte é que tento repetidamente revirar cada uma das nossas lembranças em busca do que fiz para causar isso, e não encontro nada.

—Não é realmente relevante, é? -pergunto e ela dá de ombros. Só agora percebo que suas bochechas estavam vermelhas e seu olhar um pouco desfocado. –Você bebeu? – minha voz sobe uma oitava não sei se pela surpresa, decepção ou fúria.

Tento procurar algum traço da minha irmã em seu rosto, mas nada me lembra a minha Isis. Seus olhos sempre tão doces, agora eram distantes, quase vazios, sua boca sempre com um leve sorriso estava em uma linha reta, com nítido desprezo. Por mais que tente, não conheço essa pessoa.

—Sou adulta Connor, estou na faculdade, e algumas pessoas, não todas - e me aponta como exemplo. –Bebem ao sair com os amigos. Não que seja relevante para essa conversa, é? – me devolve, mas nem isso tem a vida que uma resposta da minha Isis teria.

Talvez não devesse ter vindo, não sei o que aconteceu com Isis, mas ela claramente não está apta a ajudar ninguém. Não posso se quer protege-la, e não estar por perto pode ser a única coisa que eu faça e vá agradá-la agora. Vou pensar em algo com Lunna, não posso jogar mais carga nos ombros dessa garota.

—Acho que não -digo me levantando.

 Pela primeira vez desde que cheguei tenho uma reação dela. Sua postura muda para posição de defesa. Espera, eu sou a ameaça? Poderia rir se me lembrasse agora de como fazer. Me afasto ainda mais indo para a janela, e a vejo relaxar quando se dá conta de que estava indo. Por um breve momento a voz de repreensão do meu pai tomou conta da minha mente. E meus olhos enxergavam vermelho, quando me dou conta já tinha atravessado a sala e estava a encarando de cima.

— O que aconteceu? –me olha sem entender, tentando com muito esforço não demonstrar que lhe afetava.

—Não sei do que você está falando -desvia seus olhos dos meus, e dou um passo para trás, saindo de seu espaço pessoal.

—Nós Isis? Nós dois -ver seus olhos revirarem embrulha meu estômago. -Não sei se percebeu mais a nossa família está despedaçada. Nossos pais não estão lá, mas não podemos dizer que não tem um motivo para isso.

—O que quer que eu faça, Connor? -cruza os braços sobre o peito, com o mesmo olhar que Felicity usa para jogar algo muito idiota que meu pai tenha feito em sua cara.

—QUERO QUE SE IMPORTE! -grito irado, com mais fúria que me lembro já externar na vida. -Preciso que ao menos você se importe -repito, agora mais controlado.

—Eu me importo Connor –sua voz sai baixa, mas não por sinceridade, ela queria seguir o caminho que levasse ao fim mais rápido dessa discussão. Então nada do que eu disser vai adiantar, tudo estava automaticamente sendo tachado como acusação.

—É sério? -deixo o sarcasmo escorrer em cada palavra. -Não parece, ou a secretaria do papai esqueceu de anotar seus recados por mais de cinco meses?

—Isso é Harvard, Connor -responde irritada. -Não tenho tempo para ficar jogando conversa fora -e assim o resto do meu auto controle se esvaiu.

—Wally sumiu, Sara... –engulo as palavras. –Só existe nós dois agora, eu e você -nem tenho mais forças para ter raiva a esse ponto. -Era nossa obrigação manter nossa família unida. E quando olho você se quer se interessa em saber se nossos pais estão bem, eles perderam o Wally o que os destruiu, e quando te procuram ao invés de conforto tudo o que oferece é rejeição. Está vivendo a sua vidinha perfeita, na sua faculdade dos sonhos, com um namorado do time de futebol, e saindo para beber a noite, enquanto tudo desmorona. Isso é egoísmo, um egoísmo infantil – e então algo em Isis se acende, quase vejo o brilho em seus olhos.

—Talvez por que nunca teve uma vida comum. Acha egoísmo querer poder voltar para casa as dez horas e conseguir dormir uma noite inteira? –sua voz sobe uma oitava. – Ou talvez por gostar de não ser tratada feito uma criança a cada passo que dou, me cercando como se fosse cair do meu berço. Não sei se por acaso notou Connor, mas você nunca me viu como uma igual, e sempre me prendia, me sufocava, e quando tive a oportunidade de não te ver sangrando para tentar me proteger de um tiro eu abracei sem pensar duas vezes. Me afastando de todos, me fechando para tudo, só para tentar te proteger de não morrer por mim. Uma vida comum e chata com um jogador de futebol sem graça para te impedir de entrar em mais uma cirurgia. – Isis estava em pé em frente ao sofá me encarando cheia de acusação, cada palavra recheada de amargura.

—Então você está se sacrificando para me salvar? -mal posso acreditar no que ouvia. -Não fala com nossos pais, deixou o Damian e trancou a Katoptris naquela arca -finjo pensar por um momento enquanto ando de um lado a outro. -Fez isso para me salvar Isis? Eu que tenho saído em campo todas as noites só com Lunna e um comunicador como cobertura? -parece não ter resposta. -Quando você começou a sair em campo era uma garotinha de treze anos, com uma faca mágica que eu tinha feito você conseguir. Te proteger era a única coisa que poderia fazer para não perder A DROGA DE OUTRO IRMÃO!

—Eu não sou o garoto que trocaram por você. -diz entre dentes me fazendo recuar um passo. -Não sou destreinada, nem inocente e muito menos uma moeda de troca -vácuo, sou capaz de escutar minha própria pulsação nos segundos que se seguem.

Percebo Mia com o semblante assustado, parada na porta de seu quarto com a escova de dentes na boca. Nos olhando sem saber o que faria se partíssemos para cima um do outro. Respiro fundo algumas vezes tentando controlar minhas expressões para não parecer tão ameaçador e me viro em direção a garota.

— Estamos bem Mia, pode voltar para o seu quarto -tento acalma-la, mas agora eu quem devo estar parecendo um corpo sem vida.

—É Mia, só uma briga de irmãos. – Isis dá de ombros, abaixando o tom de voz e se sentando em um dos cantos. –Isso não vai mais acontecer - garante.

— Está tudo bem – a incentivo, e quando Mia volta para o quarto, contrario todos os meus instintos, ignoro a mágoa e me forço a baixar a guarda. Sento ao lado de Isis, e passamos um tempo apenas encarando as cortinas.

—Como quer que eu te trate? -apenas me concentro em respirar. Isis permanece em silencio, parecia não saber se aquilo era real, mas apenas espero o seu tempo.

—Isso não é brincadeira? – me encara seriamente.

—Vamos lá –bato no meu próprio peito tentando quebrar o clima pesado que estava entre nós dois. -Faça o seu pior.

—Me olhe como sempre olhou Sara, Damian, Wally – fico em silencio, não queria que se calasse, preciso entender o que vem acontecendo, e não sou um telepata. – Você nunca me enxergou, não é? Se pudesse tenho certeza que colocaria em uma redoma de vidro.

—Uma redoma não, se ela quebrasse poderia te machucar, talvez um quarto do pânico – pondero, sua cara é de pura perplexidade, porém algo em seu olhar a denúncia que tinha algo errado, parecia ser uma reação pré-concebida. –Ok, você costumava entender o que era sensor de humor. – levanta as mãos em rendição, mas em cada palavra que sai por minha boca tudo o que predomina é cansaço.

— Preciso ser tratada como uma igual. Fui treinada pela Laurel, isso que deveria dizer alguma coisa?  Sou tão capaz como qualquer um de vocês, mas sempre tem alguém, e não é só você, nosso pai, Damian, Wally e Sara, estão sempre lá para me salvar, a diferença é que você é mais estremo, e eu não preciso disso. Quando achei uma oportunidade de sair, parte foi para descobrir o que uma vida normal poderia significar, mas a parte mais importante foi ter todos vocês a salvo. Sei que talvez não entenda isso, mas ninguém nunca te achou incapaz.

—Você sabe que somos filhos do mesmo pai? – ela realmente acha que foi diferente para mim?

—Tudo bem, não esperava mesmo que me entendesse –sua expressão é tão cansada quanto a minha.

—Você acha mesmo que a trato diferente?

—Sei é diferente. E não vem me dizer que é por que sou sua irmã, você nunca viu Sara como me vê, se ela fosse tratada como me trata arrancaria as seu olhos sem nem pensar duas vezes .- consigo ver o seu ponto de vista, não que não tenha levado nenhum tiro por Sara, mas se fossemos colocar em um gráfico e Lunna adoraria fazer isso, a quantidade de vezes que acabei na ala hospitalar, em grande parte foi para evitar que Isis se machucasse, e por mais difícil que seja admitir ela sabe se defender tão bem quanto qualquer um de nós. Claro que tudo isso aconteceu quando ela só tinha treze anos, mas posso trabalhar com essa perspectiva.

—Ok.

—Ok? Simples assim? – me encara como se fosse saltar em cima do sofá gritando primeiro de abril.

—Vou tentar, por que quero você de volta as nossas vidas, e por que preciso da sua ajuda - por um momento parece que tudo que estava carregando até agora era pesado demais. – Lunna precisa de ajuda e não sei o que fazer –então percebo algumas gotas caírem em minhas pernas, levo as mãos ao rosto e me pego chorando. Ah que merda!

DAMIAN

Estaciono meu carro em frente ao apartamento do casal arco-íris e me escoro no capô, esperando a Delphine descer. Com Connor ocupado, peguei o posto de baba durante a noite, não que me importe, Lunna é tão silenciosa que passar o tempo com ela e ninguém só tem diferença por que a Delphine vai cuidar de me alimentar religiosamente a cada três horas, então como disse, definitivamente eu não me importo.

Escuto a porta se abrir e a vejo passar tentando conter os cabelos que balançavam com o vento. Seis horas em ponto, acho que ela não considera o horário social quando marca algum compromisso. Aceno com a cabeça em um cumprimento segurando a porta do passageiro aberta para ela que ela abre um sorriso fraco em agradecimento. Dou a volta e me sento no banco do motorista.

—Obrigada por me acompanhar. -diz com sua voz baixa quando dou partida no carro e não posso evitar uma careta involuntária. -O que foi? -me olha confusa.

—Vocês arqueiros e essa mania irritante de agradecer por coisas corriqueiras -reclamo e escuto sua risada.

—Só estava sendo educada, mas se preferir posso não agradecer nunca -sugere e me viro em sua direção abrindo um sorriso com todos meus dentes aparentes. -Okay, nada de obrigada para o nosso morcego.

—Nosso morcego? -repito achando graça.

—Ah, é dessa forma que todos os Queens te chamam, te ofende? -a observo pelo retrovisor e posso ver a preocupação real em seu rosto, chega a ser divertido.

—Na verdade não -respondo com os olhos na estrada. -Às vezes me refiro a vocês como Arqueiro um, dois, três e assim por diante. -Lunna dá risada. -Te ofende?

—Nunca atirei uma flecha para me enquadrar nisso -pronto, ativou o modo enciclopédia. -Mas não me sinto ofendida, fazer parte de algo é estranhamente legal. -é realmente.

—Tem um tempo que tento te perguntar uma coisa, mas não sei se deveria -pondero pensando no que pode acontecer se a fizer pensar no West.

—Bom, pode perguntar e se for muito difícil eu apenas continuo em silencio, fingindo que o carro está sendo guiado por forças invisíveis -tento ficar sério, mas não cola.

—Estava pesquisando sobre tempo, principalmente a teoria da relatividade de Einstein -começo estudando suas expressões com minha visão periférica. -Sobre tudo estar acontecendo continuamente, passado, presente e futuro. Uma amiga me disse que isso chega a ser cruel, como se não existisse redenção. -Lunna parece pensar por um momento, antes de algo se acender em sua face.

—Isso depende de como interpreta isso – dá de ombros. – Você o está aplicando nas linhas temporais? -questiona com perspicácia. -Pensei nisso também, bom não nas linhas, mas a aplicando no objeto que faz a trajetória entre elas.

—O Wally? -digo temeroso, mas ela não parece se importar e apenas concorda.

—A teoria da relatividade é a junção de duas outras teorias de Einstein. Relatividade Geral e Relatividade Restrita, se você basear a junção no espaço tempo realmente vai ter resultados bem depressivos -solta um risinho. -Ninguém quer reviver sem parar o tombo que levou no pátio da escola bem no meio do recreio.  

—E como você vê isso? -sabia que deveria ter a procurado de cara.

—Se pensar em velocistas como os Flashs fica muito mais fácil de entender. Eles são como manifestações ambulantes dessa teoria -dá de ombros como se estivesse falando da coisa mais simples do mundo. -A energia de um corpo corresponde a sua massa vezes a velocidade da luz. Te faz pensar em algo?

—É dessa forma que eles conseguem viajar no tempo -concluo.

—Exatamente -sua forma de falar quase me faz sentir como um nerd ganhando elogio da professora. -Pode usar isso também para entender por que Wally conseguia correr mais rápido do que o Barry, ou para começar a discorrer sobre as diferenças entre as forças da aceleração e velocidade.

—Você acha que o deslocamento de um velocista pode provocar alguma ruptura nas linhas temporais? -a essa altura já estávamos passando dos limites de Star City.

—Temos todo o multiverso que prova essas rupturas, e por esse motivo Barry criou a esteira cósmica. Ela diminui as possibilidades de que eles gerem um buraco de minhoca ou ruptura, como preferiu chamar. A esteira diminui o acumulo de energia que armazenam. Cada ruptura deixa sua própria marca no tempo, gerando diversas realidades diferentes. -Lunna se encolhe no banco por um instante, então parece estar muito incomodada.

—Aconteceu alguma coisa?

—Ontem, quando você disse que eu não estava louca...

—Por que não está -garanto e ela sorri com ar de agradecimento, semicerro meus olhos para lembra-la do nosso trato o que a faz ficar séria imediatamente.

—Tem algo nessa teoria que me faz pensar que talvez você esteja certo -sua voz estava cheia de insegurança. -O tempo passa mais devagar em um objeto que se desloca em grande velocidade -minha cabeça chega a doer.

—Lunna, finge que eu sou o Connor e fala de um jeito que ele possa entender.

—Eu posso escutá-lo bem agora, reclamando da sua marra e te mandando colocar as duas mãos no volante por que não está fazendo nenhum clipe musical. -diz com naturalidade, e sem me dar conta concerto minha postura. -Não podem ser alucinações, por que são coisas que eu mesma não pensaria -argumenta. -Ontem, enquanto treinávamos ele parecia vibrar todas as vezes que me saia bem, soprou todas as sequencias de golpes que você daria e me disse como revidar, e estava completamente apavorado quando Dick trocou de lugar com você.

—Espera, para ele Grayson é uma ameaça e eu não? -Lunna franze o rosto sem querer responder. -Vou tentar não me sentir ofendido com isso.

—Se serve de consolo, ele diz que nem você é tão irritante quanto o Dick. -é não serve.

—Mas o que você acredita é que Wally pode estar preso em uma forma diferente de tempo, rápido demais para que possamos vê-lo? -começo a juntar as peças. -Faz sentido, ele pode simplesmente ter acelerado tanto que não consegue estar em um plano só. -Lunna dá risada e a olho assustado.

—Desculpe, é que ele disse que quase pode ver a fumaça dos seus últimos neurônios ativos se queimando. 

—Wally idiota! -exclamo e a vejo se dobrar de rir. -Vou querer saber?

—Acredite em mim, é melhor não! – respira fundo se recompondo. – Mas Damian, já pensou que tudo acontecendo infinitamente não se trata apenas das tragédias? – me olha de lado com a expressão tão pura que desvio meu olhar. – Meus pais estão vivos, Sara está conosco, Wally ainda me enche o saco toda terça-feira pela manhã, destruindo o que era meu dia favorito e...

—Isis ainda é a Isis – completo com pesar.

Estaciono na Star Labs e caminho ao lado de Lunna. Saímos da parte social do laboratório e vamos para o QG do Flash. Cisco o Caitlin, nos esperavam no Covex e correm em direção a Delphine para abraça-la como se o mundo estivesse a ponto de ruir. Fico próximo ao batente da porta por via das dúvidas sem querer arriscar minhas chances com os modos excessivamente afetivos deles.

—Por que precisavam nos ver? -Cisco pergunta e me aproximo agora que era mais seguro.

—Acho que é melhor mostrar para eles -comento tirando minha jaqueta e Lunna faz o mesmo.

Os dois nos olhavam entre o horror e a curiosidade e nós nos aproximamos em postura de combate. Avanço na direção dela que simplesmente não estava mais no lugar, sinto sua perna atingindo a base das minhas coxas e estou de joelhos. Me levanto novamente e tento restringir o espaço, a mesma técnica usada para lutar contra velocistas, consigo segurar seu braço, mas me vejo novamente no chão sentindo minhas costas doerem feito o inferno.

—Puta merda! -Cisco exclama e Caitlin parece incapaz de encontrar a própria voz.

—E tem mais. -Lunna diz, vestindo a jaqueta novamente, passamos dez minutos explicando as alucinações que podem não ser alucinações que ela está tendo.

—Então você tem escutado o Wally, nosso Wally? -Caitlin se esforça para entender.

—Tem um jeito simples se saber se é realmente ele. -Cisco dá de ombros e encara Lunna com ar de desafio.

—Sete, cinco, nove e vinte e dois -ela declama e vemos o rosto do Vibro ficar verde.

—O que é isso? -Caitlin me pergunta e dou de ombros sem entender. -Bom, tenta comigo.

—Cait, é melhor não. -Cisco avisa.

—Eu não quero dizer isso. -Lunna se encolhe.

—Pode dizer! -Snow incentiva. -Não é como se eu tivesse algum segredo vergonhoso.

—Ele está dizendo que quando voltou no tempo e conheceu sua versão mais nova... -sua voz vai se tornando cada vez mais baixa, e nós precisamos dar um passo em sua direção para escutá-la. -Ele desapareceu temporariamente no dia em que você dormiu com o Barry, mas garante que a culpa não foi sua! -termina fazendo careta, Cisco gargalhava e Caitlin parecia extremante envergonhada.

—Disse que era ele! -Ramon exclama orgulhoso.

—Tudo bem, agora que respondemos à pergunta de um milhão, é melhor descobrir por que só a Lunna consegue ouvi-lo. -perco a paciência por fim. -Não tem aquele lance cósmico com a Sara, mágica ou alguma coisa assim?

—Wally falou que se você comparar a ciência que o prende no plano em que vivemos com mágica, vai passar uma semana cantando antigos sucessos do Justin Bieber enquanto você dorme -ela faz careta. -Deitado ao seu lado na cama -dessa vez eu mesmo estremeço.

—Acha que é alguma forma de possessão? -Cisco viaja, um pouco longe demais.

—Lu, senta aqui. -Cait para ao lado da maca e passa um aparelho que se parece com um detector de metal em volta dela. -Isso vai ver se existe alguma anormalidade.

—Alguma coisa? -pergunto quando ela passa a ler alguns dados em um monitor.

—Estranho -preciso respirar fundo com meus olhos fechados para ter a paciência necessária que devo. -Existem traços estranhos, mas não chega a ser algo como os meta-humanos possuem por que não é estranho ao seu corpo, definitivamente é uma mutação, mas está tão enraizada em seu código genético que não me lembro de ver nada assim antes.

—Traços? -Lunna para a seu lado estudando os resultados. -São como pequenas doses da força da velocidade, elas se fundiram ao meu DNA. – Acha que elas estão se propagando?

—Consegue identifica-la? -Cisco se junta a elas e me sinto de repente em um simpósio nerd.

—Estudei muito a variável da Speed force quando o Wally me pediu ajuda. -Lunna diz abraçando o próprio corpo. -Consigo identifica-la com facilidade agora. Mas por que isso está no meu metabolismo. É como se tivesse costurado ao meu DNA... -murmura encarando a tela.

—Ano passado -digo e os nerds um, dois e três me olham como se tivessem esquecido da minha presença. -Wally foi meio que um desfibrilador para a Lunna, dentro do acelerador desestabilizado.

—Mas meu corpo estava rejeitando a Speed Force. Wally precisou retirá-la.

—Ou ele pensa ter feito isso. -Cisco acrescenta. -Pensa assim, quando ele injetou a Speed Force em você, é semelhante à quando plugamos um USB no computador. Todos os dados estão ali, mas não há nenhum acesso se você não o abrir e torna-lo compatível.

—Muita coisa tem acontecido, posso ter passado por mais estresse que o normal – Lunna começa a falar sozinha. – Acha que foi isso que iniciou a mudança?

—Ou nos fez perceber ela – dou de ombros. – Pode ter mudado desde o dia da batalha contra o Zoom, mas não existia motivos para notar a Speed Force em você,

—Essa não é a Speed Force -Caitlin assinala. -Esses são traços claros da variável que o Wally criou, você tem vestígios da Força da Velocidade. Isso explica por que fica o escutando, se ele estiver na Força da Velocidade e ela se fundiu ao seu DNA, faz com que seja a única janela acessível para ele. -Snow toca no ombro de Lunna que parecia um pouco mais tranquila agora.

—Isso é bom, mas vamos precisar descobrir como trazê-lo de volta -falo o obvio e mesmo assim recebo três pares de olhos irritados.

ISIS

Connor olha as lágrimas que mancham seu jeans, como se fossem algo estranho a ele. Espero um tempo que não sei dizer, enquanto ele aceita que está chorando. Talvez manter a pose de macho finalmente acabou por esgotar suas forças. Vasculho minha mente, em busca do que costumava fazer nesse tipo de situação. Então me aproximo e acaricio suas costas, acho que funcionou. Connor deita sua cabeça no meu colo e deixo que chore em paz. Lunna é um dos poucos gatilhos capazes de desarmá-lo, e para chegar ao ponto que está, algo muito grave vem acontecendo. Eu deveria me importar, mas sinceramente só espero que tudo isso acabe e eu possa dormir.

Ficamos assim por tanto tempo que os primeiros raios de sol já entravam pela janela. Nada parece realmente resolvido entre nós dois, e percebo novamente que deveria me importar. Talvez se conseguir manter o foco e agir como eles esperam, possa ir e voltar de Star City, resolver essa questão da esposa dele e de bônus conseguir menos quinze ligações indesejadas por dia.

Deixo um bilhete para Mia e coloco o essencial em uma mochila, não preciso de muito, meu quarto na mansão ainda é meu quarto. Vou até o meu armário pegar a arca da Katoptris, abro por um instante e vejo a adaga brilhando quase com ar debochado, como se dissesse que tudo aquilo era culpa das minhas escolhas

—Esse treco ainda funciona? – Connor estava parado a minha porta, dou de ombros não sabendo ao certo como responder.

— Talvez se trocar a bateria –sorrio a colocando na mochila. –Trouxe um comunicador? –lança uma caixinha para mim, e coloco o comunicador na orelha.

‘Bom tê-la de volta Nigthmare’ ouço a voz de Robin Vermelho em meu ouvido me fazendo descobrir como Jason sabia de Connor. E já não estou em meu quarto, sou teleportada para a caverna, e um soco no estomago teria sido menos doloroso. Fico meio tonta e Connor tem que me segurar para evitar que minha cara tivesse um encontro doloroso com o chão.

—Isso não é como andar de bicicleta – reclamo me apoiando na cadeira da minha mãe. Tudo parece igual ao mesmo tempo diferente, vazio, como algo que aconteceu em uma vida passada. -Preciso de um banho –só agora me dou conta que ainda usava o vestido da noite passada e estava descalça.

Connor aponta o vestiário. Dentro de separações simples de metal estão todos os nossos uniformes reservas, incluindo o do Tommy, um do Damian e pôr fim do Flash. Desvio o olhar rapidamente é desconfortável encarar aquelas coisas. Tomo um banho rápido, encontro minhas roupas reservas no armário. Um vestido simples rodado, azul celeste com a detalhes em preto, e uma sapatilha que nem me lembrava mais ter. Me olho no espelho sinto como se nunca tivesse saído de Star City, amarro meu cabelo em uma rabo de cavalo alto e vou encontrar Connor que me esperava sentado no segundo degrau da escada, estendo minha mão para ele que abre um sorriso fraco antes de me deixar puxar o peso de seu corpo praticamente sozinha. Mas a brincadeira idiota nos faz ir em direção aos carros rindo feito bobos.

A cidade seguia o ritmo habitual de sábado. Pessoas andavam de bicicletas e algumas levavam os seus cachorros para passear, outros que não possuíam a mesma sorte corriam em direção ao trabalho lutando contra o horário. Só mais uma manhã em Star City.

Connor estaciona o carro e o vejo respirar pausadamente enquanto caminhávamos para dentro do elevador. Lutando contra a tensão em seu corpo, por medo que Lunna percebesse. Mais uma vez preciso revirar em minha mente o que deveria fazer nesses casos, me aproximo e deixo meu braço tocar o seu. Connor entrelaça nossos dedos e começa a relaxar. Mas ao abrir a porta, quem fica tensa sou eu.

Lunna estava sentada tomando café com a companhia mais inusitada possível. Damian está sentado ao seu lado como se aquele fosse o seu lugar de direito. Seguro minha mochila que estava apoiada em um ombro só para sentir se a caixa da Katoptris havia se aberto e aquilo seria uma realidade paralela que estava me mostrando, mas não, é real e estava passando em meu mundo.

—Bom dia. –Connor diz quebrando o gelo, e é naturalmente atraído para o lado de Lunna, sorriem como se não se vissem a décadas e Connor acaricia sua face. É quase constrangedor assistir.

—Bom dia. –Lunna responde acariciando a mão dele que estava em seu rosto, e ele se senta ao seu lado sem soltar a sua mão. –Bom te ver Isis –sorri me fazendo sair da porta e ir em sua direção, Damian mantem propositalmente sua atenção na caneca de café.

—Bom dia – respondo sem jeito colocando a mochila no sofá.

—Vou indo. – Damian se levanta, coloca a caneca na pia e se vira para Lunna, nesse processo nossos olhos se encontram brevemente, mas não tenho como sustentar o seu olhar e desvio fixando meus olhos no chão. –Se precisarem de mim, é só me chamar.

—Obrigada, Damian. –Lunna diz em uma voz baixa, e tinha muita ternura, essa era a voz que somente Phil e Wally costumam receber dela. Ele por sua vez faz careta com ar de desaprovação.

—Você deveria honrar a própria palavra -reclama a fazendo rir. -Só vou deixar passar por que é nova nisso.

—Claro, claro -engrossa a voz em uma imitação boba do que acredito deveria ser a voz dele. -Não vai se repetir.

—Ela é educada demais -reclama com Connor que parecia se divertir com a dinâmica dos dois. -Não esqueça Delphine, não é só por que é sábado que vou aliviar o seu lado. Cinco horas de sono no mínimo. – Damian dá uma falsa bronca. Mas para tudo, Damian está treinando Lunna? Certeza que não estou sonhando? Dou um leve beliscão em meu braço. Ai!

—Vou estar lá as onze!

—Isso é real mesmo – falo baixinho, mas claro que a cria de morcego conseguiu ouvir, e para quem não o conhecesse diria que nem havia notado, mas uma pequena ruga em sua testa demostrava que não deixava escapar nada ao seu redor. Damian ainda toca no ombro da Lunna que assente em um compreendimento mudo. Connor acena para ele que sai sem olhar em minha direção.

Por um momento me torno o elefante branco na sala, como se não tivesse lugar entre eles. Então Connor pega uma caneca de café para ele e me entrega outra me puxando para sentar no lugar que Damian até a pouco ocupava. Tomamos café em silencio, e começo a realmente reparar nos dois, Lunna estava mais magra, com olheiras fundas que começavam a ficar roxas, sua pele havia perdido parte do seu brilho natural, continuava linda como sempre, mas algo nela gritava “frágil”. Já Connor se deixasse a barba crescer poderia se passar fácil pelo irmão mais novo do nosso pai, suas olheiras estavam escuras, e o peso do mundo parecia pairar sobre seus ombros o deixando exausto.

 -Connor disse que precisa da minha ajuda -digo por fim. -O que está acontecendo?

—Muita coisa -ela parece puxar o ar como se ele a faltasse. -Pensava estar louca -a olho surpresa e vejo Connor franzir a testa. -Não pude te ligar amor, mas descobrimos muita coisa na Star Labs.

—Espera, por que pensou estar louca? -preciso me situar.

—Por que o Wally tem falado comigo –se não fosse pelo meu estudo de segurar as minhas reações agora teria que pegar o meu queixo do chão. – é difícil acreditar, mas ele está preso em um estado de tempo fora do nosso, dentro da Força da Velocidade. Cisco está tentando achar um jeito de estabilizar seus poderes e o fazer voltar ao normal.

—Isso é incrível. –Connor a olha abobalhado, não sei se estou entendendo tudo. – Ele está aqui? Como você o ouve? Então agora tudo pode voltar a ser como antes – mal posso processar metade do que está acontecendo, mas existe algo nas expressões dela. Por mais estranha e complexa que Delphine seja, nunca pareceu ser sombria, não até agora.

—Lunna, por que tenho a impressão que existe mais? –questiono pela primeira vez, em minha postura profissional.

—A primeira coisa que pensei era estar sofrendo de esquizofrenia, mas não era o caso – sua voz vai aos poucos abaixando.

— Mas não é só o que pensou –pressiono, vendo que permanecia estática tento reformular. – Luna, o que isso causou em você? O que te fez sentir?

—Não tem mais importância. –Connor faz o que ele faz de melhor, defende quem ele ama, mesmo que aqui e agora não seja o lugar para isso. –Acabou, vamos trazer o Wally de volta. Isis...

—Connor, você pode nos dar licença? –pergunto sem desviar o meu olhar de Luna.

—Não -me diz em voz baixa, era uma advertência. –Está tudo acabado -quase suplica e percebo que Lunna se continha por ele, de alguma forma os dois ficam tentando proteger o outro a qualquer custo, Deus, é quase uma doença!

—Não pode estar tudo acabado, Connor – minha voz era tranquila e serena. –Não quando o verdadeiro motivo de Lunna estar, bom ainda não sei de fato o que está acontecendo –sou sincera, não sou nenhuma clarividente. –Mas sei que isso não começou agora. O desaparecimento do Wally foi só um gatilho. –Lunna abaixa a cabeça e tudo parece cada vez mais claro. –Quero ajudar, Connor, quero mesmo.

Massageio a ponta do nariz lembrando de uma aula em que meu professor apontou que não importava se fossemos psicólogos, neurocirurgiões ou veterinários, na maioria das vezes lidar com a família era a parte mais difícil.  E caramba ele estava certo, mesmo quando a família era a minha própria, ou melhor, principalmente quando era a minha. Connor olha de mim para Lunna, esperando que ela me desmentisse, mas seus olhos se abaixam e massageiam a sua perna.

—Lunna –falo baixinho segurando as suas mãos. –Não sei o que está acontecendo. Mas vou descobri –olho para o Connor, não tirando as minhas mãos das delas, e minha voz não se altera, é calma e acolhedora. – Tudo é novo para você, tudo é novo para o Connor também.

—Ele pode ficar -diz com firmeza antes de se virar para Connor, e passei a ser apenas uma espectadora. -Isis está certa. Não é a primeira vez que faço algo assim. -ela solta minhas mãos e se senta com a postura perfeita e as mãos bem colocadas sobre seu colo. -Foi antes de tudo, do Wally desaparecer, Sara ir embora. Antes de vocês e da Queen Consolidation. Eu passava de orfanato a orfanato desde a adoção do Phill. Sempre que a família dele se mudava eu sabia que seria realocada para uma instituição próxima a casa dele, era a condição de adoção -conta com os olhos perdidos. -Tinha pouco mais do que Chloe tem hoje, quando fui mandada para aquele orfanato. -Mesmo com toda a educação, posso ver o desprezo. -Havia um homem que todas as crianças chamavam de Borgo, ele era diretor do orfanato. Borgo tinha métodos de disciplina bem rígidos.

—Está tudo bem, pode levar seu tempo -falo, permitindo que ela faça uma pausa e organize seus sentimentos. Lunna assente e se levanta pegando um copo com água, vira todo o liquido de uma só vez, passa as mãos pelos cabelos e volta a se sentar onde estava, começando a história que colocaria todos os filmes de terror que nós três já vimos no chinelo.

“Existiam crianças de várias idades naquele orfanato, não era nem de longe o mais organizado que passei. Quando cheguei comecei a escutar os boatos, todos pareciam ter medo do Borgo, mas ele não tinha nada em sua aparência que sugerisse isso. Era um homem em seus cinquenta anos, muito magro com cabelos escuros e uma barba espessa, de estatura média e um sorriso carismático. Inteligente e bem articulado, sempre o elogiavam quando erámos visitados pelos regionais.

Mas já estava acostumada a não me deixar levar pelo que as pessoas aparentavam ser, e um dia uma garotinha que tinha a mesma idade do Phill naquela época pegou um pacote de biscoitos na dispensa escondida. Eu vi, mas não sabia que ele também tinha visto, e quando nos reuniu mandando que o ladrão se entregasse eu me entreguei. Não poderia deixar, já tinha visto o que acontecia com garotos maiores que saiam de sua sala, meu instinto apenas falou mais alto.

Fui chamada para a sala do diretor no fim daquele mesmo dia. Borgo então começou a me falar sobre o que nos faz quebrar as regras, sobre os impulsos de marginais que deveríamos todos reprimir. Disse que por essa razão ele não me puniria, quem faria isso seria eu. O homem colocou três canetas de materiais, tamanhos e tipos diferentes a minha frente e ordenou que as pressionasse com a maior força que pudesse em minhas pernas, onde o uniforme fosse capaz de cobrir.”

—Ele fez o que? – Connor a observava incrédulo, e meu estômago revira com o impacto. A emoção me pega de surpresa por um pequeno instante, mas me recomponho. Não sinto nada a muito tempo, isso começa a me deixar zonza.

—Connor, por favor? –o encaro e seu rosto é um misto de fúria e raiva, aos poucos sua feição se acalma e então se entristece, ele não pode proteger, não quando a causa da dor vem antes de todos nós.

—Vou tomar um banho –se levanta, mas não antes de Luna segurar seus dedos em um carinho. –Vai ficar tudo bem. Mas essa é uma conversa que não vou poder ajudar estando aqui.

LUNNA

Nunca enxerguei Isis como agora, e ainda não tenho certeza se realmente gosto do que vejo. Não tem mais nenhum traço da pequena Queen que todos amam e querem por perto, e com todos os meus PHD’s e histórico acadêmico, posso afirmar que nenhuma faculdade causa isso.  Algo se partiu dentro dela, Isis a minha frente era uma casca vazia. Mas esse é o caminho mais rápido para conseguir juntar meus pedaços e ajudar Wally, e sei que ele pode ajudar Isis. No fim se me forçar, posso conseguir dar um passo para ter minha família de volta.

—Podemos continuar? -pergunto engolindo em seco.

—Se sente bem para fazer isso? -questiona estudando meu rosto e concordo.

—Depois daquele dia Borgo começou a me chamar em sua sala todas as tardes -respiro fundo e era como se andasse novamente por aqueles corredores estreitos com pisos de madeira. -Se ele visse qualquer um quebrar as regras me punia no lugar, vez após outra. Ele fez com que me distanciasse ao máximo dos outros internos. Aposto que faço bem mais sentido para você agora -tento brincar para conseguir conter a confusão em minha mente.

—Não precisa tentar me fazer sentir confortável -bom, realmente ela não parecia sentir muita coisa, então continuo, fixando em minha mente os olhos de Phillippe para suportar as lembranças que me invadem.

—É estranho, por que não falo sobre meu passado e definitivamente não falo sobre isso -confesso coçando minha testa.

—Não tem que se obrigar a dizer...

—Eu quero! -a interrompo. -Quero só dizer as palavras e trazer o Wally para casa -abraço meu próprio corpo. -Em algum momento me acostumei com a dor, a tortura dele passou a me obrigar a pensar em como me livrar dela. Estava mais perto de ingressar na faculdade e o Borgo parecia querer me dar lembranças o suficiente para me acompanhar ao campus. Foi quando teve uma tempestade e todos nós deveríamos ajudar a limpar as goteiras por todo o prédio -fecho meus punhos ao redor do copo vazio e tento respirar calmamente, enquanto o nó em minha garganta torna minha voz pesada e rouca. -Estava so... sozinha em um quar... quarto. Desculpa.

—Tudo bem, Lunna.

—Ele mandou que todos entrassem e quem não quisesse mais trabalhar deveria me “punir” -olho dentro de seus olhos. -Conhece a sensação de ser surrada por todos os lados e precisar se encolher a ponto de parecer uma bola, sabendo que ninguém vai te resgatar? -Isis não responde, apenas continua me olhando com seu novo ar distante. -Só conseguia pensar que não poderia quebrar nenhum dos meus dentes, por que todo o dinheiro que tinha era contado. Naquele chão eu fiz as contas de todos os meus gastos mensais, estava a semanas de entrar no MIT e precisava de no mínimo um casaco novo. O auxílio do governo não seria o suficiente, sem falar da parte que tinha que guardar para reaver a guarda do Phill quando atingisse a maioridade.

—Pensar nisso te fez desligar a dor?

—Apanhar por muito tempo torna a dor entediante -baixo meus olhos para a bancada, observando os padrões no mármore. -Ela pulsa e retorce, mas seu cérebro vai tentar se resguardar, mantendo sua consciência em um local seguro -respondo fungando. -Nunca consegui pensar em uma coisa só, então parte da minha mente passou a vagar no que mais me importava -dou de ombros.

—Phillippe?

—O futuro dele. Sim -observo as pontas das minhas unhas.

—E a outra parte? -levanto meus olhos para ela que permanece impassível. -Você disse que não pensa em uma coisa só.

—Estava pedindo a Deus para que me permitisse viver -sinto uma lágrima grossa correr por meu rosto. -Mas se não conseguisse, implorei que Phill não fosse como eu.

—Como você?

—Sozinho, Isis -respiro fundo. -Desprotegido. Se fechar meus olhos ainda consigo ver a satisfação no rosto do desgraçado do Borgo, pouco antes de finalmente perder a consciência – sussurro baixinho.

Limpo meu rosto e olho para minha mão, a aliança de Sandra brilhava me lembrando de como estou distante hoje daquela garota que foi surrada. Que não tinha quem me defendesse, sem pais, família ou amigos. O caminho mais fácil e indolor para minha autopreservação, era o isolamento. Hoje mesmo tendo meu pequeno exército particular, sou completamente capaz de travar minhas próprias batalhas.

—Aquela surra me deu tempo para descobrir uma forma de sair daquele inferno, por que Deus sabe que não suportava mais. Eu entrei na sala do Borgo escondida assim que me senti melhor, e haquiei seu computador para forjar minha transferência, não suportava mais viver daquele jeito Isis. E como já estava por lá, redigi uma carta de denuncia em nome da secretária estadual. Até descobrirem que era mentira já teriam uma investigação avançada do caso. 

—Você se salvou -sorri cordial, sem emoção.

—É o que nós fazemos, não é?

—Não deveria ser assim, você era apenas uma criança.

—Acho que esperei toda a minha vida para escutar isso -sorrio constrangida, encarando minhas unhas.

—Não acho que vai ser um caminho fácil agora, mas consigo ver que está disposta a fazer o necessário -isso me faz sentir que aquele era o fim da nossa estranha seção. Dou a volta pela bancada e paro em sua frente, vejo que a aproximação a incomoda, mas se existe uma pessoa que sabe bem disso sou eu.

—Obrigada por ter voltado pelo Connor e por mim.

—É o que nós fazemos -devolve com um sorriso que não alcança seus olhos.  -Ele deve estar em chamas lá dentro.

—Por que não descansa um pouco no antigo quarto do seu irmão? -sugiro acariciando de leve seu braço como mais uma forma de agradecer.

Isis sai e vou em direção ao meu quarto. Paro com a mão sobre a maçaneta, sem saber como abrir aquela porta e olhar para meu marido depois de tudo que ele com certeza escutou daqui, para não precisar conter sua expressão de fúria na minha frente. Aproveito meus cinco segundos de coragem e passo pela porta a fechando atrás de dim.

Connor estava sentado aos pés da cama, com os joelhos dobrados e os braços estendidos sobre eles. Sua cabeça estava baixa, mas posso ver seu corpo vibrar com o choro silencioso. Me sento ao seu lado até que ele possa sentir meu corpo se recostar no seu, sua cabeça passa para meu obro e fico afagando seus cabelos e dizendo que nunca mais isso aconteceria.

—Não deveria me consolar por seus traumas -reclama sem mudar de posição, o que é bonitinho e bobo ao mesmo tempo.

—Desculpe não contar antes.

—Não quero que se desculpe por seus traumas também -solto uma risadinha, e ele levanta a cabeça para me olhar. -Como pode ainda ter forças?

—Eu não tinha -suspiro olhando os olhos azuis de Connor, com mais tristeza do que já vi antes. -Não se lembra da garota gaga e assustada que conheceu no elevador?

—Nossa, como eu fui babaca! -pragueja como se acabasse de se dar conta.

—A Con, não vai querer mudar a perspectiva da nossa história agora! -reclamo. -Olha, o que quero dizer é que você me forçou a sair da minha bolha com seu jeito de cafajeste adorável -suspiro.

—Cafajeste regenerado! -acrescenta com a voz rouca e o semblante triste.

—Depois trouxe Wally que praticamente me jogou no mundo como aqueles pais psicóticos e jogam as crianças na piscina funda e mandam que nadem! -faço o gesto com as mãos e consigo tirar uma risada dele. -Sara me completou. É estranho, mas ela é a mais parecida comigo de todos, mesmo sendo tão diferente.

—É verdade -concorda nostálgico. -Vocês eram como gelo e fogo, nos enlouqueciam quando tramavam as coisas juntas.

—Até mesmo Damian passou a ser uma parte bem importante do nosso quebra cabeça -solto uma risada e Connor parece sentir o mesmo. -Acho que ele é do tipo que a gente demora para gostar, mas que vai amar para sempre. E Con?

—Oi amor.

—Nós temos a Isis -falo baixinho entrelaçando meus dedos aos dele.

—Nem sei se aquela é a Isis, claro que sou grato por nos forçar agora, mas tem alguma coisa, consegue me entender? -Connor me olha suplicando por empatia. -Não quero sufoca-la, mas como eu faço para ignorar meus instintos que estão gritando para salvá-la?

—Queria ter essa resposta para você.

—É tão fácil com Phill, ele me diz o que deixa mais irado e depois em mando ele parar de frescura. Damos risadas de algo que você faça e tudo volta ao normal -posso ver Felicity claramente em sua tagarelice. -Mas ela não gosta quando eu estou por perto, e é tão irritante!

—Não pode esperar que duas pessoas completamente diferentes ajam da mesma forma -brinco com sua aliança. -Phill vê a proteção que nós o damos como uma honra, por que nós não tivemos pais por muito tempo -dou de ombros contendo a tristeza.  -Isis é diferente e não vou dizer que entendo, por que não tenho ideia de como é ter pais e ser cercada de proteção a ponto de me irritar com o excesso. Mas sei que ela é forte e pode se virar sozinha -falo com a maior sinceridade que posso. -Por que ao invés de salvá-la não passa a tentar ajudar que ela mesma se salve? -sugiro e sinto seus braços ao meu redor em seguida. -E se quer algo para aumentar sua paciência, pense no que ela fez por sua esposa hoje.

Minha esposa, não é? -pergunta admirado e me viro para lhe dar um beijo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então foi isso por enquanto. Não deixem de me contar o que acharam do capítulo, isso é o que motiva a continuar postando. Me digam o que acharam e o que esperam ver, vou adorar saber a opinião de vocês!
Bjnhos!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "PARADOXO - Seson 3" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.