Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 35
Capítulo 34




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Catarina queria acreditar no tempo, como ele havia a ajudado semanas atrás apaziguando as mágoas e permitindo que o filho se aproximasse de si e Petruchio a perdoar pelos anos de separação e mentiras. Queria acreditar que o tempo mais uma vez a ajudaria, apesar de todo seu desânimo diante dos nãos que nunca paravam de lhe dar bofetadas. Dias depois de ter aceitado morar novamente na fazenda, de ter sido sincera com Petruchio sobre seus medos em relação aos fantasmas que a rondavam, recebeu um não de um lugar que nunca imaginou que iria receber.

— Desculpe Candoca, mas é contra as leis da igreja uma mulher divorciada ser madrinha de uma criança. - as palavras do padre entraram como faca em seu coração.

Catarina não era uma pessoa religiosa, mas recorria a Deus quando achava que precisava conversar e se acalmar quando a vida lhe dava diversas rasteiras. Receber esse tipo de não, de um lugar que era para acolher a todas as pessoas, a fazia mal.

— O senhor está dizendo que não sou bem-vinda aqui? Achei que a casa de Deus acolhia todas as pessoas. - Não deixou de perguntar.

— É bem-vinda sim, mas o batismo eu não posso autorizar.

Ela chorou de ódio quando saiu porta a fora com Candoca e Otávio. Era como ter ganhado um presente e lhe ser arrancado dos braços sem motivo algum.

— …Eu sinto tanto Catarina, para mim, você sempre será a madrinha dele… - Candoca não sabia como a consolar quando sua única alternativa foi trocar ela por Bianca como madrinha de seu filho.

Naquele dia ela escreveu, mais uma vez, suas frustrações no papel. Precisava desabafar. Acarcava as palavras no papel com a caneta devido ao seu ódio que quase o furava. Petruchio notou seu semblante triste e sua raiva evidente.

— Eu sinto muito. - disse a esposa quando esta lhe explicou tudo com ódio nos olhos.

Ela então desabou a chorar e ele a abraçou a consolando e acariciando suas costas.

— Me sinto tão fraca, tão impotente.

— Tá tudo bem não ser forte o tempo inteiro.

— Eu tô cansada de ser forte o tempo inteiro. - Petruchio esticou seu pescoço para trás e a encarou, lhe deu um beijo em sua testa e ele sentia seu coração se apertar, junto ao dela. Já havia brigado com Serafim, colocado Heitor em seu lugar, falou verdades ao pai da aluna que a expulsou da escola, até amedrontou Edmundo. Sua vontade agora era…

— Eu tenho é vontade de ir atrás desse padre e… onde já se viu? Tantas pessoas, mais pecadoras que ocê, que frequentam aquela igreja e se fingem de boas e morais e ocê… Ocê que é a errada? Só por causa de um divorciada no nome?

— Está tudo bem Petruchio, é mais um dia em que aprendo que as leis são feitas pelos homens, para os homens.

Ele acariciou seu rosto com seus dedos e pensou consigo.

— O que posso fazer pra deixar ocê um tiquinho feliz? Eu não aguento mais ver ocê triste pelos cantos.

— Não se preocupe. Estou bem…
Catarina estava começando a cuidar da contabilidade da loja e atendia alguns clientes que apareciam de manhã, enquanto Petruchio cuidava das encomendas da feira e sempre checava se a produção na fazenda estava em ordem. Ele estava feliz com Catarina o ajudando e apesar de dizer que para ela era o suficiente fazer o que ele amava, que se lembrava dos tempos em que cuidaram da fazenda juntos, ele sabia que a ex-mulher não estava feliz trabalhando consigo.

Reparou que ela escrevia muito, sempre levava um caderninho e vez ou outra "vomitava" palavras nele.

— …Eu posso perguntar uma coisa pr'ocê? - Petruchio pediu, depois de minutos. Catarina parecia mais calma depois da recente frustração. Apesar de estar contando o estoque de manteiga da geladeira, que já havia feito três vezes e se perdido.

— Pergunte. - ela deu dê ombros não o encarando.

— Ocê têm um diário?

— Diário?

Petruchio apontou o caderno que estava depositado no balcão.

— É que… desde que se mudou pra fazenda, eu te vejo escrevendo nesse caderno. E eu nunca li, abri ou mexi nele, mas é que eu reparei que toda vez que algo te machuca, ocê escreve nele.

— Não é um diário… Eu gosto de escrever… Sempre gostei… - Catarina começou a lhe explicar. - Meu sonho antigo era escrever para um jornal, contribuir de alguma forma com minha opinião sobre os assuntos atuais, mas aí… aí eu fui para a europa e parei de pensar em mim.

— Então ocê escreve por que?...

— Porque eu sinto necessidade e gosto. É como terapia para mim.

— Seria um ótimo emprego pr'ocê! Imagina seu nome no jornal! "Matéria importante por Catarina Batista". - ele esticou o dedo no ar como se tivesse vendo as palavras a sua frente e não só em sua imaginação. - Por que não tenta?

Catarina sorriu de lado diante da esperança infantil que Petruchio lhe dizia.

— Eu não consigo emprego em nada por causa da minha má fama que se propagou. Acha mesmo que alguém pagaria para me publicar escrevendo? É um sonho de garota que ficou no passado. Hoje eu só apareço nos jornais como Catarina Batista ex-Petruchio, a que cometeu o crime de se divorciar.

Ela deu de ombros e voltou a trabalhar, Petruchio enrugou sua testa pensativo. Colocou a mão no ombro dela e começou a lhe fazer uma massagem.

Catarina fechou os olhos diante do gesto repentino dele.

— Tudo tá do avesso eu sei… queria que ficasse mais relaxada.

— Estou tentando. - ela respondeu a ele ainda de olhos fechados aproveitando a massagem.

— E se a gente viajar?

— Viajar? Como assim?

— Só nois dois… sei lá, pra praia, eu sempre quis conhecer o mar. A gente podia ir e ficar uns dias em Santos ou no Guarujá, só nois dois.

— Sem as crianças Petruchio? - ela virou o rosto para ele questionadora.

— Eles têm quinze anos, são bem grandinhos pra sobreviverem sem a gente.

— E a fazenda? As encomendas? Sabe que não temos empregados suficientes para nos darmos ao luxo de ficarmos uma semana sozinhos na praia gastando dinheiro que não temos.

Petruchio suspirou frustrado.

— Catarina eu só pensei… eu só pensei que…

— Eu sei. Eu sei… - ela acariciou o rosto dele, também desejava uma viagem a sós com ele. Uma semana esquecendo todos os problemas e só curtindo a viagem a dois. - Eu queria muito essa viagem também, mas… a gente não tem dinheiro ou sequer tempo para isso e tenho medo de deixar Clara e Júnior sozinhos. E se a Marcela resolver aparecer?

— Acha mesmo que ela apareceria assim depois de anos pra se vingar?

— Eu não sei… Mas não quero arriscar.

— Vem aqui. - ele a puxou para um abraço. Catarina se aconchegou nos braços dele se sentindo menos triste. - A gente só precisa permanecer junto. Pra nenhum mal alcançar a gente. Eu te prometo.

Ela concordou com a cabeça querendo chorar. Antes que pudesse chorar novamente, já que o bolo em sua garganta não sumia, ele abaixou seu rosto até ela e a beijou com carinho.
Catarina aproveitou para se deixar ser cuidada por ele, era diferente a calmaria com Petruchio, estava sempre acostumada a gritos e vasos, mas diante dos desafios e das tristezas enfrentadas nos últimos dias, ter seu carinho era o que precisava.

— Eu posso ler o que ocê escreve? - ele perguntou a ela depois de um tempo abraçados. - Eu quero muito ver como se sente. Tentar te entender mais.

Catarina sacudiu a cabeça afirmativamente, ainda aproveitando o abraço dele lhe embalando.

— Fique com o caderno pelo tempo que quiser para ler. Só me devolva depois.
Petruchio sorriu com a resposta dela, sua mente trabalhando numa surpresa que pudesse a animar.

xx

Clara estava obcecada em pintar. Era isso que Júnior havia constatado nos últimos dias na fazenda. Ela não parava de desenhar e usar suas tintas. Estava sempre com um lápis na mão pensando no que fazer. É claro que não se importava com a irmã, ela era irritante e insuportável para pensar nela, mas a vendo na escola com o mesmo comportamento de sua casa, começou a se preocupar. Clara não podia levar telas ou tintas para o intervalo, mas tinha sempre um caderninho na mão e observava a paisagem tentando desenhá-la e pintava tudo com um giz de cera.

Estava aéreo pensando na irmã, e quase nem escutava mais Miguel e Elisa conversando ao seu lado.

— Minha mãe achou uma pensão não muito longe daqui, da pra virmos de a pé pra escola. Vou me mudar amanhã… - Miguel dizia a Elisa enquanto a namorada sorria diante da solução para o problema que afligia ele dias atrás. Miguel estava preocupado com a mãe, que não conseguiria pagar o aluguel do apartamento em que moravam.

— Ocê não vai mais morar lá? - Júnior perguntou ainda observando a irmã ao longe.

— Desde que sua mãe resolveu morar na fazenda, a gente começou a procurar vagas em pensões, às vezes me sinto culpado em não ajudar nas despesas. Queria arranjar um emprego. - Miguel confessou.

— Eu posso pedir para meu pai algo na loja, se ocê quiser. - Júnior comentou.

— Na loja? - Miguel seguiu o olhar do colega e viu que ele reparava em Clara. Ele automaticamente abaixou a cabeça chateado, pensando no quanto sentia falta da amiga. Elisa entortou os lábios quase com ciúme. - Acho melhor não na loja, mas talvez eu consiga algo na cidade.

— Ocê podia tentar qualquer coisa, entregador de jornal ou engraxate, sempre tão contratando. Tem veiz que eu penso que também devia trabalhá fora pra ajudar nas despesas de casa, mas eu adoro trabalhar lá na fazenda.

— Falando em trabalho, preciso ir para a biblioteca ajudar minha mãe. - Elisa se pronunciou sabendo que estava sobrando na conversa, se aproximou de Miguel e lhe deu um beijo na bochecha. - Mais tarde a gente se fala.
Miguel concordou com a cabeça vendo ela se distanciar, quando pensou ser seguro, olhou Júnior de rabo de olho e perguntou:

— Como que a C-clara está? Ela tava bem abalada com a morte do avô de vocês.

— Acho que ela não superou muito ainda, anda obcecada em pintar quadros.
Miguel olhou para ela ao longe reparando nela concentrada desenhando no caderno, estava sozinha. Sempre a via sozinha.

— Ela anda muito sozinha na escola. - comentou.

— Ela é muito sozinha, só conversa com a galinha de estimação lá de casa. Minha galinha aliás. - Miguel coçou seu cabelo pensativo, Júnior se aproximou dele falando mais baixo. - Ela precisa d'ocê.

— De mim?

— Acho que só ocê conseguiria fazer ela melhorar.

— Por que?

— Eu fiz mal em te afastar a força dela. Eu sei que acabei te ajudando com a Elisa e tenho muito gosto d'oceis tarem juntos, mas minha irmã é muito fechada. Ela não consegue se aproximar de ninguém ou fazer amizade com ninguém.
Miguel olhou pra baixo suspirando, lembrou que em Portugal Clara também não tinha outros amigos, sempre a viam como a enfezada que não tinha paciência. Ele normalmente conseguia interagir melhor com os outros apesar da gagueira. Sempre achou que Clara lhe fazia um favor em ser sua amiga, mas agora…

— …Ela sempre foi assim e nunca percebi. 

— É por isso que ela tá é ficando cada dia mais louca conversando com minha galinha Carijó.

— Eu vou lá falar com ela.
Júnior concordou com a cabeça vendo Miguel e sua coragem para conversar com sua irmã. Se Miguel não tinha medo de ir lá puxar assunto com Clara, por que então ele estava adiando sua conversa com Ana? A viu na escola andando todos os dias quando voltou a estudar e não teve a mísera coragem de dizer um "oi", se sentia culpado, sentia que sabia coisas demais sobre ela, sentia que ela poderia estar pior do que antes e ele foi covarde o suficiente por não fazer nada. Ficou reparando em Miguel e sua irmã, ao longe.

— C-C-Clara. - Miguel engasgou mais que o costume para falar seu nome, estava nervoso.

Clara sentiu seu coração bater na garganta diante da voz que ouviu em suas costas. Não percebeu ele se aproximar.

— Miguel? - não quis se virar e o encarar, estava com medo de encontrar Elisa ao seu lado.

— Você tá desenhan-n-ndo?

— Tô tentando desenhar o telhado da escola. Normalmente quando estou triste eu tento desenhar alguma coisa que me tira o foco da tristeza e desenhar telhados sempre me faz passar raiva. Já reparou em todas as telhas diferentes que há nele? São tantos detalhes que eu me concentro neles e não… - ela parou de falar quando sentiu a mão de Miguel em seu ombro.

Ainda não havia virado para o encarar. Ainda tinha medo de estar travando uma disputa com Elisa, sabia que não tinha o direito de ter Miguel pra si, pelo menos tê-lo por inteiro de novo.

— Eu sei que telhados são péssimos pra se desenhar, lembra de me falar sobre eles em Por-r-tugal? Só não eram piores que as calçadas de paralelep-í-ípedos. - Miguel sentou atrás de si e Clara virou seu corpo. Reparou que ele estava sozinho com ela, tanto tempo que não ficava sozinha com Miguel.

— Eu sinto falta de Portugal. - ela confessou.

— Eu também. - ele riu se lembrando. - Lembra quando a gente ia embora mais cedo das aulas só pra você ir olhar as vitrines de vestidos?

— Eu era fútil e completamente inconsequente e você sempre me acobertando. - era tão estranho conversar com ele numa versão de um Miguel que não gaguejava.

— A vida era mais simples. - ele olhou para baixo ajeitando os óculos no rosto. Clara reparou numa mancha enorme de dedo na lente de seu óculos. Estava tão perto de si, tão perto que ela não se lembrava a última vez que havia conversado consigo tão perto. - E como você est-á-á?

Ela engoliu em seco diante da pergunta dele para si.

— Estou bem. - ela desviou o olhar do dele.

Miguel conhecia todos os tipos de tom de voz de Clara e ele sabia que aquele não era o verdadeiro, aquele era o que ela usava quando estava pedindo socorro em silêncio.

— Tem certeza? - ele perguntou tentando que ela se confessasse.

— Sabe o que eu lembrei agora? - ela sorriu e virou o rosto pra ele de novo. - De que a gente saia da escola e ia direto pra aquele armazém comprar aquele doce que explodia na língua.

— Ah sim! Aquele pirulito cheio de pó. - Miguel sorriu com a lembrança. - Pena que a gente não tá em Portugal, senão poderíamos ir atrás pra tentar achar depois da escola.

— Depois da escola? Você ainda conversaria comigo depois da escola? - ela deixou a pergunta escapar. Não parava de pensar que Elisa poderia estar escondida em outro lugar, só esperando Miguel acabar com a "caridade" que lhe fazia conversando consigo.

— Sim, vamos depois da escola procurar. Talvez a gente ache-e! - ele bateu o martelo para um compromisso com ela e Clara mal podia esperar para ter ele de volta pra si sozinho, por inteiro, como antes.

Miguel percebeu que ela estava ainda fugindo de si, talvez no passeio conseguisse conversar com ela apropriadamente. 

xx

Júnior resolveu ir atrás de Ana, não podia mais ser covarde e ter milhões de desculpas para não ir atrás dela. A viu sozinha num canto, com um sanduíche na mão, sabia que tinha sido a mãe a fazer pra ela. Ela parecia igualzinha a dias atrás. Usava um casaco e se forçava a dar mordidas no alimento. Aquilo fez seu coração doer.

— Oi. - a cumprimentou.

— Oi.

Júnior coçou a cabeça sem saber o que fazer ou falar.

— Oi. - disse novamente.

— Isso seria o que? - ela perguntou sorrindo.

— Eu sem saber o que te dizer e me sentindo culpado.

— Não se sinta.

— Posso sentar do lado d'ocê?

— Precisa ter uma licença de ouro. Ter um pai horrível. - ela brincou.

— Então não posso sentar. Mesmo assim vou permanecer aqui um pouquim. - ele por fim agachou na frente. - Me desculpa.

— Pelo o que?

— Por ter sido covarde e ter usado a desculpa de meu avô doente pra não vir mais atrás d'ocê. Eu pensava o tempo todo n'ocê. Como ocê tava e… mesmo assim. Mesmo assim eu não tinha coragem de vir até ocê e te perguntar como ocê tava.

Júnior sentiu-se um pouco melhor em lhe confessar suas angústias. Mas Ana estava cansada.

— Estou acostumada as pessoas se afastarem de mim quando percebem meu real problema. Então tudo bem. - ela deu dê ombros.

— Não, não tá tudo bem. - ele relou a mão no ombro dela. - Ainda tá tudo igual?

— Tudo absolutamente igual. - ela confirmou.

— Seu pai ainda tá te… - ele engoliu a palavra tentando pensar em algo menos feio para dizer.

— Ele parou de me bater porque minha mãe parou de tentar o enfrentar. Mesmo assim as marcas daquele dia que sua mãe se demitiu ainda estão saindo do meu corpo, prefiro vir de manga comprida. - ela esticou a manga da camisa comprida pra trás e ele pode ver o amarelado em seu pulso. Júnior sabia o motivo dela usar a camisa comprida, mas ver a imagem só fazia seu peito doer mais. - Às vezes eu só queria que o tempo corresse mais depressa pra eu ser de maior o mais rápido possível.

Ela deu um sorriso de lado tentando mordiscar novamente seu sanduíche. Júnior permaneceu em silêncio ao seu lado o resto do intervalo sem saber como agir ou o que fazer, mas entendendo que não podia mais deixá-la sozinha naquela escola um minuto sequer.

xx

— Eu vou com a C-C-Clara pra cidade um pouco.

— Achei que íamos estudar hoje a tarde. Havia me prometido me explicar aquela matéria de matemática que estou sem entender.

Miguel piscou olhando a namorada à sua frente quando o sinal de saída havia disparado para irem embora.

— Eu sei, mas são só alguns minutos e… Você entende, não é?

— Entendo sim. - Elisa cruzou os braços na frente do corpo e virou para voltar até a biblioteca com sua mãe sem se despedir dele direito.

— Júnior avise a nossa mãe que passo só a tarde na loja. Vou com Miguel para a cidade, ajudar ele a arranjar um emprego quem sabe. - Clara disse animada ao irmão quando o viu parado do lado de fora esperando a carroça do pai chegar.

— Então oceis se acertaram?

— Como assim? - perguntou sem entender.

— Pode ir que aviso. - se limitou a responder quando viu Miguel aparecer ao lado.

Ambos andaram por várias lojas do centro de São Paulo. Não haviam almoçado então comeram um pedaço de bolo e chá na casa de chás e conversaram.

Fazia tanto tempo que Clara não conversava com ele, pareciam aqueles melhores amigos que não se viam há anos e anos e quando se reencontram, apesar das diferenças e das fases diferentes da vida que viviam, a conversa fluía como se não houvesse passado nenhum minuto longe um do outro.

Miguel lhe explicou que queria arranjar um emprego no período da tarde para ajudar a mãe nas despesas ou juntar algumas economias para estudar fora quando terminasse na escola, confessou a ela que se sentia um peso às vezes para a mãe, já que ela sempre o sustentou sozinha e sempre enfatizava o quão grato deviam ser a mãe de Clara.

Ele esperava que se abrindo dessa forma a ela, Clara de abriria com ele e foi o que ela fez. Confessou que não estava bem, há muito tempo.

— …Eu briguei muito com minha mãe nesse meio tempo em que ficamos sem nos falar. Você sabe que sempre briguei com ela, mas da última vez foi diferente. Ela me fez enxergar que estava tratando meu pai como ele não merecia. Doeu muito perceber que eu era sim interesseira e egoísta e que sempre fui assim. - ela olhava para frente narrando sem o encarar. - E só depois do que minha mãe me falou eu comecei a conhecer meu pai. E apesar dele não ser rico, ter nada do que minha imaginação um dia pensou, ele é o melhor pai que eu poderia ter.

— Que bom que não foi tar-rde de-e-mais. - Miguel comentou e Clara pensou que talvez não fosse tarde demais para ela resgatar o melhor amigo para si novamente.

O ajudou a procurar várias vagas de emprego. Estava garantido numa loja de engraxar calçados, mas Clara descobriu que ele poderia ser lanterninha no cinema e ganhar o dobro se ficasse até a noite. Miguel prontamente aceitou a vaga de emprego e começaria no dia seguinte.

— …Pronto para pegar no flagra os casais se beijando no escuro a partir de amanhã? - ela disse feliz comemorando com ele.

— Obrigado por ter me ajudado. Sabe que sou péssimo falando em público com gente importante.

— Acho que não, melhorou demais, até se curou da gagueira.

— Elisa me ajudou demais nisso. - de repente ele se sentiu culpado em estar a tarde toda passeando com Clara e ter deixado a namorada de lado.

Clara viu que ele estava um pouco chateado e resolveu mudar de assunto.

— Talvez eu tenha um emprego também, mas… - ela o olhou nos olhos. - Posso te confessar uma coisa que não disse a ninguém?

Miguel limitou-se a concordar com a cabeça.

— A coisa mais estranha aconteceu no velório do meu avô, uma antiga conhecida dele apareceu e disse ser colecionadora de quadros e que havia ouvido que eu pintava. Está interessada em minhas pinturas. Ela queria ver, e estou pensando…

— Quer vendê-las?

— Não sou nenhuma Tarsila do Amaral eu sei, e também não pretendo ganhar a vida sendo artista, mas eu pensei, só pensei, e se eu levasse essas pinturas a ela nesse hotel que ela está hospedada e sei lá… se ela é entendedora de arte e coleciona de quadros, pode me dar um pouco de dinheiro. Quero ajudar meu pai e minha mãe nas despesas, a gente não esbanja dinheiro.

Miguel deixou que ela se confessasse para si e concordou que ela devia sim tentar vender, que mal poderia haver?

— Um armazém! Vamos tentar achar aquele doce! - Clara o puxou para dentro do estabelecimento comercial já no final da tarde. Saíram de lá com o doce tão nostálgico na mão. - Meu Deus! Não acredito que eles vendem isso no Brasil!

— É o mesmo sabor de lá!

Ambos sentaram num banco da praça, o sol já estava se pondo. Ficaram a tarde inteira juntos e tudo pareceu tão leve e certo para Clara, era como viver os velhos tempos novamente, ao mesmo tempo ambos estavam bem mais maduros. Ficaram ainda rindo diante do doce e das lembranças. Até que Clara o puxou para brincarem num balanço.

— A gente vai quebrar, isso n-não nos aguen-nta. - Miguel disse cauteloso se sentava no brinquedo e quando Clara já pegava o impulso subindo no ar.

— Ainda continua certinho demais. - ela riu o que fez ele finalmente sentar e empurrar o pé se balançando ao seu lado.

Miguel adorou ver ela relaxada depois de tanto tempo, era outra Clara completamente diferente da que presenciou naquela manhã.

— No três a gente salta!

— Não não não não C-Clara! Tô muito velho pra isso.

— Um…dois… três! - ela saltou do balanço com ele a imitando atrás, ambos rolaram no chão a frente reclamando de dor e rindo ao mesmo tempo.

— Acho que quebrei meu braço. - Miguel reclamou rindo se sentando no chão ao lado dela.

— Lanterninha de cinema perde emprego antes de começar a trabalhar porque foi ser criança aos dezesseis anos. - eles estavam pertos. Tão pertos que Miguel conseguia reparar nas pequenas pintinhas que ela tinha em volta da bochecha, mesmo com o sol baixo atrapalhando a visão. - Aí!

Clara reclamou de dor assim que relou sua mão no chão.

— Machucou? - Miguel segurou sua mão analisando de perto.

— Acho que posso ter aberto meu pulso. - ela confessou deixando que ele acariciasse o local.

Aproximaram os rostos juntos observando o pulso dela ao ponto das testas grudarem, Miguel sentiu seus pelos dos braços se arrepiarem quando percebeu que dividiam o mesmo ar. Clara sentia seu coração pulsar muito rápido diante da proximidade que dividiam, mas não queria fugir de lá. Ergueu seu rosto lentamente e sentiu seu nariz se roçar no dele, fechou os olhos. Miguel a olhou de olhos fechados, ainda com os narizes se roçando, sentindo sensações até então adormecidas dentro de si. Passou sua mão pela bochecha dela a acariciando. Estava tão perto que era um erro não se beijarem. Um erro… pensou na palavra erro e se afastou dela de repente.

Clara abriu os olhos e viu o amigo virando de costas cabisbaixo. Resolveu não comentar nada.

— Você me acompanha até a loja?

Ele limitou-se a concordar com a cabeça ainda sem encará-la. Ambos começaram a andar em silêncio.

xx

Júnior passou o final da tarde ajudando sua mãe na loja, sentiu-se bem em dividir suas angústias perante Ana para ela. Queria que a mãe tivesse uma solução.

— …A lei dos homens são feitas para homens, ainda mais homens poderosos como o pai dela. Polícia nenhuma questiona o jeito que um empresário importante lida com sua mulher e filha dentro de casa.

— Mesmo sendo violência física? Mesmo as marcas no corpo estando lá para comprovar?

— Não há como provar que foi ele quem fez, mesmo que ela confessasse. Poderia só piorar mais as coisas para Ana e sua mãe. - Catarina explicava ao filho acariciando o rosto dele preocupado.

— Um mundo injusto, é isso! O que eu posso fazer?

— Se pelo menos pudéssemos denunciar ele por outro crime? Um que ele fosse pego em flagrante…

— Ele tem uma fábrica, talvez se eu me candidatasse a um emprego e descobrisse outro jeito…

— Não! Não quero você envolvido com esse homem mais do que já está.

Júnior negou com a cabeça preocupado.

— Eu não consigo dormir direito se não tentar. Eu não vou ter paz. - confessou a mãe.

— Vou conversar com seu pai. Me deixe conversar com seu pai primeiro.

Catarina, uma vez mãe, não queria ver o filho de arriscando por qualquer motivo, ia tentar o ajudar e ajudar Ana sem que ele precisasse se envolver.

Clara e Miguel adentraram a loja.

— Hum… até que enfim! - Catarina se aproximou da filha, Clara parecia mais leve. - Lembrei até de Portugal quando sumia com Miguel durante a tarde e voltava com três vestidos novos.

Clara sorriu entortando os olhos, sabendo que era verdade.

— Faz muito mal juízo de minha pessoa mãe. Ajudei Miguel a arranjar um emprego, só isso.

Catarina abraçou Miguel comemorando o emprego.

— Saiba que fico muito feliz, é como um filho pra mim Miguel. Muito feliz também de estar se aproximando de Clara novamente, ela estava precisando de você.

— Mãe! - Clara protestou diante da confissão da mãe.

— Sabe que é verdade, só conversa com aquela galinha ou fica em cima de seus quadros.

Miguel sorria diante da cena, era reconfortante viver tudo aquilo de forma ligeiramente calma. Clara e Catarina continuavam as mesmas.

— Eu preciso ir, porque minha mãe deve tá preocupada.

— Vá, mas volte sempre. - Catarina pegou um pote de doce de leite da prateleira. - Leve para a sobremesa do jantar de vocês.

Miguel se despediu de todos, limitou-se a dizer tchau a distância a Clara, ambos se sentiam estranhos depois do quase acontecimento.

— Cadê meu pai? - Clara perguntou.

— Saiu durante a tarde, deve já estar voltando. Me ajudem a organizar a loja para fecharmos daqui a pouco. - Catarina pediu aos filhos, também estava estranhando a demora de Petruchio.

xx

Petruchio esperou a escola estar vazia para aparecer por lá, Edmundo sozinho em sua sala não poderia fugir de si. Estava com o caderninho de Catarina na mão e limitou-se a chegar perto do ex-cunhado e lhe pedir:

— …Preciso que leia o que Catarina escreveu e transforme em um artigo de jornal.

Edmundo enrugou a testa diante do que Petruchio lhe pedia. Folheou o caderninho, mas ainda não entendia onde ele queria chegar com aquele pedido.

— … ela sempre sonhou em escrever pra um jornal, mas os homens simplesmente não dão chance por ela ser divorciada, mesmo antes de ser divorciada ela não tinha grandes chances, então eu quero fazer uma surpresa pra ela, mas infelizmente não sei português. Mas ocê sabe! - Petruchio encarou Edmundo decidido  - Catarina sempre te ajudou, no pior momento que vivia ela te ajudou. Tá na hora de retribuir.

 


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