Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 6
Capítulo 5




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Catarina tivera diversos planos em sua vida. O plano de ser uma mulher independente e a frente de seu tempo, sem se casar ou se apaixonar, foi por água abaixo quando sua irmã supostamente havia ficado doente e ela se viu obrigada a casar e consequentemente se apaixonou por Petruchio. O plano de ir embora do país e criar sua filha sozinha sem pensar no passado que deixou para trás, foi por água abaixo quando não conseguiu esquecer seu filho, não conseguiu não pensar em Petruchio, não conseguiu mais fugir de tudo e de si mesma e voltou ao Brasil. O plano de não ser mais apaixonada por Petruchio, foi por água abaixo assim que ela voltou a ver seu rosto naquela tarde em que conheceu seu filho.

O laço que une duas pessoas às vezes é impossível de se explicar, quando você acredita que foi rompido, ele está lá restaurado com um nó impossível de se desfazer, mesmo com a distância ou a lógica e depois de todo tempo que se passou os laços voltam e simplesmente existem. E o laço que unia ela a Petruchio era impossível de se romper.

Catarina não resistiu em o olhar. Foram apenas nanossegundos, mas o suficiente para ela gravar seu rosto marcado pelo tempo. Ele ainda tinha uma barba, agora com mais pelos brancos que marrons, ele ainda tinha os cabelos levemente compridos e enrolados, com vários fios grisalhos que misturavam-se com os marrons, tinha mais linhas de expressão em sua testa que tinha a pele marcada pelo sol quente. Parou alguns segundos em seus lábios, vermelhos e sérios. De repente, se deu conta que não podia se dar ao luxo de o olhar. Recuperou sua sanidade, desviou seus olhos do dele e saiu de seus braços quase aos tropeços indo embora da loja.

Neca observou a cena de longe, aproveitou que Júnior e Petruchio não prestavam atenção nela e saiu ao encalço da mulher que suspeitava ser Catarina.

Petruchio estava confuso, tudo havia acontecido rápido demais, tivera a impressão que algo estava errado. No ar ele podia sentir um perfume familiar.

— Mas que mulher era aquela? - perguntou ao filho.

— Não descobri o nome dela, mas me senti tão à vontade pra conversá com ela.

— Que estranho, parece que senti a mema coisa, como se já conhecesse ela. - Petruchio não sabia porque seu coração estava descompassado, nem porque seu olfato insistia em sentir um perfume familiar. Aquele perfume parecia muito com o que... Não podia ser, será? - Eu devo de está é maluco.

Ele se encaminhou para a porta tentando encontrá-la para reparar na mulher, mas não encontrou ninguém.

Catarina fugiu e correu de seu passado na forma de Julião Petruchio. Virou numa travessa e começou a ofegar intensamente, quase chorando, tentando encontrar ar para simplesmente respirar. Petruchio havia tirado até sua capacidade de respirar em microssegundos. Negava a si mesma que seu coração bateu em desespero quando ouviu sua voz depois de quinze anos sem ouvir, assim como batia descompassado quando ele falava consigo antigamente ao pé do ouvido. Negava a si mesma que suas pernas bambearam assim que o olhou novamente depois de anos sem ver seu rosto, assim como as sentiu bambearem na primeira vez que o beijou e tocou seus lábios pela primeira vez. Negava a si mesma que sentiu frio na barriga quando sentiu ele a tocar na cintura, assim como sentiu frio na barriga na primeira vez que teve Petruchio por completo a si, com todos seus toques e carícias, numa noite mágica e inesquecível. Afinal, negar fazia parte de Catarina. A negação andava ao lado dela e nesse caso, não deixava ela respirar. Era incapaz de recuperar o fôlego. Era incapaz de regular sua respiração depois de o reencontrar. Parecia se afogar em negação nas lembranças de tudo o que viveu.

A negação não é um balde de água. É um oceano. E como ela prosseguiria agora com seus planos, que nunca davam certos, sem se afogar naquele oceano de mentiras? 

— Dona Catarina? - ouviu uma voz familiar a chamar.

Catarina encontrava-se agachada em uma calçada de olhos fechados, tentando respirar regularmente, sem conseguir.

— Dona Catarina, sou eu a Neca eu tava de olho na senhora de prosa com Juninho. Dona Catarina a senhora foi conversá com seu filho não foi?

Neca! Seu cérebro gritava, precisava olhar pra Neca. Levantou seu rosto e encarou a amiga de anos atrás.

— Eu reconheci a senhora pelo jeito, a senhora foi escondida vê seu filho não foi?

Como ela mentiria a Neca? Não podia simplesmente sair correndo dela.

— Sou eu Neca, sou eu sim. - Catarina se levantou da onde permanecia agachada, ainda tentando regular sua respiração, tirou o lenço que permanecia em volta de seus cabelos e os óculos de sol.

Neca sorriu e desejou abraçá-la de saudades assim que viu seu rosto depois de tantos anos sem ver, Catarina sabia que precisava também de um abraço e esticou seus braços. Era impressionante como um abraço podia ser reconstrutor além de fazê-la recuperar a respiração incerta que tinha, os dois abraços que havia dado no dia, tinham reconstruído parte de sua vida e só com esse gesto, ela se sentia forte para encarar todas as adversidades.

— Precisamos conversar. - disse no ouvido da Neca preocupada.

xx

— Queremos uma informação. - Clara estava com um sorriso no rosto e um olhar meigo diante da recepcionista do enorme prédio da prefeitura de São Paulo.

— Sim? - ela perguntou sem a encarar, estava ocupada lendo um jornal cuja a seção era de classificados.

— O senhor Julião Petruchio, preciso de seu endereço. - ficava ansiosa em dizer apenas seu nome em voz alta. Desta forma acabou dizendo tudo atropeladamente e rápido demais.

A recepcionista não fez menção de ouvir o que ela dizia. Clara repetiu.

— Preciso do endereço de Julião Petruchio. Ele têm uma fazenda.

— Garota sabe quantas pessoas moram em São Paulo hoje? Não é uma informação que guardo em meu cérebro, não sou uma enciclopédia ambulante. - a mulher respondeu em tom de deboche.

— Ah, mas não esperava mesmo que seu cérebro guardasse muita coisa. Se acaso não percebeu estou pedindo para achar essa informação para mim. - Clara respondeu impaciente.

— Pedindo? - ela ergueu as sobrancelhas dando dê ombros começando a mexer com papéis em cima de sua mesa.

Clara sorriu para Miguel pensando que talvez conseguissem a informação facilmente, porém o melhor amigo fez sinal negativo com a cabeça para ela indicando com os ombros a moça da recepção.

— Vai demorar muito?

— Não, paro de trabalhar daqui três horas. - respondeu a garota a sua frente calmamente.

Clara respirou fundo e tentou controlar sua voz ao respondê-la.

— Perguntei sobre a informação que lhe pedi!

— Garota não vou lhe entregar essa informação, não quero e não posso falar informações de cidadãos de São Paulo, é ilegal.

— Mas é meu pai! - Clara gritou com uma voz fina. A mulher a encarou assustada, a jovem de quinze anos começou a chorar e abraçou Miguel. - Ninguém entende o quanto eu preciso achar meu pai, sou órfã entende? - ela encarou a mulher a sua frente. - Morei a vida inteira num orfanato e a única informação que tenho dele é seu nome, custa me ajudar?

A mulher não fazia força alguma de acreditar em todo seu teatro. Clara começou a chorar mais alto.

— Estou com uma doença terminal, meu último desejo é encontrar meu pai! É trágico!

— Garota, garota. - a mulher levantou e cutucou Clara que estava abraçada ao melhor amigo ainda chorando escandalosamente. - Garota! - Clara a olhou. - Suas lágrimas inexistentes e essa sua conversa mole não me comovem.

Clara rugiu nervosa mudando sua feição de supostamente triste para raivosa. Começou a olhar para os lados, Miguel sabia que ela procurava alguma coisa para jogar.

— C-Clara, se acal-l-m-me.

— Como vou me acalmar? Como vou me acalmar se só pedi uma informação e ela se recusa a me falar? - encontrou um revisteiro.

Miguel foi mais rápido tirando o objeto com as revistas da frente dela.

— M-mas jogan-n-do co-i-i-s-sas nos ou-t-tros n-n-não v-vai a-j-ju-d-dar.

— Oh garota, se quer achar o endereço de alguém é só ir atrás de uma lista telefônica ou de um banco que ele tenha conta. - a mulher disse a informação que sabia.

— Um banco? Como não pensamos nisso antes? - Ela olhou pro Miguel brava. - E se ele é rico, com certeza tem telefone… - ela tentava raciocinar.

Chegou perto da mesa da recepcionista com o olhar mais inocente e amoroso que conseguiu.

— Por um acaso você tem uma lista telefônica para me emprestar? - piscou algumas vezes com os olhos brilhantes.

A mulher abriu uma gaveta e tirou de lá uma edição de um livro gasto.

— Obrigada.

A garota puxou Miguel pela mão e ambos sentaram-se num banco tentando achar a informação que Clara tanto procurava.

xx

— … Mas eu fiquei sabendo que a senhora tava voltando. Que bom dona Catarina, que bom!

Neca e Catarina estavam numa casa de chá comendo um pedaço de bolo enquanto conversavam.

— E por que eu voltar seria bom? - Catarina perguntou prevendo a resposta dela. Sempre ouvia as mesmas respostas.

— Ora pra senhora volta a viver sua vida de casada como deve, do lado de seu filho e de seu marido.

Ela revirou os olhos diante da última frase da antiga confidente e amiga.

— Sou separada Neca, não sou mais casada com Petruchio e além de disso, não posso voltar a conviver com meu filho.

— Ara, mas por que então volto? A senhora viu como o Juninho é, menino bão e responsável.

Catarina suspirou com os olhos brilhantes diante do assunto seu filho.

— Ele é mesmo Neca, que jovem incrível ele se tornou, trabalhador e atencioso. Ficamos conversando durante um bom tempo…

— Eu vi oceis conversando. - Neca confirmou com a cabeça contente percebendo a antiga patroa feliz.

— … Parecia coisa de outra vida, ligação de almas, entende? Eu cheguei e logo me conectei com ele, conversamos como se nunca tivéssemos nos separado, foi incrível e reconstrutor.

Neca podia ver os olhos dela felizes e emocionados, lembrava-se desses olhos poucas vezes na fazenda. Ela ficava leve, feliz e completa.

— Então volta dona Catarina, volta que há de fazê bem pra senhora e seu Petruchio e Juninho.

Neca não fazia ideia que ela tinha uma filha, que Julião Júnior tinha uma irmã e consequentemente Petruchio não sabia da existência de Clara.

— Não quero voltar e também não é tão simples assim, há muitas coisas em jogo, coisas que não faz ideia que aconteceram e ainda acontecem Neca.

— Mas Dona Catarina, nada é tão complicado que não se pode resolve com conversa, é pro bem d'oceis.

Catarina tocou a mão da Neca por cima da mesa em sinal de agradecimento, eram tantas coisas que ela não sabia, tantas mentiras, tantas pessoas envolvidas. Queria lhe confessar tudo, mas não podia. Preferia continuar com sua máscara de sempre, era mais fácil e todos acreditavam.

— …Para um relacionamento voltar Neca, é preciso amor, e eu não amo o Petruchio…

Neca lhe entregou um olhar descrente, Catarina acrescentou:

— As pessoas precisam entender que os casais podem se separar, que não há nada errado em não dar certo, minha história com Petruchio se encerrou há muito tempo atrás.

— Mas eu não acredito, não acredito! Eu vejo nos olho dele que ele nunca te esqueceu, nunca mais foi feliz e vejo nos olho da senhora que ainda pensa nele!

— Todas as pessoas em minha volta combinaram com minha irmã Bianca de me importunarem com esse papo de amor? - disse raivosa sem paciência. Neca tirou a mão de cima da mesa se distanciando o máximo dela. Estava com saudades de Catarina, mas não de seus vasos. - Está bem Neca, me desculpe, é que eu não posso, não posso, entenda isso.

— Não pode ou não quer?

— Não posso e não quero! - remendou sua fala automaticamente quando percebeu seu erro. - Peço que não fale a Petruchio que estive com nosso… com meu filho hoje.

— Pode deixa Dona Catarina, vou guardar o segredo.

— É muito importante que esse segredo fique entre a gente, eu não ia vê-lo, mas assim que pisei no Brasil só pensei em ir atrás dele.

— É o filho da senhora não é? Uma parte d'ocê que não conhecia.

— É. - Catarina confirmou com a cabeça emocionada.

— Mas dona Catarina, guardando esse segredo, como a senhora há de viver sem ficar perto de seu filho de novo depois que o conheceu?

Ela não conseguia responder Neca. Como ficaria longe dele o conhecendo como o garoto incrível que se mostrou a ela?

Ficaram um pouco mais tempo conversando e Catarina não conseguiu responder a pergunta de sua antiga amiga e confidente. Havia muitos caminhos que se abririam para ela e a verdade teria que ser encarada mais rápido que supunha.

xx

— Mas não fica no campo! É na cidade! - foi a primeira coisa que Clara constatou ao perceber um endereço relacionado ao nome Julião Petruchio na lista telefônica. - Achei que meu pai fosse um fazendeiro rico, será que minha mãe mentiu pra mim? Que trágico!

— M-mas C-Clara p-p-po-d-de s-ser uma s-segund-d-da ca-ca-sa no nom-m-me d-dele.

— Sim! - os olhos de Clara brilharam diante da conclusão do melhor amigo. - Porque ele é rico ao ponto de ter várias propriedades em seu nome. Mas por que então só um telefone?

Clara devolveu a lista à mulher da prefeitura e se perguntou por alguns segundos se seria capaz de surrupiar o telefone que estava na mesa dela por alguns segundos e fazer uma ligação.

— Podemos ir direto lá não é? - perguntou a Miguel incerta dos próximos passos que percorreria.

— P-p-podem-m-mos. - Miguel tentou apoiá-la. A amiga parecia nervosa com a ideia.

— E se ele só for o dono e o lugar estiver alugado ou…

— S-só sabere-m-mos s-se for-m-m-mos lá. T-te aju-d-do.

Se sentiu mais confiante com a ajuda de Miguel. Para ela era importante ver seu pai, ao mesmo tempo estar tão perto desse momento lhe fazia agir de uma forma na qual ela não estava acostumada. Clara sempre foi imperativa, sempre teve o nariz empinado, nunca teve medo de nada e nem de ninguém. Até aquele momento. Até estar parada do lado de fora do estabelecimento comercial que indicava o endereço do telefone titulado Julião Petruchio.

O carro de aluguel que haviam pego para irem até lá não ia se enganar. Certo? Observava a placa da entrada do estabelecimento pequeno de uma porta só "Sabores da fazenda Santa Clara - produtos com gosto de fazenda ao alcance de suas mãos".

— Fazenda Santa Clara? - perguntou a si mesma tentando raciocinar. - Meu pai é comerciante Miguel! - disse um pouco empolgada e feliz, querendo entrar no estabelecimento imediatamente. - Isso não é nada trágico.

A coragem havia a alcançado.

Julião Júnior estava sozinho na loja, começava a organizar o estoque do dia e os valores das vendas. Pensava na mulher que havia encontrado mais cedo, na conversa amistosa que havia tido com ela, na forma como se conectaram quando se viram o fazia sorrir. Torceu para que ela retornasse nos dias seguintes porque não conseguiu se despedir direito dela.

Seu pai estava na fazenda com Calixto na produção de queijo e outros laticínios, Neca tinha retornado com eles para os ajudar, já que as vendas naquele dia estavam fracas e precisavam de uma nova leva de doce de leite no tacho que estava quase acabando, Calixto voltaria no fim de tarde de carroça para buscar Mimosa da casa de Bianca e o pegaria. Desta forma, quando Clara entrou no estabelecimento ao lado de Miguel, encontrou somente ele.

— Muito boas tarde, a senhorita deseja comprar alguma coisa?

Clara não estava o encarando, mas sim observava o local. Notou que era pequeno, muito pequeno, mal cabiam os três. Tinha uma pequena mesa redonda com duas cadeiras no canto esquerdo, prateleiras ao lado com produtos catalogados com selos indicando que eram feitos na fazenda Santa Clara. Na extrema direta um balcão com uma caixa registradora, um telefone, dos mais antigos, fixado na parede. Havia uma porta que estava entreaberta e ela viu pela fresta que parecia ser o estoque deles, pois tinha vários outros produtos e tinham uma geladeira.

Ela começou a andar e observar o rótulo dos alimentos minuciosamente embalados com sacos de estopa. Letras ornamentais chamavam a atenção dos produtos. Começou a cheirá-los.

Julião Júnior não gostou da falta de diálogo da garota consigo e também não gostou dos olhares julgadores dela pela loja, fazia diversas caretas observando o lugar, olhava com desgosto para os produtos na prateleira. Tentou ignorar e pensar que ela poderia ser uma cliente e comprar alguma coisa, mas quando percebeu ela abrindo um pote de doce de leite, colocando o dedo dentro do pote e comendo sem pedir autorização começou a gritar bravo:

— Arriégua! Que que ocê acha que tá fazendo menina?

Ela olhou para ele com a testa franzida, que já estava do seu lado.

— Garoto, preciso falar com Julião Petruchio. - foi direto ao ponto.

Júnior pegou o pote da mão dela antes que a jovem inventasse de enfiar novamente o seu dedo lá dentro contaminando tudo com sua saliva. Não fez menção de ouvir o pedido dela.

— Onde está Julião Petruchio? Preciso falar com ele AGORA! - berrou a última parte deixando-o com uma careta no rosto pela dor no ouvido que o grito havia causado.

— Sou eu, o que ocê quer? - ele respondeu simplesmente. - Descobriu sobre as delícias do campo que nois vendemos?

— Ah vá mentir em outro lugar. Sei muito bem que não é Julião Petruchio. - ela estava mais impaciente que o normal. Miguel parecia sentir de longe toda essa instabilidade emocional dela e resolveu ficar a seu lado para evitar qualquer escândalo.

— Pois eu digo e repito a ocê menina chata que sou eu memo! - Júnior também não estava um poço de paciência.

Clara bufou nervosa, mas respirou fundo tentando não surtar de vez com ele.

— ... É importante para mim falar com um adulto chamado Julião Petruchio, sei muito bem que não é você! Afinal é um pirralho que mal saiu das fraldas.

— Cê tá é muito da má educada menina? Veja bem como fala comigo!

Normalmente ele não perdia a paciência com nenhum cliente, era sempre atencioso até com os mais exigentes, os que sempre pediam para provar todos os produtos e no final não levavam nada. Mas diante da grosseria gratuita da garota, não conseguia ser simpático.

— C-Clara s-se acal-l-m-me. - pediu Miguel sussurrando perto do ouvido da amiga.

— Estou bem calma Miguel, vê se não me enche o saco! Eu só quero uma resposta desse rapaz e pelo visto ele é analfabeto!

— Mas eu sei muito do bem ler e escrever! Pelo visto ocê não é analfabeta também, mas é sem educação!

— Tenho educação sim e de primeira qualidade, só quero que as pessoas respondam às perguntas que eu faço. Custa fazer isso? Por educação?

Ela estava fervendo por dentro, se fosse qualquer outra situação já teria começado a jogar coisas, mas tentava ser paciente para enfim alcançar sua preciosa informação.

— Pois sou muito do educado, tanto que respondi a pergunta d'ocê da primeira vez que perguntou. 

— Será que é tão difícil para você entender que não pode ser Julião Petruchio?

— Pois esse é meu nome e até onde sei eu posso ser Julião Petruchio.

— Mas olha sua idade, não passa de um pirralho! Não é a pessoa que procuro!

— Pois muito bem, terá que procurar outra pessoa pois o Julião Petruchio sou eu.

Clara bufou nervosa, pegou um pote de doce de leite, abriu e jogou ele no cabelo do garoto.

— A-a-acho q-que não foi u-u-ma boa i-d-deia faz-zer is-s-so. - Miguel ponderou enquanto via a amiga ao lado dando gargalhadas.

— Garota! Ocê tá é doida? - havia fúria e ódio no olhar de Júnior.

Julião Júnior pegou um queijo do seu lado e começou a jogar nela.

— Doido deve ser você! - ela pegou outro queijo despedaçando-o e retribuindo os arremessos.

Miguel tentou impedir no começo, mas logo estava cheio de queijo nos cabelos e também doce de leite, manteiga, iogurte. O estoque inteiro da loja estava se esvaindo em guerra de comida.

— Olha o prejuízo que ocê me deu! - Júnior se deu conta de repente parando de jogar comida nela.

— Não te dei prejuízo nenhum, só joguei o doce de leite no seu cabelo, você que começou a guerra.

— Pois há de me pagar o prejuízo!

— Pago o doce de leite! O resto é por sua conta! - ela deu um sorriso de triunfo a ele.

— Saia da minha loja, ocê saia da minha loja antes que eu chame a polícia!

Clara automaticamente parou de sorrir quando ouviu a menção de polícia. Pegou Miguel pela mão e saiu da bagunça que a loja havia se transformado o mais rápido que conseguiu.

— Garoto insuportável que não respondeu às minhas perguntas. Bem que mereceu ter todo estoque de sua loja nojenta estragado.

— E-est-t-tragar c-c-comi-d-da n-n-nunca é u-u-ma o-p-pição.

— Não venha com moralismos pra cima de mim. Você devia me defender! Ele mentiu para mim!

— E s-se e-l-le n-n-não men-t-tiu?

Clara parou de andar apressada pelas ruas e encarou o amigo preocupada.

— Mas como ele poderia ser Julião Petruchio? Meu pai não é um adolescente. - tentou parecer óbvia.

— S-sim m-mas as p-p-pesso-a-as têm n-n-nom-m-mes igua-i-is às v-v-vezes.

— Impossível, Julião Petruchio é um nome incomum, seria muita coincidência. Uma coincidência absurda demais.

— A n-n-não s-ser q-que ele s-se-j-ja…

— Meu irmão… - sua espinha gelou diante dessa possibilidade.

Lembrou do envelope da carta que havia pego da caixa da mãe e guardado em sua bolsa quando saiu da casa de seu avô em busca de respostas.

Puxou Miguel pela mão e sentou-se num banco de uma pequena praça, sua mão estava tremendo quando rasgou o envelope que dizia apenas: "Para meu filho".

"Lisboa 1932,

O dia está lindo para um dia de parque, observo sua irmã brincando sorridente na grama com Miguel enquanto fazemos um piquenique. Pequenos momentos que gostaria de gravar de algum modo, como num quadro para que pudesse assistir sempre que quisesse relembrar. Não posso fazer isso então escrevo. Escrevo para você meu filho imaginando se um dia você teve ou ainda terá algo parecido com isso ao lado de seu pai. Sei que tem campos lindos para um piquenique por aí, mas sei também que seu pai é um trabalhador, será que ele te permitiria ter esses vislumbres de criança e aproveitaria o momento com você? Aposto que já aprendeu a tirar leite das vacas e a brincar com as galinhas. Curta sua infância enquanto é tempo, o tempo voa depressa demais. Queria estar nos campos verdes da fazenda com você e sua irmã aproveitando um dia de sol enquanto vocês brincam pela grama e tomam leite fresco e o melhor queijo da região. Mas às vezes a vida não nos permite ter o pacote completo. Eu te amo meu filho, ontem, hoje e sempre. Sua mãe Catarina".

Clara amassou o papel em sua mão e começou a chorar. Sua mãe mentiu para si sua vida inteira. Ela tinha de fato um irmão. Precisava conversar com ela frente a frente e a confrontar.

 


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